Políticas públicas
1. Neste contexto, assume particular destaque o estudo das políticas públicas. A este respeito, importa assinalar que Harold Lasswell, em 1951, numa obra publicada em conjunto com David Lerner, The Policy Sciences. Recent Development in Scope and Method, utilizou a expressão policy sciences, logo traduzida em francês para sciences de la politique, realçando a necessidade do estudo das políticas através de técnicas analíticas provindas das ciências económicas; desde logo, alguns houve que propuseram a existência das policy sciences como um campo separado da própria ciência política. O impulso veio da circunstância da administração pública norte-americana, durante a Segunda Guerra Mundial, ter necessitado de um conjunto de novos profissionais que sistematizassem os dados referentes às opções militares e logísticas. Esse modelo será utilizado, no pós-guerra, para organizar o processo planeamentista e, nos Estados Unidos, é retomado na década de sessenta, aquando da mobilização gerada pela guerra do Vietname e com os processos de análise do intervencionismo estadual, nomeadamente no acompanhamento dos programas da Great Society do Presidente Lyndon Johnson. Estas técnicas ainda hoje são dominantes na análise de várias políticas públicas, nomeadamente as políticas do ambiente, da saúde, da segurança social, da educação e do combate à pobreza, tanto nos aspectos da formulação como da implementação das mesmas. As políticas da saúde, originárias do Estado higienista do século XIX, são hoje um campo de investigação primordial nos domínios da reforma do Estado-Providência, nas quais se desenvolvem problemas teóricos fundamentais, como os da justiça distributiva, e se estudam os perfis dos novos modos de actuação dos grupos de interesse e de pressão. Mas o Estado-Providência exige também a inventariação dos processos das políticas da segurança social e do emprego, bem como da acção do Estado nas zonas da política da formação profissional. Segue-se a amplitude de todo o processo da política educativa, outra das formas tradicionais de intervenção pública, principalmente nos países latinos. Surgiu, entretanto, o intervencionismo na zona das políticas da cultura, com novos problemas na relação entre o público e o privado. No quadro das políticas económicas, destacam-se as políticas agrícolas, a política industrial e a política comercial. Os novos modelos de intervencionismo estadual nos campos da qualidade de vida geraram as novas políticas do ambiente e da defesa do consumidor.
2. É abundante a literatura sobre a public policy, principalmente no mundo anglo-saxónico:
- Watson [1962];
- Hirschman e Montgomery [1968];
- Mitchell [1969];
- Jones [1970];
- Rimlinger [1971];
- Welsh [1972];
- Hofferbert [1974];
- Schmitter [1975];
- Thomas [1975];
- Stokey e Zeckhauser [1978];
- Richardson [1979];
- Hook [1980];
- Goldwin [1980];
- Cawson [1982];
- Weale [1982];
- Leon [1988];
- Mény e Thoenig [1989];
- Drysek [1990];
- Muller [1990];
- Harrop [1992]; e
- Skocpol [1993 e 1995].
No domínio da politologia francesa, refiram-se os estudos de:
- Jobert [1982];
- Padioleau [1982];
- Bénéton [1983];
- Cohen [1989];
- Pélassy [1987];
- Mény e Thoenig [1989]; e
- Muller [1990].
2. Entre nós, mergulhados que estamos em certo estatismo caótico, resultado da acumulação de intervencionismos de contraditórios sinais ideológicos, em que o salazarismo e o gonçalvismo utilizaram os mesmos instrumentos legislativos, o modelo pluralista do Estado pós-revolucionário ainda não permitiu a estabilização de um processo coerente de análise de todo este emaranhado, face à ausência de uma visão globalista, capaz de superar a tradicional perspectiva da reforma administrativa ou da mais recente ideia de modernização administrativa.
Com efeito, a publicização não tem coincidido com a administrativização, e os esforços de controlo do crescimento do clássico conceito de Estado levam a que entre pelo sótão, ou por osmose, o que se tenta defenestrar ou fazer expelir pela porta principal. Falta, sobretudo, uma noção globalista de Escola de Quadros onde o Estado possa pensar-se, tarefa que o chamado Instituto Nacional de Administração não pôde, ou não quis, desempenhar. E valia a pena pensar-se no modelo provindo do século XIX, quando começaram a despontar em Lisboa aquelas escolas que se integrarão na Universidade Técnica, onde se fez uma aliança entre movimentos societários e os quadros técnicos estaduais. A ligação matricial entre a Escola Colonial e a Sociedade de Geografia de Lisboa, e entre os movimentos associativos empresariais e aquilo que seria o ISCEF, tal como a íntima relação do que seriam o IST, o ISA e a Faculdade de Medicina Veterinária com os ministérios derivados do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, fundado por Fontes Pereira de Melo, e que a República rebaptizou como Ministério do Fomento, marcam um ritmo que poderia servir de inspiração para a actualidade. Se voltássemos a conceber o nosso État savant como gestor de recursos escassos talvez não houvesse aquela fragmentação entre os peritos estaduais, integrados na administração burocrática, e a Universidade, agravada pelo movimento dos gabinetes de planeamento, criados pelo marcelismo, e pelos variados grupos parcelares nascidos com o processo de integração europeia, em que predominaram tecnocratas desligados dos centros universitários e da própria vida empresarial. O divórcio actualmente existente entre a política de investigação científica e a política educativa, bem como a existência de uma excessiva gordura gestionária nos serviços públicos que congregam os quadros formalmente qualificados com investigadores, revelam talvez o triunfo de um conceito restrito de administração pública, marcada por uma menoridade burocratóloga. À excepção de algumas instituições como a Escola Nacional de Saúde Pública e o Instituto de Defesa Nacional, faltam sítios que possam pensar as políticas públicas, mobilizando os parcos recursos da nossa comunidade. Sítios de diálogo, pluralistas, donde possam emergir relatórios equivalentes ao que foi elaborado em França pela Commission “Éficacité de l’État” du Xème Plan, presidida por François Closets. Só a partir de então pode adquirir-se uma perspectiva capaz de nos elevar a observações adequadas ao nosso Estado de mal-estar, nomeadamente a uma visão histórica capaz de produzir um estudo como o de Pierre Rosanvallon sobre L’État en France [1992]. Para tanto, parecem não chegar os gabinetes de estudos da burocracia pública, dos partidos e de algumas instituições da chamada sociedade civil. São também insuficientes as fotocópias programáticas que possamos trazer de uma ou outra visita ao estrangeiro. Perdem, por efémeras, realizações como congressos, seminários ou estados gerais. Não bastam algumas instituições universitárias especializadas na gestão da administração pública ou as tradicionais escolas de direito e economia. O Estado a que chegámos precisa de ser pensado de acordo com as nossas circunstâncias, através de uma perspectiva integrada e globalista; talvez voltem a ser necessárias instituições formadoras de dirigentes e peritos para os grandes corpos públicos, um pouco à imagem e semelhança do que, através da entidade herdeira da Escola Colonial, se fez para a administração ultramarina. Só assim poderemos vencer os chamados directores-gerais de aviário, presas fáceis do clientelismo e sem força para deterem as inevitáveis arremetidas da corrupção.