quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Extrait du Projet de Paix Perpétuelle de l'Abbé de Saint Pierre , 1761

Rousseau, em 1756, foi encarregado pela família e pelos amigos do abade de resumir aquilo que qualificava como um fatras de vingt volumes. Em 1761, numas contidas, objectivas e elegantes quarenta páginas publica um Extrait du Projet de Paix Perpétuelle de l'Abbé de Saint Pierre e, em 1782, volta a referir-se à mesma num Jugement sur la Paix Perpétuelle. E o Extrait de Rousseau vai fazer circular o projecto do Abade.

Voltaire vai dedicar-lhe o seu Rescrit de l'Empereur de la Chine à l'occasion du projet de Paix Perpétuelle, onde o imperador da China aparece a chamar ao autor do projecto l'abbé Saint-Pierre d'Utopie e trata de construir um modelo alternativo cuja execução atribui a Frederico II.

Retirado de Respublica, JAM

Expulsão das ordens religiosas (1910)

Logo em 8 de Outubro de 1910, o governo provisório repõe em vigor a legislação pombalista de 3 de Setembro de 1759 e de 28 de Agosto de 1767 sobre a expulsão dos jesuítas, bem como a legislação de 28 de Maio de 1834 que extinguia as casas religiosas e todas as ordens regulares. Se este último diploma, que deu a Joaquim António de Aguiar o epíteto de mata-frades, não expulsava as ordens religiosas femininas, o novo decreto abrange-as quando torna nulo o decreto de 18 de Abril de 1901. O diploma de 8 de Outubro foi mantido pelo nº 12 do artigo 3º da Constituição de 1911.

Retirado de Respublica, JAM


"(...) Depois de tanto florescimento na Ordem, surgem vários abanões e percalços. Vão-se aprofundar com o terramoto de 1755. Com este, vários Conventos foram abalados, alguns destruídos e morreram mesmo alguns frades carbonizados. Com tudo isto, o fervor religiosos também começa a ser atacado. Tudo culmina com a expulsão e extinção das Ordens Religiosas, ordenada por Joaquim António de Aguiar, em 1834. O Terramoto deu o primeiro toque; a extinção das Ordens Religiosas fez o resto. Também os Carmelitas partiram para o Brasil e por lá ficaram quase um século sem voltarem a Portugal. (...)"


Retirado da "Ecclesia"

Explicação vs. Compreensão

Segundo Dilthey, é o processo típico das ciências da natureza, as ciências físicas e biológicas. Nas ciências do espírito só seria possível a compreensão. Porque a natureza explica-se, a cultura compreende-se. Deste modo, apresenta uma alternativa ao método positivista de Durkheim que pretendia tratar os factos sociais como simples coisas. Também Husserl considera que as ciências empíricas apenas têm de conhecer, de estabelecer uma relação causal entre os fenómenos, enquanto as ciências eidéticas já teriam de intus legere, que procurar uma visão das coisas.

Retirado de Respublica, JAM

Expectativa

Antecipação de uma determinada ocorrência. Quando se espera que certa coisa venha a acontecer num certo tempo, num determinado lugar ou de uma certa maneira. Estatisticamente, equivale a uma probabilidade que é inferida face a relativa frequência observada.

Expectativa vs. Privação

Quando surge uma discrepância entre as expectivas de valores colectivos (o dever ser) e os valores efectivamente alcançados (o ser) dá-se uma privação relativa que pode constituir um dos motivos da violência política.

Gurr, Ted Robert.

Retirado de Respublica, JAM

Exoterismo

Segundo os clásicos greco-latinos tanto há um ensinamento exotérico, socialmente útil, de compreensão fácil para qualquer leitor, como um ensinamento esotérico, aquele que apenas se revela aos que estão cuidadosamente preparados, implicando um estudo demorado e concentrado

Leo Strauss, What is Political Philosophy, pp. 221-222.

Retirado de Respublica, JAM

Exit, Voice and Loyalty , 1970

Obra de Albert Hirchman onde se considera que cada indivíduo, para maximizar o respectivo interesse pode sair de um grupo (exit), desertar, mudar de Estado, de religião, de classe ou de família. Numa segunda alternativa pode decidir tomar a palavra (voice) para participar no grupo. Finalmente pode permanecer leal (loyalty) ao grupo. Numa sociedade de mercadao generalizado como a norte-americana privilegia-se a saída pessoal da classe, através da mobilidade social, ou do território onde se vive, pela mobilidade horizontal. Isto é, o indoivíduo, em vez de se comprometer numa estratégia de protesto colectivo, através da mobilização social, tende a maximizar os seus ganhos atarvés da saída individual do grupo.

Cambridge, Massachussetts, Harvard University Press, 1970 [trad. fr. Face au Déclin des Entreprises et des Institutions, Paris, Éditions Ouvrières, 1972; trad. cast. Salida, Voz y Lealtad, México, Fondo de Cultura Economica, 1977].

Ewald, François, L’État Providence, Paris, Éditions Bernard Grasset, 1986.

Retirado de Respublica, JAM

Existencialismo

Termo inventado por Soren Kierkegaard e adoptado por teóricos como Heidegger e Sartre. Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre e Merleau-Ponty. A esperança dos desesperados (Mounier). A teoria do homem revoltado de Albert Camus.
Movimento de ideias do século XX. Tem como precursores Soren Kierkegaard (1813-1855) e Friedrich Nietzsche. Utiliza o método fenomenológico de Husserl, quando este admite a validade do subjectivismo no domínio moral. Em França, começa a partir de 1924, com a chegada a Paris de Nicolai Berdiaev e desenvolve-se a partir de 1933, com a introdução do pensamento de Heidegger e Karl Jaspers, a partir da obra de Gabriel Marcel. Assume o pensamento concreto contra o pensamento abstracto, o espírito subjectivo contra o espírito objectivo; a consciência individual contra o fatalismo da história. Defende um idealismo activista e voluntarista. No caso concreto do existencialismo cristão, retomam as facetas platónico-escotistas em detrimento da tradição aristotélico-tomista, sendo particularmente invocados Dins Scottus, Schopenhauer, Nietzsche e Bergson.
Retirado de Respublica, JAM

Executivo, Poder

Órgão do Estado que começou por ser aquele que executava as normas legais emitidas pelo chamado poder legislativo, cabendo-se a direcção da política e da administração. Esta visão resulta da perspectiva liberal da separação de poderes, nascendo como recção contra o absolutismo.

Retirado de Respublica, JAM

Examen de Conscience sur les devoirs de la Royauté, composé pour l'instruction du duc de Bourgogne

Fénelon critica a monarquia absoluta, considerando: nada há que mais possa causar uma queda fatal do que uma autoridade sem limites; esta é semelhante a um arco demasiado tenso que se rompe imediatamente quando se afrouxa: mas quem ousará afrouxá-lo?. Neste sentido, aproximando-se dos ensinamento de São Tomás propõe uma monarquia aristocrática e descentralizada, respeitadora da tradição, com estados provinciais e estados gerais. Aproxima-se das teses de Saint-Simon, pai, e de Boulainvilliers. Opõe o despotismo teórico à fraternidade humana.

Retirado de Respublica, JAM

Evolucionismo e Estado.

A procura do elemento societário

Outro dos tradicionais elementos do Estado é, como vimos, a população. Não o elemento material, natural e bruto, mas a maneira de ser de um determinado conjunto de pessoas, as relações que fazem, dessa soma de elementos, um grupo autónomo, tendo sobretudo em vista os fins que o marcam, que o transformam, por razões espirituais, num conjunto coerente, diferenciado face a outros conjuntos e capaz de prestar consentimento a um determinado poder, fabricando legitimidade.

Da societas à civitas

Lewis Henry Morgan, autor de Ancient Society, de 1877,

O modelo evolucionista progressista

Todo o evolucionismo e todo o progressismo consideram, aliás, que as estruturas se realizam passando do simples ao composto e deste para o conjunto, onde já há coordenação num todo dos respectivos elementos integrantes. Neste processo de evolucionismo coordenador, a primeira estrutura seria o clã que se foi multiplicando e cindindo em vários grupos que, entretanto, começaram a hostilizar‑se. Numa segunda fase, perante esta fragmentação, e havendo necessidade de estabelecimento de uma hierarquia no interior do sistema social, tal conseguiu‑se pelo recurso tanto às castas como às raças vencedoras. E é destas entidades superiores, destas elites que vai emergir o Estado, entendido como a estrutura social integrante de forças antagonistas num conjunto ordenado, como, por exemplo, salienta Lester Frank Ward.

O modelo evolucionista organicista

Esta teoria da transformação dos organismos está também subjacente às teorias evolucionistas organicistas que consideram que o Estado surgiu do desenvolvimento da família. Trata‑se de uma posição que se é nítida em Fustel de Coulanges e Henry Sumner Maine, também não deixa de aparecer em Rousseau para quem a família é o primeiro modelo das sociedades políticas: o chefe é a imagem do pai, o povo é a imagem dos filhos. A mesma posição é adoptada por certos autores católicos, como Pietro Pavan para quem várias famílias formaram a tribo ou aldeia que, por sua vez, se associaram e formaram a cidade, dando várias cidades origem a uma entidade mais vasta:o Estado. Para o efeito invoca‑se o livro do Génesis (5, 31), onde se refere que as famílias se juntaram umas às outras e formaram um grupo orientado pelo respectivo chefe. Trata‑se de uma visão que também se encontra em Aristóteles ‑ para quem a polis seria uma associação de várias aldeias ‑ e que foi retomada por Cícero que salientava ser o conjugio a primeira das societates, a que se segue o domus que é principium urbis et quasi seminarium reipublicae. Mais recentemente Lecomte Du Nouy fala a este propósito na lei do aumento do tamanho que prevalece em Paleontologia, aproveitando para referir o possível desaparecimento do Estado num futuro longínquo.Para ele da família isolada, exposta a todos os perigos, ao clã, depois à aldeia; da aldeia à província, depois ao país e dum país aos Estados que entre si se confinam, a progressão é inelutável. E a protecção que a família derivava da associação ao clã, à aldeia modificou‑se quando, nos Estados totalitários, nos Estados polvos, a personalidade do indivíduo é inteiramente sacrificada à Pessoa política e económica que não é senão uma célula anónima. Iria por esse facto assistir‑se ao crepúsculo das nações, à morte das entidades impessoais, das colmeias governadas por leis desumanas. O esforço da civilização concentrar‑se‑á sobre o aperfeiçoamento da personalidade e da dignidade individual e a Evolução poderá, não é proibido pelo menos esperá‑lo, continuar a sua marcha no sentido do Espírito (La Dignité Humaine, Paris, 1949).

O paradigma da história romana

Na mesma linha se situa a clássica visão da história de Roma, com a passagem da família às gentes e depois à curia, à tribo e à civitas. Um evolucionismo que constitui um tópico do pensamento político clássico.Aristóteles coloca os seguintes degraus nessas corporações: domus, vicus, civitas, provincia, regnum, imperium.S. Tomás de Aquino e Baldo referem a sucessão vicus, civitas e provintia ou regnum.Dante fala em plura ordinata ad unum e considera a seguinte evolução: homo singularis, communitas domestica, vicus, civitas, regnum.Antonius de Rosellis, sistematizando a matéria, refere cinco corpora mystica universitatum, equivalentes às próprias divisões eclesiásticas: a communitas unius vici, castri ou oppidi, com um pároco, na parte religiosa, e um magister, na parte profana; a civitas, com um bispo e um defensor da cidade; a província, com o arcebispo e o praeses provinciae; o regnum com um primaz e um reino e o universus com um papa e um imperador.

O organicismo

Esta visão evolucionista orgânica é também assumida tanto pelos paternalismos monárquicos como por certos corporativismos, para quem a família era constitucionalmente considerada como célula fundamental da sociedade e um dos elementos estruturais da nação. Neste sentido também é paradigmática a teoria patriarcal de Robert Filmer, em Patriarcha, or the Natural Rights of Kings, de 1684, que suscitou a reacção individualista de Locke em An Essay concerning certain false principles. Este conjunto de teorias teve sempre a tendência de considerar o Estado como um organismo superior, como algo de semelhante a uma associação masculina criada pelo instinto de sociabilidade, diferente do impulso sexual. Bonald referia, por exemplo, que a sociedade foi primeiro família e depois Estado. E mesmo Rousseau, como vimos, não deixava de considerar que a mais antiga de todas as sociedades e a única natural é a da família.

O chefe como substituto do pai

Julius Evola, a este respeito, salienta que o Estado é uma aplicação ampliada do mesmo princípio que constitui a família patrícia, onde o paterfamilias é rei sacerdotal; onde há uma paternidade material e uma autoridade espiritual. É que a família antiga é mais uma associação religiosa que uma associação da natureza (Revolta contra o Mundo Moderno, trad. port., pp.71-72). E não tarda que Freud considere que o príncipe é uma espécie de substituto do pai que converte os homens em crianças sem vontade própria. Outros, mais simplesmente, referem a existência de uma comunidade tribal de descendência que, depois, passa a uma comunidade quando tem de afirmar‑se perante outra colectividade, assumindo uma posição guerreira, ofensiva ou defensiva. Salientam, contudo, que o enraizamento associativo pode provir de outras causas de união, seja a existência de uma comunidade linguística ou cultural, seja a de uma simples comunidade de destino, desde a mera way of life a uma religião comum. Isto é, cada associação populacional, sejam um povo único, muitos povos unidos, ou uma nação, tem várias e contraditórias causas, tanto a nível da sua história da formação da respectiva unidade, como no tocante ao próprio futuro da mesma. Não há, com efeito, regra única para a obtenção desse efeito unitário, nem é possível determinar qual o elemento preponderante no processo de unificação de tal constelação genética. Cada povo, cada nação, cada Estado tem a sua própria causa e tem que continuar a conquistar o seu próprio futuro, dado que o facto de o serem, ou de o terem sido, não é garantia para que o continuem a ser ou, caso já existam, que o venham a ser, caso apenas tenham desejo de o ser. Importa assinalar que, ainda hoje, alguns séculos volvidos sobre a instituição do Estado Moderno, o elemento societário, nomeadamente o Estado‑Nação e a Nação-Estado, tem de submeter‑se ao esquema geométrico territorialista do Estado. Apenas alguns povos lograram assumir‑se como nações em diáspora, desde os judeus, entretanto atraídos atraídos pela dificil territorialidade do Estado de Israel, às comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, que, da vagabundagem emigrante, estão sempre marcadas pela gravitação da saudade ou pelo desejo de regresso à santa terrinha. ,72,487.

Retirado de Respublica, JAM

Evolução espontânea

Para Hayek há um espontaneísmo evolucionista que é contrariado pelos sistemas e as filosofias da história que estabelecem uma verdade imutável e eterna. Considera que o socialismo e o planeamento revelam o ressurgimento de velhos instinto herdados da era tribal.

Retirado de Respublica, JAM

Evolução pela unificação

Para Etzioni as estruturas sociais não evoluem apenas através da cisão e da incessante especialização. Muitas vezes evoluem pela unificação, acrescentando novas estruturas destinadas a cumprir funções novas que não existiam em germe no contexto histórico precedente.

