sexta-feira, 29 de junho de 2007

Repensar a Política - Ciência & Ideologia

Depois de ter recomeçado a minha procura de um mais além nos horizontes da literatura politológica, dei de caras com este já anunciado "Repensar a Política - Ciência & Ideologia", do meu caro companheiro de algumas 'andanças' neste "sujar as mãos" na militância partidária, Professor Doutor Paulo Ferreira da Cunha.


Tenho lido de feição alguns dos capítulos que mais directamente me interessam. Mas, no âmbito geral desta obra essencialmente politológica (e não apenas política, seja-me permitido o reparo), resulta certamente algum pensamento refrescante, provocado pela audácia intelectual a que o seu autor se propõe.

Não encontrando melhor síntese para apresentar a arquitectura e conteúdo da obra, aqui deixo a sinopse do site da Almedina:

CONTEÚDO

Repensar a Política é um exercício assumido de liberdade académica e cívica. Quando muitos denunciam a falta de legitimidade nas democracias meramente formais, as grandes ilusões murcharam e os pragmatismos se arriscam a consumir todas as energias, este livro não se quer limitado nem pela convenção nem pela auto-censura. Recusa o tabu estéril que veda aos universitários falarem de política real, reservando-lhes uma pseudo-política abstracta, matemática, teoricista. Por isso, tanto trata de ciências e saberes políticos, como de ideologia - forma em que hoje estão vertidos os ideais. E fá-lo em diálogo com outras disciplinas, desde logo o Direito. Não se propõe uma pretensa e enganadora assepsia, antes procura uma objectividade situada.

Prefácio do Autor à 2.ª Edição

Não sabemos a razão mais profunda e determinante do tópico da surpresa dos autores ante a notícia de que a sua obra se esgotou. Talvez votem os seus escritos a uma espécie de "roda", talvez, perante o deserto de comunicação em alguns meios, creiam que, realmente, ninguém os lerá. A verdade é que muitos sacrificam a esse lugar comum.
E curiosamente, não por artifício retórico, mas por efectiva realidade, foi esse, também, desta feita, o nosso caso. Não contávamos que a primeira edição deste livro, publicada há tão pouco tempo, se visse tão rapidamente esgotada.
Ainda bem.
A obra foi bem divulgada e contou com duas apresentações públicas de altíssimo coturno: em Lisboa, esteve a cargo do Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral; e no Porto, foi feita pelo Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, nomes que, realmente (e esbarramos em novo tópico) dispensam mesmo apresentações.
Certamente foi esse o segredo e a razão do seu acolhimento pelo público, e não os méritos do seu obscuro autor.
De qualquer modo, devemos fazer também justiça aos nossos estudantes que, recusando a pirataria das fotocópias, decerto foram responsáveis pela aquisição de muitos exemplares. Com efeito, este livro, a par de Política Mínima., constituiu um dos recomendados na nossa regência da cadeira de Ciência Política, na Universidade do Porto.
Tomado de surpresa, a revisão ora feita foi minimalista. Limitou-se ao firme ataque a algumas esparsas gralhas, às actualizações mais evidentes determinadas pelo rodar histórico das coisas, incluindo acrescentos bibliográficos mais imediatos, etc. Onde se levou a cabo intervenção mais cuidada e profunda foi na exposição do espectro ideológico-partidário português, que entretanto se advertiu necessitar de uma revisão mais profunda. Matéria sempre delicada, e por isso sempre a necessitar de novos retoques que permitam evidenciar os verdadeiros contrastes e matizes.
Incluem-se ainda nesta edição, de seguida, os textos escritos correspondentes às suas apresentações públicas referidas.
Era nosso desejo incluir ainda nesta edição, de seguida, os textos escritos correspondentes às apresentações públicas deste livro, já mencionadas. Acaba por, desta feita, não poder figurar ainda o testo do Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral, que pouco depois dessa sua intervenção, seria de novo chamado a altas e muito absorventes funções governamentais. Temos contudo a promessa de vir a contar no futuro com o seu texto. Desde já, abre este livro com uma muito honrosa Apresentação, da autoria do Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, Catedrático de Direito Constitucional e Ciência Política da Faculdade de Direito de Coimbra.


ESTRUTURA

ÍNDICE

PARTE PRIMEIRA - REVER OS FUNDAMENTOS
Capítulo Primeiro - Saberes
Epistemologia
Política e Direito
Especialização e Criação
Formas, Temas e Estruturas de Investigação
A Filosofia Política: uma Scientia Política
Capítulo II - Fundadores
Aristóteles, a Invenção do Jurídico
Maquiavel, a Autonomização do Político
PARTE II - REAVALIAR OS PARADIGMAS
Capítulo Primeiro - Instituições
Formas Políticas
Constituição e Constitucionalismos
Capítulo II - Ideologias e Utopias
Ideologia e Ideologias
A Oposição Binária: Direita e Esquerda
Terceiras Vias
Política e Direito numa "Utopia" Contemporânea
Desafios Juspolíticos Hodiernos

Filipinas

300 000 km2. Mais de sete mil ilhas. 70 700 000 habitantes. 84% de católicos. Antiga colónia espanhola até 1898. Fernão Magalhães toca no arquipélago em 1521, mas a instalação dos espanhóis apenas se consolida em 1564. Manila, fundada em 1571. Revolta anti-espanhola desencadeia-se em 1896, até à chegada dos americanos, dois anos depois. Em 1916 é concedida autonomia. Invadidas pelos japoneses em 1941. Começo da reconquista norte-americana em 1944. Proclamada a independência em Julho de 1946. Ferdinando Marcos no poder de 1965 a 1986. Declarada a lei marcial em 1972, sendo presos mais de sessenta mil oposicionistas. Corazón Aquino no poder desde Fevereiro de 1986. Fechadas as bases norte-americanas em 31 de Dezembro de 1992. Eleito presidente o general Fidel Ramos em 11 de Maio de 1992.

Retirado de Respublica, JAM
“As Filipinas são um vasto arquipélago delimitado pelo Mar das Filipinas a leste, Mar das Celebes e Mar de Sulu a sul e Mar da China Meridional a oeste. O Estreito de Luzon, a norte, separa as Filipinas de Taiwan, o Estreito de Balabac, a sudoeste, é uma das fronteiras marítimas com a Malásia, e há também fronteira marítima com a Indonésia, a sul. Também Palau se situa nas imediações, para sueste. A sua capital é Manila. O nome oficial do país é República das Filipinas.


História das Filipinas

Muitos historiadores acreditam que as Filipinas foram colonizadas no Paleolítico, quando um povo asiático atravessou por meio de pontes de madeira o caminho que leva à região. Descobertas mais recentes parecem indicar que as ilhas podem ter sido habitadas desde a era pleitocênica.
A primeira grande corrente migratória chegou a essa região através do sul. Acredita-se que esses imigrantes eram de origem indonésio-caucasiana, possuindo um grau de civilização mais adiantado que as tribos nativas. Posteriormente ocorreram mais duas grandes correntes migratórias. Cada nova corrente sucessivamente impediu os habitantes originais a procurarem terra ao norte.
A corrente migratória seguinte, cujo apogeu foi no
século XIV, veio do reino madjapahit e trouxe consigo a religião muçulmana.
Fernão de Magalhães, um navegador português a serviço do Rei de Espanha, descobriu as ilhas no século XVI, introduzindo-as ao cristianismo. Os espanhóis estabeleceram sua capital em Manila a partir de 1571, garantindo seu domínio por mais de 300 anos.
O herói nacional das Filipinas, o lingüista, escritor, artista, médico e cientista Dr.
José Rizal iniciou um movimento de reforma. Ao mesmo tempo, uma sociedade secreta chamada Katipunan, chefiada por Andrés Bonifácio, começou a revolução, dando aos espanhóis a desculpa que precisavam executar o Dr. Rizal, que se encontrava em exílio em Dapitan, Mindanao (sul do país). Ele foi trazido a Manila para julgamento e condenado à morte, embora não se tenha prova de sua participação na revolta.
Sua morte, porém, estimulou ainda mais essa revolução, levando o General Emílio Aguinaldo a declarar no dia
12 de Junho de 1898 a independência do país e proclamar a primeira República das Filipinas.
Naquele mesmo ano, os
Estados Unidos adquiriram as Filipinas através do Tratado de Paris, levando o país a ser dominado por 48 anos. Após uma guerra por sua independência que durou cerca de três anos, houve outra pelo mesmo motivo que durou cerca de quatro anos.Contudo, as Filipinas lutaram junto à bandeira americana contra o Japão na Segunda Guerra Mundial. A heróica batalha em Bataan ajudou a impedir o avanço das tropas japonesas em direção à Austrália. Após um breve período como um protetorado americano, os Estados Unidos tentaram mudar em 1946 o dia da independência das Filipinas para 4 de julho, dia da independência das Estados Unidos. Os americanos quiseram que os filipinos acreditassem que os Estados Unidos deram a independência filipina, mas a história não mudou; as Filipinas já obtiveram sua independência antes de os americanos chegaram no país e tiveram sua versão de independência com a força. Assim, a data do país atualmente é celebrada no dia 12 de junho.”
Retirado da Wikipédia

Filantropia

Etimologicamente, amor ou simpatia pelos homens. Virtude assumida pelos estóicos e retomada pelo iluminismo, sendo particularmente acarinhada pela maçonaria.
Retirado de Respublica, JAM
"Filantropia é a acção continuada de doar dinheiro ou outros bens a favor de instituições ou pessoas que desenvolvam actividades de grande mérito social. É encarada por muitos como uma forma de ajudar e guiar o desenvolvimento e a mudança social, sem recorrer à intervenção estatal, muitas vezes contribuindo por essa via para contrariar ou corrigir as más políticas públicas em matéria social, cultural ou de desenvolvimento científico. Os indivíduos que adoptam esta prática, naturalmente indíviduos que dispõem dos necessários meios económicos, são em geral denominados por filantropos ou filantropistas ("Filantrópicos", no Brasil). A filantropia é uma das principais fontes de financiamento para as causas humanitárias, culturais e religiosas. Em alguns países a filantropia assume papel relevante no apoio à investigação científica e no financiamento das universidades e instituições académicas."
Retirado da wikipédia

