sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Leibniz, Gottfried Wilhelm (1646-1716)

Defende uma tese de filosofia em 1663 e uma de direito em 1666. O que não o impede de também se dedicar à química e à matemática. Luternado, filia-se na Rosa-Cruz. Vive em Paris de 1672 a 1676. Bibliotecário do Hanôver.

Outro elemento marcante do período é o luterano alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), que, fiel à máxima da reconciliação, harmonia e síntese, tentou recuperar a escolástica aristotélica. Apesar de não ter especial originalidade no tocante ao pensamento jurídico, é responsável pela criação de uma forma mentis racionalista que tentou reagir contra os excessos laicistas.

No plano epistemológico, procurou elaborar uma teoria onde se conciliariam a causalidade com a finalidade, a necessidade com a liberdade, bem como a história do mundo com a graça divina, tentando introduzir-se no entendimento divino através do cálculo infinitesimal, considerando que o universo, uma vez criado, passa a ser uma entidade autárcica. Neste sentido, considerando que a harmonia universal é Deus, pretendia instaurar uma espécie de alfabeto do pensamento, onde a física, a mecânica e a matemática deveriam ocupar o espaço da metafísica, como defende em Monadologias, de 1695.

O fulcro do pensamento leibniziano são as mónadas, essas realidades indivisíveis e independentes umas das outras que não têm janelas pelas quais qualquer coisa possa lá entrar ou sair, mas que formam a substância. As mónadas, equivalentes a cada um dos indivíduos, são entendidas como um mundo à parte, auto‑suficiente, permitindo que vivêssemos numa perfeita independência face à influência de todas as outras criaturas. São centros espirituais dinâmicos em que se compenetrariam individualidade e substancialidade, assumindo-se, ao mesmo tempo, como um espelho do mundo e como uma criação original. E é através delas, entendidas como microcosmos, que cada indivíduo se une ao cosmos, reflectindo aquela totalidade do mesmo, uma harmonia pré-estabelecida por Deus.

descobriu em 1675 os princípios fundamentais do cálculo infinitesimal, na mesma altura em que, de forma independente, Isaac Newton chegava também a tal descoberta (1666). Para Leibniz universo seria composto de mónadas, entendidos como centros de força espiritual ou de energia. Cada uma delas seria um micro-cosmos, um espelho do universo, através de vários degraus de perfeição e desenvolvendo-se independentemente de outras mónadas. O universo que as mesmas constituiriam seria harmonioso, resultando de um plano divino, gerando-se aquele melhor dos mundos possíveis, que Voltaire caricaturizaria na novela Candide de1759. As Monadologias seriam publicadas em latim sob o título de Principia Philosophiae, em 1721. Só em 1840 é que Erdmann utilizou aquele título para um trabalho que Leibniz tinha deixado sem baptismo.

Mónada, de onde vem monismo, significa o uno como aquele que é oposto ao plúribo. O termo, criado por Pitágoras, já era utilizado por Platão, sendo retomado por Giordano Bruno, no sentido dos elementos físicos ou psíquicos simples que compõem o universo

advoga a ligação entre o direito e a moral bem como o carácter omnicompreensivo da justiça, admitindo a existência de vários graus do bem: num primeiro grau, equivalente ao honeste vivere, temos aquilo que ele considera como a justiça universal, em relação com Deus e correspondente à piedade, abarcando todas as virtudes e tendo por fim a salvação.

Num segundo grau, correspondente ao suum cuique tribuere, surge a justiça distributiva, em relação com a humanidade, correspondente à equitas e identificando-se com a caridade.

Num terceiro grau, correspondente ao neminem laedere, temos o direito em sentido estrito, a relação com a sociedade política.

Deus

Piedade

honeste vivere

Humanidade

Caridade

suum cuique tribuere

Sociedade política

Direito

neminem laedere


Uma classificação tripartida que Leibniz identifica com os praecepta iuris dos romanos, conforme o quadro seguinte:

Justiça distributiva

Justiça comutativa ou sinalagmática

Justiça geral, social, protectiva ou tutatrix

suum cuique tribuere

Alterum non laedere

honeste vivere

Relações totium ad partes (do todo para com as partes)

Relações partium ad partes (das partes para com as partes)

Relações partium ad totum (das partes para com o todo)

O que o todo deve a cada um

O que cada um deve ao outro

O que cada um deve ao todo

Proporção geométrica

Proporção aritmética

Bem comum

Dar a cada um conforme as suas necessidades

Igualdade relativa

De cada um, conforme as suas possibilidades

Considera, assim, que a justiça inclui a caridade e a sabedoria, tendo o direito e a moral a sua origem num Deus que é acessível a todos os homens pela razão natural, pelo que os seus princípios devem inspirar o direito voluntário ou humano.

