terça-feira, 25 de setembro de 2007

Estado

Etimologia. A palavra Estado vem do italiano Stato que visa retomar a expressão latina status, o que está, uma situação, um estatuto, uma forma neutra substantivada do verbo stare

Estado Moderno

1. O processo de construção do Estado Moderno.

Da Razão de Estado ao Estado-Razão. O modelo racional-normativo. O Estado de Direito como um processo de juridicização da política e de institucionalização do poder. O Estado Moderno primitivo. A invenção do nome (Maquiavel). A invenção do princípio (Bodin e o conceito de soberania). A emergência do Leviatã. A Paz de Vestefália e o cuius regio, eius religio. A emergência do Estado-Nação. O processo da revolução atlântica. Revolução inglesa, revolução norte-americana. Revolução francesa. As independências sul-americanas. A primavera dos povos. A Segunda Guerra Mundial e a descolonização. A polis como comunidade (o Estado Comunidade ou República), como soberania (o Estado Aparelho ou Principado) e como Nação. — O processo histórico de construção do Estado Moderno. As raízes medievais. O Estado como Justiça (a luta contra a vingança privada, a nomeação de juízes pelo aparelho de poder central). O Estado como Finanças ( a ideia de imposto geral e permanente, o consentimento dos parlamentos e a eliminação das isenções). O Estado como Legislador ( a lei geral em luta contra a pluralidade dos costumes, a autonomia da doutrina e a resistência da jurisprudência). Os objectivos do Estado Moderno: a construção do monopólio da coacção (monopólio da força pública legítima e luta contra os poderes periféricos) e do monopólio do direito (o controlo das formas de criação de direito novo). Os processos de construção: a centralização e a concentração. — O movimento renascentista. A política libertando-se da dependência que mantinha face à teologia e da companhia da ética e da disciplina do direito. — O baptismo do Estado. Maquiavel. O nascimento do Estado como criação de poder em vez de mera transmissão de poder. — O conceito de soberania. Jean Bodin e a ideologia do soberanismo. — O movimento da Razão de Estado. — O modelo leviatânico do Estado Moderno. — O modelo organicista. — O Estado Força (Macht Staat). De Heinrich von Treitsche a Maspétiol. — O surgimento do Estado-Nação. A procura da unidimensionalidade, pela assimilação e pela integração. — A estatolatria. A identificação do público com o estatal. — O processo de territorialização do Estado Moderno. A geopolítica e as teses do espaço vital. Friedrich Ratzel (a ideia de Estado marcada pela situação, pelo espaço e pela fronteira). Rudolf Kjellen (o Estado como indivíduo geográfico).

2. O Estado a que chegámos.

— A teoria weberiana. A legitimidade racional em vez da legitimidade tradicional dos anciens régimes. A dominação de carácter burocrático, em vez da dominação estamental. — O Estado Racional, como produto de uma mobilização intelectual. O papel das universidades na formação do Estado. Dos legistas do renascimento do direito romano, aos constituintes das revoluções liberais e constitucionais. O papel dos sociólogos na perspectiva do Estado como Cérebro Social (Durkheim). Os novos modelos de Estado Sábio ou de Governo pela Ciência e o papel dos tecnocratas. — O Estado contra a Nação. — Do Estado Árbitro ao Estado Tutor. A emergência do Estado Providência e o intervencionismo estatal no social e no económico. A passagem do Estado de Bem-Estar ao Estado de Mal-Estar. — O Estado Moderno como Estado Arcaico. A crise do Welfare State — o crescimento do intervencionismo político e social, como elemento gerador da inércia. A despolitização do Estado. O neocorporatismo a nível da sociedade; o Estado de Partidos a nível da participação política. — O regresso ao conceito de comunidade internacional. Da Res Publica Christhiana à República Universal. Da societas civilis à societas generis humani (Cícero e Francisco de Vitória). — O problema dos grandes espaços. Da governação da aldeia global. Do direito intercivitates ao direito universal. — O político como um sistema de sistemas e mera unidade de ordem.

Estado. As Origens.

As origens do Estado como uma questão filosófica.

Questionarmo‑nos sobre as origens do Estado constitui um dos principais processos reveladores de qualquer concepção do mundo e da vida. Com efeito, a questão da origem do Estado é menos uma questão histórica do que uma questão filosófica, ou, por outras palavras, é mais uma questão de historicistas do que de historiadores , mais uma questão de poetas do que de constitucionalistas, porque nos conduz aos terrenos do nevoeiro sincrético de um tempo inicial onde, perante a escassez ou até à inexistência de fontes históricas, tem de volver‑se ao in principio erat verbum, onde apenas são possíveis exercícios de imaginação criadora a partir dos restritos vestígios dos chamados primitivos actuais.

O darwinismo e a atracção pelas origens.

Esta atracção pelas origens e, por conseguinte, pelos chamados primitivos actuais, surgiu fundamentalmente depois da publicação de The Origin of Species by Means of Natural Selection de Charles Darwin (1809‑1882), em Novembro de 1859, onde todos os organismos sociais foram considerados como tendo um tronco comum, teses que, quando aplicadas ao Estado, vão quase exigir a prefiguração de uma espécie de Estado macaco, donde todos os Estados seriam provenientes.A ideia de sociedade primitivaHerbert Spencer em Principles of Sociology, de 1875, foi um dos primeiros a considerar a existência dessa sociedade primitiva: a causa que mais contribuiu para engrandecer as ideias dos fisiologistas, é a descoberta pela qual nós aprendemos que organismos que, no estado adulto, nada parecem ter em comum, foram, nos primeiros períodos do seu desenvolvimento, muito semelhantes; e mesmo que todos os organismos partem duma estrutura comum. Se as sociedades se desenvolvem e se a dependência mútua que une as suas partes, dependência que supõe a cooperação, se efectuou gradualmente, é preciso admitir, que apesar das diferenças que acabam por separar as estruturas desenvolvidas, há uma estrutura rudimentar donde todas derivam.

Evolucionismo e desenvolvimentismo

Estavam, assim, fixados os ingredientes fundamentais de um evolucionismo, mais ou menos liberal, mais ou menos funcionalista, que vai perspectivando a história do mundo como um processo onde há progresso ou desenvolvimento. Onde, a uma determinada fase, se segue outra, a mais moderna, sempre a caminho de um fim da história. E o Estado, neste contexto, apareceria como produto de uma necessidade da história, seria algo que vem depois da chefatura, tal como esta resultou da tribo e a tribo do bando...O Estado, como fase da história, seria como que um modelo de pronto‑a‑vestir teórico, que poderia adquirir-se nos manuais de direito político e de sociologia evolucionistas, algo que todas as unidades políticas teriam que usar depois da adolescência feudal e antes da integração em unidades supra‑estatais.De certa maneira, podemos dizer que primeiro está o conceito actual de Estado que cada um tem, ou que a cada um convém, e só depois vem a justificação histórica para esse conceito. Isto é, a história, neste caso, não passa de um reservatório de argumentos ao serviço de uma ideia, quando não de uma ideologia. É o passado como pretexto para o futuro, sob o disfarce da ciência do presente. Porque quando dizemos Estado podemos pensar nas coisas mais contraditórias...Perante esta inevitável viagem pela filosofia da história e pelo reino dos mitos, muitos preferem seguir o conselho de Ludwig Wittgenstein para quem do que não cabe falar, melhor é calar‑se, isto é, que devemos ter uma espécie de obrigação de silêncio perante certas impossibilidades de resposta racional.É evidente que no rigor tecnico‑jurídico apenas podemos falar de Estado quando a doutrina e a lei conseguiram conceitualizar o Estado, isto é, depois de Maquiavel e do absolutismo e, muito especialmente, depois das constituições escritas do liberalismo e das respectivas consequências, seja o direito constitucional, seja a teoria geral do Estado.

Os anacronismos

Neste sentido, falar de Estado antes de haver Estado Moderno, independente, soberano e, eventualmente, nacional é sempre um anacronismo, dado que tem de fazer-se uma extensão retroactiva do conceito. Quando muito poderíamos falar de certos sucedâneos do conceito de Estado ou de alguns antecedentes, mas sempre através da analogia.O Estado não passa de um conceito localizado no tempo e no espaço: não é historicamente necessário nem inevitável. Só o preconceito progressista e evolucionista é que considera o Estado de modelo Moderno e Soberano como um objectivo inevitável ou como um necessário ponto de passagem da evolução da humanidade.

Formas de vida pré-política e pré-social

Outros, mais afoitos, pouco se preocupam com este rigor e preferem utilizar o Estado no sentido de forma do político, pelo que, por exemplo, a própria polis da Antiguidade grega é vista como uma forma de Estado.No entanto, pouco se preocupam dado considerarem que interessam menos os nomes das coisas que as próprias coisas, menos as expressões qualificantes do que as realidades qualificadas. Contudo, dentro deste grande grupo, alguns consideram que, mesmo antes da forma política existiu uma forma de vida social pré‑política e até uma forma de vida, de uns com os outros, verdadeiramente pré‑social.

O perigo da mitificação

Em qualquer dos casos, por mais científicas que aparentem ser as origens da forma do político ou do Estado, corremos sempre o risco de pisar o sincretismo genético dos princípios, o mito das origens.Ora como refere Mircea Eliade, o mito conta uma história sagrada; relata um acontecimento que teve lugar no tempo primordial, no tempo fabuloso dos começos [...] É sempre o relato de uma criação; conta‑se como algo que se produziu, que começou a ser.O mito não fala mais do que sucedeu (Aspects du Mythe, Paris, Gallimard, 1963, p. 15)Ora, a mitificação conduz quase sempre a um antropomorfismo do político e do Estado, e até à sua personificação num herói, num pai‑fundador ou numa entidade equivalente.É o caso de Guilherme Tell na Suiça, de Joana d'Arc em França ou de Viriato e D.Afonso Henriques em Portugal.E mesmo as palavras rigorosamente científicas correm, pois, o risco de transformar‑se em parábolas, num in principio erat verbum onde a história se tranforma no género literário mais próximo da ficção e a ciência se volve em poesia.Até porque nunca sabemos até onde podemos ir nessa viagem pelo passado. Se devemos apenas considerar como limite a Antiguidade ou se, pelo contrário, temos que prosseguir através da Pré‑história. Ou então, como alguns pretendem, que ir além de Adão e Eva e passar ao macaco ou aos desígnios do Criador. E, assim, eis que tudo é possível misturando ciência com imaginação, crença com temor e pretensas revelações com certos autoritarismos de escola...