Retirado de Respublica, JAM

Evolucionismo

Corrente de pensamento surgida a partir das teses de Darwin, destacando-se as posições de Herbert Spencer.


O evolucionismo organicista no pensamento político clássico. Aristóteles (família, aldeia, polis). S. Tomás de Aquino (vicus, civitas, regnum). Althusius (família, parentesco, colégios ou corporações, universitates, cidade). A restauração do modelo pelo patriarcalismo (Robert Filmer) e pelo corporativismo organicista dos séculos XIX e XX. As teorias antropológicas evolucionistas sobre as orgens do político. Lewis H. Morgan (a passagem da societas à civitas). ªW. Southall (Sociedades sem Estado, Sociedades Segmentares, Estados Segmentares e Estados Unitários). M.H. Fried (Governo Mínimo, Governo Difuso, Governo Estatal). Pierre Clastres e as teses que defendem a existência de uma sociedade antes do Estado e de sociedades contra o Estado. O evolucionismo marxista. Chefatura, Estado tributário, Cidade (a propriedade do solo determinando a cidadania), Esclavagismo, Senhoria (modelo dos reinos bárbaros), Principado, Cidade burguesa, Estado Aristocrático (despotismo esclarecido), Estado Aristocrático Burguês (capitalismo manufactureiro), República Burguesa, República Burguesa Intervencionista (Welfare State). O modelo do sistemismo. A procura de uma definição universal do político, válidos para todos os lugares e para todos os tempos. David Easton (o sistema como conjunto de elementos interdependentes que formam uma totalidade coerente e o político como processo de alocação autoritária de valores). O evolucionismo neoliberal. A tese de Robert Nozick: associações de protecção mútua (implicam a mobilização permanente dos respectivos membros); agências de protecção em concorrência (há pessoas pagas para o exercício de funções de protecção, oferecendo-se, em regime de concorrência, diferentes políticas de protecção); agência protectora dominante (uma agência de protecção, vencendo a concorrência exerce um monopólio de facto); Estado ultramínimo (monopólio do uso da força, excluindo as represálias privadas); Estado mínimo (o Estado como uma grande companhia de seguros, uma espécie de Estado Guarda Nocturno da teoria clássica, mas já com funções redistributivas, quando obriga algumas pessoas a pagar o serviço de protecção).

Evolucionismo de Fernando Pessoa

Utilizando a linguagem de Herbert Spencer, Fernando Pessoa, em 1926, num artigo publicado na Revista de Contabilidade e Comércio, sob o título «Organizar» fala numa escala evolutiva onde os organismos vão subindo mais alto quanto mais complexos os seus órgãos e mais diferenciados.

Retirado de Respublica, JAM

Evola, Giulio

Cesare Andrea (1898-1974) Assume-se como neo-gibelino, considerando-se membro do partido tradicional, mais homem de direita do que fascista. Oficial de artilharia na Grande Guerra de 1914-1918. Adere ao dadaísmo e ao modernismo de Marinetti nos anos vinte. Divulgador de temas esotéricos. Defende o mundo da tradição contra o mundo moderno na linha do esoterismo de René Guénon. Ligado a Mussolini, tem a oposição de Gentile. No título de uma das suas obras, propõe que se cavalgue o tigre, de acordo com um ditado oriental, para o impedir de morder e para, eventualmente, poder dirigir-se a sua capacidade de correr. Defende o elitismo contra o bonapartismo, contra aqueles que recebem o poder de outros e não afirmam um princípio superior.

Retirado de Respublica, JAM

Giulio Cesare, “Julius” Evola nasce a Roma il 19 maggio del 1898 da una famiglia siciliana di nobili ascendenze. Nel 1917 partecipa alla prima guerra mondiale come ufficiale di artiglieria e fino al 1921 scrive poesie e dipinge. Successivamente incomincia il periodo filosofico: nel 1924 conclude “Teoria e Fenomenologia dell'individuo assoluto” e pubblica in successione “Saggi sull’idealismo magico”(1925), “L’individuo e il divenire del mondo pagano” (1926); “Imperialismo pagano: il fascismo dinnanzi al pericolo eurocristiano (1928), una violenta critica al cristianesimo che invita i fascisti a rompere con i cattolici.
Non era il momento giusto, il regime stava lavorando ai Patti Lateranensi ed Evola viene quindi emarginato dalla vita culturale italiana mentre ottiene un discreto successo in Germania.

Nel 1930, Evola fonda il bimestrale “La Torre” e, nel 1934, pubblica la sua opera principale: “Rivolta contro il mondo moderno”. Tra il 1937 e il 1941 si dedica agli studi relativi alla razza, e scrive “Il mito del sangue” nel 1937 e “Sintesi di dottrina della razza” nel 1941. Opere teoriche di un “razzismo spirituale” diverso da quello biologico nazista. Dal 1941 si indirizza verso un fascismo sempre più “radicale e l’'8 settembre sorprende Evola in Germania. Al suo ritorno in Italia aderisce alla RSI, continuando però a frequentare Germania e Austria. Nell'aprile del 1945, resta ferito durante un bombardamento sovietico su Vienna. Perde per sempre l’uso delle gambe. Nel 1948, viene trasferito a Bologna e nel 1951 rientra a Roma. Nel 1953 pubblica “Gli uomini e le rovine”, nel tentativo di promuovere la formazione di uno schieramento di quella che lui definisce la “vera Destra”. Dalla metà degli anni cinquanta Evola diventa la figura intellettuale di riferimento degli estremisti di destra italiani e soprattutto dei neofascisti di Ordine Nuovo. La sua antimodernità rappresenta, infatti, al meglio gli ideali degli "esuli in patria", di quei fascisti che, sconfitti non solo militarmente, proteggono la propria identità rifiutando le “contaminazioni” delle modernità.
Nel 1961 pubblica “Cavalcare la tigre”, in cui elogia i kamikaze giapponesi e nel 1963 scrive il suo ultimo testo: “Il Fascismo visto dalla Destra”.
Nel 1968, Evola viene colpito da uno scompenso cardiaco acuto e lo stato di salute peggiora notevolmente. Muore l’11 giugno 1974 a Roma e le sue ceneri vengono disperse in un crepaccio del Monte Rosa."

Retirado de Cedostnews

Evidência, Regra da (Descartes)

"jamais receber por verdadeira coisa alguma que eu não conhecesse evidentemente como tal".

Retirado de Respublica, JAM

Europeísmo da resistência

e o nazi-fascismo invocou o europeísmo, eis que os movimentos de resistência não deixaram também de manifestar uma forte corrente de unidade europeia de cariz federalista, principalmente na França, na Bélgica e na Holanda.

Os precursores do movimento foram os antifascistas italianos Altiero Spinelli (1907-1986) e Ernesto Rossi, que, presos em Ventotene, nas ilhas Lipari, haviam fundado clandestinamente, em Junho de 1941, um movimento europeísta, autor do chamado Manifesto de Ventotene que reclamava uma constituição europeia elaborada por uma assembleia europeia a ser ratificada pelos parlamentos nacionais.

Este grupo, já depois da queda de Mussolini, vai criar em Milão, em Agosto de 1943, o Movimento Federalista Europeo, cujo programa propõe a criação de uma Federação europeia para a qual sejam transferidos poderes soberanos que digam respeito aos interesses comuns de todos os Europeus, salientando também que os habitantes dos diferentes Estados devem possuir a cidadania europeia, devem, portanto, ter o direito de escolher e de controlar os governantes federais e de controlar os governos federais e de ser submetidos directamente às leis federais.

A resistência francesa advogava também o europeísmo, chegando mesmo a reclamar uns Estados Unidos da Europa, ideia que era partilhada por vários jornais, dos quaisa se destaca Combat, fundado em 1941, onde vão colaborar vários europeístas, como Henri Frenay, Georges Bidault, Albert Camus, Pierre-Henri Teitgen, Edmond Michelet e François de Menthon. É este jornal que vem proclamar que os Estados Unidos da Europa serão em breve uma realidade viva, pela qual combatemos (Setembro de 1942), considerando a resistência, como a esperança da Europa, o cimento das uniões de amanhã (editorial de Dezembro de 1943).

Depois de várias reuniões de resistentes ocorridas desde Março de 1944, eis que em Julho desse mesmo ano surgia, a partir de Genebra, a Declaração das Resistências Europeias, sob o título A Europa de Amanhã, subscrita por delegados vindos da França, da Itália, da Alemanha, da Holanda, da Dinamarca, da Noruega, da Polónia e da Checoslováquia, onde se adoptavam os princípios da Carta do Atlântico.

Aí se observava que os fins morais, sociais, económicos e políticos que os uniam na resistência ao nazismo não podem ser atingidos salvo se os diversos países do mundo aceitarem ultrapassar o dogma da soberania absoluta dos Estados integrando-se numa única organização federal. A paz europeia é a pedra angular da paz do mundo. Com efeito, no espaço de uma só geração, a Europa foi o epicentro de dois conflitos mundiais que tiveram, antes de mais, por origem a existência sobre este Continente de trinta Estados soberanos. É necessário remediar esta anarquia pela criação de uma União Federal entre os povos europeus.

Os signatários acrescentavam que a vida dos povos que representam deve ser fundada no respeito pela pessoa, a segurança, a justiça social, a utilização integral dos recursos económicos em benefício da colectividade globalmente considerada e no desabrochar autónomo da vida nacional. Estes fins não podem ser atingidos a não cerque os diversos países do mundo aceitem ultrapassar o dogma da soberania absoluta dos Estados, integrando-se numa única organização federal.

Dentro da própria Alemanha, a resistência ao nazismo também se alimentava do europeísmo. Carl Friedrich Gördeler, numa memória secreta, de Março de 1943, considerava: Unificação da Europa com base em Estados europeus independentes; esta unificação efectuar-se-á por etapas! Uma união económica europeia, com um conselho económico com sede permanente, será imediatamente criada. A unificação política não precederá, mas seguir-se-á à união económica. Também na universidade de Munique, sob o impulso do Professor Huber, surgia o movimento Rosa Branca, que propunha a estruturação federal da Alemanha e da Europa. Em Fevereiro de 1943 este movimento chegou a promover uma manifestação de estudantes. Serão executados os líderes desse movimento, os irmãos Hans e Sophie Scholl.

Retirado de Respublica, JAM

Europeísmo

Europeísmo totalitário

A ideia da Europa nos anos trinta penetrou de tal maneira no limiar da política que os próprios totalitarismos de então não deixaram de a instrumentalizar. É conhecido o projecto de Lenine de uns Estados Unidos Operários da Europa, numa estratégia que pretendia encontrar para a revolução bolchevique imediatos aliados ocidentais, nomeadamente pelo projecto de apoio à revolta comunista na Alemanha e a consequente extensão do incêndio da revolução mundial a Paris coisa que apenas foi impedida pela vitória dos polacos na batalha do Vístula.

Da mesma forma, Adolfo Hitler quase conseguiu, pela repressão, pela propaganda e pela conquista, constituir uma unificação europeia. Para as teses nazis, o Grossesdeutsches Reich deveria constituir um grande espaço com um Estado director, reunindo todos os povos de língua alemã.

Em primeiro lugar, deveria adquirir espaço vital, estendendo as fronteiras para Leste, onde deveriam situar-se os limites de um novo império, onde soldados-colonos deteriam os bárbaros vindos das estepes. Em segundo lugar, viriam os aliados, como os escandinavos, os holandeses e os ingleses. Em terceiro lugar, os satélites, como os latinos, os húngaros e os gregos. Finalmente, os eslavos pertenceriam à categoria de escravos e os judeus teriam de ser exterminados.

Como dizia Goering, em 1943, nessa altura o continente estaria maduro para a união política, união que conservaria as autonomias regionais e adoptaria um plano comum de cooperação colonial em África. Chegava mesmo a acrescentar: mesmo se nós perdermos a guerra, na minha opinião, é este o futuro da Europa e nada impedirá que ele se cumpra.

Na prática, a expansão hitleriana quase correspondeu a essa teoria, chegando a construir-se um Império continental bem mais extenso que o de Napoleão.

Primeiro, começou por estender-se às zonas alemãs. Em 12 de março de 1938 é a Anschluss da Áustria. Na Conferência de Munique de 29 e 30 de Setembro seguintes, garante a integração dos Sudetas. E em Março de 1939, já é eliminada a Checoslováquia.

Segundo, estabeleceu um contrato de seguro com o estalinismo gestor da Rússia, o pacto germano-soviético de 24 de Agosto de 1939.

Finalmente, a guerra, que começa com a invasão da Polónia, no dia 1 de Setembro de 1939. A ocidente, vão caindo a Holanda, a Bélgica e a França; a norte, a Dinamarca e a Noruega; a sul, a Jugoslávia e a Grécia; em direcção ao centro, a Checoslováquia e a Áustria; a Leste, os países bálticos e a Polónia.

Tem como aliados a Hungria, a Roménia e a Bulgária. A Itália é um parceiro. A Espanha e a Finlândia são amigos. Portugal depende do que acontecer com Espanha. A Suécia e a Suíça assumem a neutralidade. A própria Rússia parecia subjugada e Hitler chega a ir mais longe do que Napoleão quando se lança no Cáucaso.

O modelo organizatório do Estado director divide a Checoslováquia entre um Estado eslovaco e um Protectorado da Boémia-Morávia. Na Jugoslávia, é criado um Estado croata, incluindo a Bósnia, que vai ser gerido por Ante Pavelitch.

O elemento mobilizador desse grande espaço político passou a ser a luta contra o comunismo: é preciso fazer a Europa contra o bolchevismo, foi o signo mobilizador que fez chamar à campanha da Rússia inúmeros voluntários de vários países europeus que se aliaram à ofensiva nazi. Passou então a falar-se numa Europa Nova e numa ordem nova. Goebbels, o principal expoente de toda esta propaganda, declarava então : não será a primeira vez na história que a Europa comungará das mesmas concepções políticas, morais, sociais e económicas. Um povo de senhores (Herrenvolk) está prestes a construir uma Europa de vassalos (Untermenschen).

Em Maio de 1943, Hitler confessava a Goebbels: qualquer desordem dos pequenos Estados que ainda existem na Europa deve ser liquidada tão depressa quanto possível. O objectivo da nossa luta deve ser criar uma Europa unificada. Os alemães, sozinhos, podem realmente organizar a Europa.

Aliás, foi reagindo contra esta mobilização que o grande escritor alemão Thomas Mann, numa comunicação aos europeus, feita na Rádio Nova Iorque, em Janeiro de 1943, considerou: o grande ideal da Europa foi pervertido e corrompido de maneira horrível; caiu nas mãos do nazismo que, há dez anos, conquistou a Alemanha e conseguiu, por causa da vossa desunião, subjugar todo o continente. Esta conquista do continente é apresentada pelos nazis como a unificação da Europa, como a "ordem nova", conforme as leis da história. De todas as mentiras de Hitler, a mais insolente é a mentira europeia, a perversão da ideia europeia... Ficai sabendo, ouvintes europeus ... a verdadeira Europa será criada por vocês mesmos, com a ajuda das potências livres.