No plano propriamente jurídico, se começou por reflectir um estreito voluntarismo nominalista, logo tentou conciliar-se com o racionalismo, à maneira da escolástica peninsular, acabando por defender a necessidade de uma doutrina do direito natural segundo a doutrina dos cristãos. Cabe-lhe também a defesa de uma sistematização unitária do direito, precedendo o movimento da codificação.

Compreende-se pois que advogue a ligação entre o direito e a moral e que adopte uma concepção globalista ou omnicompreensivo da justiça, considerando a existência de vários graus do bem. Num primeiro grau, equivalente ao honeste vivere, trata-se da justiça universal (iustitia universalis), da relação com Deus, correspondendo à piedade (probitas ou pietas) e abarcando todas as virtudes, tendo por fim a salvação

Num segundo grau, correspondente ao suum cuique tribuere, trata-se da justiça distributiva, da relação com a humanidade, tendo a ver com a aequitas e identificando-se com a caridade.

Num terceiro grau, correspondente ao neminem laedere e à justiça comutativa, temos o direito em sentido estrito (ius ou ius strictum), a relação com a sociedade política.

É com base nesta classificação tripartida que proclama a necessidade da justiça incluir a caridade e a sabedoria. Porque, tendo o direito e a moral a sua origem num Deus que é acessível a todos os homens pela razão natural, devem os seus princípios inspirar o direito voluntário ou humano.

De particular destaque, são os projectos do luterano alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), de 1677 e 1678, onde se sugere a criação de um colégio universal, religioso e político, sob a dupla autoridade do papa e do imperador.

Leibniz constitui talvez das últimas grandes figuras da intelectualidade europeia a manter fidelidade ao modelo da res publica christiana, insurgindo-se contra as teses de Hobbes e Bossuet.

Ainda acreditava que toda a cristandade forma uma espécie de república e que o Império representa o braço secular da Igreja universal, defendendo que a totalidade dos espíritos deve formar a Cidade de Deus, isto é, o mais perfeito Estado possível, sob o mais perfeito dos Monarcas. Esta Cidade de Deus, esta verdadeira monarquia universal, é um mundo moral no mundo natural, e é o que mais se deve exaltar entre as obras de Deus.

Contrariando o a leitura absolutista, então assumida por Bossuet, considerava que tal unidade não resultava do direito divino, dado ter surgido do consenso unânime dos que não se opuseram ao bem comum da Cristandade.

Se, por um lado, defende a soberania de todos os príncipes alemães, mesmo dos não eleitores, pugna pela maiestas do Império que deveria ter alguma autoridade, uma espécie de primazia, o que se poderia obter transformando os Concílios ecuménicos num Senado Geral da Cristandade.

Ei-lo luterano, a reconhecer a necessidade de unificação da cristandade através de um papado verdadeiramente universal. Chega mesmo a observar que a Reforma não teria sido necessária se tivessem sido aplicadas as decisões do Concílio de Constança e se as teses do movimento conciliarista do século XV tivessem sido assumidas pela Igreja.

A chave para o entendimento desta conciliação entre a supremacia ou soberania das várias unidades do Império e a maiestas deste, levava, contudo, a uma rejeição do conceito de soberania de Hobbes.

Com efeito, para os soberanistas só poderia haver Estados unitários ou uma aliança de Estados unitários, enquanto Leibniz advoga um conceito de soberania divisível e a consequente possibilidade de um duplo governo, algo menos que um Estado unitário e algo mais do que uma simples aliança.