Filangieri, Gaetano (1762-1786)

Colaborador do rei de Nápoles, um dos iluministas apoiante dos déspotas da época. Admirador de William Penn, reflecte as ideias de Montesquieu e de Beccaria. Propõe uma série de reformas legislativas. Defensor do modelo de equilíbrio europeu da época. Toma como modelo, não a constituição inglesa, mas a prática norte-americana. No tocante ao direito penal, segue o humanitarismo italiano do seu colega de Milão, Beccaria. Propõe um império da paz e da razão, considerando que com o despotismo esclarecido havia chegado a paz perpétua: a estabilidade das monarquias, formada por uma espécie de liga e de confederação geral, opondo uma barreira à ambição dos príncipes, os obriga a voltarem as suas vistas para os verdadeiros interesses das Nações. Não se ouvem mais retinir à roda dos tronos senão palavras de reforma e de leis; prepara-se uma revolução útil aos direitos e à felicidade dos homens; as desordens debaixo de que eles gemem têm aparecido aos olhos dos soberanos com os sinais espantosos que os acompanham; os seus ouvidos não são mais feridos, como em outro tempo, pelo estrondo das armas; e eles têm escutado os gemidos de uma multidão de vítimas que imola todos os dias uma legislação bárbara e obscura; já se ocupam de todas as partes em curar tantos males; de todas as partes uma fermentação salutífera vai fazer nascer a felicidade pública. É invocado pelo nosso José Acúrsio das Neves.
Retirado de Respublica, JAM

Figueiredo, Mário de (1890-1969)

Professor de direito, colega e amigo de Salazar, com quem milita no CADC e no Centro Católico Português. Alias, Moncada considera-o como uma espécie de Talleyrand do presidente do Conselho. Professor da Universidade de Coimbra desde 1920. Ministro da justiça da Ditadura Nacional, no governo de Vicente de Freitas (de 10 de Novembro de 1928, a 8 de Julho de 1929), sendo afastado por causa da chamada portaria dos sinos que emitiu, irritando a ala maçónica do 28 de Maio. O mesmo diploma apenas autorizava a realização de procissões e do toque dos sinos a qualquer hora. Membro do Conselho Político Nacional em 1931 e deputado desde 1934. Já com o Estado Novo em pleno, assume a pasta da educação nacional (de 28 de Agosto de 1940, a 6 de Setembro de 1944). Defende a restauração monárquica em 1951. Membro do Conselho de Estado desde 1952. Chega a presidente da Assembleia Nacional em 1961. Presidente da Junta Nacional de Educação e administrador da CP.
Retirado de Respublica, JAM

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Tolerância

A tolerância é um dos tais valores que se mede sobretudo pela intolerância. Tem, sobretudo, a ver com a tolerância religiosa, com a liberdade de cultos. Não nos esqueçamos também que o próprio conceito de soberania nasceu conjunturalmente no seio de um Estado em guerra civil religiosa, constituindo primacialmente um expediente teórico destinado a propagar a tolerância e a conciliação entre grupos incapazes de se coordenaram pelo princípio do cujus regio.
Adepto da tolerância e também membro destacado do partido dos malcontents ou politiques, Jean Bodin. É desta intenção de unidade religiosa que vão resultar as perseguições aos cristãos,mais por uma Razão de Estado do que pela intolerância religiosa,até ao momento em que pelo Edito de Tessalonica,de 380,o feitiço se volta contra o feiticeiro e o cristianismo se vai transformar na religião oficial do Império :ordenamos que...todas as pessoas abracem o nome de cristãos e católicos,declarando que os dementes e insensatos que sustentam a heresia e cujas reuniões não recebem o nome de igrejas,hão‑de ser castigados primeiro pela justiça divina e depois pela pena inerente ao incumprimento do nosso mandato,mandato que provém da vontade de Deus.
Para Locke a vox populi, não é vox Dei: os que negam a existência de um poder divino,não devem ser tolerados...Suprimindo a crença em Deus,tudo se dissolve...Ninguém pode reivindicar em nome da religião, o privilégio da tolerância,se elimina completamente toda a religião,professando o ateísmo.
Neste sentido Mill vai procurar os princípios fundamentais dos fundadores do liberalismo,como os de Locke da tolerância,considerando que a liberdade é procurar o nosso próprio bem à nossa própria maneira mas de tal forma que não tentemos privar os os outros da liberdade deles ou entravar os respectivos esforços para a obterTolerância em Mill,116,807
Tal como dizia Voltaire, que Popper cita a tolerância é a consequência necessária do reconhecimento de que somos falíveis: errar é humano, e todos nós cometemos erros permanentemente.Então perdoemo‑nos uns aos outros as nossas loucuras.É este o fundamento do direito natural.
Retirado de Respublica, JAM

Togo

Estado africano com 56 785 km2 e 4 300 000 habitantes. Antiga possessão alemã, desde 1884, ocupada por tropas franco-britânicas durante a Grande Guerra. A parte oriental desta colónia de 85 000 km2 integra-se na colónia britânica do Ghana em 1956, depois de referendo. A parte ocidental, como possessão francesa, entra em regime de autonomia logo em 1958, sendo eleito como líder Sylvannus Olympio, do clã dos brasileiros, antigos escravos libertados que constituem uma das elites do país. Alcança a independência em 27 de Abril de 1960. É na capital do território que se assinam os Acordos de Lomé entre a CEE e os Estados ACP.
Retirado de Respublica, JAM

Todd, Emmanuel

Analisando o confronto entre autoridade e liberdade, contraria as teses de Weber sobre a emergência do capitalismo, salientando o papel das estruturas familiares em lugar das clivagens entre protestantismo e capitalismo. O liberalismo nasceu a partir da família nuclear do ocidente europeu, contrariamente ao modelo da família extensa do Leste da Alemanha, marcada por um modelo patriarcal e autoritário. O modelo inglês foi mais longe, devido à liberdade de disposição testamentária, que originou uma maior plasticidade social, favorecendo a iniciativa individual (1983).

·La Chute Finale, Paris, Éditions Robert Laffont, 1976.
·L’Invention de la France, Paris, Éditions Hachette, 1981.
·La Troisième Planète. Structures Famililaes et Systèmes Politiques, Paris, Seuil, 1983.
·L’Invention de l’Europe, Paris, Éditions du Seuil, 1990.
Retirado de Respublica, JAM

Tocqueville, Charles Alexis Clérel de (1805-1859)

Filho de altos dignitários do ancien régime (o pai foi prefeito durante a Restauração). Estuda em Metz e Paris, onde se forma em direito (1825). Juiz em Versalhes desde 1827. De Maio de 1831 a Fevereiro de 1832, visita os Estados Unidos na companhia de Gustave de Beaumont para estudar o sistema penitenciário. Demite-se da magistratura em 1832. Publica, com Baeumont, em 1833, Du Système Pénitenctiaire aux étas-Unis et de son application en France. Nesse ano visita a Inglaterra. Em 1835 aparecem os dois primeiros tomos de La Démocratie en Amérique. Visita novamente a Inglaterra e a Irlanda nesse ano. Em 1836, a Suíça. Candidata-se às eleições legislativas em 1837, sem sucesso. Eleito membro da Academia das Ciências Morais e Políticas em 1838. Ascende a deputado em 1839, mantendo-se em tais funções até 1851. Surgem os dois últimos tomos de La Démocratie en Amérique em 1840. Eleito para a Academia Francesa em 1841, visitando a Argélia nesse ano. Repete a viagem cinco anos depois. Apoia Cavaignac em 1848. De 2 de Junho a 30 de Outubro de 1849 é ministro dos estrangeiros, tendo Arthur de Gobineau como chefe de gabinete. Retira-se da vida política em 2 de Dezembro de 1851. Visita a Alemanha em 1854. Publica a primeira parte de L'Ancien Régime et la Révolution em 1856. Visita a Inglaterra em 1857.

· De la Démocratie en Amérique (1835 e 1840).
· De l'Ancien Régime à la Révolution (1856).

. «L'Actualité de Tocqueville», Actas do Colóquio de Saint-Lô, Setembro de 1990, in Cahiers de Philosophie Politique et Juridique, Universidade de Caen, 1991, com artigos de: Bénéton, Philippe, «La Culture Démocratique», pp.*. Furet, François, «L'Importance de Tocqueville Aujourd'hui», pp. 135 segs.. Goyard-Fabre, Simone, «La Pensée Politique d'Alexis de Tocqueville», pp. 21 segs.. Manent, Pierre, «Intérêt Privé, Intérêt Public», pp. 67 segs.. Polin, Raymond, «Tocqueville entre l'Aristocracie et la Démocratie», pp. 45 segs..
. Corral, Luis Diez Del, La Mentalidad de Tocqueville con especial referencia a Pascal, 1965. - La Desmitificación de la Anteguedad Clásica por los Pensadores Liberales, con especial referencia a Tocqueville, 1969. - El Pensamiento Político de Tocqueville, 1989.
. Hadari, Saguiv A., Theory in Pratice. Tocqueville’s New Science of Politics, Stanford, Stanford University Press, 1989.
. Lamberti, Jean-Claude, Tocqueville et les Deux Démocraties, Paris, Presses Universitaires de France, 1983.
. Aron, Raymond, Les Étapes de la Pensée Sociologique, Paris, Éditions Gallimard, 1967, pp. 221 segs..
. Diez del Corral, Luis, La Mentalidade Politica de Tocqueville con especial referencia a Pascal, Madrid, Ediciones Castilla, 1965.
. Prélot, Marcel, As Doutrinas Políticas, 3, secção «A Realidade Democrática: Alexis de Tocqueville», pp. 172.
Retirado de Respublica, JAM

