terça-feira, 27 de março de 2007

Pessimismo antropológico

Para Maquiavel todos os homens são maus (P, 17). Porque são naturalmente animais egoístas. Porque a maneira como vivemos está tão longe da maneira como deveríamos viver, que aquele que põe de parte o que se faz para se preocupar com o que se deve fazer, cavará a sua própria ruína em vez de prover ao seu sustento. Os homens actuam pelo curto prazo (è apressa) e não pelo longo prazo (discosto). Dele deriva a célebre frase, segundo a qual, a longo prazo estamos todos mortos. Ninguém sacrifica um ganho imediato a pensar num lucro futuro (a lógica de valer mais um pássaro na mão do que muitos a voar). Assim considera que a vida é um jogo de soma zero, onde o enriquecimento de uns é feito à custa do empobrecimento de outros e onde o poder de uns é conseguido à custa da falta de poder de outros. O Principe é assim visto como aquele que serve para dar aos súbditos uma perspectiva de longo prazo: A intervenção do Principe consiste em igualizar os egoísmos em si mesmos anarquizantes, fazendo-os entrar numa sociedade concorrencial guiada por uma perspectiva de longo prazo (Edmon, p. 495).
Retirado de Respublica, JAM

Piemonte

O reino do Piemonte que esteve na base da unificação italiana em 1861, tem origem no Grão-Ducado da Sabóia que, no século XVII, ainda constituía uma espécie de protectorado francês. A partir do ducado de Sabóia vai-se instituindo como que por agregação o Estado saboiano, com o condado de Nice, o ducado de Aosta, o principado de Oneglia, o marquesado de Monferrato e várias cidades piemontesas que levam o duque de Sabóia a intitular-se, já no século XVI, como Príncipe do Piemonte. Foi em 1559, pelo Tratado de Cateau-Cambrésis que o duque Emanuel Filibert voltou ao seu Estado, depois de se ter aliado ao Imperador na batalha de Saint Quentin. A partir de então instala-se em Turim, criando um exército local. No século XVII desenrola-se uma luta entre a facção pró-espanhola e a facção pró-francesa, com vitória desta última. Quando em 1675 sobe ao poder Victor Amadeu, a Sabóia era quase um protectorado francês, estando totalmente dependente de Luís XIV. Em 1690 e 1704, os territórios saboianos foram invadidos por franceses, mas em 1706, com a vitória na batalha de Turim, o norte de Itália livrou-se da ocupação das tropas franco-espanholas. Nos inícios do século XVIII retoma uma certa independência no contexto do equilíbrio europeu; pela Paz de Utrecht de 1713, Amadeu de Sabóia, além de receber o título de rei, obtém da Espanha a Sicília; entretanto, em 1720, faz uma troca com os Habsburgos austríacos, cedendo a Sicília e recebendo a Sardenha. Desde 1720, o grão-duque da Sabóia passa a assumir-se como Rei da Sardenha, destacando-se Carlos Emanuel III (1730-1773), um típico déspota iluminado, que alarga os seus domínios à Lombardia, Vítor Amadeu III (1773-1796) que se assume como inimigo da Revolução francesa e que em 1796 perde os territórios de Nice e da Sabóia. Em 1798 os territórios continentais do Piemonte são anexados pela França; Carlos Emanuel IV (1796-1802) já só governa a Sardenha; no reinado de Vitor Emanuel I (1802-1821) o reino, depois da Conferência de Viena de 1815 retoma as possessões continentais e vê acrescer os seus domínios com Génova; a partir de 1821, sob a regência de Carlos Alberto, rei de 1831 a 1849, estabiliza-se o modelo.
Retirado de Respublica, JAM

Pessoa, Fernando António Nogueira de Seabra (1888-1935)

