sábado, 7 de outubro de 2006

Maquiavelismo

Utilizando as categorias weberianas, diremos que Maquiavel adopta a moral de responsabilidade em vez da moral de convicção. Adopta aquela moral onde os fins justificam os meios, onde se admite que o homem pode perder a alma para salvar a cidade: se se trata de deliberar sobre a sua salvação (da pátria), ele (o cidadão) não deve ser paralisado por qualquer consideração de justiça ou injustiça, de humanidade ou de crueldade, de ignomínia ou de glória. Porque para se alcançar o fim do salute della patria, non vi debbe cadere alcuna considerazione nè di giusto nè di ingiusto, nè di pietoso, nè di crudele, nè di laudabile, nè de ignominioso, é preciso defender a pátria gloriosamente ou não, todos os meios são bons desde que ela seja defendida. Assim, não pode, portanto, um senhor prudente, nem deve, observar a fé jurada, quando tal observância redunde em seu prejuízo, e quando tenham desaparecido as razões que fizeram que a jurasse. É que se os homens fossem todos bons, este preceito não seria bom, mas porque são maus e não respeitarão para com o príncipe a palavra dada, não tem o príncipe que a respeitar para com eles.
Segundo Hannah Arendt, a questão, tal como Maquiavel a viu, não era se amava mais Deus do que o mundo, mas se seria capaz de amar mais o mundo do que a si próprio. E, de facto, esta decisão foi sempre crucial para todos os que dedicaram a sua vida à política.
A maior parte dos argumentos de Maquiavel contra a religião são dirigidos contra os que se amam a si mesmos, ou seja, a própria salvação mais do que o mundo; não são dirigidos contra os que realmente amam a Deus mais do que amam, quer o mundo, quer a si próprios.
Utilizando agora palavras de Cabral de Moncada, diremos que ele apenas veio dizer alto aquilo que todos, ou antes, muitos, particularmente os príncipes, diziam já em voz baixa, e, mais do que tudo, praticavam. Basta recordar estas palavras do florentino: há dois géneros de combate: um que se serve das leis, outro que se serve da força: o primeiro é próprio do homem, o segundo dos irracionais: mas porque o primeiro muitas vezes não basta, convém recorrer ao segundo. A um príncipe é necessário, portanto, saber usar ou o animal ou o homem que estão dentro dele (... ) Estando, então, um príncipe necessitado de saber usar bem o animal, deve eleger como tal a raposa e o leão; porque o leão não se defende das armadilhas e a raposa não se defende dos lobos. Necessita, pois, de ser raposa para conhecer as armadilhas, e leão para amedrontar os lobos.
Segundo Jacques Maritain, o resultado prático do ensino de Maquiavel foi, para a consciência moderna, uma cisão profunda, uma irremediável separação entre a política e a moral, e, por conseguinte, uma ilusória, mas mortal, antinomia, entre aquilo a que chamamos idealismo (confundido erradamente com a moral) e aquilo a que chamam realismo (confundido erradamente com a política). Continua e continuará, entretanto, a eterna dúvida de sabermos se, em política, os estados de violência não poderão ser tão ou mais violentos que os próprios actos de violência. O mesmo Maritain tentou responder, salientando que uma política não maquiavélica é obrigada a não cometer o mal. Não é obrigada a fazer reinar a virtude por toda a parte(... ) Não é falta moral aceitar serviços duma mão suja quando esse é o único meio de assegurar o êxito duma empresa tão arriscada como uma campanha militar, porque a política é arte de escolher entre grandes inconvenientes.
Posted by JAM