segunda-feira, 18 de junho de 2007

LITERATURA APOCALÍPTICA

O reconhecimento da existência de género “apocalíptico” - adjectivo derivado de “apocalipse”, termo grego que significa revelação - definido como “a fenre of revelatory literature with a narrative framework, in which a revelation is mediated by an other wordly being to a human recipient, disclosing a transcendent reality which is both temporal, insofar as it envisages eschatological salvation, and spacial insofar as it involves another supernatural being” (John J. Collins, “Intdroduction : the Morphology of a Genre”, Semeia, 14, 1979, p. 9) tem inicialmente a sua origem num conjunto de textos do judaísmo tardio e do cristianismo primitivo (c. 200 a. C. - 200 d. C.), textos repletos de uma complexa simbologia e que partilham elementos como o julgamento e a destruição do mundo e/ou dos pecadores (também dos opressores), a transformação cósmica, através do qual o mundo é renovado, e a ressurreição, que pode assumir forma física ou outras formas de vida para além da morte.
Entre estes textos, que incluem entre outros, o Livro II de Enoc, o Apocalipse de Abraão, o Livro II de Baruc, o Livro IV de Esdras, o Livro de Daniel e o Apocalipse de S. João, destaca-se pela influência exercida no pensamento ocidental, o Apocalipse joanino (datado dos finais do século II a. C.), o último livro do Novo Testamento, também significativamente chamado Livro da Revelação. Anunciador da destruição de Babilónia, o Apolacipse joanino, que não poderá deixar de ser relacionado com as profecias de Livro de Daniel (c. 165 a. C.), anuncia a Segunda Vinda de Cristo, que capturará e acorrentará o Dragão na grande batalha de Armagedão. Terá então início um reino messiânico (o Quinto império de Daniel), era de paz e justiça que vigorará por um período de mil anos. Com Cristo reinarão os mártires e os santos devolvidos à vida pela primeira ressurreição. Decorrido o milénio, Satanás será solto e seguidamente derrotado, sucedendo-se o Juízo Final e a segunda ressurreição e dando o mundo antigo lugar a um “novo Céu e uma nova Terra”.
É no Apocalipse que tem origem o termo milenarismo (ou quiliasmo), associado à crença numa era em que o Homem conseguirá realizar os seus desejos de felicidade sobre a Terra. Contudo, a ideia da destruição cataclísmica do universo regista antecedentes nos mitos cosmogónicos do Fim do Mundo que, misturados com elementos das religiões do próximo Oriente, seriam absorvidos e transformados pela Antiguidade Clássica.
O milenarismo apocalíptico do Livro da revelação não morreria com os tempos desde os Oráculos Sibilinos, corpo de textos proféticos que surge no século II, até aos três Estados ou Idades de Joaquim de Flora (século XII), encontrando-se especialmente associado aos finais de século. É o caso do ano 1000 da nossa era e do final do século XIX que, significativamente vê cunhada a expressão fin-de-siècle, traduzida em muita da literatura finissecular por imagens de queda que exprimem a ideia de que o mundo se encontra em ruínas e, qual Babilónia, brevemente desabará. Na literatura portuguesa da época títulos como, p. ex., Finis Patriae de Junqueiro, Fim de um Mundo de Gomes Leal ou Despedidas de António Nobre são exemplificativos da visão cósmica do Fim dos Tempos. Porém, o melhor exemplo da escatologia milenarista é a Pátria junqueiriana, obra em que o mundo a vir é identificado com a República. É conhecida a influência da Pátria na Mensagem de Fernando Pessoa e a persistência, na literatura portuguesa, do mito do Quinto império e do sebastianismo, também ele enquadrado na tradição joaquimita.
Porém, um pouco em todas as épocas a literatura ocidental regista a influência do Apocalipse joanino e do pensamento de Joaquim de Flora. P. ex., The Apocalypse in Enflish Rensaissance Rhought and Literature, conjunto de estudos reunidos por Joseph Patrides, mostra como o pensamento apocalíptico-milenarista se encontra patente em The Faerie Queene, King Lear ou Paradise Lost assim como nos romãnticos e na literatura vitoriana. Por sua vez, Marjorie Reeves estuda de que forma o pensamentojoaquimita sobrevive em Huysmans, Yeats (também mencionado por Frank Kermode no seu estudo The Sense of an Ending) e D. H. Lawrence, entre outros. Ainda no século XX o corpus da literatura apocalíptica não só não tem deixado de se alargar, combinando-se com outros géneros como, p. ex., o romance de império, a utopia , o fantástico e a ficção científica. Disso são exemplicativas obras como Heart of Darkness de Joseph Conrad, The Time Machine de H. G. Wells, Nineteen Eighty-Four de George Orwell, o que mostra como motivos, personagens e símbolos têm tomado novos significados de acordo com os modelos estéticos e os credos políticos que ditaram a produção dos textos.

BIBLIOGRAFIA:
  • Bernard Brugière, “Qu’Appelle-t-on aujourd’hui littérature apocalyptique?”, in Age d’Or et apocalypse, pp. 11-128, 1986;
  • Maria Teresa Pinto Coelho, Apocalipse e regeneração: O Ultimatum e a mitologia da Pátria na literatura finissecular, 1997;
  • Norman Cohn, The Pursuit of the Milennium: Revolutionary Millenarians and Mystical Anarchists of the Middle Ages, 1957:
  • John J. Collins, “Introduction: the Morphology of a Genre”, in Semeia, 14, 1979;
  • Frank Kermode, The Sen of an Ending. Stduies in the Theory of Fiction, 1966;
  • C. A. Patrides e Joseph Wittreich, The Apocalypse in English Renaissance Thougt and Literature: Patterns, Antecedents and Repercussions, 1984;
  • Marjorie Reeves e Warwick Gould, Joachim of Fiore and the Myth of the Eternal Evangel in the Nineteenth Century, 1987.

TERESA PINTO COELHO

Retirado do E-Dicionário

Fiore, Giocchino da (1130-1202)

Giocchino da Fiore, ou Joaquim de Flora. Monge calabrês, autor do Evangelho Eterno. Adopta uma perspectiva gnóstica da história, defendendo três idades: a idade da Revelação do Pai (a Idade da Lei, quando os judeus se subordinam à lei de Moisés) e Idade da Revelação do Filho (o período da encarnação, quando a liberdade ainda é incompleta) e a Idade do Espírito Santo (a idade da plean e total liberdade do espírito). Esta escatologia trinitária vai, depois ser retomada por Condorcet, Comte e Marx.

· Expositio in Apocalypsum.
· Liber Concordiae Novi et Veteris Testamenti. Evangelho Eterno.
Retirado de Respublica, JAM

sábado, 16 de junho de 2007

Espada, João Carlos

Teórico político português, doutorado em Oxford. Oriundo da extrema-esquerda, evoluiu e tornou-se discípulo de Karl Popper, assumindo-se como o principal vulgarizador da chamada esquerda liberal que teve na revista Risco, o principal órgão. Coube-lhe também um papel de destaque na editora Fragmentos. Salientou-se como colunista de ideias no jornal Expresso. Inspirador e coordenador do Curso de Mestrado em Teoria e Ciência Política, da Universidade Católica, com o apoio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e em intensa ligação com a Fundação Mário Soares.

· Dez Anos que Mudaram o Mundo. Crónicas sobre o Renascimento da Ideia Liberal. Lisboa, Edições Gradiva,1992.
· Social Citizenship Rights. A Critique of F. A. Hayek and Raymond Plant, Nova York, Saint Martin’s Press, 1996.
Retirado de Respublica, JAM

Fides, Fidelidade, Fideísmo, Fiduciary power

Fides
Uma força objectiva que pode ser objectivada nas coisas, produto de actos subjectivos de reconhecimento, como o que faz a simbólica do poder, conforme as palavras de Pierre Bourdieu.
Fidelidade
A ordem política feudal era marcada por relações de fidelidade, estando totalmente dissociada do princípio da territorialidade. Segundo Weber um dos elementos da chamada legitimidade tradicional. Com efeito, se no Ancien Régime a fonte do respeito e da obediência consentida era a fidelidade, eis que o Estado Moderno vai invocar a competência e os burocratas passam a substituir os fiéis. Aliás, para Weber, a legitimidade tradicional, seja a do feudalismo, baseada na relação vassálica, seja a do patrimonialismo, baseada na relação de piedade entre um paterfamilias e os seus dependentes, sempre concebeu o espaço do político à maneira de uma casa.
Fideísmo
Forma degenerada do pensamento de Pascal, surgida no século XVIII. Base do chamado pietismo. Sequela resultante da adesão aos dogmas, que manda acreditar sem reflexão. Em sentido estrito, qualquer doutrina religiosa que faz preponderar a fé (pistis ou fides) sobre a razão ou exclui esta, colocando o conhecimento das primeiras verdades na dependência de uma fé religiosa. O modelo influenciou Bayle e Kierkegaard. Em oposição ao fideísmo, surge o deísmo, uma forma de aceder a Deus apenas pela razão.
Fiduciary power
Locke considera também que o poder político como uma delegação parcial dos poderes dos indivíduos em certos homens, concebendo‑o, portanto, como simples trust ou trusteeship, como um fiduciary power. Um trust que não é propriamente um contrato, mas um poder‑dever, uma missão, um encargo que o povo confia àqueles que o representam. (Ver Locke).
Retirado de Respublica, JAM

Fichte, Johann Gottlieb (1762-1814)

Filósofo alemão, que desenvolve o sistema de Kant, transformando-o num idelaismo absoluto. Filho de tecelão. Estuda teologia em Jena. Partidário de Kant desde 1790. Chega a catedrático em Jena, com o apoio de Kant e de Goethe. Primeiro reitor eleito da Universidade de Berlim.
Panteísmo do eu
Nas suas primeiras obras, ainda é marcado por um estrito individualismo kantiano, por uma espécie de panteísmo do eu, considerando o espírito como o criador de todas as coisas, incluindo as próprias regras disciplinadoras do espírito. É, entretanto, acusado de ateísmo, por identificar Deus com a ordem moral do mundo. Vai para Berlim em 1799, onde contacta com os românticos, nomeadamente Schlegel e Schleiermacher.
Deificação do eu colectivo
Se, então, ainda saúda entusiasticamente a Revolução Francesa, eis que as invasões napoleónicas obrigam-no a transferir esse panteísmo do eu individual para uma deificação do eu colectivo, porque o espírito concebe a vida terrestre como uma vida eterna e a pátria como a representação terrestre dessa eternidade.
Língua, raça e Estado
Com ele se misturam três ideias fundamentais neste processo. A ideia de língua nacional, a de raça e a de Estado, tudo caldeado num messianismo germânico. Nos Reden an die Deutschen Nation, uma série de catorze conferências proferidas em Berlim, na ressaca da invasão napoleónica, entre 1807 e 1809, defende a existência de uma espécie de eu nacional, com base na unidade da língua e na identidade da raça. Mais do que isso: retomando a tese de Lutero sobre a predestinação do povo alemão, conclui pela necessidade de um Estado Forte.
Do espírito alemão à nação alemã
Neste sentido, considera que apesar de haver um espírito alemão, ainda não existe uma nação alemã e que construir a nação alemã seria o dever do espírito alemão para com a humanidade, dado que há um destino histórico e tudo se consegue pela educação nacional, um caminho pela convicção moral, por dentro, e não pelo poder material, de fora.
A missão educativa do Estado
Refere, aliás, que o Estado não pode ser apenas uma instituição jurídica, devendo converter‑se numa instituição educativa, cuja missão consiste em evitar o mal em vez de o castigar, visando alcançar um fim inferior (v. g. a legalidade) através de um fim superior (v. g. a moralidade).
Retirado de Respublica, JAM