A procura dos founding fathers

Contudo, o mito fundacional de um qualquer Estado, seja o dos founding fathers ‑ ao estilo de D.Afonso Henriques, o fundador da nacionalidade, também cognominado o conquistador ‑ seja o das suas sucessivas refundações ‑ a de D.João I, com a vitória de Aljubarrota em 1385, a D.João VI, com a restauração em 1640, bem como, de certa maneira, as próprias revoluções constituintes de 1820, 1910, 1926 e 1974, todas com carácter refundacionista ‑ continua a ser o elemento regulativo de cada comunidade política.Se, algumas vezes, se invoca o elemento contratual de uma qualquer aliança entre as pessoas ou grupos fundadores, ‑ veja‑se o pacto dos viajantes da Mayflower ‑ outras prefere‑se um acto de violência heróica ‑ seja uma conquista ou uma luta dita de libertação ‑ , não faltando sequer aqueles que falam numa relação directa com a divindade.Entre nós, se alguns preferem o apócrifo compromisso das Côrtes de Lamego, outros apostam no não menos fantástico milagre de Ourique, não faltando aqueles que, mais freudianamente, referem a revolta do filho contra a mãe, a justa de S. Mamede, onde o jovem princípe se auto‑determina da mater Hispania, com a quebra dos próprios compromissos vassálicos, também expressos no lendário gesto de desagravo de Egas Moniz, símbolo da lealdade feudal.

Ubi societas, ibi status. As teses maximalistas

Para alguns autores, com efeito, onde existe uma sociedade tem que existir um Estado (ubi societas ibi status), dado que qualquer espécie de associação política tem de ser um Estado.Um dos representantes típicos desta posição, que Georges Balandier qualifica como maximalista, é S.F.Nadel para quem quando se considera uma sociedade, encontramos a unidade política, e quando se fala da primeira, consideramos , de facto, esta última (The Foundations of Social Anthropology, 1951).Também E.Meyer considera que à forma dominante do agrupamento social que encerra na sua essência a consciência de uma unidade completa, assente sobre si própria, chamamos nós Estado. Na mesma linha Radcliffe Brown identifica o Estado com a organização política, pormenorizando que o mesmo é o aspecto da organização total que garante a manutenção da cooperação interna e da independência externa.Marcel Gauchet, por exemplo, vem considerar que todas as sociedades estão grávidas do poder do Estado , ou melhor de uma estrutura de separação de que o Estado não constitui senão a materialidade visível. O Estado teria, pois, surgido quando os homens se tornaram os outros para os homens, quando se procedeu à utilização da exterioridade do fundamento social e se veio introduzir na sociedade uma separação entre os representantes exclusivos do poder e do saber e o número daqueles cujo destino é o de se lhe submeterem. Na mesma linha Giles Deleuze e Felix Guattari falam num Urstaat, num Estado Primordial que se abate sobre a organização primitiva e a reduz à sua mercê. Este Urstaat, como tal baptizado por Nietzsche, equivaleria às máquinas de guerra das civilizações nómadas e constituiria o início do Estado Moderno.Para estes autores, portanto, o Estado sempre existiu em todos os lugares e em todos os tempos e sempre muito perfeito e muito formado. Porque não é apenas a escrita que supõe o Estado, é a palavra, a língua, a linguagem. A auto‑suficiência, a autarquia, a independência, a preexistência de primitivos comuns é um sonho de etnólogo ( Anti Oedipe, I) Também alguma doutrina católica considera, na senda de Pietro Pavan, que o Estado existiu sempre e em toda a parte. Porque, por mais que se recue no tempo, encontrar-se-iam sempre grupos politicamente organizados, ainda que em formas embrionárias e muito diferentes, existiria sempre uma qualquer organização política (A Democracia e o Homem, p. 84).Do mesmo modo, Ortega y Gasset refere que interessa mais a função do que o órgão, existindo um poder público anterior ao corpo especial a que chamamos Estado.Trata‑se de uma posição algo idêntica à assumida por Platão na República (1.I.c.11), onde se considera que a mesma existe porque cada um de nós não se basta a si próprio, pois precisa de muitas coisas. Com efeito, assim como um pede ao outro o seu serviço e para qualquer outra necessidade recorre a outro ainda, pois precisamos de muitas coisas, e como muitos se juntam e auxiliam na mesma convivência, damos a tal convivência o nome de República.

Estadualidade

Do mesmo modo o neo‑hegeliano Felice Battaglia considera que em todos os tempos encontramos o Estado e sempre existirá o Estado, porque jamais houve política social e humana que não pressupusesse a estadualidade como posição de um querer comum em relação. E isto porque a vontade estadual é precisamente aquela vontade que se considera como particular e rejeita tal particularidade para querer a universalidade de uma lei absoluta da humanidade que qualifica como sócios a infinita multiplicidade dos sujeitos particulares, organizando‑os e unificando‑os.Na verdade, segundo esta concepção o Estado coincide com a sociedade e esta adequa‑se totalmente ao Estado, porque a estadualidade é relação e vontade da vida comum ajustada ao valor superior de uma lei (Curso de Filosofia del derecho, trad. cast., 3, pp. 36-37).

A ciência política como ciência do Estado

Maximalistas tendem também a ser todos aqueles politólogos que consideram a ciência política como ciência do Estado. Contudo, nem todos os maximalistas têm de aceitar o essencialismo platónico, o absolutismo hegeliano ou a estatolatria, dado que adoptam a mesma perspectiva os tomistas que identificam o Estado com a sociedade política.Até liberais como Karl Popper, profundos críticos do Estado Nação, quando advogam a necessidade de se conceitualizar uma sociedade política para todo o mundo referem o Estado Universal... Isto é, são tão estadualizantes que até recusam o Estado das nações por não o considerarem suficientemente universal, suficientemente político.

O maximalismo desenvolvimentista

A perspectiva maximalista é também adoptada pela escola de Gabriel Almond que defende o princípio da universalidade das estruturas políticas, para quem mesmo os sistemas mais simples possuem uma estrutura política, o que implica não só a consideração da universalidade das funções políticas, como também o reconhecimento da multifuncionalidade da própria estrutura política.Com efeito, esta perspectiva desenvolvimentista salienta que em todos os sistemas as mesmas funções se encontram necessariamente preenchidas e que, apesar de uma determinada estrutura tender para a especialização numa determinada função, isso não significa que a mesma não possa exercer secundariamente uma outra (v.g. os tribunais a quem cabe a função judicial de aplicação do direito são também criadores do direito).Os desenvolvimentistas, aliás, consideram que a diferença entre o Estado Moderno e os sistemas primitivos é menos de natureza do que de grau. Do grau de diferenciação das funções e do grau de especialização das estruturas.Isto é, tanto os sistemas políticos simples como os sistemas políticos complexos têm, pois, funções comuns, apenas diferindo nas características estruturais, já que nos Estados Modernos as estruturas são mais diferenciadas e mais interdependentes que nos anteriores modelos de Estado.Nesta sequência, também Lucian Pye e Sidney Verba consideram que, num sistema político não desenvolvido, estruturas pouco numerosas exercem funções pouco diferenciadas, sendo fraco o processo de divisão de trabalho.O desenvolvimento político consistiria, assim, no facto das estruturas políticas crescerem em número e diferenciação. Cada estrutura que surge seria, pois, colocada perante esse desafio face quer ao jogo da autonomia dos subsistemas, quer à integração num conjunto coordenado.

A postura minimalista

Pelo contrário, outros autores adoptam uma postura minimalista, reduzindo o conceito de Estado a certas formas de associação política, que podem, contudo, ser mais amplas que o conceito de Estado Moderno.Maurice Hauriou considera expressamente que o Estado não existiu sempre, é uma formação política de termo de civilização; as sociedades viveram muito mais tempo no regime de clã, tribo e suserania feudal que no regime de Estado (Théorie de l'Institution et de la Fondation, 1925). Neste sentido, também Roland de Maspétiol considera que o Estado nasceu em Roma, desapareceu no feudalismo , tendo reaparecido no século XVIJoseph Strayer refere que houve períodos [...] em que o Estado não existiu, e em que ninguém se preocupava de que ele não existisse. Walter Ullmann salienta que o conceito de Estado estava tão longe do pensamento da Alta Idade Média como a máquina a vapor e a electricdade (On Medieval Origins of Modern State, 1970)Para o jurista marxista‑leninista Pashukanis, por seu lado, eis que o processo do Estado terá começado nas comunidades urbanas, onde surgiram os fundos municipais comuns, primeiro, esporadicamente e depois como uma instituição permanente, onde o carácter público da autoridade vai encontrar a sua incarnação material na existência de homens que vivem destes recursos: empregados e funcionários, os serviços públicos.Considera que a monarquia absoluta só teve que apossar‑se desta forma de autoridade pública que tinha nascido das cidades e aplicá‑la a um território mais vasto. Isto é, a relação de troca exige uma terceira parte que incarne a garantia recíproca que os possuidores de mercadorias se outorgam mutuamente na sua qualidade de proprietários e personificando, por consequência, as regras das relações de troca entre possuidores de mercadorias (A Teoria Geral do Direito e o Marxismo, trad. port., p. 189)

