segunda-feira, 2 de abril de 2007

Physis, Nomos, Thesis

Se reassumirmos o conceito grego de natureza, poderemos distinguir, como ainda o continua a fazer Friedrich Hayek, entre a ordem mais próxima da natureza (physis), ou o justo por natureza, equivalente à idade de ouro da polis melhor, da boa sociedade ou do melhor regime político (politeia), e uma sucessão de ordens que lhe foram acrescentadas, desde a ordem surgida por convenção (nomos), à ordem resultante de uma decisão deliberada (thesis). Duas ordens que, aliás, têm algum paralelismo com a distinção entre o costume, resultante de uma certa evolução espontânea, e a legislação, provinda do construtivismo e procurando concretizar uma ordem nascida das intenções de um detentor do poder, através de um comando. Hayek considera que aquilo que mais se aproxima de nomos são as chamadas regras da conduta justa, as normas geradoras de uma espécie de ordem espontânea, as que estão na base do direito privado e que tornam possível aquilo que Adam Smith baptizou como a grande sociedade, ideia próxima do conceito de sociedade aberta, mais recentemente defendido por Karl Popper. Um género de ordem que, segundo o mesmo Hayek, o jurista estuda mas que ignora largamente o carácter, tal como é particularmente estudada pelo economista que, por sua vez, também é ignorante do carácter das regras de conduta sobre as quais repousa a ordem que ele estuda. Uma ordem que David Hume, Adam Smith e Montesquieu consideraram poder ser estudada por uma ciência da legislação (la scienza della legislazione de Gaetano Filangieri) que, na altura, muitos proclamavam como sinónimo dos princípios da política. Já a thesis tem a ver com as chamadas regras de organização, próximas das normas de direito público, que definem o modelo orgânico dos aparelhos de poder, o qual marca o ritmo dos constitucionalistas, mobilizados pelo estabelecimento das regras do jogo do Estado de Direito. Aliás, só no século II da nossa era, é que a expressão physis passou a corresponder ao naturalis e thesis, ao positivus. E foi a escolástica peninsular dos séculos XVI e XVII que considerou a expressão naturalis como um termo técnico para designar os fenómenos sociais que não eram deliberadamente moldados pela vontade humana. Se as primeiras normas (physis ou naturalis) são regras independentes de qualquer objectivo, que concorrem para formar uma ordem espontânea, já as segundas (thesis ou positivus, donde deriva o ius in civitate positum) estão ordenadas para um determinado fim. Mas Hayek, não deixa de assinalar uma terceira ordem, integrada por fenómenos que, apesar de resultarem da acção humana, não são deliberadamente construídos, nem resultado de prévias intenções humanas. Esta terceira ordem, apesar de cultivada sobre a natureza, é assim diferente da ordem confeccionada, construída ou exógena, por convenção ou deliberação, equivalendo àquilo que os gregos deram o nome de kosmos: uma ordem espontânea, amadurecida e não fabricada, endógena e auto-gerada pelo tempo. Esta perspectiva de Hayek filia-se, aliás, nas teses do moralismo escocês, desencadeador do chamado liberalismo ético. Por exemplo, Adam Ferguson (1723-1816), em An Essay on the History of Civil Society, de 1767, refere os fenómenos resultantes da acção do homem, mas não da sua intenção. E Adam Smith (1723-1790) fala numa ordem comandada por uma espécie de mão invisível, onde o homem através de meios não desejados por ele, nem projectados por ninguém, é levado a promover resultados que, de maneira nenhuma, fazem parte das suas intenções.
Retirado de Respublica, JAM