Feuerbach, Ludwig Andreas (1804-1872)

Líder da chamada esquerda hegeliana, onde Marx começa. Bávaro, estuda teologia em Heidelberg. Aluno de Hegel em Berlim, desde 1824, professor em Erlangen, é afastado da docência em 1830. Retira-se para Bruckberg. Afasta-se de Hegel a partir de 1836 e adopta uma concepção naturalista do mundo. Considera que o único deus do homem é o próprio homem. No inverno de 1848-1849, por convite de parte dos estudantes de Heidelberg, dá uma série de lições sobre a essência da religião.
Retirado de Respublica, JAM

Feudalismo

Do fr. Féodalisme, 82, 543. A sociedade feudal, segundo Marc Bloch assumia-se como uma poeira de senhorios, de comunidades familiares ou aldeãs e de grupos vassálicos. Mas, por cima dela, erguiam-se as realezas e o império, com um longo passado. As realezas derivavam das chamadas monarquias bárbaras, com reis a procurarem uma dimensão sagrada, principalmente pela unção, pelo qual o homem passava do profano ao sagrado, mas ficando na dependência de quem o benzia. As realezas não eram assim apenas superiores, dado que pretendiam ascender a uma ordem verdadeiramente diferente. Em torno desta realeza começa a esboçar-se aquilo a que se irá dar o nome de Estado e que antes se qualificava como respublica, com poucas funções, aliás, dado que as tarefas do ensino e da assistência continuavam a caber à Igreja. Os poderes da realeza, além disso, tinham o carácter intermitente da sua eficácia os chefes estavam obrigados, segundo o código do bom governo da época a não poderem decidir nada de grave salvo se obtivessem previamente o conselho dos grandes do respectivo reino. Vive‑se também na Península Ibérica a proto‑história do feudalismo, uma potência que, entre nós, dificilmente passará a acto. Um tempo donde se podem retirar lições das mais contraditórias. Assim, temos os mais generosos factores democráticos, ao estilo do conventus publicus vicinorum, a nossa polis rural, ao mais cru dos pactos de submissão pessoal. Umas vezes só pode obter‑se a autonomia do grupo pela submissão inter‑pessoal dentro do grupo; outras vezes, para garantir a liberdade pessoal dentro do grupo tem de submeter‑se todo ele a um determinado potentado. Se na Península Ibérica existiram as mesmas sementes sócio‑políticas que na França irão dar origem ao feudalismo puro, entre nós, o respectivo processo de maturação foi globalmente interrompido pela guerra de reconquista. Num terreno que era potencialmente fértil, em termos feudais, faltou‑lhe o necessário adubo sócio‑político e da sementeira apenas vêm a ser colhidos alguns frutos tardiamente maduros e desadequados ao sentido do tronco, de que Alfarrobeira é um expressivo exemplo. Tanto a monarquia asturo‑leonesa como os reinos que dela se auto‑determinaram, muito especialmente o de Portugal, foram marcados pela atracção centrípeta da concentração e da centralização, que apesar de actuaram sobre bases potencialmente capazes de atomização feudalizante, geraram, deste modo, uma tensão de contrários, entre um pólo politico‑militar e um pólo sócio‑económico, com a consequente assimetria estrutural. A "senhorialidade" que muitos autores fazem opor à "feudalização" reflecte uma correcta tentativa de caracterização desse regime híbrido. As raízes visigóticas, que constituem um inequívoco "poder‑ser " de feudalismo(um regime agrícola e uma sociedade simultaneamente guerreira e aristocrática) vão enxertar‑se os corpos estranhos do comércio marítimo, do urbanismo burguês, do regalismo e da militarização vilã, pelo que, a partir do século XII, pelo menos em Portugal, nos surge já uma sociedade mista, precocemente capitalista e estadualizante. julgamos não valer a pena polemizar sobre a existência ou não de feudalismo em Portugal. Recordemos que mesmo "a Europa feudal não foi totalmente feudalizada no mesmo grau nem segundo o mesmo ritmo e, especialmente, que em parte alguma o foi completamente. Em nenhum país, a população rural caiu totalmente nas malhas duma dependência pessoal e hereditária. Quase por toda a aprte ‑ ainda que em número extremamente variável, conforme as regiões ‑ subsistiram terras alodiais, grandes ou pequenas. A noção de estado nunca desapareceu absolutamnete e, onde conservou mais vigor, houve homens que teimaram em chamar‑se 'livres', no sentido antigo da palavra, porque dependiam apenas do chefe do povo ou dos seus representantes", conforme Marc Bloch. Não será que em Portugal essas "ilhas de independência" e esses "grupos de guerreiros camponeses", para utilizar expressões do mesmo autor, não constituem indícios de superação do atavismo feudal? Não serão em Portugal extremamente precoces os sinais da representatividade das Cortes, a real autonomia dos concelhos e a força democrática da semente de Estado?
Paulo Merêa, Introdução ao problema do feudalismo em Portugal, Lisboa, 1912.
Retirado de Respublica, JAM

Ferry, Luc (n. 1951)

"o pensamento liberal da autonomia do social permitirá ou,pelo menos, vai acompanhar ...que se atinja a disjunção moderna do societal e do estatal", tornando,assim, possível "a distinção dos droits‑libertés (anti‑estatais se se preferir) dos droits‑créances (implicando a intervenção do Estado."

"a representação americana , que tem seguramente como horizonte político o liberalismo se... pressupõe filosoficamente uma concepção da história segundo a qual o real (social) é suposto reunir em si mesmo o ideal (dos direitos do homem) pelo simples jogo imanente de relações sociais animadas pelo contrário aparente do direito (o egoísmo do interesse privado)", enquanto a representação francesa "que tem como horizonte a ideia (pelo menos jacobina) de um poder omnipotente e constantemente activo, pressupõe filosoficamente uma concepção voluntarista e ética do progresso" "quer, uma filosofia prática da história , para a qual o real é transformado de fora, pelos homens, em nome de um ideal de moral universal."

"a ideia de vontade geral, isto é de uma dominação da sociedade pelo homem, com o seu correspondente, a soberania do povo, cria, na realidade, apesar da aparência de liberdade que introduz, as condições de possibilidade de um novo género, de dimensão infinitamente mais extensa que as tiranias conhecidas no Antigo Regime: a vontade do povo sendo precisamente o único princípio de legitimidade, basta apenas que seja desviada em seu proveito por uma assembleia ou por um homem para que eles se vejam investidos de um poder propriamente ilimitado".
"Rousseau não é ainda um verdadeiro moderno; ele conserva da monarquia do antigo regime a ideia voluntarista do poder‑ causa da sociedade e a exigência do primado do todo, mesmo que este primado não esteja materializado na pessoa do princípe, mas assimilado a esta entidade imanente ao social que é a vontade geral""o regresso à concepção antiga do direito natural apresenta a dupla vantagem, contra o historicismo, de restaurar uma transcendência do justo ( uma distinção do ideal e do real) e, contra o positivismo, de enraizar a validade dos valores jurídicos na própria objectividade ‑ conferindo, assim, às normas uma consistência que ameaça ,em vez de lhe retirar,nos Modernos, o enraizamento dos valores na subjectividade".
Retirado de Respublica, JAM

Ferro, António Joaquim Tavres (1895-1956)

Jornalista. Poeta modernista, companheiro de Fernando Pessoa e Mário Sá Carneiro em Orpheu. Frequenta a Faculdade de Lisboa em 1913-1918, sem concluir a licenciatura. Colabora na revista Portugal Futurista, surgida em Novembro de 1917, sendo autor de uma célebre conferência proferida no Brasil em 1922, A Idade do Jazz-Band. Como jornalista, destaca-se com uma série de entrevistas a Mussolini, Clemenceau, Pétain, Cocteau, D’Annunzio, Primo de Rivera, Unamuno e Afonso XIII. Autor de Viagem à Roda das Ditaduras. Politicamente fora sidonista, mas lofo em 1920, considera a falência da ordem republicana. Depois do 28 de Maio, está implicado no golpe de Filomeno da Câmara de 1927, com Fidelino de Figueiredo e Henrique Galvão, a chamada conspiração dos Fifis. Tinha cumprido o serviço militar em Angola como oficial miliciano, tornando-se ajudante de Filomeno da Câmara. Casado com a poetisa Fernanda de Castro. Director da Ilustração Portuguesa em 1921. Será nomeado chefe do Secretariado da Propaganda Nacional. Publica em 1933 Salazar e a sua Obra, reunindo entrevistas concedidas pelo chefe do governo ao Diario de Notícias, em finais de 1932, o Salazar passado a ferro. A obra vai ser traduzida em francês em 1934, com prefácio de Paul Valéry. Seguem as edições em inglês, em 1939, com prefácio de A. Chamberlain, em italinao, com prefácio de Corrado Zoli, e em castelhano, em 1935, com prefácio de Eugénio D’Ors. O prefácio da edição portuguesa é da autoria do próprio Salazar. Em 26 de Outubro de 1934 é nomeado como o primeiro secretário da Propaganda Nacional, cabendo-lhe dinamizar a chamada política de espírito do Estado Novo. Exerce essa actividade durante quinze anos.
Retirado de Respublica, JAM

