quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Invasões francesas. Facções.

Quando, a partir de Novembro de 1807 se deu a primeira invasão francesa, com a Corte e a capital transferidas para o Rio de Janeiro e o começo do período de El rei Junot, o facciosismo passou a viver na esfera de dominação deste, entre os chamados afrancesados constitucionais, à maneira de Ricardo Raimundo Nogueira, e o partido dos fidalgos, liderado pelo conde da Ega, Aires Saldanha. Os que ficaram em Lisboa foram assim condenados ao colaboracionismo, repetindo um pouco do que acontecera com a chegada de Filipe II de Espanha. O primeiro grupo, em 23 de Maio de 1808, chegou à indignidade de, pela voz do juiz do povo, o tanoeiro José Abreu de Campos, e através de Junot, solicitar a Napoleão nos desse uma constituição e um rei constitucional que seja principe de sangue da vossa real família. Uma súplica redigida pelo médico maçónico dr. Gregório José de Seixas em colaboração com os lentes Simão de Cordes Brandão de Ataíde, Francisco Duarte Coelho e Ricardo Raimundo Nogueira. O humilhante documento, que terminava com um sugestivo Viva o Imperador, pedia uma constituição em tudo semelhante à que vossa magestade imperial e real houve por bem outorgar ao Grão-Ducado da Varsóvia, com a única diferença de que os representantes da nação sejam eleitos pelas camaras municipais, a fim de nos informarmos com os nossos antigos usos. Solicitava-se, além disso, que fosse o código de napoleão posto em vigor e que a organização pessoal da administração civil, fiscal e judicial seja conforme o sistema francës. Suplicava-se também que as nossas colónias, fundadas por nossos avós, e com seu sangue banhadas, sejam consideradas como províncias ou distritos, fazendo parte integrante do reino, para que seus representantes, desde já designados, achem em nossa organização social os lugares que lhes pertencem, logo que venham ou possam vir ocupá-los. O segundo grupo, por seu lado, elaborou um projecto de súplica, redigido pelo conde da Ega, onde se sugeria que o novo rei de Portugal pudesse ser o próprio Junot, à semelhança do que acontecera em Nápoles, invocando o facto da nossa dinastia afonsina ser de origem franca e dos franceses terem apoiado a restauração de 1640. O colaboracionismo com Junot abrangeu os principais sectores da sociedade, desde a Igreja à administração, não faltando a própria maçonaria. Mesmo um Mouzinho da Silveira, falava na vil canalha que, contra Junot, queria perturbar a bela ordem em que tudo se acha. Outro colaboracionista é José Sebastião Saldanha de Oliveira e Daun, o senhor de Pancas, que foi um dos portadores da súplica da Junta dos Três Estados que se pretendia entregar a Napoleão. Também José Joaquim Ferreira de Moura chegou então a traduzir o Código Civil de Napoleão. Houve até quem teorizasse, como Frei António de Santa Bárbara, em Desengano Proveitoso, apoiando a ocupação porque assim nos veríamos livres de um governo de estúpidos, sem energia, sem talento e sem patriotismo Aliás, Junot não se dispensou mesmo de criar a primeira polícia política científica, dirigida por Loison, surgindo, a partir de então o temor de ir para o Maneta, isto é, para a tortura do Loison. Quem vem a desempatar o processo é a revolta popular contra o ocupante, vinda da província, com o apoio do clero e da nobreza local, num processo que tem o seu ponto de partida em 6 de Junho de 1808 no Porto e que, depois se estende a vários outros pontos do reino. Um movimento que invocando o trono e o altar se assumiu como reaccionariamente libertador, passando a conciliar-se com os britânicos, aqui desembarcados a partir de Agosto do mesmo ano. Se o povo alinhava nesta restauração, com o fim da guerra sucederam as confusões, nomeadamente com as inevitáveis perseguições aos afrancesados, onde pagaram muitos justos como pecadores, nomeadamente os que colaboraram por ordens da própria Corte portuguesa. Acresce que o país, além de ocupado e protegido por potências estrangeiras, tinha já a capital no Brasil, enquanto as suas elites estavam repartidas pela emigração, entre Londres e Paris, donde iam emitindo gazetas que continuavam a dialéctica anterior, dado que uns advogavam o modelo constitucional anglo-saxónico e outros preferiam o modelo francês, ou da moderação pós-napoleónica ou do saudosismo revolucionário. O reino, com sede em Lisboa, sentia-se órfão e começava a visualizar-se como simples colónia do Brasil, tendo até de pagar com impostos e soldados as expedições que, do Rio de Janeiro, se fizeram em 1815 e 1817 contra a Guiana e Montevideu. E as gazetas dos emigrados, especialmente as provenientes de Paris, atacando as decisões do Congresso de Viena, denunciando Beresford e criticando a dependência face ao Rio de Janeiro, foram gerando um ambiente de exaltação patriótica, onde se confundiram os ditos absolutistas e os ditos liberais num nacionalismo regenerador, onde os antigos colaboracionistas com os franceses zurziam agora nos que apoiavam a protecção britânica.

Enquanto isto, Portugal, condenado à aliança inglesa, sofre os efeitos deste processo da balança da Europa, sendo vítima de três invasões das tropas napoleónicas: uma, em 1807, e duas, em 1809. Como o principe regente D. João reconhecia em carta de 7 de Maio de 1805, dirigida a Napoleão, Portugal nunca abdicaria da sua aliança com a Grã-Bretanha:
Vossa Magestade sabe que a monarchia portugueza se
compõe de estados espalhados nas quatro partes do globo, que ficariam inteiramente expostos, no caso de uma guerra com a Gran-Bretanha (). De facto, logo depois da Paz de Tilsitt, de Julho de 1807, pela qual a Rússia aderiu ao Bloqueio Continental, Napoleão decide abrir a frente ibérica e, nos finais desse ano, dá-se a primeira invasão de Portugal, comandada por Junot, obrigando ao embarque da família real para o Brasil. Entretanto, a partir de 1808, os britânicos enviam uma força expedicionária comandada por Arthur Wellesley, que, juntamente com forças portuguesas, enfrentam os franceses nas batalhas da Roliça (17 de Agosto) e Vimeiro (21 de Agosto), obrigando os invasores franceses, pela Convenção de Sintra, à retirada. Terminava, assim, o período de El Rei Junot, que suspendeu a regência do reino, entre 1 de Fevereiro e 18 de Setembro. Se na chamada guerra da quinta coligação, entre Abril e Julho de 1809, Napoleão, ainda consegue derrotar os austríacos em Wagram, eis que, dois anos depois, tudo se altera, com a guerra peninsular e a campanha da Rússia.

Em Março de 1809 dá-se a segunda invasão francesa de Portugal, comandada por Soult, durante a qual ocorre o desastre da Ponte das Barcas.


Em Julho de 1809 começa a terceira invasão francesa, agora comandada por Massena, com o cerco a Almeida, em Agosto, e a batalha do Buçaco, em Setembro. Em 12 de Outubro, já Massena se detém nas linhas de Torres Vedras, para, em 14 de Novembro, começar nova retirada dos franceses, que apenas termina em Março de 1811.

Retirado de Respublica, JAM

Fotos picadas do Portal da História