O europeísmo constituía, aliás, um dos elementos estruturantes do romantismo fascista francês. Pierre Drieu La Rochelle advogava já em 1921, em Mesure de la France que a era das alianças está aberta sem que o papel das pátrias tenha terminado, preocupando-o a circunstância dos russos serem 150 milhões e dos americanos rondarem os 120 milhões. Assim, considerava que a Europa se federará ou então se devorará ou será devorada. E as gerações da guerra, que não parecem por aí caminharem, farão isso ou então será tarde demais.

Cerca de um lustro depois, em Genève ou Mouscou, de 1927, já propunha um patriotismo europeu contra o nacionalismo, proclamando a necessidade de se ultrapassar o esgotamento espiritual das pátrias, necessidade de se criar uma vasta autarquia económica à medida de um continente.

Em 1931 escreve Europe contre les Patries, temendo uma Europa central e oriental atormentada pelo inacabamento das suas formas temendo a guerra. Em 1934 chega mesmo a dizer: a minha fé na Sociedade das Nações, afirmava-se maior do que nunca. Hoje, en dépit des traverses, permanece. Espero as metamorfoses da ideia. Em 1940 que agora é preciso entrar no federalismo e pôr fim ao nacionalismo integral e ao autonomismo patriótico.

Alphonse de Chateaubriant numa carta de 28 de Novembro de 1918 dizia: o futuro da Europa é muito sombrio, mas, custe o que custar, caminhamos para uma "Europa una", cada vez mais "una".

Robert Brasillach, falando na Europa como o velho cabo da Europa, donde partiu, há três mil anos a civilização branca, defendia o colaboracionismo em nome da necessária aliança franco-alemã: sem a França indestrutível e a Alemanha indestrutível, nenhuma paz poderá jamais estabelecer-se na Europa. Se tentarem aniquilar uma ou outra, os germes da guerra renascerão sempre. Não apenas a Alemanha é as única potência no mundo que pode hoje barrar o caminho à revolução marxista, quer isto nos agrade ou não, mas, para além deste facto, a Alemanha está no centro da Europa e aí ficará sempre: sem a sua força nada é, portanto, possível.

Com efeito, entre os fascistas autênticos surgiu um europeísmo, entendido como um grande nacionalismo, numa Europa entendida como uma grande pátria. Como expressivamente referia Drieu, sempre fui um nacionalista que a ele renunciou em nome da Europa, um filósofo da força que acreditou cada vez mais na utilidade da força entre os europeus.

Esta perspectiva manteve-se no próprio neofascismo, destacando-se Jean Thiriart a teorizar uma Nação‑Europa que deveria ter direito a um Estado‑Europa. Este autor, reagindo contra a pátria‑hábito (v.g. a Bélgica), a pátria‑recordação (v.g. a Alemanha) e a pátria‑herança (v.g.a França), vem defender que a única verdadeira pátria é aquela que pensa no devir, isto é, uma pátria de expansão, chegando a definir-se como um nacional‑bolchevique pan‑europeu, ao serviço de um comunismo liberto de Marx, e propondo a necessária passagem dos Estados‑territoriais para os Estados‑continentais.

Criticando a ideia gaullista de Europa das Pátrias, considerada como uma junção momentânea e precária de rancores e fraquezas, proclamava um nacionalismo europeu que pudesse enfrentar os nacionalismos russo e americano, considerando que a Europa deve ser unitária: uma Europa confederada ou Europa das pátrias são concepções onde a imprecisão e a complicação escondem a custo a falta de sinceridade ou a senilidade dos que as defendem e dissimulam os seus propósitos e os seus cálculos.

Para o mesmo Thiriart, a Europa confederada é a forma das alianças clássicas e dos preconceitos tão clássicos como desonestos ... é a Europa aberta às influências estrangeiras.

Mas se considera que a fórmula federal constitui um grande progresso, ainda contém em germe a possibilidade de cisões ou, pelo menos, de crises internas. Teria de ser mero estádio preparatório da Europa unitária. É que a fórmula confederal é o cálculo e preconceito; a fórmula federal é a confusão; a forma unitária é o método, a ordem, a clareza, a diferença que faz a concubinagem, o noivado e o casamento.

Retirado de Respublica, JAM

A Europa em Formação , 1977

Obra de Adriano Moreira (Lisboa, Sociedade de Geografia, 1977) (dissertação de doutoramento em Direito apresentada na Universidade Complutense de Madrid). A obra está assim dividida:

·Introdução (a plataforma ocidental, a formação do Euromundo, o processo de recuo, a descentralização e a separação);

·cap. I - Os critérios da unidade (as afinidades laicas; os critérios da reorganização);

·cap. II - O espaço europeu (história do presente, os modelos, o europeísmo);

·cap. III - A organização do espaço (os apelos, a Europa militar, a Europa política, a Europa económica);

·cap. IV - A Europa em formação (a política das fronteiras, a conjuntura internacional portuguesa).

Retirado de Respublica, JAM

A Europa e os seus Fantasmas , 1945

Obra de João Ameal que reflecte as indecisões ideológicas de um dos pensadores do salazarismo que, partindo de bases neotomistas, citando personalistas e maritainistas, não dá o salto para a defesa da democracia. Criticando a heresia liberal ainda procura no corporativismo uma idade nova.

Retirado de Respublica, JAM

Europa. A mitologia e os símbolos

Os rigores científicos da geografia não andam longe dos relatos mitológicos de onde nos vieram tanto o nome Europa como a obsidiante nostalgia pelo ventre materno asiático e da própria poesia recriadora dos mitos, confirmando-se assim que a poesia, como dizia Aristóteles, pode ser mais verdadeira que a história. Segundo os relatos da Ilíada e da Odisseia, o chefe dos deuses, Zeus, é qualificado como o euruopé, como aquele que tem olhar amplo ou que olha para longe ( eurus quer dizer amplo ou vasto e ops quer dizer olhar). A Europa aparece pois, etimologicamente, como a região do largo horizonte. Para uns, a Europa seria uma das três mil filhas de Oceano e de Tethis, as ninfas do mar ou oceânides, conforme a referência de Hesíodo, no verso 357 da Teogonia. Para outros, uma princesa fenícia, filha de Agenor, rei de Tiro, que foi amada por Zeus, rei dos Deuses; este, disfarçado de touro, raptou a princesa, levando-a, das praias de Tiro, para a ilha de Creta, onde retomou a forma primitiva; depois, transformou o touro em constelação que colocou entre os signos do zodíaco. O português António Sardinha, retomando o episódio, escreveu o poema Roubo da Europa, onde coloca a princesa fenícia nos penhascos do Ocidente, dando à luz um moço a quem chamaste Portugal. Noutro poema, sobre a mesma temática, intitulado Cabo da Roca, diz-nos: Aqui acaba toda a terra antiga,/começa aqui a tentação do mar./ Europa - ainda era rapariga -,/ Sentou-se aqui um dia a descansar./ Vinha de longe, andando com fadiga,/ vinha de longe, andando sem parar.../ Em frente ao mar, que o rosto lhe fustiga,/ logo pensou Europa em se casar./ / Pediu-a p'ra mulher o Padre-Oceano./ Entre sereias, conchas e golfinhos,/ as ondas lhe bordaram o enxoval.// E quando o noivo a recebeu, ufano,/ nestes penhascos rústicos, sòzinhos,/ deram os dois o ser a Portugal.A este respeito, importa observar que todas estas lendas gregas eram geradas quando apenas se conheciam seguramente as bordas do Medirrâneo, mar onde se casavam os três continentes conhecidos, todos com o nome de mulher: a Ásia, considerada a esposa de Prometeu, a Líbia, nome que então se dava à África, e a Europa. Também a patrística cristã de São Jerónimo (346-420) e de Santo Ambrósio (n. 340), continuada por Paulo Orósio e Santo Isidoro de Sevilha, invocam o mito bíblico de Japhet, filho de Noé, a quem teria cabido, em partilha, a Europa, enquanto para Sem e Chgam, teriam ficado a Ásia e a África.

O mar

Eis, portanto, a Europa como aquele sítio onde a terra acaba e o mar começa, conforme dizia Camões, sobre Portugal. Onde acaba toda a terra antiga e começa ... a tentação do mar, utilizando agora António Sardinha. Eis uma Europa que nasceu e cresceu à volta do mar, como observa Bernard Voyenne. Segundo as palavras deste último autor, esta península das tormentas, ramificada até ao infinito, é na verdade o lugar mais banhado que há no mundo: um quilómetro de costa para dois mil quatrocentos e vinte e nove quilómetros quadrados de terras. Por todo o lado, a água se insinua, vai subindo em largos estuários e fiordes, bordeja ilhas e ilhéus litorais. Nenhuma distância face ao mar excede mil quilómetros e na maior parte dos casos essa distância é bem menos (mesmo a Suíça, um país que passa por continental, está a menos de seiscentos quilómetros do oceano e a trezemtos do Adriático). A Europa nasceu e cresceu à volta do mar; expandiu-se a bordo de um oceano...

Os símbolos europeus

Foi misturando o azul do mar, o futurismo romântico, resquícios da mitologia e algum cabalismo, que, neste nosso tempo de ciência e racionalidade, mas depois do apocalipse e à beira de um novo e mais doloroso apocalipse, se estabeleceram os panteístas e profetistas símbolos da Europa, desde a bandeira da Europa, em 1955, com um diadema de doze estrelas sobre um fundo azul, ao próprio hino, em 1972, retirado da Ode à Alegria de Ludwig van Beethoven. Hoje a Europa tem uma bandeira azul, com uma coroa de doze estrelas, não uma estrela por Estado, mas o emblemático número doze, considerado símbolo da plenitude e da perfeição, como doze eram os filhos de Jacob, os trabalhos de Hércules, os signos do zodíaco, os meses do ano, os apóstolos ou a romana lei das doze tábuas. Doze estrelas, como as da auréola de uma Virgem que aparece no vitral da catedral de Estrasburgo, uma mulher vestida de sol, com a lua debaixo dos pés, tendo uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça (et in capite eius corona stellarum duodecim)... Tudo muito conforme, aliás, com o capítulo XII do Apocalipse de S. João. Compare-se o que a respeito escreve o nosso Padre António Vieira, onde se fala numa Mulher em dores de parto, dando à luz um Filho varão que, no entanto, há-de reinar sobre todas as nações do mundo com ceptro de ferro. Se um Dragão tenta tragá-lo, eis que ele acaba por ser arrebatado ao céu, onde acabará por assentar-se no trono de Deus. À Mulher se darão duas grandes asas de águia com que fugirá do Dragão. Virá depois um Cavaleiro, montado num cavalo branco, trazendo, na orla do vestido, a divisa rex regum et dominus dominantium, comandando um exército, também montado em cavalos brancos, que acabará por vencer o Mal, isto é, a bestialidade do Dragão e os os falsos profetas que o seguem. Interpretando tal passagem, António Vieira considera que se trata de um relato da emergência da Igreja do Quinto Império, onde se descreve a maniera da Igreja se coroar, e alcançar o Reino e império universal, onde a Lua é o Império Turco (ou o império dos que apenas têm poder temporal) e o ferro, a inteireza e constância da justiça e igualdade com que o mundo há-de ser governado. Tratar-se-ia da procura de um poder que não está sujeito às inconstâncias do tempo, nem às mudanças da fortuna e que se há-de estender até ao fim do mundo. Porque só então chegará o corpo místico de que fala São Paulo, com Cristo a nascer de novo. O tal Filho, que tem o trono no Céu, tal como a Igreja tem uma coroa na terra.

Europa-hegemonia do mais forte e consentimento dos outros,70,464

Europa-integração política,70,465

Europa-transferência de lealdades,70,465.

Retirado de Respublica, JAM

Europa como confederação de nações

O mesmo De Gaulle, numa conferência de imprensa de 31 de Dezembro de 1960, proclama: nós faremos, em 1961, o que temos de fazer: ajudar a construir a Europa que, confederando as suas Nações, pode e deve ser para o bem dos homens a maior potência política, económica, militar e cultural que jamais existiu.Este mesmo De Gaulle, considerava num artigo de 1948 que A Europa deverá ser uma federação de povos livres. Em Abril de 1962 considerará: Se a União Política não for instituída, que ficará do Mercado Comum?Não deixava, no entanto, de salientar em privado: A Europa é um meio para a França tornar a ser o que era antes de Waterloo: a primeira no Mundo (Agosto de 1962).também, em privado, salientava em Setembro de 1962: o interesse egoísta da França é que a Alemanha continue dividida o mais tempo possível. Mas nisto não será eterno. Adenauer pensa-o, engana-se. O futuro vai desmenti-lo. A natureza das coisas será a mais forte. A Alemanha há-de reunificar-se. Na mesma altura salientava que As únicas realidades internacionais são as nações. A Rússia secará o comunismo como o mata borrão seca a tinta.

Retirado de Respublica, JAM

Europa das nações 1960

Foi em 5 de Setembro de 1960 que o general De Gaulle lançou a ideia de uma Europa das nações em nome das realidades dos Estados existentes. Para o chefe de Estado francês importava actuar, não de acordo com os sonhos, mas sim em conformidade com as realidades, no sentido de construir a Europa, isto é, unificá-la, considerado um objectivo essencial. Nestes termos dissertava: Ora, quais são as realidades da Europa? Quais são os alicerces sobre os quais queremos construi-la? Na verdade, são os Estados que, de certo, são muito diferentes uns dos outros, que têm cada um a sua alma para si, a sua história para si, a sua língua para si, os seus infortúnios, as suas glórias, as suas ambições para si, mas Estados que são as únicas entidades que têm o direito de ordenar e a autoridade para agir. Fingir-se que pode construir-se qualquer coisa que seja eficaz para a acção e que seja aprovado pelos povos por fora e por cima dos Estados, é uma quimera. Seguramente, esperando qu'on a pris corps à corps e no seu conjunto o problema da Europa, é verdade que se pôde instituir certos organismos mais ou menos extranacionais. Estes organismos têm o seu valor técnico mas não têm nem podem ter autoridade e por conseguinte eficácia política.[1]

Defesa da cooperação política

Assim, propõe que se ultrapasse o problema pela instituição daquilo que qualifica como a cooperação política: assegurar a cooperação regular da Europa ocidental, é o que a França considera como sendo desejável, como sendo possível e como sendo prático no domínio político, no domínio cultural e no da defesa. Isso implica um concerto organizado e regular dos governos responsáveis e em seguida o trabalho de organismos especializados em cada um dos domínios comuns e subordinados aos governos; isso implica a deliberação periódica de uma Assembleia que seja formada pelos delegados dos Parlamentos nacionais e, em meu entender, isso deve implicar a mais cedo possível, um solene referendo europeu de maneira a dar a tal ponto de partida da Europa o carácter de adesão e de intervenção popular que lhe é indispensável[1].Conclui, assim, que se enveredarmos por esse caminho ... forjar-se-ão elos, adquirir-se-ão hábitos e, com o tempo, é possível que venham a dar-se outros passos para a unidade europeia.