O maior poeta português do século XX. Morre em 30 de Setembro de 1935, com 47 anos. Educado na África do Sul, onde a família se instala a partir de 1895, chega a frequentar a universidade de Capetown (1903-1904), depois de estudar na Commercial School de Durban. Vive profissionalmente em Lisboa como correspondente comercial, desde 1908, trabalhando em publicidade a partir de meados da década de vinte. Um dos fundadores da Orpheu, em 1915. Colabora em A Águia. Tem fundamentais páginas de reflexão política, onde se assume como feroz crítico do modelo da I República, chegando a exaltar o sidonismo do Presidente-Rei e, depois, a justificar a necessidade de uma ditadura militar. Contudo, não deixa de se manifestar como crítico agreste do salazarismo. Apesar de adepto do modernismo e de, assim, ter algumas coincidências com o nascente fascismo, é fortemente marcado pela educação britânica de cariz liberal. Contudo, o essencial das respectivas ideias políticas tem a ver com a teoria política de Portugal, onde assume uma perspectiva messianista e quintimperialista. Em síntese, quer aquilo que chegou a sintetizar como um nacionalismo liberal.
A ideia liberal
A defesa acérrima da ideial liberal aparece nomeadamente na Revista de Comércio e Contabilidade que edita entre Janeiro e Junho de 1926. Aí salienta que quanto mais o Estado intervém na vida espontânea da sociedade, mais risco há, se não positivamente mais certeza, de a estar prejudicando; mais risco há, se não mais certeza, de estar entrando em conflito com leis naturais, com leis fundamentais da vida, que, como ninguém as conhece, ninguém tem a certeza de não estar violando. E a violação de leis naturais tem sanções automáticas a que ninguém tem o poder de esquivar-se. Pretendendo corrigir a Natureza, pretendemos realmente substituí-la, o que é impossível e resulta no nosso próprio aniquilamento e do nosso esforço. Noutro local observa que o melhor regime político é aquele que permita com mais segurança e facilidade o jogo livre e natural das forças (construtivas) sociais, e que com mais facilidade permita o acesso ao poder dos homens mais competentes para exercê‑lo.
Conservantismo
Adopta, aliás, posições bastante próximas daquilo que designa por "conservantismo", que "consiste no receio de infringir leis desconhecidas em matéria onde todas as leis são desconhecidas". Porque "desconhecemos por completo as leis que regem a sociedade, ignoramos por inteiro o que seja, em sua essência, uma sociedade, porquê e de que modo se definha e morre", pelo que o "Estado é chamado a governar uma coisa que não sabe ao certo o que é, a legislar para uma entidade cuja essência desconhece, a orientar um agrupamento que segue (sem dúvida) uma orientação vital que se ignora, derivada de leis naturais que também se ignoram, e que pode portanto ser bem diferente daquela que o Estado pretende imprimir‑lhe".
(...) autoridade "é a força consolidada, translata, a força tornada abstracta", aquela base de governo que vem depois do governo da força e antes do governo da opinião.
Contudo, considera que "a autoridade não dura sempre, porque nada dura sempre neste mundo.Sendo a autoridade um prestígio ilógico, tempo vem em que, degenerando ela como tudo, a inevitável crítica humana não vê nela mais do que ilogismo, visto que o prestígio se perdeu".A autoridade é "incriável e indecretável, e a tradição, que é a sua essência, tem por substância a continuidade, que, uma vez quebrada, se não reata mais"
"o preceito moral,para ser verdadeiramente preceito,nunca esquece um certo limite" e que "o preceito prático ,para ser verdadeiramente preceito,nunca esquece uma certa regra".
"em matéria social não há factos científicos.A única coisa certa em ciência social é que não há ciência social. Desconhecemos por completo o que seja uma sociedade; não sabemos como as sociedades se formam, nem como se mantém,nem como declinam.Não há uma única lei social até hoje descoberta; há só teorias e especulações que, por definição, não são ciência".
"cada homem é, ao mesmo tempo, um ente individual e um ente social. Como indivíduo, distingue‑se de todos os outros homens; e porque se distingue,opõe‑se‑lhes. Como sociável, parece‑se com todos os outros homens; e porque se parece, agrega‑se‑lhes"
organizar é "fazer de qualquer coisa uma entidade que se assemelhe a um organismo, e como ele funcione", sendo organismo "uma entidade viva em que diferentes funções são desempenhadas por órgãos diferentes, incapazes de se substituirem entre si, e concorrendo todos, na sua entreacção de conjunto, para a manutenção e defesa da vida do conjunto do organismo, ou do organismo como conjunto". Neste sentido, "quanto mais alto o organismo na escala evolutiva,mais complexos os seus órgãos,maais diferenciados; e, quanto mais diferenciados esses órgãos, menos capaz é cada um deles de exercer a função que compete ao outro".
a nação teria sempre uma triplice relação com o passado, o presente(nacional e estrangeiro) e o futuro. Porque "em todos os períodos há forças que tendem para manter o que está, porque tendem a adaptar o que existe às condições presentes, e forças que tendem a dirigir o presente para um norte previsto,visionado no futuro".
Para ele "a Nação é uma entidade natural, com raízes no passado, e, poder‑se‑ia acrescentar, em linguagem paradoxa, mas justa, com raízes também no futuro. O Estado é fenómeno puramente do presente, tanto que se projecta em , e se consubstancia com, o Governo que esteja , de momento, de posse da actividade desse Estado"

