sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Nerves (The) of Government, 1963

Para o professor de Harvard, Karl Deutsch, em The Nerves of Government. Models of Political Communication and Control, 1963, a ideia de comunicação atinge a sua culminância utilizando duas metáforas fundamentais:


1. por um lado, faz equivaler o sistema político a um sistema nervoso, a um sistema de ligação de centros nervosos que são irrigados pela informação, um sistema dotado de sensores que captam a informação que, depois de transportada para os centros nevrálgicos do sistema, é seleccionada e se transforma em decisões;

2. por outro lado, compara-se o mesmo sistema político a um sistema de pilotagem, como um processo que tem em vista a obtenção de determinados fins, a condução da nau do Estado a um determinado porto, falando-se na política como um sistema de pilotagem do futuro. O ponto inicial do processo está nos receptores de dados e mensagens, nos centros de recepção de informação, nos pontos de entrada da informação proveniente do ambiente externo e interno, equivalentes ao que Easton considerava como os porteiros (gate-keepers). Os centros receptores comunicam a informação aos centros de processamento de dados, locais onde também se recebem os inputs sobre o próprio funcionamento do sistema. O centros de processamento de dados, em seguida, passam a informação tanto aos centros de decisão como ao centro de armazenamento, ao local do sistema onde funciona a memória e os valores.

A memória é o sítio do sistema onde se armazena a informação e onde os valores permitem confrontar as possibilidades de execução com as preferências. É aqui que se confrontam as mensagens do presente com informações recuperadas do passado. Surge, assim, como fonte da individualidade e da autonomia de um determinado sistema, atribuindo-lhe identidade, isto é, permitindo que surja um povo, entendido por Deutsch como uma comunidade de significações partilhadas, e gerando a autonomia, isto é, permitindo que o sistema seja capaz de utilizar informações do passado para poder decidir-se no presente.

É a partir desta repartição e exaltação de símbolos de uma comunidade que se teoriza a political socialization e a educação política, fundamentais para a comunicação de mensagens e para evitar o que Durkheim qualificava como anomia, a situação de um grande número de pessoas não saber que regras seguir no seu comportamento social.

Num terceiro momento do processo, temos o centro de decisão, que tanto recebe informação do centro de processamento de dados quanto do centro de memória e valores. Surge, assim, a retroacção da informação (feedback), dado que as informações podem ser recordadas e retroactivadas para decisões do presente. Deste modo, qualquer decisão é sempre a soma do ambiente com a memória. Contudo, a decisão é preparada na central da consciência do sistema, no local onde ocorre o processamento de resumos altamente simplificados e concentrados de mensagens de segundo grau, de mensagens já seleccionadas e estudadas pelos centros de recepção de dados, o sítio onde se dá simultaneamente a inspecção e a coordenação, preparando-se a decisão. Num quarto momento, temos as implementation orders, realizadas pelos effectors. Isto é, depois de um centro de decisão surgem as estruturas que produzem ou fabricam as decisões.

Governar transforma-se, assim, numa pilotagem do futuro, sendo equivalente à condução de um navio, dado que também na governação se caminha para um determinado objectivo, recebendo informação sobre a viagem já decorrida, sobre a posição actual, e face ao objectivo programado. Deutsch refere, no artigo Communications Models and Decision System, de 1967, que o conceito subjacente a todas as operações deste género pode ser designado por retroacção (feedback). As aplicações deste princípio de retroacção às máquinas modernas cercam-nos por todos os lados. Os termóstatos nas nossas casas, os ascensores automáticos dos edifícios comerciais, os aparelhos de visor automático das baterias aéreas e os mísseis teleguiados de hoje, todos representam aplicações deste princípio.

O mesmo autor, retomando São Tomás de Aquino, considera que a nossa palavra “governo” vem de uma raiz grega que se refere à arte de pilotar um navio. O mesmo conceito subjacente reflecte‑se no duplo sentido da expressão inglesa “governor” que tanto quer dizer uma pessoa encarregada do controlo administrativo de uma unidade política como o dispositivo mecânico que controla a marcha de uma máquina a vapor ou de um automóvel. Ao olharmos estas questões mais de perto, verificamos, com efeito, que existe uma certa similitude subjacente entre a forma de “governar” um navio ou uma máquina (seja pela mão do homem, seja pela pilotagem automática) e a arte de governar as organizações humanas. Pilotar um navio consiste em guiar o seu comportamento futuro, a partir de informações respeitantes, de um lado, à sua marcha no passado e, por outro, à posição que ocupa no presente relativamente a um certo número de elementos que lhe são exteriores, o fim. Governar equivale a pilotar, a conduzir o navio para um determinado porto, para um fim, um objectivo, um goal. Porque, tal como pilotar um navio é confrontar constantemente a respectiva posição com a prévia rota estabelecida, determinando-se a distância que o separa do porto de chegada, assim governar é confrontar um fim, o programa de política externa e de política interna, com o grau de execução do programa, com as medidas tomadas. A situação é semelhante aos mísseis teleguiados, que dispõem de um servomecanismo, de um sistema de correcção da rota que os aproximam do objectivo, do alvo. Até os sistemas de voo com pilotagem automática dispõem desse sistema de correcção da rota, tendo em vista a aproximação ao ponto de chegada. Em qualquer dos casos, o elemento fundamental é aquilo que Deutsch qualifica como o negative feedback, as informações sobre o próprio estado do sistema que levam o mesmo a reagir às suas próprias transformações. As informações sobre as consequências das decisões e das acções voltam ao sistema, de maneira a surgir um controlo da acção com base nos erros passados. Deutsch faz aqui uma comparação com os termóstatos que reagem a uma elevação anormal da temperatura cortando a energia ao próprio sistema, para, depois, a retomarem quando se volta à normalidade. O negative feedback leva, assim, a que um sistema disponha de dois tipos de informações:
-
as informações externas, as informações da relação do ambiente com o sistema;
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as informações internas, as informações sobre o próprio estado do sistema.

Nestes termos, haveria que atender:
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ao load, ou carga, ao peso da informação recebida pelo sistema;
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ao lag, o atraso ou demora do sistema, ao espaço de tempo que vai do momento da recepção da informação sobre a posição à execução do momento de adaptação, ou, como diz Deutsch, à fracção de tempo que vai entre a recepção da informação sobre a posição de um avião inimigo e o momento em que os canhões anti-aéreos estão realmente apontados para o local escolhido para a intercepção;
-
ao gain, ao ganho, à soma das modificações reais do comportamento que resultam das operações de correcção, à velocidade e à importância da reacção do sistema político face aos novos dados de que se teve conhecimento;
- ao lead, à décalage ou adiantamento, à distância entre a posição correctamente prevista do alvo móvel e a posição real donde os últimos sinais foram recebidos. É que as probabilidades de êxito na procura de objectivos estão sempre inversamente relacionadas com a quantidade de “load” e “lag”. Até certo ponto podem relacionar-se positivamente com as quantidades de “gain”, mas em elevados níveis de “gain”, esta relação pode inverter-se; e sempre se relacionam positivamente com a quantidade de “lead”.

Retirado de Respublica, JAM