Excluindo a mera ideia de mando, poder ou senhorio, isto é, o poder de império que ainda hoje se assinala a um acto estadual, a ideia de império durante a Idade Média tanto significou a qualificação de uma entidade política que incluía vários subunidades, desde cidades autónomas a reis menores ligados a um rex regnum (era assim que, em meados do século X, o rei inglês Athelstane se intitulava imperator regnum et nationum), como se inseriu na linha da renovatio do império romano ocidental. No primeiro sentido, falamos em imperium, referindo-nos ao conceito originário, da Roma republicana, ao poder do paterfamilias e ao poder de comando do exército durante o período das campanhas militares, delegado pelo populus nos proconsules, e que, mais tarde, passou também a caber a outros magistrados, como aos cônsules, aos pretores e aos ditadores, incluindo, além do poder de comando dos exércitos, as faculdades de convocação do Senados e das assembleias populares e de administração da justiça. Um imperium que não era uma simples potestas, mas que também se assumia como força mística, tendo a ver com a ideia romana de virilidade dominadora, e sendo marcado pelas virtudes da honra e da fidelidade. No segundo sentido, o Imperador era considerado dominus et monarcha totius mundi, donde derivava que sub Imperatore sunt omnes reges et principes mundi, conforme as palavras de Bartolomeu de Cápua. Não era neste sentido que os reis de Leão se consideravam imperadores. Só com Afonso VI e principalmente com Afonso VII surge uma ideia de Império castelhano com carácter universalista, levando a que o segundo se tivesse coroado solenemente Imperador em 1135. Contudo, já na Idade Média ganha força a ideia de rex est imperator in regno suo, opinião que é partilhada por autores como Bártolo ou Antonius de Rosellis. Francisco de Vitória era a este respeito inequívoco quando considerava que a república era perfeita e integral. Por conseguinte, não está submetida a nenhum poder exterior, pois, neste caso, não seria integral. Por esta razão, pode dispor de um príncipe que, de maneira nenhuma, esteja sujeito a outro em questões seculares. É que para o dominicano a sociedade perfeita é precisamente aquela que não é parcela de outra república, mas que dispões de leis próprias, de um Conselho próprio e de autoridades suas, como, por exemplo os reinos de Castela e Aragão, a República dos venezianos e outros. Nestes termos, não podia deixar de observar que o imperador não é senhor do orbe inteiro, porque desde sempre se formaram vários reinos independentes, estado de coisas que se perpetuou devido ao direito hereditário, ou às leis da guerra ou a outros títulos. Para ele, a teoria do império mundial contradiria o direito natural, o direito positivo e o próprio Evangelho. Mesmo quando se reconhecer que Cristo é senhor temporal do mundo inteiro, não passa de pura ficção afirmar alguém que Cristo transmitiu esse poder ao Imperador, pois sobre isto não há indício algum na Sagrada Escritura. É evidente que esta doutrina não estava nos planos de Carlos V que, em 10 de Novembro de 1539, em carta endereçada ao Prior de San Esteban, de Salamanca, considerava o debate sobre tais assuntos como nocivo e escandaloso, determinando que para o futuro os professores e religiosos estariam proibidos de expor ou publicar, em qualquer forma impressa, as aludidas questões, em tratados, sermões ou disputas, sem a nossa anterior autorização. Dante Alighieri (1265-1321) em De Monarchia de 1312-1313 vai teorizar um império (imperium mundi) ou monarquia universal entendida como uma monarquia temporalum principado único e superior a todos os outros no tempo, ou sobre as coisas que existem no tempo e são pelo tempo medidas. Um reino universal e não uma liga de reinos, dado que a humanidade deveria ser o espelho do cosmos e, portanto, à imagem de Deus, deveria ter um único monarca. como