Das sociedades sem Estado às teses sobre o fim do Estado

Alguns consideram que existiram certas formas de vida de uns com os outros, pré‑sociais e quase anarquistas; outros salientam o facto de ter surgido, antes do Estado em sentido amplo, isto é, antes daquela estrutura que é marcada pelos laços políticos, sociedades conformadas pelo parentesco.Acresce também o facto de, normalmente, os que se preocupam em procurar no passado sociedades sem Estado tenderem também para a profecia do desaparecimento do Estado.Um dos clássicos defensores da existência de sociedades sem Estado é Pierre Clastres. Precisa, contudo, que mais do que sociedades privadas de Estado, há sociedades privadas da autoridade da hierarquia, da relação de poder, onde o espaço da chefatura não é um lugar de poder, mas uma simples competência técnica. O Chefe é aquele que tem dons oratórios, o saber‑fazer como caçador, a capacidade de coordenar as actividades da guerra, ofensivas ou defensivas. Paradoxalmente, esta sociedade sem Estado é também uma forma de hipostasiação do conjunto, do todo. É, no fundo, um totalismo que não é feito de sócios. Porque ser sócio implica, pelo menos, relação entre dois, isto é, a existência de um qualquer autor. Como salienta o mesmo Clastres, só o positivismo evolucionista, marcado pelo mito do progresso, é que pode falar em sociedades privadas de Estado, de mercado, de escrita, de história. É que, como ele salienta, em tal sociedade o poder político separado é impossível e porque não há lugar para ele nem sequer se pode falar num vazio. Clastres, partindo do exemplo do chefe dos índios apaches, Jerónimo, observa que a tribo não deixa que a superioridade técnica da chefatura possa transformar-se numa autoridade política. Jerónimo foi abandonado pela tribo quando se quis transformar num chefe político: a morte é o destino do guerreiro, porque a sociedade primitiva é tal que não deixa substituir ao desejo de prestígio a vontade de poder. Para ele, a propriedade essencial da sociedade primitiva é o exercício de um poder absoluto sobre tudo o que a compõe, é proibir a autonomia de um qualquer dos respectivos sub‑conjuntos que a constituem, é manter todos os movimentos internos, conscientes ou inconscientes, que alimentam a vida social, nos limites e na direcção pretendida pela mesma sociedade (Les Societés contre l'État). Neste sentido, pode dizer‑se que o político é o reconhecimento de um todo feito de parcelas. Salienta que a chefatura tem um poder quase impotente, dado que no decorrer da expedição guerreira o chefe dispõe de um poder considerável, por vezes, mesmo absoluto, sobre o conjunto dos guerreiros. Mas, com o regresso à paz, o chefe perde toda a sua força.O modelo do poder coercivo só é aceite em ocasiões excepcionais quando o grupo é confrontado com uma ameaça externa. Mas a conjugação do poder e da coerção cessa logo que o grupo corta as suas relações com o exterior. Refere ainda que se nas sociedades com Estado a palavra é o direito do poder, nas sociedades sem Estado, pelo contrário, a palavra é o dever do poder.Ou, por outras palavras, as sociedades índias não reconhecem ao chefe o direito à palavra porque ele é o chefe: exigem do homem destinado a ser chefe que ele prove o seu domínio sobre as palavras.Falar é, para o chefe, uma obrigação imperativa, a tribo quer ouvi‑lo: um chefe silencioso já não é chefe. Também para Claude Lévi‑Strauss o chefe tem resistência física e habilidade superiores, faz pensar mais no político que tenta conservar a sua maioria flutuante do que no déspota dotado de plenos poderes. Porque dos privilégios especiais de poder que lhe são atribuídos, apenas tem direito à poligamia e à prioridade na escolha de mulheres. Para Lévi‑Strauss o poder político deriva do consentimento daqueles que o sofrem. Não provem do constrangimento mas de um jogo de prestações múltiplas entre o chefe e os membros do grupo. Salienta, deste modo, que as sociedades primitivas não são apenas governadas pelo costume, havendo também claros elementos psicológicos nesta vocação política do chefe. Assim, o parentesco não é um decalque automático dos laços biológicos, dado que o que confere ao parentesco o seu carácter de facto social não é o que o mesmo deve conservar da natureza:é a maneira essencial como ele se separa dela. Um sistema de parentesco não consiste em laços objectivos de filiação ou de consanguinidade entre os indivíduos; não existe senão na consciência dos homens, é um sistema arbitrário de representações; não o desenvolvimento espontâneo de uma situação de facto

A sociedade primitiva

Com efeito, como também salienta Georges Burdeau, a sociedade primitiva é coexistência e agregado e nem sequer pode falar-se, propriamente, em sociedade, dado não existir este sentimento ou esta representação de um todo, que é, ao mesmo tempo, conjunto. Porque na tal sociedade primitiva o grupo formaria uma unidade homogénea e indecomponível, donde o indivíduo apenas se destaca lentamente.Nestes termos, como refere F. H. Hinsley, nas sociedades sem Estado a autoridade repousa mais na coacção psicológica e moral do que na força. E se se recorre à força é porque os costumes e as tradições da sociedade assim o exigem. A coacção moral e a força, se esta for utilizada, podem ser aplicadas pelos velhos ou outros chefes, mas a estrutura de comando emana directa e invariavelmente da comunidade (Power and the Porsuit of Peace, 1963). Também não nos esqueçamos que as pretensas sociedades sem Estado, ao contrário dos idílios de Rousseau, são pequenas sociedades, fracas e muitas vezes miseráveis, dependentes de um dado natural raramente generoso e clemente. É evidente que esta peregrinação quase ecológica por um tempo, total ou parcialmente, incógnito, que tanto podemos designar por sociedade primitiva como por estado de natureza tem, sobretudo, a comodidade de nos fazer repensar os laços políticos que temos e de os historicizarmos, isto é, de os considerarmos como simples ponto de passagem entre um antes e um depois, entre um passado longinquamente mítico e um futuro insusceptível de ser profetizado.

Estado. A ideia de Estado

Retirado de Respublica, JAM

Ver artigo sobre "A concepção orgânica do Estado"

Establishment

Diz-se da aliança britânica entre as classes médias da burguesia urbana e os grupos aristocráticos provenientes da gentry rural. Gerou um modelo político de governo pela sociedade civil, onde falta um verdadeiro conceito de Estado, segundo os modelos continentais, nomeadamente o da centralização francesa. Deste modo, o Reino Unido, se é mais centralizado que o modelo político norte-americano, é bem menos estatizado do que a França. Com efeito, na Grã Bretanha, o mercado precedeu o Estado e o aparelho de poder central nunca tentou controlar a sociedade e a economia, surgindo um modelo de capitalismo e de free trade a partir da autonomia da sociedade civil e não pelos estilos mercantilistas do estadualismo absolutista. Assim, o Reino Unido, se foi a menos mercantilista de todas as potências também foi a primeira a industrializar-se, até porque foi aí que teve início a Revolução Industrial. Mesmo os intervencionismos estadualistas britânicos foram feitos para o reforço da autonomia da sociedade civil, nomeadamente quando se apostou no desenvolvimento da marinha e do império ultramarino. Também as public corporations que desempenharam as funções das administrações públicas continentais sempre pertenceram ao sector privado e apenas trabalhavam em cooperação com as autoridades políticas.


Retirado de Respublica, JAM

Esser, Josef

Principio y Norma

(trad. cast., Barcelona, 1961)


Uma outra família desta cepa é a chamada jurisprudência dos valores, das valorações ou da valoração (Wertensjurisprudenz), com destaque para Josef Esser, autor de Vorverstãndnis und Methodenwahl in der Rechtsfindung, de 1970. Criticando em Heck a consideração mecanicista da lei, como produto causal dos interesses que lutam pelo predomínio na sociedade, reclama, para além da análise social da realidade, a procura das valorações de fundamento transcendente à experiência, ao fim e à utilidade. Fala assim numa natureza das coisas e das instituições e nos consequentes princípios jurídicos, que não são nem inferidos indutivamente, da lei, nem dedutivamente, de um sistema de direito natural ou de uma hierarquia fixa de valores que o sejam em si. Os interesses são, deste modo, entendidos como representações de apetências que têm, ou devem ter, as partes num litígio, quando procuram obter um efeito jurídico favorável. Já os critérios de valores legais são corolários que o legislador infere da ideia da justiça, mas valorações que têm de ser encontradas, de modo sempre novo, por cada época e por cada comunidade. Em nome do círculo hermenêutico, refere finalmente que o princípio jurídico é descoberto originariamente num caso concreto e, só depois, condensado numa fórmula, cabendo à jurisprudência transformar esses princípios jurídicos, de pré-positivos, em positivos. Tais princípios não passam, aliás, de standards que, em vez de constituírem um direito material, são simples pontos de partida para formação judicial da norma no caso concreto. Segundo esta escola, a lei não pode compreender-se apenas como um comando, como expressão de um acto de vontade, dado que ela exprime um esquema de ordenação social que corresponde a uma escolha de valores verificada num dado momento da história, cabendo ao juiz reactualizá-la, em função do novo contexto de valores e das necessidades sociais. Assim, o juiz desenvolve uma pré-compreensão do dado jurídico. Isto é, há uma pré-determinação, um conjunto de avaliações prévias, extra-sistemáticas, um conjunto de topoi ou lugares comuns, como tal aceites num dado meio social e numa determinada época, expressos pelo consenso da comunidade das pessoas justas e equitativas, isto é, pelo público razoável. Deste modo, a solução jurídica dos casos concretos, sem deixar de satisfazer os modelos lógicos e conceituais, deve igualmente apresentar-se como justa e como razoável. Acresce que o juiz, ao actualizar as soluções dogmáticas, não faz obra subjectivista ou decisionista. Ele apenas reconhece valores e instituições de carácter objecto e supra-individual. Dá-se assim uma viragem no sentido do casuísmo, porque, segundo as próprias palavras de Esser, através da interpretação aperfeiçoada e da melhorada integração das lacunas, através da casuística, assim como da formação do programático, não vinculante, do direito jurisprudencial, alcançou-se uma situação na qual a solução com base na norma e a solução com base na equidade coincidem amplamente. Esta teoria da natureza das coisas, da rerum natura ou da Nature Sachen, entende a natureza enquanto realidade ou normalidade das coisas, como o que está na base das instituições jurídicas. Retoma-se assim o modelo já proposto por Vico, para quem a natureza das coisas não é outra coisa senão o reconhecimento delas em determinados tempos e com certas características, as quais sempre são tais que delas e não de outras nascem as coisas. Isto é aceita-se que a natureza ou a essência das coisas constitui algo que permanece imóvel e em repouso fora da história, mas que só através da história podemos aceder à mesma ordo idearum que, assim, coincide com a ordo rerum Como refere Heinrich Dernburg, as relações da vida social trazem em si mesmas, ainda que com desenvolvimento variável, o seu próprio critério e a sua própria ordem. Esta ordem inerente às coisas é o que se chama a natureza das coisas.