Retirado de Respublica, JAM

Europa sem limites

As realidades permanecentes da Europa são insusceptíveis de definição através da emissão de uma qualquer oração que dê uma noção completa de tal objecto. Primeiro, porque é materialmente imposível de+finire Europa, estabelecer-lhe os limites, dar-lhe fins ou confins, fixar-lhe fronteiras, em suma, fechá-la. Depois, porque se torna inglório fixar-lhe uma essência, um centro a partir do qual possa traçar-se a linha separadora da não Europa. Diremos, como salienta Theodore Zeldin, que a originalidade da Europa é não haver fronteiras. Acrescentaremos até que, da essência da Europa, faz parte não poder conceber-se qualquer espécie de essência da Europa. Julgamos pois que todas as definições axiomáticas da Europa não passam de exercícios interessantes, mas infrutíferos, quando não perigosos. Até porque nestes domínios, omnis definitio periculosa esta, sobretudo quando, sob o disfarce da lógica, se constróem pretensos primeiros princípios donde depois se ousa descer ex genere et differentia, pela dedução, estabelecendo-se um sistema hierarquizado de conceitos, um pretenso saber de ciência certa, seja a do magister dixit, seja o do decreto do poder absoluto que eventualmente o normalize. Digamos, como François Perroux, que a Europa é, definitivamente, uma Europe sans rivages, um objecto não identificado e não identificável, mas que, apesar disso, não deixa de ser bem real, epecialmente quando a olhamos de fora, com um pedacinho de senso comum, mesmo que envolto num não sei quê de nostalgia metafísica. Paul Valéry, em Regards sur le Monde Actuel, Paris, 1931, diz ter descoberto uma espécie de ideia virtual da Europa quando enfrentou os problemas da guerra do Japão contra a Rússia e dos Estados Unidos contra Cuba. Então terá percebido confusamente a existência de qualquer coisa que podia ser atingida e inquietada por tais acontecimentos. Encontrei-me sensibilizado em conjecturas que afectavam uma espécie de ideia virtual de Europa que ignorava trazer dentro de mim até então. Nunca tinha sonhado que existisse verdadeiramente uma Europa. Não procuremos, pois, aceder à Europa pelo essencialismo, pela definição de um conceito entendido como essência, donde, depois, poderá descer-se, dedutivamente, do axioma para o concreto, através de um rendilhado de definições. Fazer isto, é aceitar o eventual primeiro princípio da autoria de um qualquer mestre pensador e reconhecer autoridade aos proclamados discípulos do mesmo, só porque, eventualmente, têm o controlo do dicionário ideológico do supremo hierarca. A Europa só pode ser inventada, só a podemos desvelar pela inventio, pelo descobrimento, por uma ars inveniendi que a reconheça como problema e que a procure captar como sistema aberto. Só assim a poderemos compreender, vislumbrá-la como um todo, vendo cada parcela da mesma como dotada de uma realidade de sentido, mesmo que seja através daquela intuição imediata, com que um observador, dotado de senso comum, a pode identificar. Só depois, a poderemos introspectivar e reflectir, representando-a no nosso próprio espírito. E quem ousar pensar a Europa, depressa chegará à conclusão que ela só pode ser entendida como contradição, senão mesmo como paradoxo, dada que a respectiva complexidade, apesar de tudo, tem a harmonia dos conjuntos marcados pela coordenação de elementos dispersos e não semelhantes, como concórdia dos discordes. Digamos, muito categoricamente, que a Europa, em termos de homogeneidade, não é uma realidade geográfica, não é uma realidade étnica, não é uma realidade histórica, não é uma realidade política, não é uma realidade geográfica, não é uma realidade jurídica, não é uma realidade psicológica, nem sequer uma realidade cultural. Que, encarando-a, através de qualquer uma destas facetas nunca a encontraremos unidimensional, como um bloco monolítico.

Retirado de Respublica, JAM

Europa. Os limites geográficos

Não há, geograficamente falando, limites consensualizados para a Europa. Com efeito, os próprios geógrafos parecem não subscrever a célebre diatribe de Bismarck, para quem a geografia é a única verdade da Europa. O único consenso que, neste domínio, consegue atingir-se é o da consideração da Europa como uma península, como uma presqu'île, que, vinda da Ásia, se perde no mar, de maneira que a terra europeia se assume como o mais marítimo e o menos continental, de todas aquelas grandes ilhas do mundo a que se dá o nome de continente. E o consenso científico dos geógrafos parece vir de longe.

Foto picada da Wikipédia

Já ém 1725, Noblot qualificava a Europa como uma grande península, coisa que será posteriormente repetida. Assim, em 1816, Brun utiliza a expressão prolongamento da Ásia. Blanchard, em 1936, a refere como península do vasto continente asiático. Coincidem aliás com aquele golpe de asa poético de Paul Valéry que, na sua La Crise de l'Esprit, de 1919, salientava que a Europa não passaria de um petit cap du continent asiatique, de uma étroite presqu'île que ne figure sur le globe que comme appendice de l'Asie. Essa parte ocidental, acidentada, da península asiática, a que chamamos Europa.

Contrariando esta perspectiva, têm vindo alguns autores recentes a decretar fronteiras para o Leste Europeu. É o caso de Otto Molden que afasta da Europa a Ucrânia, a Bielorrúsia e Rússia, mas inclui a Polónia e os países bálticos e de Krzystof Pomian que fala num limite que passa a leste da Finlândia, dos países bálticos e da Polónia, que atravessa a Ucrânia, contorna a Hungria e corta a Jugoslávia em duas, a Sérvia de um lado, a Croácia de outro, isto é, que remete para o outro lado, a igreja ortodoxa. Otto Molden, em Die europãische Nation. Die neue Supermacht vom Atlantik bis zur Ukraine, Munique, Herbig, 1990, estabelece o limite leste da Europa numa linha que começa no Lago Peipous e passa pelos rios Pripet e pelo Dniester, abandonando os Urales, isto é, afasta da Europa, não só a Rússia, como também a Ucrânia e a Bielorússia, mas inclui a Polónia e os países bálticos. Isto é, reconhece a Rússia como uma ásia com apêndice europeu.

Krzystof Pomian, em L'Europe et ses Nations, Paris, Gallimard, 1990, diz que o limite oriental da Europa passa a Leste da Finlândia, dos países bálticos, da Polónia, atravessa a Ucrânia, contorna a Hungria e corta a Jugoslávia em duas: a Sérvia de um lado, a Croácia do outro. A significação desta fronteira não é somente religiosa, de um lado a igreja latina , do outro a igreja grega. Porque os dois espaços que ela delimita têm histórias diferentes, o que permite compreender os dramas que acontecem hoje em certo número de países.

Qualquer um deles toma uma atitude paralela àqueles ocidentalistas que como Gonzague de Reynold, nos anos trinta, passou a considerar que depois da revolução russa, a fronteira da Europa recuou de novo para o centro desta; a Rússia tornou-se asiátrica, mesmo mais do que asiática, ela é a anti-Europa.

Contudo, tanto a Comissão Europeia como o próprio Conselho da Europa, rejeitando as fórmula simples, têm preferido adoptar uma definição aberta da Europa. Em 1992, num documento sob o título A Europa e o desafio do alargamento, a Comissão vem considerar que a noção de Europa associa elementos geográficos, históricos e culturais que, todos, contribuem para forjar a identidade europeia, acrescentando que a experiência comum, ligada à proximidade, o fundo comum de ideias e de valores e a interdependência histórica não podem resumir-se numa fórmula simples e o respectivo conteúdo é susceptível de mudar au gré das sucessivas gerações. Conclui, assim, que não é possível nem pertinente fixar na hora actual as fronteiras da União europeia, cujos limites serão traçados num decurso de um período à venir de vários anos.

Por seu lado, a assembleia parlamentar do Conselho da Europa, em 22 de Abril de 1992, quando abordou a integração de anteriores territórios da URSS, estabeleceu uma hierarquia entre eles:

- num primeiro grupo, incluiu os incontestavelmente europeus: as repúblicas bálticas, a Bielorrússia, a Moldava, a Rússia e a Ucrânia;

- num segundo grupo, constituído pelos Estados do Cáucaso, como a Arménia, o Azerbeijão e a Geórgia, já fala que o carácter europeu dos mesmo é mais duvidoso, para não ter dúvidas em considerar que o Casaquistão, a Quirguízia, o Tadjiquistão, o Turquemenistão e o Usbequistão, têm um carácter europeu dificilmente aceitável.

Retirado de Respublica, JAM

Eurocomunismo

Atitude política assumida por três partidos comunistas da Europa ocidental entre 1974 e 1977. Qualificativo inicialmente assumido por jornalistas, foi depois adoptado oficialmente pelos grupos em causa. Na base está a via lançada pelo PCI, a partir da direcção de Palmiro Togliatti, na sequência da desestalinização, quando assumiu o chamado policentrismo. Esta perspectiva foi depois desenvolvida por Enrico Berlinguer na sua tentativa de compromisso histórico com a democracia-cristã. Também o PCF dirigidopor Waldeck Rochet, quando se lança na união de esquerda com o PS de Mitterrand, começa a lançar críticas a Moscovo e trata de abandonar oficialmente o princípio da ditadura do proletariado. Já o PCE dirigido por Santiago Carrillo, na transição para a democracia em Espanha se assume nessa linha, subscrevendo os pactos de Moncloa.

Retirado de Respublica, JAM

O eurocomunismo foi uma vertente da ideologia e da teoria comunista surgida entre os partidos comunistas dos países da Europa Ocidental, particularmente Itália, França e Espanha, na década de 1970. Criticado como revisionista pelos comunistas ortodoxos ou saudado como alternativa ao stalinismo pelos admiradores, o eurocomunismo apresentou-se como uma versão democrática da ideologia comunista, buscando uma "terceira via" entre a socialdemocracia clássica e os regimes comunistas então implantados no Leste europeu e estruturados em torno do partido-Estado.

Entretanto, nenhum partido ou movimento eurocomunista conseguiu estabelecer-se no poder e implantar seus projetos: na Itália, onde o PCI se destacou na elaboração de importantes pontos teóricos, a política de "compromisso histórico" com a Democracia Cristã teve vida relativamente curta, assediada pelo terrorismo de direita e de esquerda. Muito particularmente, o seqüestro e e o posterior assassinato de Aldo Moro, líder democrata-cristão, por parte das Brigadas Vermelhas, privaram o PCI do seu mais importante interlocutor na Itália. Além disso, rapidamente o PCI se viu isolado no quadro europeu, perdendo o apoio dos PCs francês e espanhol. Restou a Berlinguer a interlocução com importantes dirigentes socialdemocratas, como Olof Palme e Willy Brandt.

Ainda no auge do movimento, teve circulação internacional uma expressão cunhada por Enrico Berlinguer, secretário-geral do PCI. Em 1977, numa conferência de partidos comunistas de todo o mundo, realizada em Moscou, Berlinguer referiu-se à democracia política como "valor universal". Os eurocomunistas do PCI também legaram uma significativa reflexão em torno de temas cruciais, como a articulação entre hegemonia, célebre conceito de Antonio Gramsci, e pluralismo político, vigente nas sociedades de tipo ocidental.

Retirado da Wikipédia


O fim da era de ouro[1] foi o período em que se desfez qualquer vestígio do movimento internacional dedicado à revolução mundial, já que após 1956 a URSS começou a perder o monopólio e a hegemonia sobre o apelo revolucionário e sobre a análise teórica que unificava o internacionalismo socialista e proletário. Como fizeram os outros partidos comunistas ocidentais, o PCI começou a distanciar-se mais abertamente da influência da esfera soviética. Neste contexto surge o Eurocomunismo.

A fracassada tentativa de reformas na Tchecoslováquia em 1968, sufocada durante a Primavera de Praga e a ascensão do socialismo no Chile em 1970 pela via eleitoral, exerceram grande influência sobre a vida interna do PCI.Na primavera de 1973 o partido lançou um programa cuja essência, segundo o então secretário geral, Enrico Berlinguer, marcava não só a recusa definitiva da hegemonia soviética sob o movimento comunista internacional, como também da estratégia bolchevique para revolução social na Itália: era o eurocomunismo[2]. Por sinal, o próprio PCI foi o precursor deste movimento na Europa Ocidental, pois nos primeiros anos da década de 1970 o partido estimava que somente por meio de uma aliança com os democrata-cristãos, então no Governo, é que poderia ser desencadeada a trajetória de transição para o socialismo na Itália. Esta aliança seria formada em torno de um vigoroso programa de reformas democráticas[3], ao mesmo tempo em que buscava uma adequação programática do partido em duas frentes: a hegemonia soviética no campo socialista e o sucesso da social-democracia no ocidente.

Tanto quanto outros partidos comunistas ocidentais como o PCF e PCE , o PCI buscava organizar-se para uma reação frente ao movimento comunista internacional no sentido de adequar-se às transformações na estrutural social do capitalismo avançado, que conquistou gradualmente o apoio da classe operária nas décadas do pós-guerra, desmobilizando-a de seus propósitos de ruptura com o sistema democrático parlamentar.

Paralelamente, buscava estabelecer-se no campo socialista como uma alternativa viável que sobrevivesse ao desgaste imposto pela hegemonia soviética frente ao movimento comunista internacional, o que já acumulava um grande ônus para os comunistas ocidentais, já desde 1956, quando do advento do XX Congresso do PCUS, além dos acontecimentos que cercaram a revolta húngara, a cisão sino-soviética e a invasão da Tchecoslováquia em 1968.Todas estas medidas faziam-se pertinentes no que diz respeito as avaliações dos rumos da revolução russa e do estágio em que se encontrava o socialismo na URSS.

No início dos anos 70, era provavelmente mais tênue o sentimento de que bastava administrar o capitalismo na Itália, a espera de um colapso capitalista mundial e a conseqüente expansão do socialismo para além das fronteiras da esfera soviética. Se este sentimento era forte nos primeiros anos do pós-guerra, onde uma expectativa de retomada expansionista soviética juntava-se ao prestígio que esta desfrutava por ser reconhecidamente a grande responsável pela derrota da nazi-fascismo, no fim da Era de Ouro este sentimento era posto em cheque pelas próprios episódios onde a URSS teve oportunidade de atuar no cenário político internacional.

A esses fatores somava-se o quadro interno da Itália, e o PCI concluiu que seu êxito político dependeria, a partir de então, de sua capacidade de atrair novos eleitores, além da classe operária, em particular, dos novos segmentos médios, e de estabelecer alianças funcionais com outras forças políticas no âmbito do cenário nacional italiano. As esperanças iniciais do eurocomunismo, no entanto, acabaram por frustrar-se na década de 80. Depois de importantes conquistas eleitorais e da participação no bloco parlamentar majoritário, embora não no governo em 1976, o partido obteve poucas vantagens do democrata-cristãos em troca de seu apoio parlamentar.

Em 1980, frente a um impasse político e aos efeitos da crise econômica, seu eleitorado e sua massas, particularmente entre os sindicatos entraram em declínio. Não obstante, o PCI insistiu no caminho eurocomunista, embora o compromisso histórico tenha sido substituído pelo renascimento da união da esquerda com o PSI (Partido Socialista Italiano). Assim em 1981 o PCI rompeu drasticamente com o PCUS devido da declaração da lei marcial na Polônia, denunciada como uma tentativa de destruição o Sindicato Solidariedade. Este fato reafirmava o esgotamento das energias progressistas da revolução russa. A partir de então, tornava-se imperativa uma terza via eurocomunista para o socialismo.