Ferreira, Vergílio (1916-1996)

Um dos principais romancistas portugueses do século XX. Começando a respectiva formação no seminário, acaba por licenciar-se em Letras em Coimbra. Professor de liceu, desde Évora ao Liceu Camões em Lisboa, é profundamente marcado pelo existencialismo, nomeadamente de Sartre, a quem prefacia a edição portuguesa de O Existencialismo é um Humanismo. Começando pela esquerda à francesa do pós-guerra e pelo neo-realismo, distancia-se do marxismo e, depois de 1974, afirma-se socialista, assumindo um vigoroso anticomunismo, ao mesmo tempo que denuncia os protagonistas do neo-realismo português. Entre 1980 e 1988 edita um diário político-cultural, que constitui um dos principais retratos íntimos do país no período revolucionário e na ressaca pós-revolucionária.
Retirado de Respublica, JAM

Ferreira, Silvestre Pinheiro (1769-1846)

O mais notável dos publicistas da cultura portuguesa do século XIX, se vai deixar marca indelével tanto no direito público francês (basta recordar a invenção estruturada da ideia de poder de sufrágio, mais tarde desenvolvida por Hauriou) como nas próprias concepções políticas (está demonstrada a influência do corporatismo de Ferreira em Proudhon e Blanc), acabou por não ser profeta na sua própria terra, onde vieram a preponderar, primeiro, as vulgarizações simplificadoras do krausismo, a partir de Ahrens, e, depois, os delírios ideologistas do positivismo comteano.

A recepção deste modelo organicista estrangeirado impede que, entre nós, frutifique a influência de um dos mais originais publicistas do século XIX, o portuguesíssimo Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846), exilado em Paris de 1826 a 1842, autor do célebre Précis d'un Cours de Droit Public Interne et Externe, Paris, Imp. de Casimir, 1830, considerado como um dos primeiros corpos completos de direito público da Europa, abrangendo tanto o direito interno como o direito constitucional.
Segue-se, do mesmo autor, o Projecto de Ordenações para o Reino de Portugal, Paris, 1831, em três tomos, onde se propõe uma reforma das leis fundamentais portuguesas, pela edição de leis orgânicas para a respectiva execução.
Retirado de Respublica, JAM

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Ferreira, José Medeiros

Político e professor universitário português. Líder estudantil nos anos sessenta, passa para o exílio, destacando-se como membro do grupo de Genebra, com Eurico de Figueiredo, António Barreto e Ana Benavente. Militante do PS, assume a pasta dos negócios estrangeiros no I Governo Constitucional, sendo responsável pela abertura de neociações com a CEE. Torna-se dissidente do PS e forma o grupo dos Reformadores, participando na Aliança Democrática. Será depois militante do PRD, para regressar à actividade parlamentar, de novo como militante do PS. Professor da Universidade Nova de teoria das relações internacionais.
· Estudos de Estratégia e Relaçöes Internacionais, Lisboa, 1981.
· Ensaio Histórico sobre a Revolução de 25 de Abril. O Período Pré-Constitucional, Lisboa, 1983.
Retirado de Respublica, JAM

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Nihilismo

Do lat. nihil, nada. Expressão cunhada pelo romancista russu Turguenev em 1862, ligando-a à esterilidade do que existe. Uma forma de super-racionalismo individualista, ligado às utopias sociais anarquistas, segundo as quais o homem deve livrar-se de regras, construindo, na solidão, as suas próprias regras, numa ideia libertacionista. Conforme salienta Herzen, o homem verdadeiramente livre cria a sua própria moralidade.
Em termos de movimento político, destacam-se os nihilistas russos, surgidos na década de sessenta do século XIX. No plano filosófico, Nietzsche e Sartre. Cfr. Relativismo. Albert Camus em O Homem Revoltado. Estavam, assim, lançados os principais ingredientes de que se vão alimentar o populismo e o nihilismo, esse ascetismo sem Graça, como lhe chamou Berdiaev. Piotr Lavrov (1823-1900), em Cartas Históricas (1861-1869) foi um dos mais importantes vulgarizadores do populismo e do movimento de ir ao povo (Khozdéniié V Narod). Foi Herzen, em artigo publicado no Kolokol, de 1 de Julho de 1861, que, lançando a interrogação O que é preciso para o povo?, respondeu: Muito simplesmente: terra e liberdade. Acontece apenas, como afirmava Nikolai Tchernichevski (n.1828), que a estrada da história não é o asfalto da Avenida Nevski [...] Aquele que receia sujar as botas não deve tomar parte em actividades públicas. Na verdade, depois de Herzen, o campo dos ocidentalistas vai dividir-se entre os liberais e os socialistas revolucionários, destacando-se, do revolucionarismo, o desviacionismo nihilista que, segundo o mesmo Berdiaev, é uma manifestação puramente russa, desconhecida no Ocidente. O termo nihilismo foi, aliás, cunhado por Ivan Turguenev (1818-1883) num romance, Pais e Filhos, aparecido em 1862, a propósito do protagonista Bazarov, para quem só poderíamos vangloriar-nos da estéril consciência de compreendermos, até um certo ponto, a esterilidade do que existe.
Um outro autor, Dmitri Pissarev (1840-1868) através da revista Russkoe Slovo, glosando a passagem do romance de Turguenev, vai dizer sou estranho à ordem das coisas que existem, não tenho, pois, que intervir nelas. Com efeito, para Pissarev multiplicar os homens que pensam é o alfa e o ómega de todo o desenvolvimento social.
Por outras palavras, para esta corrente, defensora do realismo e da luta pela existência, cada um devia apenas acreditar em si mesmo e desconfiar tanto das classes dirigentes como do povo. A emancipação da pessoa apenas poderia acontecer se todos fossemos criticamente pensantes e só por esta via de independentismo é que seria possível a emancipação pessoal. A este respeito, assinala Albert Camus, no ensaio O Homem Revoltado, que o nihilismo, estreitamente ligado ao movimento de uma religião desiludida, redunda assim em terrorismo. No universo da negação total, por meio da bomba e do revólver, e também graças à coragem com que avançavam para a forca, esses jovens procuravam escapar à contradição e criar valores que lhes faltam. Até ali, os homens morriam em nome do que sabiam ou julgavam saber. A partir desses jovens, contraiu-se o hábito, mais difícil, de cada um deles se sacrificar por qualquer coisa de que nada sabiam, a não ser o seguinte: era preciso morrer para a conhecerem e implantarem [...] O futuro é a única transcendência dos homens sem Deus.
Importa também referir a acção de Vissarion Belinski (1811-1848), que, tendo começado por um socialismo individualista, vai cair, depois do choque hegeliano, numa espécie de revolta metafísica, como assinala Camus. A tal revolta que o levava a proclamar a negação é o meu Deus, como há pouco tempo o era a realidade. Os meus heróis são os destruidores do que é velho. Estavam criadas assim as condições para que surja o político do movimento, o já referido Nikolai Tchernishevski (1828-1889), para quem seria importante que o poder passasse não de jure, mas de facto para as mãos da classe mais baixa e mais numerosa: camponeses, assalariados e artesãos até porque o mais terrível de tudo é sempre o Leviathan, o monstro informe que tudo vai tragando.
Contudo, Tchernishevski prefere adoptar a via literária para a revolução, começando por meditar sobre As Relações Estéticas entre a Arte e a Realidade, de 1855, até porque, segundo ele, nas nações onde a vida espiritual e social alcançou um desenvolvimento elevado existe, se assim se pode dizer, uma divisão de trabalho entre os diversos ramos da actividade mental, ao passo que entre nós não conhecemos senão um: a literatura. Dois anos depois, já considera que o socialismo pode chegar à Rússia antes de se desenvolver completamente o capitalismo, isto é, antes que sejam destruídas as raízes colectivistas que permaneciam na Rússia rural. E na sua Crítica dos Preconceitos Filosófico contra a Posse Comunal (Obshina), de 1858, declara: não somos seguidores de Hegel e, muito menos, de Schelling, mas não podemos deixar de reconhecer que os dois sistemas prestaram grandes serviços à ciência com a descoberta das formas gerais pelas quais se move o progresso histórico. O resultado fundamental desta descoberta está no seguinte axioma: pela sua forma, a etapa superior do desenvolvimento é similar ao ponto de partida. É aliás a este autor que cabe a elaboração do guia moral de todo o populismo russo, o romance Que Fazer?, escrito quando Tchernishevski estava detido, entre 1862 e 1864. Mikhail Bakunine (1814-1876), por seu lado, na sua Confissão a Nicolau I, peça escrita no cárcere, vem dizer que o Estado mais pequeno e inofensivo do mundo até nos seus sonhos se torna igualmente criminoso, arguindo a necessidade da revolução social, porque a paixão da destruição é a paixão criadora. Assim, proclama que só temos uma pátria: a revolução universal. Essa revolução total só poderá fazer-se pela carnificina. Ultrapassará em horror tudo o que a História conhece, tudo o que o Ocidente possa imaginar.
Estes extremismos vocabulares reflectem, com efeito, um pensamento maniqueísta que distinguia os puros, os revolucionários, da canalha popular do proletariado: a massa rural, mas selvagem, virgem de qualquer civilização burguesa, encarna todas as virtudes e permanece a fonte pura de todas as revoluções. Neste sentido, o mesmo autor dizia a Michelet : a Rússia nunca será um justo centro [...] Não fará a Revolução apenas para se livrar do czar Nicolau. Noutra carta, escrita a Herzen, observava: não acredito nem nas constituições nem nas leis. A melhor das constituições não podia contentar-me. Necessitamos de outra coisa: o impulso, a vida, um novo mundo sem leis, e portanto, livre. Só que, para o mesmo Bakunine, conforme a Confissão, esse mundo livre precisava de um forte poder ditatorial, que teria a função exclusiva de levantar e educar as massas populares. Isto é, um poder livre por tendência e espírito, mas sem formas parlamentares, que imprimisse livros de conteúdo livre, mas sem liberdade de imprensa, rodeado por gente que pensasse do mesmo modo, iluminado pelo seu conselho, reforçado pela sua livre cooperação, mas não limitado por nada nem por ninguém. Conforme salienta Hélène Carrère d'Encausse, a revolta de Bakunine era feita à imagem do campesinato russo: dionisíaca. É a fraternidade das grandes coortes que seguiam Pugatchev, é a revolta dos bandidos generosos. Ele próprio assume esta luta pela vida e pela morte entre a Rússia do povo e a Rússia do Estado, acreditando que se aproximavam os tempos de Stenka Razine [...] Então como agora, toda a Rússia camponesa e trabalhadora se está levantando [...] à espera de uma liberdade nova e autêntica que já não virá de cima, mas de baixo. É destas ideias que vai surgir o típico terrorismo russo dos finais do século XIX, essa luta entre os intelectuais e o absolutismo em presença do povo silencioso, segundo as palavras de Camus, onde se destaca o grupo Terra e Liberdade (Zemlia i Volia), criado em 1876, que, três anos depois, se cinde entre a facção Partilha Negra (Tchorny Peredial), onde participa Plekhanov, que apostava na defesa da redistribuição da terra, e o grupo Vontade do Povo (Narodnaia Volia), apenas voltado para o terrorismo individual do quanto pior melhor, visando, sobretudo, provocar a autoridade para esta desencadear medidas ainda mais repressivas. Como refere Camus, estava prestes a surgir a distinção entre duas raças de homens: uma assassina uma só vez e paga o feito com a própria vida. A outra justifica milhares de crimes e condescende em ser paga por meio de honrarias. Por seu lado, Nietzsche, já considerava que podemos servir-nos no nihilismo como um martelo formidável, para quebrar, suprimir as raças que degeneram e morrem, abrir a via a uma nova ordem de vida, inspirar ao que degenera e perece o desejo do fim.
Entre os principais terroristas, que, por não acaso, são quase todos romancistas frustrados, destaca-se Piotr Zaitchnevski (1842-1896), o adolescente autor do Manifesto Jovem Rússia de 1862, defensor de uma forma russa de jacobinismo. Já Serguei Netchaev (1847-1882), fundador da Sociedade do Machado, morto na prisão, foi redactor, em colaboração com Bakunine, de um Catecismo Revolucionário, escrito em 1869, na Suíça, onde se declara que o revolucionário é um homem antecipadamente condenado. Não pode permitir-se relações apaixonadas, nem possuir coisas ou seres amados. Devia mesmo despojar-se do seu nome. Tudo nele se deve concentrar numa única paixão a revolução. Finalmente, Piotr Tkaktchev (1844-1885) assume-se como defensor de uma espécie de homem novo, preconizando a conquista do poder por uma minoria revolucionária, com utilização do aparelho governamental para o lançamento de uma revolução a partir de cima. Com efeito, Tkaktchev, a partir do jornal O Rebate (Nabat), rejeitava as teses espontaneístas defendidas pelo populismo, considerando que o povo deixado a si próprio não seria capaz de realizar a revolução social... esse papel e essa missão pertencem exclusivamente à minoria revolucionária. Assim, partindo do princípio que a força material se centra no poder estatal, dizia que a autêntica revolução só pode realizar-se com uma condição: a conquista do poder estatal pelos revolucionários. Por outras palavras, o objectivo próximo e imediato da revolução tem de consistir precisamente em conquistar esse poder e em transformar o Estado conservador num Estado revolucionário. Para ele, a luta só pode realizar-se com êxito nas seguintes condições: centralização, severa disciplina, rapidez, decisão e unidade na acção. A concessão, a incerteza, o compromisso, a fragmentação da ordem, a descentralização das forças na luta não fazem mais do que debilitar as suas energias, paralizar a sua obra, eliminar toda a possibilidade de vitória. A actividade revolucionária construtiva, pelo contrário, ainda que tenha de levar a cabo a actividade destrutiva, tem que basear-se, pelo seu carácter fundamental, em princípios absolutamente opostos. Se a primeira se baseia, antes de mais, na força material, a segunda apoia-se numa força moral. A primeira tem sobretudo em conta a rapidez e a unidade, a segunda, a solidez e a vitalidade das transformações conseguidas. A primeira deve realizar-se com a violência, a segunda com a convicção. A última ratio da primeira é a vitória, a última ratio da segunda é a vontade, a razão do povo.
Retirado de Respublica, JAM