Retirado de Respublica, JAM

Essência da política

Para Carl Schmitt, em Der Begriff des Politischenm 1927-1932, ela está na distinção/ oposição entre o amigo e o inimigo Freund/ Feind. Bertrand de Jouvenel, em Pure Theory of Politics, a polítiva é acção que desencadeia movimento, o que leva à agregação de outros em torno do projecto ou da ideia de um determinado autor. Julien Freund, em L’Essence du Politique, de 1965, retomando Schmitt, não há política quando não há inimigo, porque a política obedece à lei do comando e da obediência, expressa também na tensão público/privado.

Retirado de Respublica, JAM

Essência ou eidos

Para Edmund Husserl, a essência ou eidos seria, pois, aquilo que no meio da variabilidade se apresenta como invariável ou necessariamente comum. Não se inventam nem se deduzem: veem‑se e contemplam‑se. São dados, coisas que se podem descrever através da fenomenologia, entendida como simples ciência descritiva dessas mesmas essências. As essências das coisas são anteriores à experiência, sendo imanentes aos objectos, isto é, cada objecto possui uma ideia, um valor ou um conceito que a nossa consciência apreende. Por exemplo, para a fenomenologia o dever‑ser constitui no pensamento do direito um seu objecto intencional, sendo assim que ele se nos apresenta imediatamente à consciência. Considerava, assim, que as ciências eidéticas teriam que intus legere, teriam que procurar uma visão das coisas, ao contrário das ciências empíricas , que teriam de conhecer, que estabelecer relações causais entre os fenómenos.

Retirado de Respublica, JAM

Essence (l’) de la Politique , 1965

Na senda de Schmitt, Julien Freund, em L'Essence du Politique, de 1965, procura também demonstrar que existe uma essência da política, porque o homem seria imediatamente um ser político, tal como é imediata e autonomamente um ser económico e um ser religioso. Haveria, aliás, seis essências originárias, que se compreendem em si mesmas, dado situarem-se todas no mesmo plano e não dependerem, cada uma delas, de qualquer outra: a política, a ciência, a economia, a arte, a ética e a religião, dado considerar que todas as essências são autónomas e que não existe entre elas uma relação de subordinação lógica ou de hierarquia necessária. A política seria, assim, uma essência no duplo sentido de que é, por um lado, uma das categorias fundamentais, constantes, desenraizáveis da natureza e da existência humana e,por outro lado, uma realidade que permanece idêntica a si própria. E isto porque a política é de natureza conflitual pela simples razão que não há política quando não há inimigo, até porque uma ideia pela qual ninguém luta é uma ideia morta. A política distinguir-se-ia, assim, da filosofia e da moral. Da filosofia, pelo facto de obedecer à lei do comando e da obediência e não à do professor e do discípulo; da moral, por esta consistir outra essência, uma não é o prolongamento, a efectivação ou o coroamento da outra. Seria, pois, caracterizada pelo encadeamento das dialécticas que os pressupostos comando/obediência, privado/público e amigo/ inimigo orientam. A política seria, então, a actividade social que tem como objectivo garantir, pela força, geralmente apoiada no direito, a segurança exterior e a concórdia interna de uma unidade política particular, salvaguardando a ordem no meio das lutas que têm origem na diversidade e divergência das opiniões e interesses. Para o mesmo autor a própria lógica da puissance obriga-nos a que seja potência e não impotência (...) toda a política que a ela renuncie, por fraqueza ou por legalismo, deixa de ser realmente uma política; deixa de preencher a sua função normal, pelo simples facto de se tornar incapaz de proteger os membros da colectividade que se encontram a seu cargo. Neste sentido considera que quando o Estado deixa de ser político desaparece a instância mas permanece a substância, algo flutuante, pelo que os grupos de pressão tendem a substituir-se ao Estado e a ocupar-lhe o espaço. Daí que domínios outrora neutros e metapolíticos, como a religião, a cultura, a arte e a economia, tendam a ser o novo lugar da política.


Retirado de Respublica, JAM

Essay towards the present and the future peace of Europe by the establishment of an European Diet, Parliament or Estates, 1693

Obra de William Penn, onde se prevê a instituição de um parlamento europeu de 90 membros, sob a inspiração da divisa Beati pacifici. Cedant arma togae, com representação proporcional à dimensão de cada um dos 24 Estados (o Império teria doze delegados, a França, a Turquia, a Rússia e a Espanha, cada, com dez; para a Inglaterra, seis; quatro para a Polónia, Suécia e Províncias Unidas; três para Portugal e Veneza), onde a presidência seria rotativa e as decisões tomadas por uma maioria qualificada de 75%. Considera que, só através deste processo unificador, podem difundir-se as luzes e desenvolver-se o comércio, permitindo que a Europa voltasse à tranquilidade e à prosperidade que conhecera durante a pax romana, para o que também propõe a existência de um exército conjunto, a fim de se efectivarem as decisões do parlamento.

Retirado de Respublica, JAM

Essai sur le Principe Générateur des Constitutions Politiques, 1809.

Obra escrita por Joseph de Maistre em 1809, na Rússia, mas apenas publicada em 1914. Assumindo o providencialismo, considera que Deus faz os reis, literalmente. Ele prepara as estirpes reais; amadurece-as no meio de uma nuvem que encerra as suas origens. Elas depois surgem coroadas de glória e de honra; impõem-se - e é esse o maior sinal da sua legitimidade. Elas avançam como que sozinhas, sem violência por um lado e sem uma deliberação precisa pelo outro. É uma espécie de tranquilidade magnífica, nada fácil de exprimir. Usurpação legítima parecer-me-ia a expressão adequada (se não fosse demasiado ousada) para caracterizar esta espécie de origens que o tempo se apressa a consagrar.

Retirado de Respublica, JAM

Esquerda liberal

Designação assumida por um grupo de pensadores políticos portugueses oriundos da esquerda revolucionária, com destaque para João Carlos Espada e Pacheco Pereira, quando davam asas teóricas ao respectivo abandono do marxismo. Se uns invocavam Karl Popper, outros alargavam a respectiva visão através das metodologia de Max Weber. O processo foi empreendido em plena pós-revolução antes da emergência do cavaquismo e quase todos eles tinham voltado à militância política integrados na campanha presidencial de Mário Soares. Tal movimento surgiu depois de alguns membros da direita, impulsionados por Francisco Lucas Pires terem empreendido uma reflexão neoliberal, mais marcada pelas teorias de Hayek. Desejosos de polémica apenas a conseguiram com um então apoiante da candidatura presidencial de Diogo Freitas do Amaral, o jovem jornalista Paulo Portas que episodicamente tinha aparecido nalgumas reuniões do grupo de Ofir.

Retirado de Respublica, JAM

Esquisse d’un Tableau Historique des Progrès de l’Esprit Humain, 1794

Obra escrita em 1793-1794, repleta de optimismo histórico, quando o autor estava a ser vítima da revolução a que aderira como girondino. Perseguido pelos jacobinos, acaba por suicidar-se no mesmo ano em que completava esta obra, deixada ainda como esboço. Influenciado por Voltaire e Turgot, o texto é dominado pela ideia de progresso. Discípulo dos fisiocratas, considera que o Estado deve ter uma acção limitada, cabendo-lhe tão só garantir o exercício dos direitos naturais, abstendo-se de qualquer intervenção na economia. As tarefas do Estado devem resumir-se ao estabelecimento de um sistema de pesos e medidas, de cunhagem da moeda, de lançamento de impostos para se custearem as despesas com a segurança externa, a ordem pública, o fomento da prosperidade geral e a conservação dos direitos do homem. Propõe a abolição da escravatura e que devem civilizar-se todos os povos. Estabelece um programa de universalização da instrução e de abolição das guerras (cfr. trad. port. de Maria Antonieta Godinho, com prefácio de Vitorino Magalhães Godinho, Quadro dos Progressos do Espírito Humano, Lisboa, Cosmos, 1946).

Retirado de Respublica, JAM

Esprit (de l’) des Lois, 1748

Obra de Montesquieu, começada a elaborar em 1734. Teve cerca de 22 edições em menos de 18 meses. Aí se consideram as leis como les rapports nécéssaires qui derivent de la nature des choses. Porque todos os seres têm as suas leis, o mundo material, os deuses, os animais e os homens, dado assumirem-se como as relações que se encontram entre uma razão política e os diferentes seres entre si, aparecendo pois como as sínteses históricas da vida de um povo, como aqueles elementos que ligam o social e o estruturam. Aliás, o objectivo da obra é o da procura das relações que as leis (as leis civis e políticas) têm com a natureza das coisas, das relações que se encontram entre uma razão política e os diferentes seres entre si. Uma natureza das coisas que compreende as relações de equidade anteriores à lei positiva que as estabelece e as leis da natureza que derivam unicamente da constituição do nosso ser, isto é, a paz, o desejo de se alimentar, a atracção dos sexos e o desejo de viver em sociedade. Mas que não se reduz à natureza física, à concepção naturalística de natureza, pois abrange a natureza histórica, os costumes, o comércio, a moda e a própria religião.