Assim, o eurocomunismo saudado na década de 70 com uma nova trajetória plausível para o êxito da esquerda, dividida entre os caminhos até então pouco promissores do comunismo e da social-democracia, deu mostras de séria debilidade na década de 80, assumido no primeiro momento pelo PCI, mostrando-se posteriormente bastante enganoso e ineficaz mesmo diante de um relativo sucesso político. Ele representou a busca do PCI por um novo internacionalismo, desta vez organizado a partir dos países do capitalismo avançado, até então esperança da revolução russa, e que jamais aconteceu de fato. Era a busca de um novo consenso no meio do movimento socialista internacional, rejeitando o exemplo soviético, principalmente no que diz respeito ao planejamento da vida econômica[4] e à organização política da sociedade. Apoiava-se nas benesses do Welfare State, as quais forneciam os elementos necessários para consolidar uma aliança de classes aparentemente duradoura e estável, o que possibilitava à classe operária e às suas entidades representativas resultados sociais plenamente satisfatórios na Itália do pós-guerra. Acreditava-se sobretudo na forma de sistema democrático-representativo republicano parlamentarista predominante em toda Europa Ocidental, conduzidos pela social-democracia[5], que assume a herança social-democrata a partir da 2ª metade dos anos 60. Esta opção assumiu uma espécie de ossatura no chamado compromisso histórico[6].

Vale ressaltar que o eurocomunismo incorporou valiosas questões ao debate socialista, desde a possibilidade de os comunistas terem ou não de ser o braço dirigente na marcha rumo ao socialismo, ou seja, o policentrismo, até a busca reconstruição do universo simbólico destruído pela degenerescência do sistema soviético, repensando o binômio socialismo-democracia.
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[1] Segundo Hobsbawn, período compreendido entre 1947-1973.

[2] Segundo Tom Bottomore, o Eurocomunismo caracterizava-se por um movimento de mudança estratégica e teórica iniciado na década de 70 por vários partidos comunistas dos países capitalistas ocidentais, como os partidos de massa da Itália, da Espanha e da França, bem como por numerosos partidos menores, em reação, a priori, ao XX Congresso da Partido Comunista Soviético (PCUS), em 1956, quando da revelação do Relatório Kruschev, e aos acontecimentos que o cercaram como a revolta húngara, a revolta polonesa e outras revoltas ocorridas nas sociedade socialistas, além da cisão sino-soviética.

[3] Ver NAPOLITANO, Giorgio. O Partido Comunista Italiano, o socialismo e a democracia (Entrevista a Eric Hobsbawn).

[4] Contra a planificação da economia.

[5] Social-democracia que a partir do Congresso de 1959 atingiu um estágio no revisionismo no qual ela própria reconhece ter abandonado o marxismo, por ter rompido com a maioria dos seus princípios elementares.

[6] Expressão que propositalmente substitui bloco histórico, alternativo àquele composto pelos industriais do Norte e os grande latifundiários do Sul da Itália, o qual segundo Gramsci surge a partir da reflexão em torno das forças sociais que poderiam levar à frente na Itália um projeto de revolução socialista de caráter nacional-popular, reunindo a classe operária do norte e o campesinato do sul. Este último identificado ideologicamente como as massas populares, fortemente arraigadas ao catolicismo, quer na forma de dominação ideológica através da própria religião, quer na forma de dependência econômica, já que a Igreja possuía grande influência juntos aos grande proprietários de terra, e também nomeava e ocupava importantes cargos no Estado, controlando-o em larga medida, em função muitas vezes, de interesses externos, em detrimento dos regionais. O que não se consolidara ainda, era a organização das massas católicas em torno de seu braço institucional, pois mesmo a democracia-cristã italiana ainda não fortificara as bases do catolicismo social, o que seria feito na medida em que a Igreja sentiu a necessidade de desenvolver uma doutrina social que suscitasse uma alternativa dentre outros fatores ao comunismo soviético.


Retirado de Sobresites



A expressão "eurocomunismo" não nasce das fileiras do movimento comunista, mas sim das páginas de um órgão da chamada imprensa burguesa. De fato, ela aparece pela primeira vez no cenário político internacional em 26 de junho de 1975, num artigo escrito no periódico milanês Giornale Nuovo pelo jornalista Frane Barbieri, iugoslavo exilado na Itália desde o início dos anos setenta.

Com o novo termo, revelava-se a preocupação em definir de forma mais precisa a crescente confluência existente entre alguns partidos comunistas da Europa Ocidental, em torno de uma série de princípios capazes de construir uma concepção de sociedade socialista apropriada aos países europeus, marcados pela existência de um capitalismo desenvolvido com uma economia de mercado razoavelmente sólida.

Na verdade, pensava-se com isso na identificação de certos partidos comunistas europeus ocidentais que cogitavam a possibilidade concreta de afirmação de uma concepção de socialismo alternativa frente ao socialismo realmente implementado na União Soviética e nos seus países satélites do Leste europeu, um socialismo caracterizado pela presença de um Estado fortemente centralizado e duplamente controlador - dirigista no campo socioeconômico e despótico no campo político-ideológico.

Então, as elaborações particulares realizadas por estes partidos comunistas do Ocidente europeu - as quais giravam ao redor da busca independente de uma série de "vias nacionais" ao socialismo - acabam por convergir para a afirmação de uma proposta de dimensões bem maiores, isto é, uma via que contemplasse uma parte significativa do continente europeu, uma "via européia" ao socialismo. Tal via teria seu ponto de encontro na localização de "um objetivo político de transição ao socialismo", ou melhor, "no aprofundamento da dimensão democrática da temática de transição" [1].

Em outras palavras, a "via européia ao socialismo", ou seja, o eurocomunismo, resultou da ampliação do consenso inicialmente formulado em torno, por um lado, da necessidade de uma escolha autônoma pelos partidos comunistas do caminho para o socialismo a ser seguido, e, por outro lado, da opção idéia de que socialismo e democracia se auto-implicavam como que numa relação umbilical, devendo estabelecer entre si uma relação de consubstancialidade [2].

Dessa forma, no eurocomunismo, a premissa de que a experiência da Revolução Russa de outubro de 1917 não poderia ser transposta para um grande número de países - em especial para aqueles países economicamente desenvolvidos do mundo capitalista - deveria desaguar obrigatoriamente na "possibilidade teórica de uma transição bastante prolongada, de um período de transição para o socialismo que não seria nem rápido, nem dramático, nem resolvido pela tomada do poder [...] ". Assim, neste tipo de transição, levada a cabo através da conquista da hegemonia por partidos e movimentos identificados com a classe operária, seria possível "prever um longo período (de transição ao socialismo) marcado pelos fluxos e refluxos, como ocorre no desenvolvimento do capitalismo", sem se atravessar uma situação revolucionária do tipo insurrecional, mas sim um grande intervalo de lutas democráticas [3], numa inquestionável aproximação em relação à estratégia reformista da socialdemocracia européia [4].

Ora, a proposição de um socialismo decididamente enraizado nos princípios e valores da democracia, da liberdade e do pluralismo (dissidente em relação ao entendimento da revolução socialista como movimento insurrecional) era um fato que incomodava tanto os soviéticos quanto os norte-americanos: os primeiros, pelo temor de que uma dissidência socialista democrática se alastrasse pelos países do socialismo real no Leste europeu; os segundos, pelo medo de que se configurasse um forte movimento renovador nos partidos de esquerda do Oeste europeu [5].

No período em questão, a Era de Ouro do capitalismo, iniciada com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, começava a ser revertida em função da irrupção do primeiro choque do petróleo ocorrido no ano de 1973. A partir deste momento, as políticas econômicas intervencionistas de orientação keynesiana, que sustentavam teoricamente o Estado de Bem-Estar Social (o Welfare State), começam a ser progressivamente ultrapassadas pelo discurso do Estado mínimo e do mercado auto-regulável, patrocinado pela onda conservadora da doutrina neoliberal.

No plano estritamente político, em meados dos anos setenta, novos ventos de liberdade voltaram a soprar sobre o continente europeu, varrendo do mapa três regimes ditatoriais que insistiam em se fazer presentes numa Europa que reconquistara a democracia, em 1945, com a derrota dos regimes nazistas e fascistas, mas que se via ainda em meio às determinações geopolíticas da Guerra Fria entre Oeste capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e Leste comunista, encabeçado pela União Soviética, um conflito visto de forma maniqueísta como a luta entre o Bem e o Mal.

Assim, no decorrer de 1974, de uma parte, a ditadura salazarista em Portugal (no mês de abril) e o regime dos coronéis na Grécia (no mês de julho) são derrubados, restabelecendo as liberdades perdidas respectivamente nos anos vinte e sessenta. De outra parte, em 1975, com a morte do general Francisco Franco, a Espanha começa a realizar a transição pacífica rumo à democracia parlamentar, dando início à superação da traumática experiência da Guerra Civil, entre 1936 e 1939.

Já nos dois pólos centrais da Guerra Fria, a situação parecia pender para o campo comunista em função do duplo constrangimento enfrentado pelos Estados Unidos no período. De um lado, em 1974, o presidente Richard Nixon renuncia ao cargo em função do caso Watergate. De outro lado, em 1975, com a entrada dos vietcongues em Saigon, consolida-se a derrota da maior potência mundial na Guerra do Vietnam.

Na União Soviética, diferentemente, depois dos sucessivos conflitos estabelecidos com outros países comunistas (Polônia e Hungria, em 1956; Tcheco-Eslováquia em 1968; e China durante todos os anos sessenta), parecia que, sob a liderança de Leonid Brejnev, chegara-se a uma fase de estabilidade política e progresso econômico.

Dentro desse contexto mais ampliado, dois encontros foram responsáveis pelo nascimento oficial do eurocomunismo.

No primeiro, durante um comício realizado na cidade italiana de Livorno, em julho de 1975, os secretários-gerais do Partido Comunista Italiano (PCI), Enrico Berlinguer, e do Partido Comunista Espanhol (PCE), Santiago Carrillo, demonstram o caráter concreto da expressão cunhada por Barbieri para uma massa de militantes comunistas que tomara de assalto a cidade natal do PCI.

No segundo, em Roma, em novembro do mesmo ano, no decorrer de uma reunião entre Enrico Berlinguer e o secretário-geral do Partido Comunista Francês (PCF), Georges Marchais, a formação de um núcleo básico de partidos comunistas pertencentes à área capitalista avançada parece minimamente estabelecida, para que seja possível a explicitação das divergências existentes em relação à URSS e ao Partido Comunista da União Soviética (PCUS) - uma divergência que tinha o seu ponto nodal na defesa da idéia de que uma sociedade socialista não poderia deixar de trazer no seu âmago a manutenção das liberdades democráticas e a garantia do pluralismo, valores arduamente conquistados pela modernidade no curso das revoluções burguesas, entre os séculos XVII e XIX.

Junto a estes dois encontros, relevante para o desenrolar dos debates acerca do eurocomunismo foi a preparação e a conseqüente realização de uma conferência internacional realizada em junho de 1976, na cidade de Berlim, com a participação de vinte e nove partidos comunistas europeus.

Neste período, os comunistas italianos, espanhóis e franceses esboçam a construção de um pólo de partidos comunistas favoráveis a uma nova idéia de revolução, entendida como uma maneira renovada de edificação de um poder alternativo ao Estado e sociedade capitalistas.

Então, de uma maneira renovadora, é realizado um afastamento comum em relação à idéia de revolução como "um eventual golpe de mão de uma vanguarda decidida a tudo para penetrar na cidadela do poder, aproveitando das suas rachaduras", em prol de uma outra concepção assentada na necessidade de estruturação de "um bloco histórico que se revele capaz de substituir gradualmente, e por via pacífica, a velha classe dirigente na direção do Estado, em seu todo econômico e político" [6].

Entretanto, o encontro entre PC italiano, PC espanhol e PC francês, em meados dos anos setenta, não deve ser compreendido como uma espécie de "triângulo harmônico", baseado num consenso integral e generalizado, no qual a concepção de socialismo democrático e pluralista, por um lado, e o posicionamento crítico em relação às orientações emanadas de Moscou, por outro lado, encontravam-se igualmente desenvolvidos, lastreados historicamente de maneira idêntica.

Pelo contrário, o rápido esgotamento da renovadora experiência eurocomunista deveu-se, em boa medida, à falta de sintonia existente entre os tempos de maturação de um projeto socialista democrático no interior de cada um dos três partidos comunistas, ou, dizendo de outra maneira, à ausência de sincronia histórica no árduo esforço de distanciamento em relação ao projeto comunista de matriz terceiro-internacionalista e ao seu embasamento teórico marxista-leninista.

Mas, antes de chegar aos desencontros responsáveis pelo seu ocaso, faz-se necessário trilhar a trajetória dos encontros iniciais realizados entre os eurocomunistas, isto é, os pontos centrais do projeto durante a sua fase ascendente, quando os elementos em comum prevaleciam sobre as fontes de discórdia.

I

No primeiro encontro realizado entre Enrico Berlinguer e Santiago Carrillo, em julho de 1975, é emitida uma declaração comum que sai em defesa da tese de que, para os comunistas italianos e espanhóis, na "concepção de um avanço democrático ao socialismo, na paz e na liberdade, se exprime não uma atitude tática, mas um convencimento estratégico", uma concepção que teria vindo à tona sob as condições históricas específicas dos países situados no continente europeu ocidental [7].

Nestes países, sublinha-se na declaração comum dos comunistas italianos e espanhóis, o socialismo somente pode ser desenvolvido através da "realização plena da democracia", compreendida como:

[...] afirmação do valor das liberdades pessoais e coletivas e da sua garantia, dos princípios do caráter laico do Estado, da sua articulação democrática, da pluralidade dos partidos em uma livre dialética, da autonomia do sindicato, das liberdades religiosas, da liberdade de expressão, da cultura, da arte e das ciências [...] [8].

No que diz respeito especificamente ao campo econômico, é realizada a defesa de uma solução socialista voltada para "um alto desenvolvimento produtivo", assegurado "por uma política de programação democrática fundada na coexistência de várias formas de iniciativa e de gestão pública e privada" [9].

Concluindo a declaração comum, é feita a afirmação de que ambos os partidos "elaboram em plena autonomia e independência a sua política interna e internacional", numa clara referência à União Soviética e ao seu partido comunista [10].

Já a declaração comum elaborada em função do encontro realizado, em novembro de 1975, entre Enrico Berlinguer e Georges Marchais, parte do princípio comum de que apenas "uma política de profundas reformas democráticas" poderá levar a democracia a se desenvolver na direção do socialismo [11]. E, aqui, ocorre um avanço de ordem qualitativa em relação à declaração firmada pelos comunistas italianos e espanhóis - uma superação realizada em função da apresentação de um número bem mais ampliado de elementos que caracterizariam, de maneira necessária, a concepção socialista e democrática almejada pelos comunistas italianos e franceses.

Isto, ao se considerar "a marcha para o socialismo e a edificação da sociedade socialista" como um processo levado a cabo "nos quadros de uma democratização contínua da vida econômica, social e política", ou seja, através do entendimento de que "o socialismo constituirá uma fase superior da democracia, realizada no modo mais completo". Neste sentido, "todas as liberdades, fruto das grandes revoluções democrático-burguesas ou das grandes lutas populares deste século, que tiveram à sua frente a classe operária, deverão ser garantidas e desenvolvidas":

[...] isto vale para a liberdade de pensamento e de expressão, de imprensa, de reunião e associação, de manifestação, para a livre circulação das pessoas no interior e no exterior, a inviolabilidade da vida privada, as liberdades religiosas, a total liberdade de expressão das correntes e de toda opinião filosófica, cultural e artística [...] [12].