A essa associação vai chamar monarquia temporal, distinguindo-a da Igreja, a quem apenas destinava um mero fim espiritual, sem qualquer espécie de poder temporal, preconizando, para o efeito, a promoção de uma cultura plenamente humana, a humana civilitas. Liberta-se também do conceito de cidade ou reino, conforme São Tomás, para quem haveria uma diversidade de reinos, considerando a necessidade de um único principado temporal para toda a humanidade: porque é manifesto que toda a humanidade se ordena para um fim único, é então necessário que um só coordene e reja; e este chamar-se-á rei ou imperador. É assim evidente que o bem-estar do mundo exige a monarquia ou o império. Esse monarca imperador será aquele que melhor poderá realizar a justiça e vencer a cupidez porque nada tem a desejar pois que a sua jurisdição termina no oceano; o que não acontece com os outros príncipes cujos senhorios mutuamente se limitam, como o reino de Aragão ao reino de Castela. Por isso só o monarca pode entre todos os mortais ser o sinceríssimo sujeito da justiça só imperando o monarca o género humano existe por si mesmo e não graças a outros. Já outro opositor ao poder temporal dos papas, o franciscano William Ockham, apesar de defender uma monarquia universal, porque o género humano no seu conjunto é um povo, o conjunto dos mortais forma uma comunidade fundada na vontade comum dos respectivos membros querem ter relação entre eles, mitiga o unitarismo de Dante, dado que, no respectivo projecto, o governo seria confiado a um colégio de príncipes que designariam o Imperador por maioria. Também um monge alemão, Englebert d'Admont, nos começos do século XIV, segue nas pisadas de Dante, lamentando que o reino de França, o de Inglaterra, o da Hungria, com os reinos dos eslavos, da Bulgária e da Grécia, que outrora fizeram parte do Império Romano como províncias ou reinos, já não estão sob a lei do Império; e em África e na Ásia, para além do mar, o Império nada possui, propondo um só império, sob a mesma cabeça Tal posição era também assumida por alguns dos principais juristas do Renascimento do Direito Romano, como Bártolo, para quem o Imperador era dominus et monarcha totius orbis, enquanto que para outros ele seria rei dos reis e príncipe dos príncipes. O mesmo Bártolo dizia mesmo que eram estrangeiros todos os que não reconheciam este dogma, citando os gregos, porque tomam o imperador de Constantinopla como senhor do mundo, os tártaros, para quem o regimen mundi pertence a Gengis Khan e os sarraceno, que o atribuem ao sultão Saliente-se que estes defensores da monarquia universal são quase sempre os primeiros teóricos da origem popular do poder e do chamado Estado Laico. Fazendo uma certa leitura da história, consideravam que o poder do Império Romano, depois da queda deste, tinha voltado ao Povo Romano e que mesmo na coroação de Carlos Magno, o Papa mais não teria feito do que proclamar e executar a vontade do Povo, sempre considerando que o verdadeiro acto de transferência de poder, de translatio imperii, acontecia pelo consensus populi. Chegam mesmo a considerar que, por direito natural, todo o poder tem origem numa eleição, que a nomeação do chefe pertence à comunidade de que ele deve ter o comando. O poder é assim entendido como uma delegação, como uma concessio populi. Este apelo ao contrato, reflectia, aliás, o voluntarismo, a consideração de que a vontade seria superior à razão. Para Ockham, por exemplo, a lei natural não passaria de uma lei divina fundada exclusivamente na vontade de Deus, contrariando o racionalismo tomista, para quem a própria lei eterna não passaria da própria razão ou inteligência de Deus, governadora e orientadora de todas as coisas, enquanto a lei natural seria a participação da lei eterna na criatura racional. O voluntarismo, ao proclamar que a ordem superior também era produto a vontade, negava assim a que ela pudesse derivar de alguma coisa pré-existente, de carácter racional e objectivo. Em terceiro lugar, ao considerarem que o legislador humano apenas exerce um poder delegado pelo arbítrio divino, vieram abrir as portas ao positivismo, à consideração que todo o direito é produto da potestas e não da auctoritas.