Espírito do Mundo (Weltgeist)
Para Hegel, no eixo de todo o mundo está a ideia, a razão, o espírito do mundo (Weltgeist), o tal absoluto que faz as vezes de Deus. E o conceito passa a ser algo que está entre o ser e o devir, entre o imediato e a reflexão, num jogo dialéctico onde ao conceito subjectivo se opõe o conceito objectivo e onde a ideia constitui a síntese. E o absoluto é devir (werden), respira através do movimento dialéctico, da tese, da antítese e da síntese. Assim, a evolução do mundo, toda ela é lógica, toda ela é o devir da ideia. Até porque a ideia de Platão passa a imanência nas coisas, superando-se a razão abstracta do iluminismo, também ela transcendente. Porque o próprio homem não pensa. É o espírito que pensa através dele. O espírito do mundo, a ideia, o logos – equivalente à inteligência divina dos escolásticos –, torna‑se objecto para si mesmo, através de nós. E a ideia, ao fazer esta espécie de auto‑alienação, ao passar a objecto, sai fora de si, torna‑se objecto para, depois, voltar de novo a si mesmo. Torna‑se extrínseca para, depois, volver‑se intrínseca. A ideia, o espírito do mundo, ao alienar‑se, esquece‑se e perde‑se de si mesmo, torna‑se outra. A natureza leva assim o pensamento a assumir uma exterioridade, a tornar-se outro, a procurar a exterioridade através do espaço e do tempo. O próprio conceito vive este processo dialéctico, onde a tese é a verdade, a antítese a coisa, o objecto em si e por si e a síntese a ideia que leva ao espírito absoluto. Como salienta Legaz y Lacambra o sentido total da doutrina hegeliana é a sublimação da liberdade e da personalidade. Hegel contempla o grandioso processo intemporal, onde o particular e o universal, o finito e o infinito, o indivíduo e o conceito absoluto, o subjectivo e o objectivo se reconciliam de tal forma que acabam por ser momentos idênticos na plena liberdade do eu, no espírito absoluto, e não são categorias que se excluem, contrapostos ou mecanicamente sobrepostos, mas distintas denominações de uma mesma totalidade. E o espírito objectivo – como uma das manifestações aparece o Estado – é vontade livre e não um poder objectivo alheio ou contrário à subjectividade, mas o mesmo espírito do indivíduo enquanto o capacita para compreender‑se como sujeito e ser livre perante toda a determinação exterior. Compreende‑se assim que Hegel considere que a vida de cada povo faz amadurecer um fruto, porque a sua actividade visa realizar completamente o seu princípio. Mas esse fruto não é colhido pelo povo que o produziu. Não lhe é permitido desfrutá‑lo. Pelo contrário, esse fruto torna‑se para ele uma bebida amarga; não pode rejeitá‑la porque tem uma sede infinita e terá de provar essa bebida que é a sua ruína e, ao mesmo tempo o advento de um novo princípio. O fruto torna‑se germe, germe de um outro povo que há‑de amadurecer. O conceito passou, portanto, a ser o verdadeiro criador, uma espécie de enviado de Deus à terra, algo que está entre o ser e o devir, o absoluto. E a evolução do mundo transformou-se no devir da ideia. Todo o processo da história passa por esta extrinsecação do Weltgeist. A primeira objectivação dá‑se na Natureza; depois, na Cultura, que inclui as línguas, as literaturas, as religiões e o Estado; finalmente, a intrinsecação, o regresso ao Espírito Absoluto, ao seio do próprio Deus, o que apenas se torna presente na consciência dos grandes santos, dos artistas e dos filósofos. Este processo dialéctico desdobra‑se em várias tríades ao longo da obra de Hegel. Em Phnomenologie des Geists, de 1807, Hegel refere a passagem da moralidade à religião, e não ao Estado. Em Vorlesungen über die Philosophie der Weltgesichte, de 1817, a tese que é a lógica, que corresponde ao espírito subjectivo, à alma, à consciência, tem como antítese a filosofia da natureza, a matemática e a física, que corresponde ao espírito objectivo, onde se incluem o direito, a moral e a história, considerada como o tribunal do mundo. A síntese vem a ser a filosofia do espírito, a que corresponde o espírito absoluto, onde se inclui a religião. Finalmente, em Grundlinien der Philosophie des Rechts de 1821, o processo passa pela família, pela sociedade civil e pelo Estado. O processo histórico passa a ser considerado como a extrinsecação do espírito do mundo. Numa primeira objectivação, na fase do em si, temos a natureza. Na segunda, no fora de si, surge a cultura. Finalmente surge o terceiro momento, o retornar a si, a intrinsecação, quando a exterioridade vence o espaço e o tempo e se torna interioridade, quando, da inconsciência, se passa à consciência. É o regresso ao Espírito Absoluto – o que apenas se tornaria presente na consciência dos grandes santos, dos artistas e dos filósofos. O processo hegeliano vive, assim, através de uma espécie de a respiração triádica. Numa primeira fase, a tese; numa segunda, a antítese; finalmente, o terceiro momento, superador da contradição – a síntese. Um modelo que o filósofo vai aplicar universalmente, concatenando num sistema global todas as peças do respectivo pensamento. Mais: mesmo cada uma das peças desse todo são também desdobráveis pela trindade dialéctica.
Espírito objectivo (SCHELLING)
Retirado de Respublica, JAM