Ademais, é realizado um decisivo pronunciamento em nome da "pluralidade dos partidos políticos, pelo direito à existência e atividade de partidos de oposição, pela livre formação e possibilidade da alternância democrática das maiorias e minorias, pelo caráter laico e o funcionamento democrático do Estado, pela independência da justiça", além da defesa da "livre atividade e autonomia dos sindicatos" [13].

Outrossim, a reforçar a adesão dos comunistas italianos e franceses à vida democrática em seus países encontra-se a assertiva, já feita na declaração de italianos e espanhóis, de que o respeito ao conjunto das instituições democráticas deve ser tratado como uma questão de princípio, e não como apenas um instrumento de ordem tática.

Entretanto, se é visível o avanço da declaração franco-italiana quando da discussão dos nexos existentes entre socialismo e democracia, nos marcos da defesa da garantia das liberdades individuais e coletivas, o mesmo não se dá no momento em que o texto da declaração adentra o espaço especificamente econômico [14]. Aqui, o retrocesso não é menos perceptível, ao se realizar a defesa da idéia de que "uma transformação socialista pressupõe o controle público sobre os principais meios de produção e de troca", num claro passo atrás de teor estatizante - muito próximo da organização econômica típica das sociedades do socialismo realmente existente - frente à proposta ítalo-espanhola pautada na necessidade de uma economia mista, aberta à coexistência de empresas públicas e privadas [15].

Por fim, os comunistas italianos e franceses reforçam aquilo que havia sido afirmado inicialmente na declaração conjunta de italianos e espanhóis: a necessidade do respeito pelo "princípio da autonomia de cada partido", ou seja, a exigência da não ingerência de quaisquer partidos ou Estados (leia-se: Partido Comunista da União Soviética e União Soviética) nos desenvolvimentos teóricos e nas opções políticas realizados pelos demais partidos comunistas, tanto no campo oriental como no ocidental - fato que assinalava abertamente a vontade dos três partidos eurocomunistas de implementar livremente a busca por novos caminhos, a serem seguidos na luta pela construção de uma sociedade socialista e democrática.

Entretanto, junto à explicitação do desejo de garantia de liberdade em relação à URSS e ao PCUS, não deixou de se fazer presente com similar ênfase, nesta segunda declaração comum, a afirmação de que "deve ser garantido o direito de todo povo decidir de maneira soberana o próprio regime político e social", cabendo a todos aqueles que se batem pela expansão da democracia no mundo "a necessidade de lutar contra a pretensão do imperialismo estadunidense de ingerir-se na vida dos povos".

Assim, a tomada de distância frente aos soviéticos não pode ser minimamente encarada como uma aproximação desprovida de crítica em relação aos Estados Unidos, mas sim como a apresentação de um esboço de projeto pautado, por um lado, pela disposição de resgatar a capacidade européia de se colocar à frente das transformações sociais e políticas realizadas desde o início da modernidade, e, por outro lado, pelo objetivo de fazer voltar a valer os direitos à soberania dos Estados nacionais e à autodeterminação dos povos, direitos tão fortemente atacados por Estados Unidos e União Soviética no decorrer do século XX, em especial desde o início do conflito bipolar entre os dois países, com a Guerra Fria.

Na verdade, a perspectiva então apresentada pela declaração comum observava na "coexistência pacífica" e "na gradual superação e dissolução dos dois blocos militares", encabeçados pelos Estados Unidos e pela União Soviética, não apenas "a única alternativa para uma guerra exterminadora", mas também "o terreno mais favorável para a luta contra o imperialismo, pela democracia e pelo socialismo". Em poucas palavras, a paz seria o terreno ideal para a superação do capitalismo e para a construção de uma nova sociedade [16].

A fim de que se aprofunde a compreensão do caráter das duas declarações, com toda a sua gama de identidades e diferenças, talvez seja esclarecedora a análise do discurso assumido pelos três partidos comunistas em meados da década de setenta, tomando-se como referência o relatório apresentado pelos seus três secretários-gerais (Berlinguer, Carrillo e Marchais) no decorrer dos congressos e conferências partidários ocorridos no biênio 1975/1976, já que os mesmos se desenrolaram exatamente em meio ao processo de elaboração das declarações conjuntas.


II

1) Berlinguer e o XIV Congresso do PCI - março de 1975

Num congresso marcado, no plano político interno, pela afirmação da estratégia do "compromisso histórico" com a Democracia Cristã (sem a exclusão dos socialistas) lançada no ano de 1973, e, no plano político externo, pela apresentação da proposta de formação de um "governo mundial" baseado no objetivo de um novo impulso desenvolvimentista, fundado num sistema inovador de cooperação mundial, o secretário-geral do PCI, Enrico Berlinguer, tornou explícitas as motivações que fizeram dos comunistas italianos os principais responsáveis, teórica e politicamente, pelo avanço do eurocomunismo em meados dos anos setenta.

Tendo como ponto de partida a defesa do posicionamento autônomo da Europa frente aos Estados Unidos e à União Soviética, Berlinguer apresentou no seu Relatório de abertura do XIV Congresso do PCI, em março de 1975 [17], um conjunto de reflexões essenciais ao aprofundamento dos nexos existentes entre socialismo e democracia no mundo contemporâneo, num dos momentos mais elevados de elaboração teórica realizados pela tradição política comunista italiana inaugurada por Antonio Gramsci, ainda entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial.

O caráter indissociável existente entre socialismo e democracia no pensamento de Berlinguer e, por conseguinte, na linha política seguida pelos comunistas italianos no decorrer dos anos setenta apresenta-se no Relatório em questão de três maneiras particulares, não obstante os evidentes nexos existentes entre si.

Em primeiro lugar, ao se formular uma estratégia possível de transição do capitalismo ao socialismo que fosse capaz de conciliar o "respeito da legalidade democrática" ao exercício de pressões voltadas para o início da edificação de uma nova ordem social - radicalmente diversa da velha ordem social - ainda no tempo presente.

Entendido como uma revolução democrática e socialista (ou como a segunda etapa da revolução democrática e antifascista), tal processo seria exatamente o "nexo vivo e operante entre a ação imediata e a perspectiva do socialismo", um processo de longo prazo no qual o rompimento da lógica do capitalismo dar-se-ia através do "funcionamento das instituições democráticas" e da garantia de "um clima civil na luta política" - clima propício para a transformação revolucionária do capitalismo através de uma série de reformas fortes, ou, dito de outra forma, por meio da "introdução de elementos de socialismo na estrutura do capitalismo":

Nesta situação, a perspectiva geral que nós indicamos é aquela que chamamos de uma nova etapa da revolução antifascista, isto é, de uma nova fase de desenvolvimento da democracia, que introduza nas estruturas da sociedade, na distribuição da renda, nos hábitos de vida, no exercício do poder, na atuação de uma consciente direção do complexo e articulado processo de desenvolvimento econômico, alguns elementos próprios do socialismo [18].

Na verdade, o que Berlinguer propunha era o desenvolvimento de um processo que levasse "progressivamente à ultrapassagem da lógica dos mecanismos de funcionamento do sistema capitalista", concomitantemente à "plena afirmação da função dirigente e nacional da classe operária e das outras classes trabalhadoras", dentro dos limites da legalidade democrática instituída no pós-Segunda Guerra Mundial - uma estratégia fortemente enraizada na história do comunismo italiano, que o presidente de honra do PCI, Luigi Longo, chegou a denominar de "reformista revolucionária".

Em segundo lugar, ao se defender a necessidade do fortalecimento do tecido democrático, entendido aqui como a articulação entre o desenvolvimento da democracia direta, participativa, e a democracia indireta, representativa, de maneira a não se estabelecer entre as duas expressões do jogo democrático uma relação antitética ou de exclusão. Em caso contrário, isto só viria a contribuir para a corrosão do tecido democrático, que se pretendia fortalecer por se constituir no terreno de luta ideal para a causa socialista, abrindo espaço para uma miríade de forças, da extrema-esquerda à extrema-direita, interessadas exatamente no enfraquecimento da tessitura democrática almejada pelos comunistas italianos.

Em terceiro lugar, ao se definir as características centrais imprescindíveis para a construção de um novo Estado socialista: a) a sua fundação no pluralismo político, com a defesa intransigente da pluralidade de partidos e de um sistema de autonomias; b) o seu caráter laico, não confessional e não ideológico; c) a sua negação de que a unidade da classe operária possa ser vista em termos de um partido único.

Com a apresentação destes três elementos centrais, Berlinguer deixava clara a opção realizada pelos comunistas italianos pelo respeito integral às liberdades civis e políticas, com o pleno direito a todos de se reunirem e divulgarem as suas causas, tornando inquestionável a forma democrática e republicana de apreensão do projeto socialista, sem qualquer espécie de concessão à tradição despótica da esquerda comunista, estivesse esta dentro ou fora do aparelho estatal.

2) Carrillo e a II Conferência Nacional do PCE - setembro de 1975

A primeira observação de peso realizada pelo secretário-geral do PCE, Santiago Carrillo, no relatório apresentado à II Conferência Nacional dos comunistas espanhóis, em setembro de 1975 [19], girou em torno da diferenciação existente entre duas espécies de internacionalismo revolucionário: o primeiro (antigo), definido pelo engajamento de cada partido comunista na defesa da União Soviética; o segundo (novo), caracterizado pela luta de cada partido comunista dentro da sua respectiva nação.

Ao distinguir estes dois tipos de internacionalismo e fazer uma evidente opção pelo segundo, Carrillo almejava afirmar que a independência de cada partido comunista dependia da sua capacidade de caminhar com as próprias pernas e não mais com aquelas da União Soviética. Isto, porém, sem recusar o papel decisivo desempenhado pela Revolução de Outubro de 1917, a União Soviética e os restantes países socialistas no processo revolucionário mundial, o que assinalava a tentativa de estabelecer uma ruptura com o velho internacionalismo proletário mantendo uma relação de continuidade indiscutível com o mesmo.

A mesma tentativa de caminhar por entre continuidade e ruptura pode ser visualizada na abordagem feita, em seguida, sobre a forma a ser assumida pelo processo revolucionário nos países da Europa capitalista economicamente avançada. Assim, se, por um lado, é apontada a possibilidade da ocorrência de "uma transformação socialista sem insurreição armada operária, sem guerra civil, sem 'longas marchas'", por outro lado, é indicado que esta possibilidade não deve ser confundida com a confirmação das teses reformistas socialdemocratas, pois, "sem a violência revolucionária que o reformismo socialdemocrático sempre negou", a possibilidade mesma de uma revolução socialista não-insurrecional nos países europeus desenvolvidos seria inviável na conjuntura em curso naquele momento.

A crítica ao reformismo socialdemocrata, no entanto, não deveria excluir a necessidade de uma ampla aliança no campo das esquerdas voltada para a afirmação de uma via democrática ao socialismo, uma via revolucionária não-insurrecional que precisaria enfrentar o grande enigma de como transformar o aparelho de Estado capitalista a partir de um governo de orientação socialista - enigma que destruíra as esquerdas chilenas exatamente dois anos antes, em setembro de 1973.

A fim de se evitar a repetição da trágica experiência chilena, far-se-ia necessário que as forças de esquerda dessem início à conquista do poder do Estado antes mesmo da chegada ao governo, completando-a posteriormente a partir do próprio governo, diferentemente das situações em que uma revolução triunfa com a violência, destruindo pela raiz o velho aparelho estatal e suas classes sociais dominantes.

Por um lado, no plano econômico, este governo socialista deveria substituir a idéia de socialização radical dos meios de produção pela perspectiva de longo prazo de coexistência entre os setores público e privado, já que apenas por seu intermédio seria possível "alcançar um equilíbrio entre o ritmo das transformações e a elevação do bem-estar geral".

Por outro lado, no plano político, o governo socialista deveria manter as instituições da democracia representativa (sufrágio universal, oposição legal e alternância de poder), complementando-a com formas de democracia direta, que permitissem a participação popular nos processos decisórios, dando forma a um autêntico regime de liberdade política.

Por fim, o secretário-geral do PCE sai em defesa de uma Europa dos trabalhadores, que fosse independente tanto dos Estados Unidos quanto da União Soviética, uma Europa capaz de fazer coincidir as conquistas das revoluções burguesas com as das revoluções socialistas, gerando uma democracia com dimensões autenticamente igualitárias, uma democracia capaz de ser estendida do plano estritamente político para aquele econômico e social, e na qual o povo tivesse o "direito de edificar livremente uma sociedade sem explorados e sem exploradores".

3) Marchais e o XXII Congresso do PCF - fevereiro de 1976

No discurso proferido, em fevereiro de 1976 [20], no decorrer do XXII Congresso do PCF, o secretário-geral dos comunistas franceses, Georges Marchais, acabou por retomar alguns dos elementos centrais presentes nos relatórios congressuais apresentados por Enrico Berlinguer e Santiago Carrillo, respectivamente em março e setembro de 1975.

De todos estes elementos centrais, no entanto, uma posição de destaque é ocupada pelo entendimento do socialismo como pleno desenvolvimento da democracia - a democracia estendida até os seus limites - e não como o seu aniquilamento. O socialismo a ser conquistado na França deveria, pois, ser identificado com a "salvaguarda e a expansão das conquistas democráticas", obtidas através das lutas do povo francês, devendo as liberdades formais ser defendidas e ampliadas, renovadas e restauradas na sua plenitude, nada podendo substituir a vontade das maiorias democraticamente expressas pelo sufrágio universal.

A diferenciar os três discursos, porém, encontram-se: a) um caráter classista inegavelmente mais acentuado nas reflexões acerca das relações entre socialismo e democracia; b) um número maior de ambigüidades ante a tradição comunista; e c) um papel mais preponderante do ideal coletivista na economia a ser erigida no futuro.

Em primeiro lugar, na afirmação inicial de que "liberdade e socialismo são inseparáveis", a luta pela liberdade é vista como não podendo ser observada fora do plano da luta de classes, uma luta entre os que têm "uma necessidade vital de liberdade" (a classe operária) e os que não podem "mais suportar esta mesma liberdade" (a grande burguesia). Dessa forma, "a democracia e a liberdade são hoje o terreno de combate da luta de classe, da luta pela revolução", pois seria impossível colocar-se "sobre a estrada da democracia sem pôr em questão o domínio do grande capital sobre a economia e sobre o Estado".

Em segundo lugar, não é necessário um grande esforço para que sejam percebidas as idas e vindas em relação à tradição no discurso do líder comunista francês. Assim, ao mesmo tempo em que se declara o rompimento com o conceito de ditadura do proletariado e se afirma que a luta pelo socialismo na França seguirá uma via autônoma, diversa tanto daquela seguida pelos russos em 1917 como daquela outra seguida pelas chamadas democracias populares no pós-1945, reitera-se a fidelidade para com os princípios do marxismo-leninismo e do socialismo científico, além da afirmação de que a classe operária continua a ser a classe dirigente da revolução socialista, sendo o partido comunista a vanguarda a guiá-la durante o processo revolucionário.