Uma Nação é, assim, "um organismo específico em que, como em todos os organismos, lutam, sustentando‑o, forças que tendem a dissolvê‑lo e forças que tendem a conservá‑lo".

Forças de integração
Entre as forças de integração, coloca ,em primeiro lugar, "a homogeneidade do carácter nacional, cuja acção integradora consiste em nacionalizar todos os fenómenos importados do estrangeiro". Refere,em segundo lugar, "a coordenação das forças sociais" e, em terceiro, "a sociabilização das forças individuais", considerando que "a decadência artística e literária é o fenómeno mais representativo da decadência essencial de uma nação".

Temos, pois, que a nação é entendida como "um conceito puramente místico", como "um meio de criar uma civilização", como um "organismo capaz de progresso e de civilização". Porque "a nação sendo uma realidade social não o é material". É "mais um tronco do que uma raiz. O Indivíduo e a Humanidade são lugares, a nação o caminho entre eles... A Nação é a escola presente para a Super‑Nação futura".

Este conceito de nação como instrumento de uma Humanidade superior levou o mesmo poeta a reagir contra o lema do salazarismo que dizia "tudo pela nação, nada contra a nação", replicando com um "tudo pela humanidade, nada contra a nação" e considerando que "o Estado é simplesmente a maneira de a Nação se administrar: rigorosamente, não é uma coisa, mas um processo".

"o critério moral é absoluto, o critério político ou cívico é relativo. O Estado está cima do cidadão, mas o Homem está cima do Estado. Nenhum Estado, nenhum Imperador, nenhuma lei humana podem obrigar o indivíduo a proceder contra a sua consciência, isto é, contra a salvação da sua alma. O inferior não pode obrigar o superior".
"toda a criatura que hoje luta com a Alemanha deve saber que está lutando pelos princípios seguintes:
1. A Civilização está acima da Pátria.
2. O Indivíduo vale mais do que o Estado.
3. A Cultura vale mais do que a Disciplina
"toda a teoria deve ser feita para poder ser posta em prática, e toda a prática deve obedecer a uma teoria. Só os espíritos superficiais desligam a teoria da prática, não olhando a que a teoria não é senão uma teoria da prática, e a prática não é senão a prática de uma teoria".
Retirado de Respublica, JAM

Personalismo

Termo cunhado por Charles Renouvier que Emmanuel Mounier utilizou para qualificar o respectivo movimento iniciado em 1932, com a publicação da revista Esprit, onde pretende refazer a Renascença, revoltando-se como o mundo burguês e fascista. O termo chega também a ser utilizado por autores norte-americanos que, em 1920, a partir de Los Angeles, fundam a revista The Personalist.

Personalismo Comunitário
Expressão proposta por Jacques Maritain para a qualificação do respectivo humanitarismo integral, distinto do personalismo intitucional de Emmanuel Mounier. A expressão serve para qualificar a democracia comunitária, defendida pelos doutrinários da democracia-cristã, uma ideia de comunidade inspirada pelo amor e vivificada pela solidariedade.

Personalismo e direito natural LACROIX
Personalismo regime para pequenas nações em Mounier,
Personalização do poder. Ver Culto da Personalidade.
Retirado de Respublica, JAM

Persuasão

Do grego peíthein, significando contrário da violência e da coerção muda. É a característica típica do homem livre quando obedece a um governo. Daí veio o termo grego que significa meter em obediência: peitharkía, que, segundo Hannah Arendt indica claramente que a obediência era obtida por persuasão e não pela força. Infelizmente, os politólogos norte-americanos têm usado a expressão conotando-a com os processos ínvios da obtenção do consentimento pelo engodo e pela própria manha. A persuasão política como procura do consenso. A utilização da palavra para se cconseguir a adesão.
Retirado de Respublica, JAM