IMPERIUM
Por que são sobejamente elucidativos o contexto literário e os traços da obra que é Imperium, apresentados pela Editora (indicada nos links) inibo-me a fazer-lhe, por agora nesta página, quaisquer outros comentários:
Robert Harris abre trilogia sobre Cícero
Data de publicação:
5-12-2006
Nº de Páginas: 320
"Sinopse: Primeiro volume de uma trilogia que nos transporta até aos últimos quarenta anos da Roma republicana, Imperium segue as carreiras e as vidas dos homens que lutaram por a governar, sobretudo de Cícero. Através dos olhos de Tirão, seu secretário pessoal, materializa-se diante de nós um retrato vivo e repleto de suspense do mundo violento, traiçoeiro, corrupto e labiríntico da cena política romana, e em especial deste prometedor advogado e orador brilhante. Cícero é apenas um jovem senador quando o encontramos no início destas páginas. Porém, assistimos à sua ascensão determinada, implacável e feroz até obter imperium – o sumo poder estatal. Imperium é o primeiro volume de uma trilogia que foi já adquirida por cerca de 23 territórios e desde Setembro já vendeu mais de 200 000 exemplares nos EUA e no Reino Unido. A Presença publicará os dois volumes subsequentes."
Os estados emergem e caem. O poder nunca muda.
Retirado da Presença
“Num tempo de invasão dos escaparates das novas edições por verdadeiras enxurradas de romance histórico de cordel, a diferença é sempre de assinalar. E não espanta que, uma vez mais, surja sob assinatura de Robert Harris. A sua obra de ficção (integralmente traduzida entre nós, os primeiros quatro títulos pela Bertrand, o novo pela Presença) começou a tactear o passado recente, da Segunda Guerra Mundial em Enigma (1995) à Rússia estalinista em Archaengel (1999), experimentando um soberbo argumento de história alternativa em Pátria (1992). Mais tarde, em Pompeii (2003) ensaiou um recuo maior no tempo, construindo um romance com subtexto de evidente tempero thriller na Pompeia do ano 69, nos dias que antecederam a histórica erupção do Vesúvio que soterrou a cidade. Em todos eles, contudo, uma série de características comuns, do gosto pelo detalhe historicamente correcto à opção pela definição de tramas em volta de heróis improváveis, que triunfam não pela força, mas pela correcta utilização da massa cinzenta. Imperium é diferente. Mais austero na forma, mais rigoroso nas citações, mais próximo de um registo biográfico que dos terrenos de ficção em que os seus quatro primeiros romances afloraram.
Primeira parte de uma já confirmada trilogia (segundo volume a editar em Inglaterra ainda este ano), sobre Cícero, talvez o mais célebre orador e um dos mais prolíficos autores da Roma republicana, Imperium não resvala nos tradicionais lugares comuns da ficção em sede romana (os gladiadores, as orgias), procurando antes nos jogos de poder, nas teias de corrupção e nos sucessivos enredos jurídicos a força que agarra o leitor página a página, com a mesma sede com que acompanhámos em Pátria a demanda de um funcionário público berlinense em busca de pistas sobre os secretos campos de concentração na Polónia nos dias da guerra ou, em Archaengel, a corrida às pistas que revelam uma escondida e perigosa herança de Estaline.
(…)
Imperium é apresentado como uma sucessão de memórias na voz de Tirão, um escravo que o jovem Cícero pediu emprestado ao pai quando partiu para a Grécia para estudar retórica e que, "como acontece com tantos livros úteis", acabou por nunca ser devolvido. Tirão serviu Cícero durante 36 anos, a História tendo guardado o seu nome como o criador da estenografia. Aqui relata-nos apenas os momentos mais movimentados e acidentados – porque "poucas leituras provocam mais tédio que aquelas que falam de felicidade" – da vida do seu amo entre 79 e 64 a.C., ou seja, um intervalo que no passado mais remoto nos recorda a transformação do jovem advogado de sucesso e de discursos apaixonados e implacáveis em senador, sob oposição da aristocracia e, mais tarde, a escalada na hierarquia do poder republicano até à sua eleição como cônsul e consequente obtenção do "imperium", o supremo poder estatal. A escrita ritmada e pouco adornada de Robert Harris toma os desafios nos tribunais e intrigas políticas como motores da acção na qual tomam lugar, como personagens de vulto, outras figuras do seu tempo como Pompeu, Crasso e também um ambicioso Júlio César, a preparar terreno para conquistas posteriores.
A história que Tirão nos relata cruza a vida pessoal de Cícero (que mostra como homem que casa por interesse pelo dinheiro da mulher e faz questão de beijar publicamente os filhos a toda a hora como rosto de uma imagem de homem de família de bons costumes) com factos concretos, uns protagonizados pelo seu amo (o julgamento do corrupto governador siciliano Gaio Verres ou, mais tarde, a conspiração de Catilina), outros apenas episódios fundamentais do seu tempo (a resposta de força à revolta de Espártaco ou as conquistas de Pompeu na Hispânia). Entre figuras e acções, a vida política, jurídica e mundana da Roma de há dois mil anos é-nos oferecida com um realismo não pitoresco, reduzida à condição de espaço que aceita a acção, nunca criando quadros de contemplação descritiva desnecessária.
Robert Harris ganha ao tomar Cícero como um homem cuja astúcia política admira mas do qual não esconde vulnerabilidades, contradições e defeitos (sobretudo a vaidade). E peca apenas quando tenta dissimular um discurso de evidente oposição à actual guerra contra o terrorismo num episódio de ataque pirata a Roma e consequente atribuição, por voto legal, de poderes especiais a Pompeu para derrotar um inimigo especial com uma resposta também especial. E com ares de "quem não está connosco está contra nós", estilo Bush, a sublinhar evidente espelho do presente num passado que não padece destas analogias forçadas para revelar como, na essência, certos jogos de corrupção, compra de favores e manobras de bastidores, afinal, não desapareceram da vida política.”
Retirado da Presença