Por fim, em terceiro lugar, continua-se a defender "a propriedade coletiva dos grandes meios de produção" como peça-chave de uma economia socialista que também se revestirá de outras formas de propriedade social, como a nacionalização, a municipalização, as cooperativas, etc.

Apresentados os pontos centrais das duas declarações fundadoras do eurocomunismo e os posicionamentos específicos das suas lideranças durante os congressos e conferências partidários ocorridos no período em questão, faz-se necessário trilhar os caminhos particulares que levaram os comunistas italianos, espanhóis e franceses a se encontrarem momentaneamente ao redor de um projeto socialista e democrático. capaz de incorporar - de uma maneira seletiva, não desprovida de ambigüidades e diversificada em cada um dos três PCs - determinados elementos daquilo que seria impensável nos anos mais duros da bolchevização dos partidos comunistas e da expansão da doutrina marxista-leninista.

Por um lado, a superação da estreita visão que reduzia a abordagem da questão democrática a uma opção de classe, isto é, a ultrapassagem da tradicional oposição entre democracia burguesa e democracia operária, na direção da renovadora concepção de democracia como uma finalidade, um objetivo estratégico, um valor universal.

Por outro lado, a identificação da garantia das liberdades individuais e coletivas como momento essencial de uma estratégia direcionada para a afirmação dos ideais socialistas, o que significava a aceitação de uma parte fundamental do patrimônio teórico do liberalismo político.


III

Os Partidos Comunistas italiano, espanhol e francês não chegaram aos ideais socialistas democráticos que embasaram o projeto eurocomunista trilhando o mesmo caminho. Mesmo não se excluindo, os impulsos iniciais que levaram cada um dos três partidos comunistas à estrada comum do eurocomunismo são de natureza distinta, fato que, segundo a hipótese aqui defendida, faz compreender a sua desagregação prematura antes mesmo do término dos anos setenta.

1) O PCI

A trajetória dos comunistas italianos, em primeiro lugar, deu-se através de um longo percurso de luta política e de reflexão teórica, permeado por graves tensões e não poucas disputas internas e ambigüidades, que tem seu início com a obra carcerária de Antonio Gramsci, nos anos da ditadura fascista, e seus desenvolvimentos, no pós-Segunda Guerra Mundial, com a busca de Palmiro Togliatti por um novo caminho ao socialismo.

Com Gramsci, os comunistas italianos começaram a vislumbrar, ainda nos anos mais duros da ditadura fascista, a possibilidade de uma nova forma de pensar e lutar pela implementação da revolução socialista, não apenas na Itália, mas também num conjunto de países capitalistas desenvolvidos, onde o Estado tornara-se ampliado, assumindo a forma de uma complexa relação entre "sociedade política" e "sociedade civil". Com isso, o ideal revolucionário passa a se apresentar não mais como um evento insurrecional localizado num curto espaço de tempo (a "guerra de movimento"), mas sim como um processo ampliado realizado no decorrer de um largo período histórico (a "guerra de posição"). Isto, partindo-se da visualização da existência de dois tipos de realidade sociopolítica no mundo contemporâneo: a primeira, marcada pela prevalência dos instrumentos coercitivos de "dominação" sobre os meios consensuais de "hegemonia" (o "Oriente"); a segunda caracterizada pela existência de um equilíbrio entre "coerção" e "consenso" (o "Ocidente") [21].

Com Togliatti, as reflexões gramscianas são retomadas e ampliadas sensivelmente na direção da construção de uma estratégia democrática de transição ao socialismo, denominada a partir dos anos em que foi secretário-geral do PCI, entre 1944 e 1964, de "via italiana ao socialismo". Uma via responsável, em grande medida, pelo fato do partido de Gramsci ter se tornado o maior partido comunista do mundo ocidental, e que se fundava em dois conceitos centrais do pensamento togliattiano: a "democracia progressiva" (a idéia de um regime político responsável pela instauração do socialismo através de um longo período histórico, enxergado não como uma simples etapa a ser cumprida e logo depois descartada, mas como um processo de natureza permanente); e o "partido novo" (a concepção de um partido comunista de caráter nacional, amplo e de massa, voltado para a colaboração governativa e aberto à aliança orgânica com os socialistas) [22].

Sob o breve secretariado de Luigi Longo e, principalmente, a partir do momento em que Enrico Berlinguer assume a liderança do PCI, na virada dos anos sessenta aos anos setenta, os comunistas italianos enriquecem ainda mais as contribuições teóricas e políticas dadas por Gramsci e Togliatti, chegando ao ápice das reflexões acerca das relações estabelecidas entre socialismo e democracia.

Enfim, com Berlinguer, o Partido Comunista Italiano assume firmemente aquilo que ainda se encontrava incubado no pensamento de Gramsci e permeado de ambigüidades nos anos da direção de Togliatti: a afirmação de que o socialismo almejado - diversamente do que acontecia nos países do "socialismo até então realizado" - só pode ser entendido como o pleno desenvolvimento da democracia.

Isto, durante um período sombrio da história italiana, no qual o terrorismo vermelho da extrema-esquerda e o terrorismo negro da extrema-direita, com a cumplicidade de determinados setores do próprio aparelho estatal italiano, espalharam o medo pela península itálica, com o intuito de brecar de toda maneira a entrada dos comunistas italianos no governo do país, numa aliança com a Democracia Cristã de Aldo Moro.

Outrossim, como que a sintetizar o duro aprendizado realizado com as trágicas experiências da invasão das tropas do Pacto de Varsóvia, sob a liderança soviética, em 1956 e 1968, respectivamente na Hungria e na Tcheco-Eslováquia, o PCI berlingueriano aprofunda a crítica ao internacionalismo proletário pensado como defesa irrestrita da União Soviética e do seu partido comunista. Diferentemente deste entendimento, é levado a cabo o aprofundamento do conceito togliattiano de "policentrismo" (a noção de que não existe um guia único dentro do movimento comunista internacional, sendo o socialismo uma realização de caminhos freqüentemente diversos), até o ponto de se imaginar o desenvolvimento autônomo da revolução democrática e socialista no Ocidente, em particular na Europa capitalista, independentemente dos juízos negativos construídos pelos dirigentes soviéticos.

2) O PCE

Os comunistas espanhóis, por sua vez, também tiveram suas escolhas condicionadas pelo progressivo dissenso estabelecido em relação às posturas assumidas pelos soviéticos. Isto, pelo menos desde meados dos anos sessenta, quando o PCE ainda amargava a rigorosa clandestinidade imposta pelo regime franquista, a quem fazia uma determinada oposição desde a trágica derrota sofrida na Guerra Civil Espanhola, entre os anos de 1936 e 1939. Todavia, tal dissenso não foi acompanhado do mesmo trabalho de amadurecimento teórico empreendido pelos comunistas italianos, no decorrer de aproximadamente cinqüenta anos.

A lista de contratempos acontecidos entre os comunistas soviéticos e os comunistas espanhóis não é curta, tendo se acentuado gravemente na primeira metade dos anos setenta. De uma parte, em 1971, o PCUS chega a dar o seu apoio à formação do Partido Comunista Operário Espanhol, liderado pelo popular general da resistência antifranquista durante a guerra civil, Enrique Lister, expulso do PCE em 1970. De outra parte, em 1972, durante a realização do seu VIII Congresso, em Paris, o PCE aprova uma resolução tratando dos principais traços de uma futura Espanha socialista, na qual é feita a renúncia a toda e qualquer tentativa de imposição de uma filosofia oficial, junto à indicação de uma plena autonomia em relação a Moscou.

Na verdade, na década anterior, mais precisamente em junho de 1964, os comunistas espanhóis já haviam elaborado uma declaração de caráter inovador, na qual era feita a promissora defesa de uma linha política nacional e democrática, voltada para a conquista de um regime de transição entre o capitalismo monopolista de Estado e o socialismo, pensado nos marcos de um "longo período de duração".

Neste contexto, a possibilidade de desenvolvimento em solo espanhol de uma revolução com liberdade e democracia já é observada como dependendo diretamente da coexistência de formas de propriedade sociais, nos setores fundamentais da economia, com formas de propriedade capitalistas, nos demais setores.

Em suma, o que se começava a prever ainda em meio aos anos sessenta era a necessidade de uma transição pacífica ao socialismo, baseada, por um lado, numa política de unidade ampla e articulada o suficiente para derrotar a ditadura franquista, e, por outro lado, na admissão da idéia de que em países como a Espanha a luta revolucionária dar-se-ia de maneira diversa daquela implementada na Rússia (1917), China (1949) e Cuba (1959).

Na passagem dos anos sessenta aos anos setenta, por diversas ocasiões, o próprio secretário-geral do partido, Santiago Carrillo, tornará explícita a opção democrática feita pelos comunistas espanhóis em 1964. Em 1968, saindo em defesa do pluralismo político e econômico, contra o partido único e os métodos burocráticos de gestão nos países socialistas. Em 1970, definindo a luta pela democracia como a primeira fase de um processo ininterrupto de luta pelo socialismo, e a ditadura do proletariado como a ampliação e desenvolvimento da democracia, e não como a abolição das liberdades políticas.

Como se pode observar, ao tentar conciliar via democrática e ditadura do proletariado, Carrillo e os comunistas espanhóis chegam ao VIII Congresso, em 1972, deixando claro o quanto era difícil romper completamente com as heranças teóricas e as tradições políticas responsáveis pela edificação do chamado movimento comunista internacional.

Apenas em 1975, quando da realização da II Conferência Nacional do PCE, a antinomia entre ditadura do proletariado e via democrática seria rompida em favor desta última. Então, no seu Manifesto-Programa, propõe-se como modelo político um "socialismo pluripartidário e democrático [...], um socialismo baseado na soberania popular expressa através do sufrágio universal", entendido o pluralismo - nas palavras de Carrillo, alguns meses depois - "como o direito de uma oposição não socialista retornar ao poder, assim que reconquistar a maioria" [23].

3) O PCF

Os comunistas franceses, por seu turno, realizaram a sua opção pelo eurocomunismo muito mais em virtude de razões táticas de política interna do que como resultado de um amadurecimento teórico estratégico de longa data.

Na verdade, a determinar o novo caminho tomado pelo PCF encontrava-se, antes de tudo, o desejo de aproximação aos socialistas franceses, com o intuito de elaborar um programa comum para o governo da França capaz de romper com a hegemonia conquistada pelas forças conservadoras desde o término da Segunda Guerra Mundial, levando as esquerdas ao comando da nação.

Divulgado em julho de 1972, o programa comum para o governo da França acabou possibilitando um grande sucesso eleitoral, nos anos seguintes, para a coalizão de esquerda, formada por socialistas e comunistas: em primeiro lugar, nas eleições legislativas de 1973, com o avanço de 93 para 176 cadeiras no parlamento francês, o que quase desbancou a maioria da coalizão gaullista; em segundo lugar, nas eleições presidenciais de 1974, quando por muito pouco a candidatura unitária de François Mitterrand não sai vitoriosa frente à de direita de Valéry Giscard D´Estaing, na sucessão de Georges Pompidou.

De fato, não consistiria nenhuma espécie de exagero a afirmação de que, dos três PCs eurocomunistas, o francês era aquele que menor senso estratégico possuía no seu desenvolvimento renovador, tendo se aproximado dos comunistas italianos e espanhóis muito mais por necessidades de ordem tática do que em virtude de um consistente esforço teórico.

Em suma, o que contava para os comunistas franceses, acima de qualquer outra questão, era a necessidade de construção de uma sólida aliança eleitoral com o Partido Socialista Francês, que fosse suficientemente capaz de ultrapassar a direita gaullista [24].

Entretanto, o interesse de caráter tático-eleitoral existente por detrás da opção eurocomunista realizada pelos comunistas franceses não deve ser desprezado, pois foi por intermédio da sua luta pela união da esquerda em torno de um programa comum que, no decorrer do XXII Congresso do PCF, em fevereiro de 1976, foi tomada a decisão de retirar a noção de "ditadura do proletariado" do conjunto de objetivos a serem alcançados pelos seguidores do secretário-geral Georges Marchais.

Além disso, não foram de pouco relevo os avanços críticos levados a cabo neste período. De uma parte, ao realizarem a substituição da expressão "internacionalismo proletário" por "solidariedade internacionalista", com o intuito de assinalar a divergência em relação à tentativa soviética de dar continuidade à antiga estrutura centralizadora do movimento comunista internacional (Komintern e Kominform) através da realização de conferências internacionais dos partidos comunistas. De outra parte, ao tornarem explícitos a crítica aos atentados cometidos contra as liberdades individuais e coletivas nos países socialistas, e o questionamento em relação à substituição da luta de idéias pela censura ou repressão [25].

Dessa forma, ainda que impulsionados mais por questões de ordem tática do que por reflexões mais aprofundadas de natureza estratégica, os comunistas franceses conseguiram chegar ao entendimento de que o eurocomunismo não era nem "um novo centro, mesmo regional, do movimento comunista" ou "qualquer espécie de tribunal, erigindo-se em censor sistemático de outros partidos", nem "uma ideologia ou uma linha política comum", ou ainda "uma variante da socialdemocracia". De fato, para o PCF, o eurocomunismo era "a aspiração dos trabalhadores ao socialismo em liberdade", "uma via democrática e revolucionária em direção ao socialismo [...], na qual a classe operária desempenha um papel decisivo, através de uma manifestação sem precedentes de democracia" [26].

Ademais, com a adesão ao eurocomunismo, os comunistas franceses acabaram por completar um ciclo - um breve, mas enriquecedor ciclo, mesmo que permeado de um número considerável de incertezas e dubiedades -, iniciado em dezembro de 1968 com o Manifesto de Champigny, no qual o tema da transição ao socialismo é abordado através da fórmula da "democracia avançada", tendo um momento de inflexão em novembro de 1974, no decorrer do XXI Congresso (extraordinário) do Partido Comunista Francês, quando Georges Marchais vai além do Manifesto de 1968 ao afirmar que, junto ao caráter democrático da via francesa ao socialismo, é preciso que existam diversas vias nacionais ao socialismo, aí incluída a "via francesa ao socialismo" - o "socialismo com as cores da França" [27].

Com isso, os comunistas franceses demonstraram ter levado em consideração - pelo menos em parte, no decorrer de quatro congressos partidários - as exigências de caráter democrático vindas à tona nos abruptos acontecimentos ocorridos nos anos de 1968 e 1974, nas mais distintas partes do continente europeu: do Leste comunista ao Oeste capitalista, do Oeste capitalista rico ao Oeste capitalista pobre.

A explosão estudantil no maio francês, que se espalharia por outras partes do planeta, contra todas as formas de autoritarismo - capitalista ou comunista - e a repressão levada a cabo pelas tropas do Pacto de Varsóvia contra a experiência libertadora da Primavera de Praga, no ano de 1968, junto à derrota das ditaduras na Grécia e em Portugal, em 1974, fizeram saber aos comunistas franceses que a manutenção de todas as liberdades democráticas deveria se tornar uma condição sem a qual nenhum projeto socialista poderia ser posto em prática de maneira efetiva, o que dava uma idéia da vontade de ratificar a disposição de fazer indissociável a luta pela democracia e a luta pelo socialismo, contra o inimigo comum representado pelo modo de produção capitalista e pela sociedade burguesa.