Liberdade

Distingue claramente entre uma liberdade filosófica, que consistiria no "exercício da vontade", e uma liberdade política,entendida como "poder fazer o que se deve querer". Para ele "a liberdade política não consiste em fazer o que se quer. Num Estado, isto é, numa sociedade onde existem leis e liberdade, não pode consistir senão num poder natural de se fazer ou não se fazer o que quer que se tenha em mente". Mais considera que a liberdade "consiste em poder fazer tudo aquilo que se deve querer e em não ser obrigado a fazer aquilo que não se deve querer".

Conforme refere Hannah Arendt, "conceptualmente falando a liberdade política não residia no eu quero, mas no eu posso, e que, por isso mesmo, o domínio político devia ser constituído e construído de modo a que o poder e a liberdade estivessem combinados".

Leis

No tocante à concepção de leis, vai ser abandonado o tradicional método especulativo, que procurava uma verdade apriorística, para se proceder à análise histórica baseada no chamado método comparativo. É neste ponto que Raymond Aron coloca Montesquieu como precursor da sociologia e que Truyol Serra considera que ele procurou "elaborar uma verdadeira física das sociedades humanas". Para Montesquieu as leis são sínteses da vida histórica de um povo, são elementos que ligam o social: "as leis na sua mais ampla significação são as relações necessárias que derivam da natureza das coisas". Uma natureza das coisas que, no entanto, não se reduz à natureza física, abrangendo também a natureza histórica, os costumes, o comércio, a moeda e a religião. Segundo Hegel foi Montesquieu "quem definiu a verdadeira visão histórica, o verdadeiro ponto de vista filosófico, que consiste em não considerar isolada e abstractamente a legislação geral e suas determinações, mas vê‑las como elemento condicionado de uma totalidade e correlacionadas com as outras determinações que constituem o carácter de um povo e de uma época".

Noutro lugar precisa essa noção considerando que são "as relações que se encontram entre uma razão política e os diferentes seres entre si".

Balança do poder

Tomando como modelo a constituição histórica inglesa e na linha de Aristóteles e de Políbio, adopta uma teoria da divisão de poderes marcada tanto por uma ideia de equilibrio como por uma ideia de separação, através de um sistema de pesos e contra‑pesos. Concebe um poder legislativo com dois corpos, o dos nobres e o do povo; um poder executivo com direito de veto sobre o legislativo e um poder judicial,entendido como simples "boca que pronuncia as palavras da lei". Para ele "em todos os Estados há três espécies de poder:o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes, e o poder executivo das coisas que dependem do direito civil...chamaremos a este último o poder judicial e ao outro o poder executivo do Estado". Para Montesquieu, o povo "não deve intervir no governo senão para escolher os seus representantes" e o "corpo dos representantes não deve ser escolhido também para tomar qualquer decisão activa, coisa que não faria bem,mas sim para fazer leis ou para ver se executaram bem as que fez, coisas que pode muito bem desempenhar‑se e que só ele pode fazer bem".

Poder

A teoria da divisão de poderes assenta num conceito não despótico: "para que não se possa abusar do poder é necessário que, pela disposição das coisas, o poder trave o poder (le pouvoir arrete le pouvoir). E isto porque "todo o homem que tem poder sente inclinação para abusar dele, indo até onde encontra limites". Com efeito, Montesquieu anteviu que o poder está sujeito a uma lógica espiral que não se encontra a si mesma. Chega, inclusivé, a admitir que não basta que o poder seja controlado pelas leis, dado que estas podem ser abolidas e que a prática tem demonstrado que nos conflitos entre as leis e o poder, este costuma sair vitorioso.

Estatuir e vetar

Assim, considerava que o sistema de pesos e contra‑pesos devia passar pelo interior de cada um dos poderes, onde se devia distinguir uma faculdade de estatuir (estatuer) e uma faculdade de vetar (empêcher). A primeira é "o direito de ordenar por si mesmo ou de corrigir aquilo que foi ordenado por outro"; a segunda, "o direito de tornar nula uma resolução tomada por qualquer outro".

Governo misto

Segundo Charles Eisenmann para Montesquieu a separação de poderes tem a ver com a ideia de governo misto e com a consequente hierarquia de poderes. Haveria uma função, a judiciária, a quem caberia dizer e ler a lei e dois poderes, o executivo e o legislativo, apoiando‑se em três forças sociais ( o rei, a câmara aristocrática e a câmara popular), que permitiriam associar a aristocracia, o povo e o soberano. Montesquieu assumir‑se‑ia, assim, como um reformador gradualista das instituições do ancien régime, como um verdadeiro conservador.

Para Montesquieu os governos podem "por natureza" ser republicanos,monárquicos ou despóticos. O governo republicano pode, por sua vez, ser democrático ‑ quando o exerce o "povo inteiro" ‑ ou aristocrático ‑ quando apenas é exercido por parte do povo. O governo é monárquico quando "há um só que governa com leis fixas estabelecidas", isto é, com "leis fundamentais", mas também com "poderes intermédios, subordinados e dependentes", entre os quais destaca o da nobreza. Finalmente, o governo é despótico quando governa um só, mas "sem lei e sem normas apenas segundo a sua vontade e o seu capricho". O despotismo pode também ter a variante da anarquia,considerada o "despotismo de todos".

Montesquieu liga as formas de governo ao próprio ambiente físico, considerando que o despotismo é próprio dos grandes impérios, a república dos pequenos Estados e a monarquia dos médios.

Atendendo aos princípios, ao fim visado por cada forma de governo e ao que "o faz actuar", considera que o despotismo é dominado pelo medo, a monarquia pela honra ("amor dos privilégios e distinções") e a democracia pela virtude ("amor à pátria e à igualdade" que faz "a devoção dos cidadãos ao bem público").

Para ele a virtude consiste na probidade, na preferëncia contínua pelo interesse público sobre o interesse próprio, pelo amor das leis e da pátria e pelo amor à igualdade e à frugalidade. Salienta que "não é necessária muita probidade para que um governo monárquico ou um governo despótico se mantenha ou sustente. Num a força das leis, no outro o braço sempre levantado do principe, regulam ou contêm tudo. Mas num Estado popular é necessário um grau mais elevado que é a virtude". A virtude política que é "uma renúncia a si mesmo, que é sempre uma coisa muito dolorosa".

Não deixa, contudo, de considerar que tanto a democracia como a monarquia podem degenerar: "as monarquias corrompem‑se logo que aos poucos tiram as prerrogativas às ordens e os privilégios às cidades ... . A monarquia perde‑se logo que o principe, relacionando tudo a si próprio, chamando Estado à sua capital, chama capital à sua Côrte e Côrte à sua pessoa ... logo que retira aos grandes o respeito dos povos e os transforma em seus instrumentos do poder arbitrário". Vai, no entanto, mais longe e considera que a própria virtude, o princípio da democracia, tem também necessidade de ter limites.

"É uma experiência eterna que qualquer homem que tem poder é levado a busar dele,vai até onde encontra limites. Quem o diria? A própria virtude precisa de limites".

O julgador e o poder judicial são, assim , reduzidos à mera boca que pronuncia as palavras da lei, segundo a expressão de Montesquieu.

Montesquieu, quando dizia que "o Estado é um sistema, isto é, uma convenção de vários"

Montesquieu, o legislador quer possuir todas as partes da moral, seguindo uma ordem metódica, através de deduções rigorosas, editando preceitos morais práticos, salientando que os mais poderosos de todos os meios morais e ao pé dos quais todos os outros são quase nulos, são as leis repressivas e a sua perfeita e inteira execução.

Montesquieu, antes das leis serem feitas havia relações de justiça possíveis. Dizer que não há nada de justo nem de injusto no que ordenam ou proíbem as leis positivas, é dizer que antes de se ter traçado o círculo, todos os raios não eram iguais

Montesquieu observa: a democracia tem dois excessos a evitar: o espírito de desigualdade que leve ao governo de um só e o espírito de igualdade extrema, que conduz ao despotismo de todos.

Montesquieu, nomeadamente quando este considera que as leis não devem ser senão os casos particulares onde se aplica a razão humana.

É por intermédio da razão, a intérprete da vontade de Deus, que o homem descobre nele a lei natural, como a regra que a divindade lhe deu para guiar as suas acções. Daí que as leis passem a ser as relações que se estabelecem entre a razão primitiva e os diferentes seres, e as relações desses diferentes seres entre si.

Há assim uma razão primitiva, com origem na própria vontade divina, uma razão anterior ao aparecimento da própria criatura racional, uma razão natural.

Montesquieu prefere observar a existência de uma diversidade de leis positivas e reconhece mesmo que essa diversidade resulta de variadas circunstâncias, nomeadamente dos aspectos físicos: o clima, a qualidade do terreno, a forma de vida dos habitantes, à religião, as actividades económicas: elles doivent être relatives au physique du pays; au climnat glacé, brûlant et temperé; à la qualité du terrain, à sa situation, à sa grandeur; au genre de vie des peuples, laboureurs, chasseurs ou pasteurs; elles doivent se rapporter au degrá de liberté que la Constitution peut souffrir; à la réligions des habitants, à leurs richesses, à leur nombre, à leur commerce, à leurs moeurs, à leurs manières. Enfin, elles ont des rapports entre elles; elles ont avec leur origine, avec l’object du législateur, avec l’ordre des choses sur lesquelles elles sont établies.

