Conceitos Operacionais
A ciência estabelece conceitos em primeiro lugar para descrever o mundo que tenta explicar e, a partir deles, classifica, ordena, compara e, se possível, quantifica e formula hipóteses, tendências ou leis dos fenómenos. Ao conceito faz necessariamente corresponder um acto de baptismo, utilizando palavras ou descritivas ou lógicas. As últimas não se referem a nenhum objecto, mas sim a uma relação ou estrutura, enquanto que as primeiras se referem a alguma coisa dada como existente no mundo, i. é, aquilo que genericamente se chamam os observáveis; entre as palavras descritivas ainda há que fazer uma distinção, porque umas vezes se referem a classes de coisas e outras vezes a uma coisa identificada. No primeiro caso fala-se de universais, e no segundo de particulares, reservando-se a designação de conceito para os universais. Não se chega à formulação de universais sem o exame de uma série de particulares, que constituem a matéria-prima de todas as afirmações empíricas e de todas as teorias. Mas apenas a passagem do exame dos particulares para os universais representa o primeiro passo da classificação, e neste ponto torna-se evidente a importância dos conceitos. Enquanto que as palavras lógicas são dadas ao investigador, os conceitos é necessário que os formule para racionalizar a fileira dos fenómenos com os quais lida. Isto é particularmente visível nas ciências de autonomia recente, como acontece com as ciências sociais em geral e com a ciência política em particular, que não conta com uma experiência acumulada e transmitida. A formulação dos seus conceitos é alheia a um dos sentidos da ideia de definição, aquele que implica com a discussão da essência da coisa definida, p. ex. a essência da justiça ou da vida. As suas primeiras definições ou conceitos são puramente nominais, assentando o observador em que, verificados certos elementos observáveis, usará tal definição sem preocupações sobre a essência das coisas, as quais pertencem a outra ordem de indagações. Verificados certos observáveis, falará p. ex. de poder, e por isso os conceitos nominativos nunca realmente são verdadeiros ou falsos porque se referem a observáveis, e apenas pode discutir-se se são úteis e produtivos, por razões que todas se relacionam com o método, e nenhuma diz respeito à essência das coisas. Um conceito nominal delimita características empíricas observáveis e objecto de descrição, fazendo-lhe corresponder uma palavra. Estas definições são basicamente intuitivas, correspondem a um realismo ingénuo e, como ensina Jean Piaget, é o processo usado pelas crianças para organizarem o mundo que vão conhecendo, e um processo que perdura na idade adulta e também na actividade científica. Quando todavia se pretende sistematizar a realidade circundante, é necessário ir mais longe, com a dificuldade, nas ciências sociais, de que se trata sempre de experiência mas nunca de experimentação. Suponhamos a necessidade de definir atitudes políticas, opiniões ou ideologias, e tomemos o caso do pacifista. Embora exista um conceito nominal e intuitivo de pacifista não parece possível sistematizar a atitude pacifista sem convencionar previamente um grupo de perguntas a que certos homens respondem coincidentemente de certa maneira. Mas na seriação das perguntas a arbitrariedade do investigador não pode ser eliminada. As perguntas do questionário são aquelas, mas nada demonstra irrefutavelmente que não deveriam ser mais ou ser outras. De igual modo, não é possível sistematizar o comportamento anticolonialista sem definir um certo número de questões cujas respostas definem o comportamento. Poderá, conforme as perguntas seriadas, ser anticolonialista o comportamento que contraria o domínio de um povo sobre outro, ou o domínio de um povo que vive em território ultramarino, ou o domínio de um povo por uma potência que não pertence ao directório mundial, ou o domínio de um povo sobre outro discriminado pela etnia ou pela região, ou todas as atitudes em conjunto. Trata-se sempre de observáveis, o conceito diz apenas respeito ao comportamento, e não têm em conta nem a essência do comportamento nem os valores determinantes. O investigador tem de fazer um corte no comportamento observável, abrangendo maior extensão ou menor, por simples conveniência de método. Assim, para entender o colonialismo da Conferência de Berlim de 1885, e o anticolonialismo de resposta, talvez tenhamos de assentar em que abrange o domínio pelos povos ocidentais sobre as restantes etnias. O elemento étnico entrará na definição. Mas o anticolonialismo da ONU talvez tenha de ser definido como o comportamento contrário ao domínio, pelos ocidentais, de etnias situadas em regiões do globo que não pertencem às esferas de influência ou da U. R. S. S. ou dos E. U. A. O conceito é operacional porque se destina, como um instrumento, a sistematizar a realidade observável, e adopta-se em função das necessidades do objecto e do método. A compreensão do comportamento convencionalmente definido, mas apreciado em função de convicções, valores e ideologias, já excede o conceito operacional, e obriga a referências valorativas que determinarão novas definições do mesmo comportamento segundo a variação dessa constelação de valores. O comportamento anticolonialista dos E. U. A. e da U. R. S. S., na vigência da ONU, reconduz a um conceito comum operacional que tem em vista o colonialismo de sede europeia. Mas, em função das ideologias, os E. U. A. provavelmente orientam-se pela liberdade de comércio e circulação, e a U. R. S. S. pela luta contra as posições dos Estados que considera capitalistas. A coincidência operacional do comportamento não implica coincidência no plano dos valores, e este último critério obrigará a formular dois conceitos valorativos. Mas o comportamento de ambas as potências, porque não consentem o anticolonialismo nas zonas do globo que respectivamente dominam, já coincide na posição que se traduz em entender que a dignidade de uma grande potência não se subordina ao voto maioritário das pequenas, e o anticolonialismo reduz-se a um só conceito valorativo abrangente do comportamento das grandes potências. Os conceitos operacionais parecem de uma utilidade inegável, como instrumento de arrumo e sistematização da realidade observada, mas a sua natureza convencional não pode ser esquecida, a margem de arbitrariedade do investigador tem como limite a utilidade metodológica, e esta é discutida por duas corrente fundamentais. A primeira, representado por Freud, diz o seguinte: «Frequentemente se sustenta que as ciências devem ser construídas sobre conceitos básicos definidos com clareza e solidez [...] De facto nenhuma ciência, nem mesmo a mais exacta, começa com tais definições. O verdadeiro começo da actividade científica consiste antes em descrever fenómenos e depois passar a agrupar, classificar e relacioná-los [...] Só depois de mais investigações e pesquisa no domínio em questão é que ficamos habilitados a formular com crescente clareza os conceitos científicos que o delimitam [...] Então, realmente, pode ser a altura de o limitar dentro de definições. O progresso da ciência, todavia, requer uma certa elasticidade mesmo nessas definições.» A outra, representada por Schattschneider, afirma:
«Há qualquer coisa de estranho no sentimento dos académicos de que não é necessária uma definição. Inevitavelmente há uma falta de luz na disciplina porque é difícil ver coisas que são indefinidas. Pessoas que não podem definir o objecto do seu estudo não sabem o que procuram, e se não sabem o que procuram como é que podem dizer quando é que o encontraram?»
Adriano Moreira, Enciclopédia POLIS, vol 1, col.s 1061-1065
«Há qualquer coisa de estranho no sentimento dos académicos de que não é necessária uma definição. Inevitavelmente há uma falta de luz na disciplina porque é difícil ver coisas que são indefinidas. Pessoas que não podem definir o objecto do seu estudo não sabem o que procuram, e se não sabem o que procuram como é que podem dizer quando é que o encontraram?»
Adriano Moreira, Enciclopédia POLIS, vol 1, col.s 1061-1065