Aderindo ao eurocomunismo em tempos e com objetivos diferenciados, não era de se esperar que a união entre os comunistas italianos, espanhóis e franceses em torno do mesmo projeto fosse além da realização imediata de seus interesses particulares.

No entanto, pela falta de um esforço orgânico maior que resultasse no alinhamento teórico dos três PCs (única couraça capaz de proteger o eurocomunismo dos sucessivos ataques, internos e externos, que começava a sofrer), as circunstâncias da segunda metade dos anos setenta muito rapidamente evoluíram para corrosão das suas bases comuns, fazendo com que a esperança de um projeto socialista e democrático verdadeiramente renovador se esgotasse antes mesmo da geração de frutos mais consistentes, espacialmente ampliados e de duração mais longa.


IV

Em sua curta estação expansiva, o eurocomunismo chegou a atrair para as suas propostas socialistas democráticas outros partidos comunistas europeus, como o britânico e o belga, chegando até mesmo a ganhar a simpatia de PCs de outras regiões do planeta, como o japonês e o mexicano. Além disso, não foram poucos os comunistas que aderiram às orientações eurocomunistas, não obstante as desconfianças das suas respectivas direções partidárias, como no caso do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Ademais, três acontecimentos ocorridos na primeira metade de 1976 - todos tendo como protagonista o secretário-geral do PCI, Enrico Berlinguer - ainda podem ser considerados como fazendo parte da sua breve linha de afirmação e ascensão, demonstrando que o discurso eurocomunista possuía uma força propulsora em potencial.

No primeiro, da tribuna do XXV Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em Moscou, no dia 27 de fevereiro, em nome do núcleo de partidos eurocomunistas, Berlinguer sai em defesa das posições assumidas pelos comunistas ocidentais, ao proclamar a luta "por uma sociedade socialista que seja o momento mais alto do desenvolvimento de todas as conquistas democráticas e garanta o respeito de todas as liberdades individuais e coletivas, das liberdades religiosas e da liberdade da cultura, da arte e das ciências", uma sociedade em que a classe operária realize "a sua função histórica em um sistema pluralista e democrático".

A propagação de murmúrios indignados entre delegados e convidados, junto à tradução deturpada do adjetivo "pluralista" por "multiforme" (palavra que obviamente não possui o mesmo significado político de "pluralismo"), revela o tamanho aproximado do impacto causado por esta que pode ser considerada a primeira grande afronta do eurocomunismo à ortodoxia soviética, dentro do seu templo oficial.

No segundo, durante o comício conjunto dos Partidos Comunistas Italiano e Francês realizado em Paris, no dia 3 de junho, o mesmo Berlinguer usa o termo eurocomunismo pela primeira vez em público, diferentemente de Georges Marchais, que evita o emprego do neologismo. Então, outra vez mais, o secretário-geral do PCI realiza a descrição da almejada sociedade socialista ocidental, uma sociedade que, diferentemente daquelas existentes nos países do Leste, seria marcada pela existência de liberdade de expressão e de imprensa, pela pluralidade de partidos e alternância no poder.

No terceiro, no decorrer da Conferência dos vinte e nove partidos comunistas europeus realizada, no mês de junho, em Berlim, Berlinguer expõe - na companhia de um decidido Carrillo e de um, outra vez mais, reticente Marchais - uma série de questões abordadas diversamente pelo comunismo soviético e pelo eurocomunismo, deixando claro o anacronismo contido na existência de Estados e partidos-guia: no plano político, o valor fundamental da democracia, do pluralismo e das liberdades individuais e coletivas, com todas as suas implicações - o Estado laico e não-ideológico, a pluralidade partidária, a alternância de poder, a autonomia sindical, a liberdade religiosa e de expressão da cultura, da arte e da ciência; no plano econômico, a convivência e cooperação de formas de gestão e de propriedade públicas e privadas, voltadas para o desenvolvimento produtivo e social.

Entretanto, nem bem completado um biênio de existência, o eurocomunismo encontra o seu "canto de cisne" no exato momento em que se imaginava acontecer o marco que seria responsável pelo seu irresistível desenvolvimento futuro, o desabrochar das suas potencialidades ainda represadas pela inércia da tradição.

Rompendo a prática dos encontros bilaterais, Berlinguer, Carrillo e Marchais reúnem-se em Madri, no dia 3 de março de 1977, com o fito de fortalecer a proposta eurocomunista, tornando-a um projeto mais orgânico, além de prestar solidariedade aos comunistas espanhóis, ainda não reconhecidos na sua plena legalidade.

Porém, desse encontro, de que se esperava um documento mais consistente e articulado - uma espécie de "constituição eurocomunista" -, vem a público um magro comunicado de apenas quatro páginas, que se limitava a reiterar as declarações bilaterais precedentes, e uma série de comentários sobre as desavenças existentes entre os três líderes, com destaque para a existência de uma suposta carta enviada por Leonid Brejnev para Georges Marchais, pressionando-o a bloquear qualquer espécie de crítica mais severa à União Soviética e ao seu partido comunista.

Na verdade, sendo autêntica ou não a versão da carta enviada por Brejnev, uma boa parte das razões que levaram à falência prematura do eurocomunismo, durante o encontro que representaria o seu ápice, deveu-se ao recuo dos comunistas franceses: de um lado, pressionados severamente pelos soviéticos, e, de outro lado, tendo as suas relações com os socialistas de Mitterrand descambado para a crise.

A partir de então, de forma acelerada, cada um dos três PCs (e seus três líderes) refluirá para um caminho próprio, mais imerso em questões de âmbito especificamente nacional.

Marchais e o PCF, preocupados com o forte crescimento dos socialistas liderados por François Mitterrand e, também, com o diálogo amistoso destes com os comunistas italianos, engatam uma marcha à ré, reaproximando-se dos soviéticos.

Carrillo e o PCE, em meio a dificuldades internas ao partido e à luta pela afirmação da tão almejada legalidade, mostrando-se um partido nacional essencialmente espanhol, pisam no acelerador fazendo crescer o tom das polêmicas com os soviéticos.

Berlinguer e o PCI, após o espetacular avanço alcançado nas eleições regionais de junho de 1975 (33,4%) e nas eleições políticas de junho de 1976 (34,4%), começam a enfrentar a prova de fogo da estratégia do compromisso histórico, em meio à impiedosa multiplicação de ações terroristas da extrema-esquerda e da extrema-direita, aos vetos estadunidenses e às constantes desavenças com as diretrizes sinalizadas por Moscou, numa árdua tentativa de realizar na prática as proposições teóricas heterodoxas desenvolvidas há décadas.

Porém, quase como numa tentativa de morrer de pé, gritando em alto e bom som que a causa eurocomunista representava uma alternativa concreta ao progressivo risco de esclerose da causa socialista, dois episódios ocorridos na segunda metade de 1977 sinalizaram claramente o principal adversário daqueles que se bateram juntos, ainda que brevemente, por um socialismo permeado pelos valores da democracia, da liberdade e do pluralismo: o despotismo que tomara conta do socialismo real [28].

Em primeiro lugar, a publicação no verão europeu do polêmico livro de Santiago Carrillo: Eurocomunismo e Estado [29].

Nele, o secretário-geral do PCE põe em dúvida a validade de uma série de teses elaboradas pela tradição comunista, em particular por Lenin, no decorrer da experiência da Revolução Russa, quando cotejadas com a realidade histórica dos países capitalistas desenvolvidos da Europa Ocidental - entre as quais, a identificação entre democracia e Estado burguês, e a defesa da ditadura do proletariado como caminho para se chegar ao estabelecimento do novo sistema social socialista.

Em seu lugar, diferentemente, é proposta uma "via democrática, pluripartidária, parlamentar" ao socialismo, que fosse capaz de transformar o aparelho de Estado através da utilização dos seus espaços ideológicos, da "criação de uma nova correlação de forças através do caminho da luta política, social e cultural", renunciando à idéia de construção de um Estado operário e camponês controlado rigidamente pelo aparelho partidário. Uma via que, ademais, não poderia deixar "de recuperar para si os valores democráticos e liberais, a defesa dos direitos humanos, incluído o respeito às minorias discrepantes", mantendo-se independente em relação ao Estado soviético e demais Estados socialistas na sua definição, além de permanentemente crítica ante o "totalitarismo socialista".

Mas, como se tudo isto não fosse suficiente para aumentar a forte antipatia alimentada pelos soviéticos em relação a sua figura, Carrillo procura mostrar que, assim como democracia não é sinônimo de capitalismo, socialismo não é igual à dominação soviética, cabendo ao eurocomunismo a tarefa de superar esse dilema, pondo "os problemas da democracia e do socialismo no nível histórico correspondente". Por um lado, demonstrando que, para o desenvolvimento da democracia, é preciso a própria superação do capitalismo, já que este tende a reduzi-la e, no limite, destruí-la. Por outro lado, indicando que:

[...] a vitória das forças socialistas em países da Europa Ocidental não aumentará num instante a potência estatal soviética nem suporá a extensão do modelo soviético do partido único; será uma experiência independente, com um socialismo mais evoluído que terá uma influência positiva na evolução democrática dos socialismos existentes hoje [30].

Em segundo lugar, o célebre discurso de Enrico Berlinguer durante a comemoração dos sessenta anos da Revolução Russa de outubro de 1917, em Moscou.

Então, pela segunda vez num intervalo de apenas um ano, Berlinguer desafia os soviéticos na sua própria casa, diante de nada menos que cento e vinte delegações estrangeiras.

Com um discurso de parcos sete minutos, reduzidos de forma proposital logo após os dirigentes soviéticos tomarem conhecimento do seu teor, o secretário-geral do PCI conseguiu sintetizar a abissal diferença que separava o socialismo real do socialismo almejado pelos comunistas italianos - um socialismo que, entre 1975 e 1977, Berlinguer imaginou ser capaz de ganhar dimensões mais ampliadas através do eurocomunismo.

Assim, ao afirmar que "a democracia é hoje não apenas o terreno sobre o qual o adversário de classe é constrangido a retroceder, mas é também o valor historicamente universal sobre o qual fundar uma original sociedade socialista" [31], Berlinguer fechou com chave de ouro a fugaz tentativa eurocomunista de impulsionar o socialismo para fora do caminho do despotismo, renovando-o com o sopro revolucionário da liberdade.
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Notas

[1] Delogu, Ignazio (a cura di). La via europea al socialismo. Roma: Newton Compton, 1976, p. ix.
[2] Siqueira, Maria Teresa Ottoni. "Introdução ao dossier sobre o eurocomunismo". Encontros com a Civilização Brasileira, n. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, p. 224.
[3] Hobsbawm, Eric. "O eurocomunismo e a longa transição capitalista". Ib., p. 226-32.
[4] Duas visões antagônicas, com sinais totalmente contrários, em relação ao processo de socialdemocratização dos partidos eurocomunistas, em especial o PCI, podem ser encontradas em: Salvadori, Massimo. Eurocomunismo e socialismo sovietico. Torino: Einaudi, 1978; e Mandel, Ernest. Crítica do eurocomunismo. Lisboa: Antídoto, 1978. De um lado, Salvadori buscou demonstrar que os eurocomunistas abandonaram o bolchevismo na direção de uma certa socialdemocracia, estando mais próximos de Kautsky que de Lenin e Gramsci, fato que deveria ser levado até as suas últimas conseqüências para o próprio bem do caráter transformador do projeto. Além disso, procurou mostrar que Gramsci não possuía nenhuma continuidade com o projeto reformista de base democrático-pluralista do eurocomunismo, tendo sido "readaptado" para o embasamento teórico deste último. De outro lado, Mandel esforçou-se em dizer, com o linguajar típico da ortodoxia leninista-trotskista, que a socialdemocratização dos PCs eurocomunistas representou nada mais que a adoção de uma política de "colaboração de classe a serviço da burguesia", voltada para a salvação do próprio capitalismo, em suma, uma deliberada "traição" à causa revolucionária da classe operária.
[5] Rubbi, Antonio. Il mondo di Berlinguer. Roma: Napoleone, 1994, p. 63.
[6] Delogu, Ignazio (a cura di). La via europea al socialismo, cit., p. xxxv.
[7] "Dichiarazione comune del Partito Comunista Spagnolo e del Partito Comunista Italiano". Ib., p. 53-4.
[8] Ib., p.54.
[9] Ib.
[10] Ib., p. 55.
[11] "Dichiarazione comune del Partito Comunista Francese e del Partito Comunista Italiano". Ib., p. 56.
[12] Ib., p. 57.
[13] Ib.
[14] Ib., p. 58.
[15] Ib., p. 57.
[16] Ib., p. 60.
[17] Berlinguer, Enrico. "Intesa e lotta di tutte le forze democratiche e popolari per la salvezza e la rinascita dell'Italia". XIV Congresso del Partito Comunista Italiano - Atti e risoluzioni. Roma: Riuniti, 1975, p.15-76.
[18] Ib., p. 45-6 (grifo do autor).
[19] Carrillo, Santiago. "Dal rapporto centrale del segretario generale nel 'Manifesto programa del Partido Comunista de España'". In: Delogu, Ignazio (a cura di). La via europea al socialismo, cit., p.103-22.
[20] Marchais, Georges. "Una via democrática al socialismo". Ib., p. 61-99.
[21] A diferenciação entre os conceitos de "sociedade política" e "sociedade civil", "guerra de movimento" e "guerra de posição", "Oriente" e "Ocidente", "coerção" e "consenso", "dominação" e "hegemonia", além da apresentação de outros conceitos centrais do pensamento gramsciano, foi feita no primeiro artigo de um livro em preparação.
[22] A construção da "via italiana ao socialismo" dentro do pensamento togliattiano, do seu retorno à Itália em março de 1944 à sua morte em agosto de 1964, foi o tema central da minha tese de doutorado, intitulada Palmiro Togliatti e a construção da via italiana ao socialismo, defendida junto à Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em dezembro de 1998.
[23] Delogu, Ignazio (a cura di). La via europea al socialismo, cit., p. xxviii-xxxiv.
[24] Rubbi, Antonio. Il mondo di Berlinguer, cit., p. 63-6.
[25] Kanapa, Jean. "As características do eurocomunismo". Encontros com a Civilização Brasileira, n. 4., p. 243-9.
[26] Ib., p. 249 (grifos do autor).
[27] Delogu, Ignazio (a cura di). La via europea al socialismo, cit., p. xxvi e xxvii.
[28] Valentini, Chiara. Berlinguer. L´eredità difficile. Roma: Riuniti, 1997, p. 246-57; Fiori, Giuseppe. Vita di Enrico Berlinguer. Bari: Laterza, 1989, p.267-73; Rubbi, Antonio. Il mondo di Berlinguer, cit., p. 67-72.
[29] Carrillo, Santiago. Eurocomunismo e Estado. Rio de Janeiro: Difel, 1978.
[30] Ib., p. 32.
[31] Berlinguer, Enrico. "Democrazia, valore universale". In: Tatò, Antonio (a cura di). Berlinguer. Attualità e futuro. Roma: L´Unità, 1989, p. 29.

Retirado de Marco Mondaini (professor adjunto da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em La Insignia