Porque plusieurs choses gouvernent les hommes: le climat, la réligion, les lois, les maximes du gouvernement, les exemples des choses passés, les moeurs, les manières: d’où il se forme un esprit général qui en résulte

Deste modo se elabora aquilo que Truyol y Serra qualifica como a procura de uma verdadeira física das sociedades humanas, uma comparação global que não se reduz à mera análise do que estav posto nas várias leis positivas, mas que procura estabelecer relações totais, não só entre as várias leis de cada sistema, mas também entre os vários sistemas e, sobretudo, com a origem de todos eles. Aquilo que o mesmo Montesquieu entende como o espírito das leis, implicando a procura da chamada causalidade circular, a determinação da estrutura interna de cada sistema. Como ele vai aplicar na caracterização dos vários regimes políticos, os quais são determinados tanto por uma natureza (aquilo que os faz ser), como por um princípio (aquilo que os faz actuar,isto é, o motor, o fim visado por cada forma de governo). Assim, se por natureza, observa a existência de formas de governo republicanas, monárquicas e despóticas, salienta que em cada uma delas há um princípio, respectivamente, a virtude, a honra e o medo.

As leis são les rapports nécéssaires qui derivent de la nature des choses. Porque todos os seres têm as suas leis, o mundo material, os deuses, os animais e os homens, dado assumirem-se como as relações que se encontram entre uma razão política e os diferentes seres entre si, aparecendo pois como as sínteses históricas da vida de um povo, como aqueles elementos que ligam o social e o estruturam.

Aliás, o objectivo do L’Esprit des Lois é o da procura das relações que as leis (as leis civis e políticas) têm com a natureza das coisas, das relações que se encontram entre uma razão política e os diferentes seres entre si. Uma natureza das coisas que compreende as relações de equidade anteriores à lei positiva que as estabelece e as leis da natureza que derivam unicamente da constituição do nosso ser, isto é, a paz, o desejo de se alimentar, a atracção dos sexos e o desejo de viver em sociedade. Mas que não se reduz à natureza física, à concepção naturalística de natureza, pois abrange a natureza histórica, os costumes, o comércio, a moda e a própria religião.

Segundo Carl J. Friedrich, podemos dizer que Montesquieu pretende libertar o conceito de lei das teias do anterior racionalismo, entendendo a mesma de acordo com as suas funções. Daí os novos tipos de direito que enumera (o direito natural; o direito divino; o direito eclesiástico; o direito internacional; o direito constitucional geral; o direito constitucional particular; o direito de conquista; o direito civil e o direito familiar).

Cada um deles constitui, aliás, uma ordem jurídica própria que deve ser rigorosamente separada das outras, porque todas são distintas na sua origem, nos seus fins e na sua natureza, sem o que não podem estabelecer-se leis adequadas.

Nesta sequência, importa também salientar o respectivo conceito de liberdade, dado que distingue entre uma liberdade filosófica e uma liberdade política. Se a primeira não passa de uma mero exercício de vontade, já a segunda é um poder fazer o que se deve querer(pouvoir faire de que l’ondoit vouloir), isto é, não consiste em fazer o que se quer, mas sim em poder fazer tudo aquilo que se deve querer e em não ser obrigado a fazer aquilo que se não deve querer.

Como salienta Hannah Arendt, a liberdade política não é o eu quero, mas antes o eu posso, dado consistir sempre na conciliação entre a liberdade propriamente dita, ou liberdade filosófica, e o poder, o domínio político devia ser constituído e construído de modo a que o poder e a liberdade estivessem combinados. A liberdade política não pode pois reduzir-se à indeterminação do querer, sendo tributária dos concretos sistemas de direito e de política estabelecidos.

Espécies de governo

Montesquieu se mantém a classificação tripartida das trois espèces de gouvernement, atendendo à natureza do governo, perspectivada de acordo com o critério quantitativo do número dos detentores do poder, não deixa de fazer essa distinção com base na observação comparatista. Assim, salienta que, por natureza, pode haver a forma de República – conforme tinha acontecido em Atenas e Roma e se mantinha em Veneza e Génova –, a forma de Monarquia – como no seu tempo acontecia em França e Inglaterra , e a forma de Despotismo – que ele via como o regime dos países do Oriente, como a Pérsia, a Turquia, a China, o Japão e Moscóvia.

O princípio

Vai, no entanto, utilizar uma distinção qualitativa nova quando fala no principio do Governo, entendendo por tal o propósito que anima o povo, o que o faz actuar. Assim, considera que a república fundamenta-se na virtude, no amor à pátria e à igualdade que faz a devoção dos cidadãos ao bem público; a monarquia, na honra, no amor dos privilégios e distinções; o despotismo no medo.

Virtude

Desenvolvendo o conceito de virtude, considera que o mesmo consiste na probidade, na preferência contínua pelo interesse público sobre o interesse próprio, no amor pelas leis, pela pátria, pela igualdade e pela frugalidade. A este respeito, salienta que não é necessária muita probidade para que um governo monárquico ou um governo despótico se mantenham ou sustentem. Num, a força das leis, no outro, o braço sempre levantado do príncipe, regulam ou contêm tudo. Mas num Estado popular é necessário um grau mais elevado que é a virtude que é uma renúncia a si mesmo, que é sempre uma coisa muito dolorosa

Refira-se, contudo, que Montesquieu considera que o governo republicano tanto pode ser democrático, quando o exerce o povo inteiro, como aristocrático, quando é apenas exercido por parte do povo.

Já o governo monárquico existe quando há um só que governa com leis fixas e estabelecidas, isto é, com leis fundamentais, mas também com poderes intermediários, subordinados e dependentes, entre os quais destaca o da nobreza.

Finalmente, o governo é despótico quando governa um só, mas sem lei e sem normas apenas segundo a sua vontade e o seu capricho. Um despotismo onde também é incluída a anarquia, considerada como o despotismo de todos.

Não deixa, no entanto, de considerar que tanto a democracia como a monarquia podem degenerar: as monarquias corrompem-se logo que, pouco a pouco, tiram as prerrogativas às ordens e os privilégios às cidades ... A monarquia perde-se logo que o príncipe, relacionando tudo a si próprio, chamando Estado à sua capital, chama capital à sua Corte e Corte à sua pessoa ... logo que retira aos grandes o respeito dos povos e os transforma em instrumentos do poder arbitrário.

Quanto à democracia, vai mais longe, e deixa o enigmático de considerar que a própria virtude, o princípio da democracia, tem necessidade de ser limitada.

Despotismo

A teorização contemporânea do despotismo deve-se sobretudo a Montesquieu, no seu De l'Esprit des Lois de 1748, onde o despotismo, constitui uma forma de regime político diversa da monarquia e da república, onde um só, sem lei e sem regra, tudo entraîne pela sua vontade e pelos seus caprichos (un seul sans loi e sans règle, entraîne tout par sa volonté et ses caprices). Aqui, o princípio do regime, diferentemente da honra para a monarquia e da virtude, para a república, constitui o medo.

A Ideia de Europa

Considera que as coisas são tais na Europa que todos os Estados dependem uns dos outros. A França tem necessidade da opulência da Polónia e da Moscóvia, como a Guiana tem necessidade da Bretanha e a Bretanha de Anjou, falando na Europa como um Estado composto de várias províncias e utilizando também os qualificativos de Grand République, république fédérative mixte, état plus grand e societé de societés.

Na primeira parte: Das Leis em Geral, Das Leis que derivam directamente da Natureza do Governo, Dos Princípios dos Três Governos; Que as Leis da Educação devem ser relativas aos Princípios do Governo; Que as leis que o Legislador dá devem ser relativas aos Princípios do Governo. Consequências dos Princípios dos diversos Governos, relativamente à Simplicidade das leis Civis e Criminais, a Forma dos Julgamentos e o estabelecimento das Penas. Consequências dos Diferentes princípios dos Três Governos, relativamente às Leis Sumptuárias, ao Luxo e à Condição das Mulheres. Da Corrupção dos Três Governos. Na segunda parte: Das leis na Relação que têm com a Força Defensiva. Das leis, na Relação que têm com a Força Ofensiva. Das Leis que formam a Liberdade Política, na sua Relação com a Constituição. das leis que formam a Liberdade Política na sua relação com o Cidadão. Das Relações entre os Tributos e a Grandeza dos Rendimentos Públicos com a Liberdade. Na terceira parte: Das Leis na Relação que têm com o Clima; Como as Leis da Escravatura Civil têm Relação com o Clima. Como as Leis da Escravatura Doméstica têm Relação com a Natureza do Clima. Como as leis da servidão Política têm Relação com a natureza do Clima. das Leis, na Relação que têm com a Natureza do Terreno. das Leis, na Relação que têm com os Princípios que formam o Espírito Geral, os Costumes e as Maneiras de uma Nação.

(cfr. Oeuvres Complètes, dir. de Henri Masson, 3 vols., Paris, Nagel, 1970; cfr. tb. Oeuvres Complètes, dir. De Roger Caillois, Paris, Éditions Gallimard, 1949 - 1951).

Retirado de Respublica, JAM

Esprit (De l’) de Conquête et de l'Usurpation, 1814

Obra de Benjamin Constant que tem como título completo De l’Esprit de Conquête et de l'Usurpation. Dans leurs Rapports avec la Civilization Européenne. Aí se faz uma crítica ao modelo político napoleónico.

