sábado, 27 de janeiro de 2007

Agostinho (Santo) (354-430)

Com Santo Agostinho, ou Aurelius Augustinus, vai considerar-se que a cidade de Deus era algo que, pelo espírito peregrinava por entre a cidade dos Homens: assim, esta cidade celeste, no curso da sua peregrinação na terra, chama a ela cidadãos de todas as nações; ela reúne uma sociedade de peregrinos de todas as línguas. Não se inquieta por saber se eles diferem pelos costumes, pelas leis e pelas instituições, graças às quais a paz da terra é adquirida ou mantida; ela não suprime nem destrói nada; bem pelo contrário, ela conserva e observa tudo o que há de diverso nas variadas nações e que tende ao fim comum e único da paz na terra, provendo para que nada se oponha à religião que ensina o culto do Deus único, soberano e verdadeiro. Durante esta peregrinação, a cidade de Deus serve-se, portanto, da paz terrestre; ela protege e ama tudo que se relaciona com a natureza mortal do homem e com o acordo das vontades humanas na medida em que permitam a piedade e a religião; ela relaciona a paz terrestre com a paz celeste. Foi em 354, um ano antes de francos, alamanos e saxões invadirem a Gália e quatro anos depois da morte de Constantino, que nasceu, no norte de África, em Tagaste, filho de um pagão, Patrício, e de uma cristã, Mónica, Agostinho. Ao vinte anos, depois de ter estudado na terra natal e em Cartago, este cidadão romano pagão, influenciado pelo maniqueísmo, torna-se professor nos próprios sítios onde estudou. Mais tarde, vem para a metrópole, para Roma e Milão e, no ano de 387, com 34 anos de vida, converte-se ao cristianismo.
Já eclesiástico, regressa a África e, em 396, é feito bispo de Hipona. É nesta qualidade que vive os terríveis acontecimentos do dia 24 de Agosto de 410, quando a cidade de Roma foi pilhada pelos bárbaros de Alarico, o que levou os cidadãos romanos não afectos ao cristianismo a proclamarem que a devastação de Roma tinha sido castigo dos deuses por causa da conversão ao cristianismo. É então que Agostinho decide escrever a obra da sua vida, vinte e dois livros, compostos entre 413 e 426, a que deu o título De Civitate Dei. Nos primeiros dez, uma apologética do cristianismo; nos restantes, a distinção entre aquilo que considera a Cidade de Deus e aquilo que diaboliza como a Cidade Terrestre. É nessa obra que Agostinho vai integrar no cristianismo tanto a teoria platónica das ideias, entendidas como modelos eternos das coisas na mente divina, como a concepção estóica do cosmos, entendido como lex aeterna.Assim, a lei natural passa a ser um aspecto particular da lei eterna, a razão divina e a vontade de Deus que manda respeitar a ordem natural e que proíbe a respectiva perturbação.
Agostinho não acredita que a história possa ser comandada pela vontade livre do homem e adopta uma concepção providencialista, considerando o sentido último da mesma história seria impenetrável para o homem, dado ser traçado por Deus.Contraria, assim, a crença tradicional na racionalidade do homem e na sua possível realização nos estreitos limites do humano, nomeadamente pela possibilidade de construção de uma sociedade justa e racional e pela aptidão para um autogoverno de maneira racional. A história passa a ser entendida como uma luta entre o pecado e a redenção. E quem comanda a evolução dos regimes já não é a deusa Fortuna, com uma venda nos olhos, mas antes a divina providência, porque Deus é o autor e o regulador de tudo. Segue-se a distinção entre uma civitas Dei ou civitas coelestis e uma civitas terrena ou civitas diaboli, separação que não teria vindo de Adão, mas sim de Caim e Abel. Não se pense, contudo que, para o bispo de Hipona, a civitas Dei se confunde com a Igreja e que a cidade terrena é o mesmo que sociedade política. A civitas dei seria algo que circula na cidade terrestre, dado que as mesmas apenas seriam duas sociedades de homens onde uma está predestinada a reinar eternamente com Deus e outra a sofrer um eterno suplício com o Diabo. Assim a cidade de Deus não é vista como uma cidade separada, mas tão só como a que é fundada na lei divina, distinguindo-se tanto daquilo que haviam sido a teocracia judaica e o constantinismo romano. A cidade de Deus é a cidade da virtude. A cidade terrestre é a cidade do vício. Logo, tanto refere a existência de elementos da cidade terrestre entre a Igreja, como, pelo contrário, de pessoas sem fé cristã que vivem na cidade de Deus. Todo aquele que procura a verdade e a virtude pode fazer parte da cidade de Deus. Como ele explicitamente refere: dois tipos de amor edificaram duas cidades: o amor de si mesmo levado até ao desprezo de Deus - a Cidade terrestre, e o amor de Deus levado até ao desprezo de si próprio - a cidade de Deus. Uma glorifica-se a si mesma, a outra glorifica o Senhor. Uma pede aos homens que lhe teçam glória, a outra põe a sua mais querida glória em Deus, testemunha da sua consciência. Uma, no orgulho do seu triunfo, marcha de cabeça erguida; a outra diz ao seu Deus: Vós sois a minha glória e sois vós que ergueis a minha cabeça. A Cidade terrestre, orgulhosa dos seus chefes e das suas vitórias sobre as outras nações, dominadas por ela, deixa-se levar pela paixão do comando. A cidade de Deus mostra-nos cidadãos unidos pela caridade e servidores uns dos outros, governantes tutelares, súbditos obedientes.
Segundo as teses de Santo Agostinho, a origem do poder político está no pecado, dado que foi a partir do pecado original que se deu a distinção entre os que mandam e os que obedecem. O poder político aparece assim como uma espécie de sanção estabelecida por Deus para se poder ter uma segurança, ou uma paz relativa. Tudo teria começado quando Caim matou Abel. Da mesma maneira na história lendária da fundação de Roma, como Rómulo a matar Remo. Com efeito, a partir do pecado original teria sido destruída a harmonia, surgindo a propriedade privada, a escravatura e o governo.
Retirado de Respublica, JAM