sexta-feira, 2 de março de 2007

Representação

Do lat. re + proesentare, trazer de volta alguém ou alguma coisa. A representação política é uma instituição proveniente do direito privado e da teologia. Com efeito, o representante é sempre aquele que está presente em vez de um outro, é sempre alguém que presentifica o representado. A pessoa representada é apenas presentificada ou apresentada.
A ideia teológica
Com a teologia cristã a ideia de representação pretende, sobretudo, abranger a presentificação da divindade, deixando de ser a mera cópia ou representação figurativa. O representante depende do representado.
A ideia jurídica
De acordo com teoria do Digesto: a relação entre um auctor e um actor, onde o primeiro autoriza o segundo, através de um mandato ou de uma delegação.
A ideia política
A aplicação do conceito à política, com a distinção entre o proprietário do poder e o funcionário ou vigário. A ideia etimológica de ministro como o servus ministerialis e o conceito jurídico de poder-dever. — O aparecimento da técnica da representação política no consensualismo medieval. A teoria parlamentar das Cortes Gerais e a Magna Charta.

Jusnaturalismo católico renascentista
A segunda ideia marcante é a de representação política. Com efeito, há em toda a escolástica política uma ideia pactista ou consensualista. Um pacto de sujeição que explica provir o poder do rei de um pacto estabelecido entre este e o reino. O rei tem poder, mas só a representação global do reino, a conjugação do rei com as Cortes, tem plena autoridade. Com efeito, esta democracia não se produzia, como o vão antever os iluministas, num vazio social ou através de uma abstracção. Como assinala Luis Legaz y Lacambra lo essencial es que los pactos se establecen dentro" de un orden social, en cuya naturalidad se cree. Deste modo, no pacto entre o principe e o reino este é visto como um todo, unitariamente considreado, e não como o vai entender o radical individualismo religioso da Reforma e o individualismo que dele deriva. Trata-se contudo de uma democracia que, em vez da representação quantitativa da democracia contemporânea do sufrágio universal, adopta as teses da representação qualitativa, onde o povo é representado pela sua valentior pars, podendo delegar o poder num príncipe, como o subscreve Marsílio de Pádua no seu Defensor Pacis, de 1324. A este respeito, convém recordar que a dinastia de Avis havia sido instaurada na consequência da crise de 1383-1385, onde, se houve Aljubarrota e a aliança com os ingleses, também não deixou de existir o facto político das Cortes de Coimbra de 1385, onde o rei foi eleito per hunida comcordança de todollos gramdes e comuu poboo, em nome do princípio da lex regia e do Q. O. T., do quod omnes tangit ab omnibus approbari debet, o porque é direito que às coisas que a todos pertencem e de que todos tenham carrego sejam a elo chamados, conforme palavras das mesmas Cortes.

Representação em Hobbes e em Locke
— A tese de Hobbes.
A persona ficta do Leviatão como o representante ou actor dos indivíduos. A personalidade colectiva como a máscara com que o actor desempenha um determinado papel.
— A teoria da autorização em John Locke.
A autoridade legítima como aquela que tem consentment e trust (confiança) do povo. A relação entre o povo e os seus magistrados, como processo de autorização dada a estes para agirem em seu nome e para o interesse comum.

Montesquieu
A tese de Montesquieu. A representação política como forma de distinção entre a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos (Constant). — A tese de Sieyès. A consideração de que o povo não pode falar e não pode agir a não ser através dos seus representantes. A passagem do mandato imperativo, existente nas instituições representativas do Ancien Régime, ao mandato representativo. A passagem do procurador dos concelhos aos deputados da Nação. A eleição como forma de conferência do mandato dos eleitores aos eleitos. — A opinião crítica como a forma iluminística de opinião pública. As assembleias políticas à imagem e semelhança das academias do iluminismo. A existência de um corpo escolhido de cidadãos como processo de representação do espaço público.

Stuart Mill
Para Stuart Mill, é o processo pelo qual a totalidade ou parte do pvo exerce o poder último de controlo por intermédio de deputados periodicamente eleitos.

Representação HAURIOU, 134, 924

Weber
Max Weber salienta que a representação é uma situação de facto pela qual a acção de certos membros do grupo, os representantes é imputada a outros ou deve ser considerada por estes últimos como legitimada.