A primeira parte sobre o Espírito de Conquista abrange as seguintes matérias: as virtudes compatíveis com a guerra; o carácter das nações modernas relativamente à guerra; o espírito de conquista no estado actual da Europa; da raça militar que não actua pelo interesse; outra causa de deterioração pela classe militar, no sistema de conquista; influência deste espírito militar sobre o estado interior dos povos; outro incoveniente da formação de um tal espírito militar; acção do governo conquistador sobre a massa da nação; os meios de constrangimento necessários para a eficácia da mentira; outros inconvenientes do sistema guerreiro para as luzes e a classse instruída; ponto de vista pelo qual uma nação conquistadora perspectiva hoje os respectivos sucessos; efeito destes sucessos sobre os povos conquistados; a uniformidade; termo inevitável dos sucessos de uma nação conquistadora; resultados do sistema guerreiro na actual época.

·A 2ª parte versa sobre a Usurpação, com as seguintes matérias: comparação entre a usurpação e a monarquia; diferenças entre a usurpação e a monarquia; relação entre a usurpação e o despotismo mais absoluto; como a ususrpação não pode subsistir na nossa época de civilização; as relações entre a usurpação e a força; a espécie de liberdade que se apresentou aos homens no fim do século XVIII; os imitadores modernos das Repúblicas da Antiguidade; os meios utilizados para dar aos modernos a liberdade dos antigos; a aversão dos modernos por esta pretendida liberdade e o amor do despotismo; sofisma a favor do arbitrário exercido por um só homem; os efeitos do arbitrário sobre as diversas parcelas da existência humana; os efeitos do arbitrário sobre o progresso intelectual; a religião sob o arbitrário; o despotismo como meio de permanência pela usurpação; o efeito das medidas ilegais e despóticas nos próprios governos regulares; causas que tornam o despotismo particularmente impossível na nossa época de civilização; como a usurpação não pode manter-se pelo despotismo.

Retirado de Respublica, JAM

Esprit Geométrique

Modelo proposto por Descartes e seguido por Hobbes, para quem a geometria era a única ciência que Deus houve por bem até hoje conceder à humanidade. Retomava-se Galileu, para que a língua da natureza era a matemática. O pensamento moderno é assim marcado por este ritual do pensamento a que logo se opôs Pascal com o chamado esprit de finesse. A matematização do universo desenvolve-se com Newton e atinge as suas culminâncias em Comte. Nos Estatutos pombalinos da Universidade, determinou-se expressamente que os professores usassem do e.g. para poder discorrer com ordem, precisão, certeza.

Retirado de Respublica, JAM

Espírito Santo, Grupo

Um dos principais grupos económicos portugueses anteriores a 1974. Domina o Banco Espírito Santo & Comercial de Lisboa, surgido em 1937, da fusão dos bancos fundados por José Maria Espírito Santo Silva e por Carlos Pereira, e a Companhia de Seguros Tranquilidade. Grupo com fortes interesses coloniais. No domínio do açúcar, domina a Sociedade Agrícola do Cassequel, em Angola, e a Sociedade Agrícola do Incomati, em Angola, produto que depois refinava na SORES, Sociedade Refinadora da Santa Iria, de Lisboa. No domínio do café, domina a CADA de Angola e a TOFA, Torrefacção de Café, em Lisboa. Um dos três grandes accionistas da SACOR. Participa também na Companhia Portuguesa de Celulose, na Firestone Portuguesa e na tabaqueira INTAR. O grupo foi fundado por José Maria do Espírito Santo Silva (1850-1915), sendo continuado pelos filhos. Entre 1915 e 1932 lidera José Espírito Santo , de 1932 a 1955, Ricardo Espírito Santo e, de 1955 a 1973, Manuel Espírito Santo. Segue-se o filho deste último, Manuel Ricardo Espírito Santo (1973-1975) que sofre os acontecimentos do 25 de Abril. O grupo estava intimamente ligado ao Estado Novo, recebendo nos seus quadros Luís Supico Pinto, Costa Leite Lumbralles e Franco Nogueira. A partir de 1991, o grupo volta a estruturar-se tanto com Manuel Ricardo como por Ricardo Salgado, presidente do Banco Espírito Santo desde 1991, filho de Ricardo Espírito Santo.

Retirado de Respublica, JAM

Espírito do Povo (Volksgeist)

(Ver Herder e Savigny).

Segundo a Escola Histórica, o povo é um ser vivo marcado por forças interiores e silenciosas que segrega uma espécie de consciência popular, o espírito do povo (Volksgeist). O povo é anterior e superior ao Estado e é do espírito do povo que brota tanto a língua como o direito, consideradas produções instintivas e quase inconscientes que nascem e morrem com o próprio povo. No caso específico do direito, o costume teria de ser mais importante do que a lei, porque o que emana do Volksgeist tem estar numa posição superior aos próprios ditames do Estado.

Espírito teórico é prático GENTILE

O espírito teórico é já de si prático; porque a realidade que ele pode conhecer não é e não pode ser mais do que a sua própria realidade que não existe a não ser enquanto ele a conhece ; e, por isso, no acto de conhecê‑la, o ipso establece‑a praticamente. Nem nunca é tão prático através do espírito objectivo do que criar‑se a si mesmo. Que se uma coisa parece mera teoria e de uma outra vez praxis , é porque em comparação com o espírito se põe em acto, desta vez, um simples espírito objectivo do nosso pensamento coloca‑se por isso perante si mesmo como qualquer coisa de estranho a que ele é externo".

Retirado de Respublica, JAM

Espírito do Mundo (Weltgeist)

Para Hegel, no eixo de todo o mundo está a ideia, a razão, o espírito do mundo (Weltgeist), o tal absoluto que faz as vezes de Deus. E o conceito passa a ser algo que está entre o ser e o devir, entre o imediato e a reflexão, num jogo dialéctico onde ao conceito subjectivo se opõe o conceito objectivo e onde a ideia constitui a síntese. E o absoluto é devir (werden), respira através do movimento dialéctico, da tese, da antítese e da síntese. Assim, a evolução do mundo, toda ela é lógica, toda ela é o devir da ideia. Até porque a ideia de Platão passa a imanência nas coisas, superando-se a razão abstracta do iluminismo, também ela transcendente. Porque o próprio homem não pensa. É o espírito que pensa através dele. O espírito do mundo, a ideia, o logos – equivalente à inteligência divina dos escolásticos –, torna‑se objecto para si mesmo, através de nós. E a ideia, ao fazer esta espécie de auto‑alienação, ao passar a objecto, sai fora de si, torna‑se objecto para, depois, voltar de novo a si mesmo. Torna‑se extrínseca para, depois, volver‑se intrínseca. A ideia, o espírito do mundo, ao alienar‑se, esquece‑se e perde‑se de si mesmo, torna‑se outra. A natureza leva assim o pensamento a assumir uma exterioridade, a tornar-se outro, a procurar a exterioridade através do espaço e do tempo. O próprio conceito vive este processo dialéctico, onde a tese é a verdade, a antítese a coisa, o objecto em si e por si e a síntese a ideia que leva ao espírito absoluto. Como salienta Legaz y Lacambra o sentido total da doutrina hegeliana é a sublimação da liberdade e da personalidade. Hegel contempla o grandioso processo intemporal, onde o particular e o universal, o finito e o infinito, o indivíduo e o conceito absoluto, o subjectivo e o objectivo se reconciliam de tal forma que acabam por ser momentos idênticos na plena liberdade do eu, no espírito absoluto, e não são categorias que se excluem, contrapostos ou mecanicamente sobrepostos, mas distintas denominações de uma mesma totalidade. E o espírito objectivo – como uma das manifestações aparece o Estado – é vontade livre e não um poder objectivo alheio ou contrário à subjectividade, mas o mesmo espírito do indivíduo enquanto o capacita para compreender‑se como sujeito e ser livre perante toda a determinação exterior. Compreende‑se assim que Hegel considere que a vida de cada povo faz amadurecer um fruto, porque a sua actividade visa realizar completamente o seu princípio. Mas esse fruto não é colhido pelo povo que o produziu. Não lhe é permitido desfrutá‑lo. Pelo contrário, esse fruto torna‑se para ele uma bebida amarga; não pode rejeitá‑la porque tem uma sede infinita e terá de provar essa bebida que é a sua ruína e, ao mesmo tempo o advento de um novo princípio. O fruto torna‑se germe, germe de um outro povo que há‑de amadurecer. O conceito passou, portanto, a ser o verdadeiro criador, uma espécie de enviado de Deus à terra, algo que está entre o ser e o devir, o absoluto. E a evolução do mundo transformou-se no devir da ideia. Todo o processo da história passa por esta extrinsecação do Weltgeist. A primeira objectivação dá‑se na Natureza; depois, na Cultura, que inclui as línguas, as literaturas, as religiões e o Estado; finalmente, a intrinsecação, o regresso ao Espírito Absoluto, ao seio do próprio Deus, o que apenas se torna presente na consciência dos grandes santos, dos artistas e dos filósofos. Este processo dialéctico desdobra‑se em várias tríades ao longo da obra de Hegel. Em Phnomenologie des Geists, de 1807, Hegel refere a passagem da moralidade à religião, e não ao Estado. Em Vorlesungen über die Philosophie der Weltgesichte, de 1817, a tese que é a lógica, que corresponde ao espírito subjectivo, à alma, à consciência, tem como antítese a filosofia da natureza, a matemática e a física, que corresponde ao espírito objectivo, onde se incluem o direito, a moral e a história, considerada como o tribunal do mundo. A síntese vem a ser a filosofia do espírito, a que corresponde o espírito absoluto, onde se inclui a religião. Finalmente, em Grundlinien der Philosophie des Rechts de 1821, o processo passa pela família, pela sociedade civil e pelo Estado. O processo histórico passa a ser considerado como a extrinsecação do espírito do mundo. Numa primeira objectivação, na fase do em si, temos a natureza. Na segunda, no fora de si, surge a cultura. Finalmente surge o terceiro momento, o retornar a si, a intrinsecação, quando a exterioridade vence o espaço e o tempo e se torna interioridade, quando, da inconsciência, se passa à consciência. É o regresso ao Espírito Absoluto – o que apenas se tornaria presente na consciência dos grandes santos, dos artistas e dos filósofos. O processo hegeliano vive, assim, através de uma espécie de a respiração triádica. Numa primeira fase, a tese; numa segunda, a antítese; finalmente, o terceiro momento, superador da contradição – a síntese. Um modelo que o filósofo vai aplicar universalmente, concatenando num sistema global todas as peças do respectivo pensamento. Mais: mesmo cada uma das peças desse todo são também desdobráveis pela trindade dialéctica.