Nicarágua

Ocupação militar norte americana de 1912 a 1933. Sobe ao poder Anastasio Somoza, comandante da Guarda Nacional que manda assassinar o guerrilheiro Augusto César Sandino em 1934. O regime assenta na corrupção, no paternalismo e na repressão da Guarda Nacional. Um profundo abalo depois do tremor de terrra de 1972. Em Julho de 1979 dá-se a queda da dinastia Somoza. Depois de um breve governo de unidade oposicionista, os sandinistas tratam de monopolizar o poder, sob a liderança de Daniel Ortega, lançando um vasto programa de reforma agrária e perseguindo os opositores. Surge então uma guerrilha antiocomunista, subsidiada pela CIA, sob a liderança do dissidente sandinista Eden Pastora. A luta termina depois do acordo de Esquipulas de 1987.
Em 1990, nas eleições livres vence a frente anti-sandinista liderada por Violeta Chamorro, a chamada União Democrática de Libertação, viúva de Pedro Joaquin Chamorro, director de La Prensa, assassinado pelos sandinistas em 1978.
Retirado de Respublica, JAM

nihil obstat quominus imprimatur

"imprimatur
Palavra latina que significa literalmente “imprima-se; pode ser impresso”. Originalmente, tratava-se de uma fórmula do direito canónico (1393-1394) que o censor eclesiástico utilizava para permitir a impressão de um livro. Foi reintroduzida no mercado editorial por uma norma do Papa Pio X na sua encíclica Pascendi (1907), que se utilizava sobretudo para que a Igreja católica romana pudesse controlar a moralidade das obras que o modernismo literário, filosófico e religioso começava a produzir, inspirado no evolucionismo e no imanentismo, doutrinas consideradas pela autoridade papal de carácter agnóstico e contrárias à filosofia da Igreja católica. Considerava-se que esta espécie de selo de autorização sobre uma obra determinava a sua conformidade com os cânones e as regras morais e religiosas da Igreja, merecendo do crítico a opinião autorizada: nihil obstat quominus imprimatur (“nada obsta à publicação”). Hoje em dia, pode utilizar-se o termo de forma irónica, por exemplo como sinal de aprovação de um crítico sobre uma dada obra publicada que, no seu entender, não ofende a moral pública ou o gosto requintado de uma comunidade restrita de leitores. Todas as formas de censura política seguem o mesmo princípio de selectividade que a Igreja em tempos utilizou para defender a boa moral das obras que mereceram serem editadas."

Carlos Ceia
Retirado do E-Dicionário

terça-feira, 5 de junho de 2007

Identidade

Do latim idem, igualdade e continuidade. A qualidade daquilo que é idêntico, o estado de uma coisa que não se modifica. Para Deutsch, no sistema politico, memória surge como fonte da individualidade e da autonomia de um determinado sistema, atribuindo-lhe identidade, isto é, permitindo que surja um povo, entendido por Deutsch como uma comunidade de significações partilhadas.

Identidade, Conhecimento e
Para Kelsen, "a identidade do objecto do conhecimento não está garantida senão pela identidade do processo cognoscitivo, isto é pela identidade da direcção, dos caminhos do conhecimento".


Identidade, Filosofia da
Hegel vem estilhaçar aquela lógica que se baseava em princípios como os da identidade e da contradição, onde uma coisa só podia ser ela própria e não outra e não podia ser ela própria e não ela própria. A partir de então, eis que o que é razoável existe efectivamente e o que existe efectivamente é razoável (was vernünftig ist, ist wirklich, und was wirklich ist, ist vernünftig). Dá-se assim o que ele também qualificou como a demolição da dialéctica da reflexão subjectiva. Porque, compreender o que é, é a tarefa da filosofia, mas o que é, é a razão (was ist, ist die vernunft). E a filosofia chega sempre mais tarde, quando as sombras da noite começam a cair é que levanta voo o pássaro de Minerva.

Identidade nacional
Para Cánovas del Castillo a nação tem uma alma, um princípio psicológico que "consiste na identidade de recordações, de sentimentos e de esperanças e na unidade do próprio carácter, que faz com que cada uma seja diferente das outras, assinalando‑lhe uma peculiar missão para a obra universal do progresso humano".
John Stuart Mill, analisando o sentimento nacional, considera que o mesmo "pode ter sido engendrado por diversas causas: é por vezes o efeito da identidade de raça e de origem; muitas vezes a comunidade de língua e a comunidade de religião contribuem para o fazer nascer; os limites geográficos, igualmente. Mas a causa mais poderosa de todas é a identidade de antecedentes políticos, a posse de uma história nacional, e, por conseguinte, a comunidade de recordação, o orgulho e humilhação, o prazer e o pesar colectivos ligam‑se aos mesmos incidentes do passado. Contudo, nenhuma destas circunstâncias é indispensável ou absolutamente suficiente por si só".
Gustav Radbruch salienta que "assim como o organismo conserva a sua identidade sob a transformação das células, do mesmo modo os povos conservam a sua inalterável unidade, a unidade não só de todos os seus actuais membros, como dos passados e futuros".
Pierre Bourdieu observa que "qualquer unificação que assimile aquilo que é diferente, encerra o princípio da dominação de uma identidade sobre outra, da negação de uma identidade por outra". O modelo francês de construção da nação, utilizando serviço militar obrigatório e a escola primária obrigatória, criou uma espécie de motor moral de uma unidade de memórias e de língua, a fábrica de recordações e de solidariedade. Para além do sistema escolar e do sistema da conscrição, duas importantes formas de controlo do sistema de socialização, o modelo foi desenvolvendo outras formas como a participação em eleições nacionais e o próprio aproveitamento de certas competições desportivas. Isto é, o aparelho estadual tratou de promover uma unificação identitária, tratou de impor um sistema de valores e de normas nacionais em torno do qual se cristaliza a identidade da nação.
A nossa Lei de Defesa Nacional fala na "consciência da identidade nacional".
Retirado de Respublica, JAM