Para ele, existiriam vários degraus de autoridade: o primeiro era a superioritas do simples direito de jurisdição, que atribui ao senhor a potestas de causis statuendi; o segundo era o ius manus militaris ou a superioridade territorial; o terceiro degrau era a supremitas ou a autarcia, típica do príncipe livre ou república, implicando a capacidade real de resistência face a potências estrangeiras. Só depois viria a maiestas, o direito supremo de comando que, enquanto honra, pertenceria ao Imperador e, enquanto poder, ao Imperador e ao Império, representado pela Assembleia dos príncipes.

Contrariando o conceito monista de soberania indivisível, omnipotente e absoluta, para quem a totalidade dos iura regalia pertenceria a um único soberano, Leibniz considerava que os mesmos não passariam de iura aggregata, não determinando a essência da soberania e que, portanto, poderiam ser separados, por analogia com o próprio direito privado. É que, segundo as suas próprias palavras, a soberania subsiste, não obstante as obrigações, ou, se se quiser, todas as sujeições que submetem um príncipe às ordens de qualquer outro

Se os adeptos do monismo soberanista consideram que uma entidade soberana exige três monopólios: o do constrangimento, o da jurisdição e o da organização dos poderes públicos, já Leibniz permite que os dois últimos possam ser repartidos: vários territórios podem reunir-se num só corpo, mantendo intacta a hegemonia de cada um, citando os exemplos do Império, da Suíça e das Províncias Unidas.

Chega mesmo a considerar que, neste sentido, só poderia existir soberania numa república onde Deus fosse o rei, só aqui é que poderia existir omnipotência. Deste modo, entende que o conceito hobbesiano de soberania não poderia ser aplicado a um Estado civilizado e nem mesmo no império turco, dado ser contrário à natureza humana

Retomando Vitória, para quem cada Estado, como parte do universo ou o mundo cristão, tem deveres relativamente ao todo a que pertence, não tarda que, em novo escrito, o mesmo autor desenvolva este modelo, propondo a expansão espiritual da Europa pela concertação entre as principais potências, de certo modo antecipando algumas das ideias que vêm a marcar a frustrada Santa Aliança.

Coloca-se assim contra a tentativa de estatização que não só expropriou os poderes dos collegia que existiam abaixo do Estado como das autoridades universais existentes acima do Estado. Para ele, o Estado era apenas o quinto degrau da sociedade natural, depois da comunidade dos homens e das mulheres, o primeiro degrau; da comunidade dos pais e dos filhos, o segundo degrau; da comunidade dos senhores e dos servos, o terceiro degrau; e de todas as households, o quarto degrau.

Mas, acima do Estado estaria a Igreja de Deus, incluindo tanto a Igreja propriamente dita, como o Imperador, a cabeça e o defensor da res publica christiana

Leibniz sempre foi marcado pelo impossível de conciliar os contrários, através daquilo que qualificava como reconciliação, harmonia e síntese. Assim, eis que, enquanto homem do iluminismo, tentou recuperar a escolástica aristotélica, do mesmo modo que, como luterano convicto, procurou a reconciliação com os católicos.

Chega mesmo a procurar conciliar a causalidade com a finalidade, a necessidade com a liberdade, bem como a história do mundo com a graça divina. Tenta assim introduzir‑se no entendimento divino através do cálculo infinitesimal, considerando que o universo, uma vez criado, passa a ser uma entidade autárcica. Neste sentido, considerando que a harmonia universal é Deus, pretendia instaurar uma espécie de alfabeto do pensamento, onde a física, a mecânica e a matemática deveriam ocupar o espaço da metafísica.

Os seus planos de harmonia europeia remontam a 1671, ao escrito Consilium Aegyptiacum onde procura convencer Luís XIV a lançar-se na conquista do Egipto, argumentando que o rei de França, poderia, deste modo, galardoar-se com o título de Imperador do Oriente e assumir-se como o federador da catolicidade europeia.

O governo francês, que tinha acabado de sair da Guerra da Devolução (1667-1668) e via levantar-se contra ele a Tríplice Aliança de Haia, entre a Inglaterra, a Suécia e as Províncias Unidas, declarou então ao filósofo que os projectos de guerra santa têm, de notoriedade pública, perdido qualquer actualidade desde a época de S. Luís.