Espírito objectivo (SCHELLING)

Retirado de Respublica, JAM


Espinosa, Bento 1632-1677

Ou Baruch Spinoza

Nasce nos Países Baixos, no seio de uma família de judeus portugueses, talvez oriundos da Vidigueira, tendo o português como língua maternal e, ao que parece, aquela onde também faz a primeira escolaridade. A sua vida é marcada pela solidão e por um sentimento de exílio. A mãe, Hannah Debora, morre quando o jovem Bento tem seis anos de idade; seguem-se os falecimentos do irmão Isaac (1649), da irmã Miriam (1651), da madrasta Ester (1653) e do próprio pai, Micael (1654).

Em 1670 publica em latim um Tractatus Theologico-Politicus, sem indicação de autor, onde, no plano teológico, defende a liberdade de interpretação das Escrituras, e no plano político, a liberdade de expressão. Em 1675 publica a Ethica more geometrico demonstrata. Já depois da sua morte aparece um Tractatus Politicus, que redigiu a partir de 1675, mas que ficou incompleto, dado não ter desenvolvido o capítulo sobre a teoria do governo democrático.

Originário de uma família condenada ao exílio pela intolerância de um catolicismo oficial, Espinosa sofrerá também as consequências das ortodoxias de judeus e calvinistas. Depois de em 1656, quando tem 24 anos, ser excomungado pela comunidade judaica, por erros pavorosos e impiedade, e de ser hostilizado pelos calvinistas, sai da cidade natal e instala-se em Rijnsburg, nos arredores de Leyden, a partir de 1660. Vive num tempo especial, depois da Paz de Vestefália (1648), da morte de Descartes (1650), da subida ao poder de Jan Witt e Cromwell (1653) e do regresso a Londres de Carlos II (1660).

Em 1659 muda-se para Voorburg, nos arredores de Haia. Vive da sua actividade de polidor de lentes e, a propósito, carteia-se com Leibniz. Chega mesmo a recusar uma cátedra de filosofia em Heidelberg. Enquanto isto, o sistema oligárquico holandês, depois do assassinato de Jan Witt por um calvinista em 1672, cede, dando-se o reforço monárquico da família Orange. Panteísmo.

O humanismo laico e não absolutista de Espinosa, opondo-se à teocracia de protestantes, católicos e judeus, vai estruturar a primeira teoria democrática moderna. Primeiro, quando deixa de considerar a liberdade como mero atributo de uma minoria de cidadãos, fazendo-a radicar na universalidade humana, na multitudo. Segundo, quando perspectiva a mesma democracia de forma realista, entendendo-a como uma conjugação do poder e da liberdade e retirando-a dos domínios da utopia, quando aceita que o homens são iguais do ponto de vista do direito, mas desiguais do ponto de vista do poder. Se aceita o método realista de Maquiavel, não adopta o pessimismo antropológico do florentino, rejeitando a inevitabilidade da ditadura e da guerra. Se adopta a perspectiva hobbesiana do estado de natureza e considera o Estado como um poder supremo, não deixa de defender, de forma consequente, a liberdade. Contudo, Espinosa, tendo razão antes do tempo, acaba por não influenciar as correntes de pensamento do seu tempo. Valeu-lhe a circunstância de Rousseau o ter lido em profundidade, tomando-lhe conceitos como o de civitas, cidadania, liberdade como vida debaixo da razão e democracia como governo de todos, com obediência a si mesmo.

No estado de natureza (status naturae), no estado anterior à formação das sociedades organizadas e da ordem moral, teríamos um homem sem responsabilidade perante qualquer lei, sem saber do justo e do injusto e sem poder distinguir a força do direito, um homem ainda submetido às paixões, vivendo num estado de insegurança, onde o direito se confunde com o poder, onde cada um goza de tanto direito como o poder que possui, um homem que, como Deus, tem direito a tudo e o direito de Deus não é outra coisa senão o seu próprio poder enquanto absolutamente livre, segue-se que cada coisa natural tem por natureza tanto direito como o poder, para existir e actuar, onde o direito natural de toda a natureza e, por isso mesmo, de cada indivíduo, estende-se até onde chega o seu poder.

Se nesse estado de natureza os homens actuam pelo instinto universal de conservação, relacionando-se uns com os outros, tal como os peixes grandes devoram os peixes pequenos, segundo a lei de destruição do mais débil pelo mais forte, já na associação, no status civilis, nasce a simpatia de uns pelos outros e o sentimento de humanidade, esse esforço de racionalidade que pretende superar o regime das paixões.

A passagem do estado de natureza para o status civilis ou estado político aconteceria através de um contrato, pelo qual os homens se comprometem a ser governados pela razão.

Mas vários elementos do pensamento de Espinosa o distanciam de Hobbes. Em primeiro lugar a ideia de que os homens tendem por natureza para o estado político e que é impossível que o destruam totalmente alguma vez porque o medo à solidão é inato em todos os homens e o solitário não tem forças para defender-se nem para procurar os meios necessários à vida.

Em segundo lugar, a defesa da paz e da esperança: uma multidão livre guia-se mais pela esperança do que pelo medo, enquanto a que está subjugada se guia mais pelo medo do que pela esperança. Aquela, com efeito, procura cultivar a vida, esta, pelo contrário, evitar asimplesmente a morte; aquela, repito. procura viver para si, enquanto esta é, por efeito da força, do vencedor. Por isso dizemos que a segunda é escrava e que a primeira é livre.

Finalmente, a consideração de que no status civilis se conserva uma esfera pessoal intangível, que o próprio Estado tem interesse em manter: o poder supremo num Estado não tem mais poder sobre um súbdito que em proporção ao poder pelo qual é superior ao súbdito, e isto é o que ocorre sempre no estado de natureza.

O modelo de organização do político proposto por Espinosa parte de uma leitura política que faz dos factos históricos narrados no Antigo Testamento, propondo uma recuperação do Estado dos hebreus, onde o momento fundacional é um contrato donde deriva uma aliança comandada pela lei: cada um dos hebreus não transferiu o seu direito para nenhuma pessoa em particular, mas todos, à maneira dos membros de uma democracia, fizeram igual esse direito.

Só que o pacto não tem apenas uma dimensão legal, aquela que cria o Leviatão da força estatal, dado também possuir uma dimensão moral, quando pretende subordinar a paixão à razão, surgindo o modelo do Estado-razão, onde todos têm de viver segundo o ditame da razão.

TTP

O poder político aparece assim como a anti-razão ao serviço da razão, como a força ao serviço da ideia, como a espada ao serviço da palavra. Se, por um lado, o Estado é cessão de direitos e união de forças e, portanto, poder absoluto ou supremo poder, por outro lado, não deixa de ser poder colectivo e democrático: pode formar-se uma sociedade e conseguir-se que todo o pacto seja sempre observado com a máxima fidelidade, sem que ele contradiga o direito natural, com a condição que cada um transfira para a sociedade todo o direito que possua, de maneira que ela só mantenha o supremo direito da natureza a tudo, isto é, o poder supremos, a que todo o mundo tem que obedecer, seja por iniciativa própria, seja por medo do máximo suplício

E aí temos o Estado perspectivado mais como aliança do que como conjunto unificado, uma memória do dualismo das tribos israelitas, onde, de um lado, estavam os poetas e, do outro, os soldados.

Contudo, Espinosa, se proclama a necessidade de separação entre o poder civil e o religioso, ao contrário de Hobbes, também considera que o Estado, como poder supremo, deve controlar os assuntos religiosos e permitir a tolerância e a liberdade de expressão. Isto é, Espinosa defende uma aliança, mas não uma confusão entre coisas divinas e as coisas do poder, à semelhança da moisaica.

No plano das relações internacionais, propõe o estabelecimento de um modelo de segurança colectiva mediante um contrato social internacional, um tratado conjunto de paz, pelo qual, seria menor a liberdade de cada um dos Estados contratantes, dado que todos estariam ficariam obrigados a respeitar a vontade geral.

·Tractatus Theologico-Politicus

1670, publ. anónima cfr. trad. cast. de Atilano Domínguez, Tratado Teológico-Político, Madrid, Alianza Editorial, 1986. Trad. port. De Diogo Pires Aurélio, Lisboa, 1988.

·Ethica ordine geometrico demonstrata

1675. Trad. port. De Joaquim de Carvalho, Coimbra, 1950.

·Tractatus Politicus

1677, incompleto cfr. trad. cast. de Atilano Domínguez, Tratado Politico, Madrid, Alianza Editorial, 1986. Trad. port. De M. de Castro, Lisboa, 1970.

. Bayle, P., Écrits sur Spinoza, Paris, Burg International, 1983.}Breton, S., Spinoza. Théologie et Politique, Paris, Desclée de Brouwer, 1977.

. Deleuze, Gilles, Spinoza. Philosophie Pratique, Paris, Éditions de Minuit, 1981.4Dominguez, Atilano, La Política en la Vida y en la Obra de Spinoza, introd. à trad. cast de Tratado Político, Madrid, Alianza Editorial, 1986, pp. 7-59.

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. Pinto, F. Cabral, A Heresia Política de Espinosa, Lisboa, Livros Horizonte, 1990.4Strauss, Leo Liberalism Ancient and Modern (1968) (cfr. trad. fr. Libéralisme Antique et Moderne, Paris, Presses Universitaires de France, 1990).

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Retirado de Respublica, JAM