Ideia

Do grego eidos, através do lat. idea. A representação formal de um objecto, no sentido restrito de ideia intelectual, distinta das imagens que se formam no nosso espírito quando imaginamos determinados objectos. O mesmo que forma ou paradigma. Segundo Platão, as coisas que realmente são, o ser, distinguem-se das coisas que acontecem, das coisas que estão entre o ser e o não-ser. Neste termos, salienta que as ideias estão separadas da matéria, são um subsistente completo. São as coisas perfeitas, auto-subsistentes. Ideia é aquilo que gera, aquele princípio que não muda, aquilo que é necessário e permanente, aquilo que auto-subsiste, a causa de toda a mudança.
Retirado de Respublica, JAM

Idées. Introduction à la Philosophie. Platon, Descartes, Hegel, Comte, 1939

Obra de Alain (1868-1951) A lógica da ordem, que é a lógica, exige que comecemos pelo começo, pelo que é o mais abstracto e o mais simples. A contradição não é um pequeno acidente nos nossos pensamentos, nós não pensamos a não ser através de contradições sobrepostas". "o poder torna louco e o poder absoluto, absolutamente torna louco" Paris, Éditions Hartmann, 1939).
Retirado de Respublica, JAM

Ideen zu einem Versuch die Grenzen der Wirksamkeit des Staates zu bestimmen, 1792

Obra de Wilhhelm von Humboldt, Consideração sobre as tentativas de limitar a acção do Estado, escrita em 1792, mas só publicada na íntegra em Breslau, em 1851. Em 1792 houve apenas publicações parcelares da obra em Leipzig (na revista Thalia, dirigida por Schiller) e em Berlim; cfr. trad. ing. de J. W. Burrow, The Limits of State Action, Cambridge, Cambridge University Press, 1969).
Considera o Estado como um mal necessário, salientando que todas as formas de intervenção deste têm consequências prejudiciais até porque os cuidados excessivos do Estado influem negativamente sobre a energia e o carácter moral. Daí defender que o Estado seja libertado de qualquer cuidado para com o bem positivo dos cidadãos; que não intervenha em mais do que é necessário para lhes dar segurança interna e externa; que nunca lhes limite a liberdade para uma finalidade diferente. É que o Estado não tem o direito de se ocupar das coisas privadas dos cidadãos desde que não ataquem os direitos de outrem. O que corresponderia às exigências dos modernos que apenas devem preocupar-se com a prosperidade, ao contrário dos antigos que procuravam a virtude.
Retirado de Respublica, JAM

Ideen zur Philosophie der Geschichte der Menscheit, 1784 - 1791

Obra de Johan Gottfried Herder (1744-1803), o inventor dessa entidade espiritual colectiva chamada povo (das Volk), enquanto comunidade total, consciente de si mesma, considerava que a característica mais importante da história era a variedade e a individualidade apresentadas pelas diferentes nações: tal como a água de uma nascente recebe do solo donde brota a sua composição, as suas qualidades actuantes e o seu sabor, assim o antigo carácter do povo proveio de traços raciais, do clima, do tipo de vida e da educação, das ocupações primitivas e das acções peculiares a cada um desses povos. Os costumes dos antepassados enraizaram-se profundamente e tornaram-se protótipo íntimo da raça. Considerado o pai do nacional-romantismo e do pan-eslavismo. Para ele, a divisão da humanidade em povos seria uma parte do plano da criação, onde cada povo teria a sua própria missão. Assim, as culturas nacionais seriam auto-manifestações divinas e progressivas. Só através de um povo é que o homem poderia participar na humanidade. A nação deixa de ser mera categoria política prática e simples sociedade atomisticamente concebida, e vai procurar raízes no conceito de Volk, como um povo orgânico, marcado por uma unidade de língua e de cultura e consciente de constituir uma unidade. Passa-se assim da nação-contrato para a nação-génio, aquela entidade a que vai atribuir-se uma alma colectiva, o Volksgeist, que faz dela uma totalidade englobante, mas a que se dá uma raiz naturalista. Para Herder, como nota Vítor Aguiar e Silva, a nação é um organismo dotado de um espírito próprio, espírito que se desenvolve ao longo do tempo, mas que não se modifica na sua essência, e que constitui a matriz de todas as manifestações culturais e institucionais de uma nação. Assim se compreende que o mesmo declare: o Estado mais natural é um Estado composto de um só povo, com um só carácter nacional. Um povo é um crescimento natural, assim como uma família, apenas mais amplamente difundido. [... ] Como em todas as comunidades humanas [... ] também, no caso do Estado, a ordem natural é a melhor, isto é, a ordem em que cada um desempenhe aquelas funções a que o destinou a natureza. Um povo que é visto como uma espécie de homem em ponto grande, dotado de uma imanência, à imagem e semelhança da vida interior da pessoa. Onde haveria forças vivas humanas que gerariam caracteres nacionais específicos porque tal como a água de uma nascente recebe do solo donde brota a sua composição, as suas qualidades actuantes e o seu sabor, assim o antigo carácter dos povos proveio de traços raciais, do clima, do tipo de vida e da educação, das ocupações primitivas e das acções peculiares a cada um desses povos. Neste sentido, a vida de cada povo é comparada ao desenvolvimento de uma planta onde a cultura de um povo é a flor da sua existência, pela qual ele se revela duma forma deveras agradável, mas transitória, pelo que a sanidade e duração de um estado não dependem do grau máximo da sua cultura, mas de um sábio ou feliz equilíbrio das suas forças vivamente activas. Quanto mais fundos forem estes alicerces vivos do seu centro de gravidade, mais firme e duradouro ele será (ver a trad. cast. Obra Selecta, Madrid, Alfaguara, 1982).
Retirado de Respublica, JAM

Ideen zu einer Geschichte der Menschheit in Weltbürgerlicher Absicht, 1784

Nesta obra, A Ideia de uma História Universal sob o ponto de vista cosmopolita, Kant defende uma república universal em que cada Estado, mesmo o mais pequeno, pudesse esperar a sua segurança e os seus direito, não do seu próprio poder ou do seu próprio juízo jurídico, mas apenas dessa grande sociedade das nações (foedus amphictyonum), duma força unida e da decisão da vontade comum fundamentada em leis. A república universal (Weltrepublik) em Kant constitui, assim, um mero princípio regulativo, enquanto imperativo categórico, impondo um Estado-razão, enquanto exigência para se superar o estado de natureza e estabelecer o reinado do direito na sociedade das nações. E isto porque a paz pelo direito não é uma quimera, mas um problema a resolver, consequência do reinado do direito, que o progresso um dia estabelecerá. Nessa obra, Kant considera que o maior problema da espécie humana, a cuja solução a natureza força o homem, é o estabelecimento de uma sociedade civil, que administre universalmente o direito, isto é, a criação de uma sociedade, em que a liberdade, submetida a leis externas, se encontre ligada, o mais estreitamente possível, a um poder irresistível, isto é, à criação duma constituição civil e perfeitamente justa. Ora este problema é, simultaneamente, o mais difícil e o que mais tardiamente é resolvido pela espécie humana, porque o problema do estabelecimento de uma constituição civil perfeita depende do problema das relações legais entre os Estados, e não pode ser resolvido sem se encontrar a solução deste segundo. Acrescenta que, por visionária que esta ideia possa parecer... ela é todavia a inevitável saída do estado de miséria em que os homens se põem uns aos outros, miséria essa que há-de forçar os Estados (por muito que lhes custe) exactamente à resolução a que foi forçado, embora contra a sua vontade, o homem selvagem: a de renunciar à sua brutal liberdade e procurar tranquilidade e segurança numa constituição legalmente estabelecida. Assim, todas as guerras são apenas outras tantas tentativas (não na intenção dos homens, mas na da natureza) para suscitar novas relações entre os Estados, e, através da destruição, ou pelo menos do desmembramento dos antigos, formar novos corpos, que por sua vez não são capazes de se manter em si mesmos ou em relação aos outros, pelo que terão de passar por novas e semelhantes revoluções; até que, finalmente, em parte devido à melhor ordenação possível da constituição civil, internamente, em parte devido a acordos comuns e à legislação, externamente, se conseguirá um estado de coisas que, à semelhança de uma comunidade civil, será capaz de se manter por si mesmo como um autómato.
Retirado de Respublica, JAM