Luís XIV preferia então o jogo da diplomacia e da guerra no próprio teatro de operações da Europa. Primeiro, consegue quebrar a aliança entre as Províncias Unidas e a Inglaterra, aliando-se a esta, pelo Tratado de Douvres, depois assegura-se da neutralidade do Imperador. Com esta cobertura diplomática, lança-se então numa invasão das Províncias Unidas, desencadeada a partir de Maio de 1672, o que obrigou os holandeses a resistir pela abertura dos diques, que retardou a conquista e permitiu que em 1673, surgisse uma coligação contra a França, integrada pela Espanha, pelo Imperador e pelo Brandeburgo. A guerra vai depois generalizar-se com Luís XIV a voltar-se contra a Espanha nos Países Baixos e no Franco Condado, enquanto a Inglaterra abandonava a sua luta contra os holandeses, logo em 1674, enquanto se dava a emergência da Prússia, que expulsa os suecos da Pomerânia Oriental.

Entretanto, Leibniz que, a partir de 1676, passa a estar ao serviço do príncipe João Frederico de Hanôver, com o cargo de bibliotecário, elabora, a pedido deste, em 1677, um tratado sobre o direito de supremacia ou de soberania e de embaixada dos eleitores e príncipes do Império alemão De jure suprematus et legationis electorum et principum Germaniae, utilizando o pseudónimo de Caesarinus Furstenerius.

A obra que se destinava a dar argumentos ao Congresso de Nimega, que vai concluir-se em 1678, sugeria também a criação de um colégio universal, religioso e político, sob a dupla autoridade do papa e do Imperador.

Aí constrói o modelo teórico de soberania que já referimos, procurando aplicá-lo aos príncipes alemães, a fim de considerar que, sendo estes soberanos, também deveriam ter ius legationis, procurando, deste modo, acabar com a distinção entre os meros Príncipes e os Príncipes Eleitores.

Depois disso, em 1678, o mesmo Leibniz chega a publicar um opúsculo intitulado Entretien de Philarète de d'Eugène. Sur la question du temps agitée à Nimwègue touchant le droit de Souverainité et d'Embassade des Electeurs et princes de l'Empire, onde desenvolve e vulgariza as ideias eruditamente apresentadas em 1677.

Nesta última obra, considera que a Europa não cessa de conspirar contra si mesma, propondo que ela refaça a sua unidade espiritual, considerando o Imperador como director e chefe espiritual da Igreja Universal.

Leibniz, que não pretendia o regresso à ideia medieval de monarquia universal, dado que esta só poderia concretizar-se através da existência de um ditador europeu, visava tão só o estabelecimento de uma suprema arbitragem: Non Monarchiam Universalem ... sed Directionem generalem seu arbitrium rerum esse.

As suas perspectivas eram assim mais vastas que as de Sully e de Crucé, dado que , além da reorganização da Europa, visava também um movimento de expansão da evangelização. A França seria a responsável por África. A Suécia e a Polónia pela Sibéria e pela Taurídia. A Inglaterra e a Dinamarca pela América do Norte. A Espanha pela América do Sul. A Holanda pelas Índias Orientais.

Como dizia numa carta dirigida a Mme Brinon, de 29 de Setembro de 1791, a união opera-se, a catolicidade reforma-se, a Germânia e a Latinidade reencontram a sua comunhão espiritual, as Províncias Unidas e a Inglaterra regressam, por seu turno, numa Igreja que é ao mesmo tempo romana e reformada, e os crentes, todos os crentes, opõem-se às forças dissolventes que ameaçam a respectiva fé.

Era uma visão mística, bem semelhante àquela que, depois, vai levar Alexandre, através da Senhora Krüdener, à ideia de Santa Aliança. Neste sentido, procurou mesmo a conciliação entre católicos e protestantes e, com este espírito, levou Frederico o Grande a fundar em Berlim uma Academia das Ciências, em 1700, de que foi o primeiro presidente. E, apesar de estar ao serviço de Hanôver, de 1676 até à data da sua morte, não deixou de colaborar também com o próprio Pedro o Grande da Rússia, para quem elaborou um projecto de reforma do direito russo.

· Nova methodus docendaeque docendaeque jurisprudentiae, 1667.

· Observationes de principio juris, 1670.

· De juri suprematus ac legationis Principum Germaniae, 1677.

· Specimen demonstrationum politicarum pro eligendo Rege Polonorum.

Retirado de Respublica, JAM

Foto picada de Matheplanet