Idealismo

O Idealismo é uma corrente filosófica que emergiu apenas com ao advento da modernidade, uma vez que a posição central da subjetividade é fundamental. Tendo suas origens a partir da revolução filosófica iniciada por Descartes e o seu cogito, é nos pensadores alemães que o Idealismo está em geral associado, desde Kant até Hegel, que seria talvez o último grande idealista da modernidade.
É muito difícil resumir o pensamento idealista, uma vez que há divergências de perspectivas teóricas entre os
filósofos idealistas. De todo modo, podemos considerar primado do EU subjetivo como central em todo idealismo, o que não significa necessariamente reduzir a realidade ao pensamento. Assim, na filosofia idealista, o postulado básico é que Eu sou Eu, no sentido de que o Eu é objeto para mim (Eu). Ou seja, a velha oposição entre sujeito e objeto se revela no idealismo como incidente no interior do próprio eu, uma vez que o próprio Eu é o objeto para o sujeito (Eu). s.m. (1833 RevPhil 62) 1 fil qualquer teoria filosófica em que o mundo material, objetivo, exterior só pode ser compreendido plenamente a partir de sua verdade espiritual, mental ou subjetiva F p.opos. a 2realismo ('na filosofia moderna') e materialismo 1.1 fil no sentido ontológico, doutrina filosófica, cujo exemplo mais conhecido é o platonismo, segundo a qual a realidade apresenta uma natureza essencialmente espiritual, sendo a matéria uma manifestação ilusória, aparente, incompleta, ou mera imitação imperfeita de uma matriz original constituída de formas ideais inteligíveis e intangíveis 1.2 p.ext. fil no sentido gnosiológico, tal como ocorre esp. no kantismo, teoria que considera o sentido e a inteligibilidade de um objeto de conhecimento dependente do sujeito que o compreende, o que torna a realidade cognoscível heterônoma, carente de auto-suficiência, e necessariamente redutível aos termos ou formas ideais que caracterizam a subjetividade humana 2 p.ext. ét no âmbito prático, cujo exemplo mais notório é o da ética kantiana, doutrina que supõe o caráter fundamental dos ideais de conduta como guias da ação humana, a despeito de uma possível ausência de exeqüibilidade integral ou verificabilidade empírica em tais prescrições morais 3 propensão a idealizar a realidade ou a deixar-se guiar mais por ideais do que por considerações práticas 4 estét lit teoria ou prática que valoriza mais a imaginação do que a cópia fiel da natureza F p.opos. a 2realismo ± i. absoluto fil doutrina idealista inerente ao hegelianismo, caracterizada pela suposição de que a única realidade plena e concreta é de natureza espiritual, sendo a compreensão materialística ou sensível dos objetos um estágio pouco evoluído e superável no paulatino desenvolvimento cognitivo da subjetividade humana — i. crítico fil m.q. idealismo transcendental — i. dogmático fil idealismo, esp. o berkelianismo, que se caracteriza por negar a existência dos objetos exteriores à subjetividade humana [Termo cunhado pelo filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) para designar uma orientação idealista com a qual não concorda.] F p.opos. a idealismo transcendental — i. formal fil m.q. idealismo transcendental — i. imaterialista fil idealismo defendido por Berkeley (1685-1753) que, partindo de uma perspectiva empirista, na qual a realidade se confunde com aquilo que dela se percebe, conclui que os objetos materiais reduzem-se a idéias na mente de Deus e dos seres humanos; berkelianismo, imaterialismo — i. transcendental fil doutrina kantiana, segundo a qual os fenômenos da realidade objetiva, por serem incapazes de se mostrar aos homens exatamente tais como são, não aparecem como coisas-em-si, mas como representações subjetivas construídas pelas faculdades humanas de cognição; idealismo crítico, idealismo formal F p.opos. a idealismo dogmático ¤ etim fr. idéalisme (1749) 'sistema filosófico que aproxima do pensamento toda existência', (1828) 'concepção estética na qual se deve buscar a expressão do ideal acima do real', (1863) 'atitude que consiste em subordinar o pensamento e a conduta a um ideal', do fr. idéal + -isme; cp. port. ideal + -ismo; ver ide(o)- (Houaiss).
Retirado da Wikipédia
Idealismo absoluto de Platão
Considera que a ideia é um mundo exterior à matéria, que as ideias não podem misturar-se com a matéria, sob pena de se contaminarem.

Idealismo absoluto de Hegel
O método passa a ser universal, assente na lei do devir, a lei das coisas, o sistema que as explica, ao contrário dos métodos do anterior cientismo que só valiam para um certo objecto. Com tal idealismo absoluto nega-se qualquer limite ao próprio conhecimento, dado admitir-se que as próprias formas de pensamento são também formas de realidade. O próprio mundo dos conceitos passa a ser composto por ideias sempre em movimento, onde o conceito sucessivo é sempre mais rico que o precedente, onde o absoluto devém dialecticamente, através da tese, da antítese e da síntese, porque a luta é a lei de todas as coisas.

Idealismo alemão
Para Camus, procurou substituir Deus pela história, o euqilíbrio antigo pela tragédia moderna e a noção de natureza humana pela de situação.
  • Hartmann, Nicolai, A Filosofia do Idealismo Alemão, trad. port., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1976.
  • Luís Cabral de Moncada, O Idealismo Alemão e a Filosofia do Direito em Portugal, Coimbra, 1938.

Idealismo e Direito, 1910

Conferência proferida por Paulo Merêa reagindo contra o discurso positivista da tomada de posse do novo reitor da Universidade de Coimbra, Manuel de Arriaga.

Idealismo libertário Qualificação dada ao anarco-idealismo de William Godwin.

Idealismo mágico

Novalis proclama que a pátria do homem é o seu mundo interior, defendendo que o mundo deve ser romantizado, dado que importa conferir alto sentido ao que é comum, aparência misteriosa ao que é ordinário e dignidade incógnita ao que é conhecido. Para tanto, aponta como meta um regresso tanto à Idade Média como ao espírito da Reforma: o problema supremo da cultura é o de se apropriar do próprio eu trancendental, de ser, ao mesmo tempo, o eu do próprio eu. Por isso surpreende pouco a falta de percepção e de inteligência completa dos outros. Sem uma perfeita compreensão de nós mesmos não é possível conhecer verdadeiramente os outros. Assim, chega mesmo a considerar que a poesia é o autêntico real absoluto. Isto é o cerne da minha filosofia. Quanto mais poético, mais verdadeiro. Proclama até que estamos em missão; somos chamados para a formação da terra.

Idealismo platónico

O elemento fundamental do pensamento platónico reside na respectiva teoria das ideias ou formas, consideradas como as coisas que realmente são, o ser, e que se distinguiriam das coisas que acontecem, dado que estas apenas estariam entre o ser e o não ser. Só a ideia é aquilo que gera, aquele princípio que não muda, aquilo que é necessário e permanente, aquilo que auto-subsiste, a causa de toda a mudança, dado que aquilo que acontece não passaria da ideia que devém, do mero contingente, do que é composto de mudança. As ideias, enquanto coisas perfeitas e auto-subsistentes, não são visíveis, aos olhos dos homens concretos, devido ao seu esplendor, pelo que só o espírito as consegue vislumbrar e apreender. O fulcro deste conceito está na respectiva metáfora do sol (), onde tal estrela está para o mundo visível como a ideia de bem para o mundo do inteligível. A luz equivale à verdade, os objectos da visão — como as cores — aos objectos do conhecimento, como as ideias; a faculdade da visão, à faculdade da razão; o exercício da visão, ao exercício da razão; e a aptidão para ver, à aptidão para conhecer. É daqui que surge a célebre alegoria da caverna, onde, segundo as próprias palavras de Platão, o homem começa por ver-se livre das suas algemas; depois, abandonando as sombras, dirige-se para as figuras artificiais e para a luz que as ilumina. Por fim, sai deste lugar subterrâneo para subir até aos sítios que o sol ilumina; e como os seus olhos, débeis e ofuscados, não podem fixar-se imediatamente nem nos animais nem nas plantas, nem no sol, recorre às imagens dos mesmos pintadas na superfície das águas e nas suas sombras, mas estas sombras pertencem a seres reais e não a objectos artificiais, como acontecia na caverna; e não estão formadas por aquela luz, que o nosso prisioneiro tomava pelo sol. O estudo das ciências que temos falado produz o mesmo efeito. Eleva a parte mais nobre da alma até à contemplação do mais excelente dos seres; como no outro caso, o mais penetrante dos órgãos do corpo eleva-se à contemplação do mais luminoso que há no mundo material e visível ().

Por outras palavras, as nossas faculdades da sensibilidade e da imaginação apenas conseguem apreender imagens. Se, pela opinião e pela crença, conseguimos aceder a totalidades, eis que, contudo, ainda estamos no domínio das coisas visíveis. Para atingirmos as coisas invisíveis ou inteligíveis são necessárias outras faculdades, onde não basta a razão que apenas nos consegue levar ao nível das coisas invisíveis inferiores, aos conhecimentos científicos racionais. Para chegarmos às coisas invisíveis superiores só através da contemplação intelectiva. Só que, para atingirmos este quarto momento, precisamos de recorrer ao mito, a única hipótese que tem o homem de conseguir a referenciação total... Seguindo as próprias palavras de Platão, só aquele que renunciar em absoluto ao uso dos sentidos pode elevar-se. Só através da razão, alguém pode aceder à essência das coisas; e se continua a suas investigações até que perceba mediante o pensamento da essência do bem, chegou ao término dos conhecimentos inteligíveis, assim como o que vê o sol chegou ao término do conhecimento das coisas visíveis (). A ideia é o esplendor da luz, mas os nossos olhos sensíveis não conseguem olhar o sol de frente, embora tenhamos de tentar olhar o sol de frente. As ideias (de eidos) são os paradigmas (de paradeigma ou modelo eterno). E só é possível a participação das coisas nas ideias através das imagens ou dos reflexos (eikon). As ideias estão separadas da matéria, são um subsistente completo, algo que vem de fora. Assim a ideia de justiça. Ela tem um supremo esplendor, é perfeita e, logo, perfeitamente justa. Mas o respectivo brilho não permite que a mesma seja vista pelos nossos olhos. A ideia de justiça só é visível através dos olhos do espírito, não passa daquilo que tentamos descobrir quando nos interrogamos sobre o que é? a coisa justiça, ou sobre o que é? a natureza da justiça. A ideia de justiça não pode estar nas coisas, devendo, portanto, ser separada delas. É uma espécie de coisa matemática que nunca é encontrada nas coisas sensíveis. Tal como uma linha traçada num papel ou na areia nunca é uma linha no sentido matemático. Tal como a canidade (isto é, o carácter específico dos cães) tem de ser o verdadeiro cão. A ideia faz, portanto, parte de uma realidade supra-sensível, estável e eterna. Neste sentido, também a polis surge como um modelo que não passa de cópia (eikon) de um arquétipo, de uma forma ou de um plano proveniente do passado que se apresenta como o princípio. Logo, pesquisar aquilo que deve-ser transforma-se na procura do tempo perdido, da Idade de Ouro, do de onde se vem que é também o para onde se vai. E é a divindade que nos guia nessa revolução circular. Contudo, o movimento pode ser abandonado a si mesmo. O giro do corpo esférico em redor do seu próprio eixo pode rodar no sentido oposto ao do seu próprio movimento, numa mudança de direcção que leva a destruições e a cataclismos, mas a que se seguem regenerações parodoxais, onde os cabelos brancos dos velhos voltam a escurecer, os adolescentes retomam as dimensões dos recém-nascidos e os cadaveres dos mortos se diluem no chão, nascendo então a raça dos filhos da terra que, ao sair da terra regressam à vida, sem guardarem lembrança das anteriores condições da respectiva existência.

Ideal-realismo

Postura assumida por Hauriou e Gurvitch. Já antes havia sido defendida por Schleiermacher, quando proclamava a necessidade de unidade entre sujeito e objecto.

Retirado de Respublica, JAM