Giovanni Sartori salienta que a representação pode ser entendida em três sentidos. No sentido jurídico, significa o mesmo que mandato. No sentido sociológico é o mesmo que representatividade, que similaridade e semelhança. No sentido político, identifica-se com a ideia de responsabilidade. Já a representatividade personifica certos traços existenciais do grupo, da classe ou da profissão donde se é proveniente.
O representante tem, assim, um duplo dever: para com eleitorado e para com a assembleia ou a instituição onde actua como representante. Liberta-se assim da ideia restrita de mandato, onde, como mandatário, teria de cumprir as promessas feitas ao mandato. Difere também da ideia de delegação de poderes.
Retirado de Respublica, JAM

Réorganisation (De la) de la Societé Européenne, 1814

O título completo do texto de Saint-Simon e Augustin Thierry é o seguinte: De la Réorganisation de la Societé Européenne, ou de la Necessité et des Moyens de Rassembler les Peuples de l'Europe en un Seul Corps Politique en Conservant à Chacun son Indépendance Nationale. Logo após a primeira queda de Napoleão, em Outubro de 1814, um mês depois de se iniciar o Congresso de Viena, conforme salienta Rougemont, constitui o primeiro modelo de unificação europeia que rompe com a tradição dos anteriores projectistas da paz, dado que, em vez de dirigir-se aos príncipes, volta-se directamente para os povos, propondo a eleição de um parlamento europeu. O modelo, que invoca a experiência medieval, embora substitua a fé religiosa pela fé na ciência, considerada como le nouveau christianisme, prevê, a existência de um rei europeu, apoiada num sistema de duas câmaras, uma com pares de nomeação régia e outra, com representantes das grandes categorias económicas e profissionais. Durante a Idade Média oferece-nos a Europa a imagem de uma síntese política, coordenada sob o influxo do princípio cristão, ou antes católico, incarnado no papado. Desde o Tratado de Vestefália, porém, toda a unidade se desvaneceu. Surda ou declarada a guerra tornou-se permanente. A história é uma série de emboscadas. Apenas, como trégua passageira, pode tomar-se a paz concluída. O único meio de estabelecer na Europa uma paz duradoura é reunir os povos numa única organização. Tão justa e grande ideia teve, de facto, o Abade de Saint-Pierre. Foi, porém, incompleta, impraticável, quase. O seu plano deixava de pé o antagonismo de interesses, não criando uma autoridade suficientemente forte, a fim de tornar impossíveis resistências. A primeira condição de uma organização política europeia é a homogeneidade das partes que a compõem. As instituições devem, por assim dizer, tornar-se a consequência de uma concepção única, e o governo deve, a todos os respeitos, conservar a mesma forma, invariável sempre. O governo geral deve estar independente dos governos nacionais. Aqueles que compuserem o governo geral devem ser arrastados pela sua posição à concepção de vistas gerais, ocupando-se especialmente dos interesses gerais. Neles reside o poder em toda a plenitude. Nada devem aos estranhos. E disto se devem compenetrar. Acima de tudo a opinião pública, cujo órgão eles representam. A melhor forma de governo é a parlamentar, em virtude da qual o governo pertence ai rei e às duas câmaras. Por isso que o governo parlamentar é o melhor de todas as constituições, - devem todas as nações europeias ser governadas, cada uma por um parlamento nacional, concorrendo assim para a formação de um parlamento geral, cuja missão é decidir acerca dos interesses, comuns a toda a sociedade europeia. A Europa teria a melhor organização possível, se todas as nações que ela encerra, sendo governadas, cada uma por um parlamento, reconhecessem a supremacia de um parlamento geral, colocado acima de todos os governos nacionais, e investido do poder de julgar as suas contendas. Observada esta fórmula, aliás muito clara e precisa, nada mais nos resta do que traçar a constituição de um parlamento europeu. A sua formação constará de uma câmara de deputados, de uma câmara de pares e de um rei. A câmara de deputados, exclusivamente composta de sábios, de magistrados e de administradores, será formada de duzentos e quarenta membros, em razão de quatro deputados para cada milhão de europeus, versados nos elementos de leitura e de escrita: um negociante, um magistrado, um sábio e um administrador. A câmara dos pares será composta de um número indeterminado de membros, eleitos pelo rei. Contudo, o projecto é naturalmente marcado pelas circunstâncias da queda de Napoleão e procura sobretudo resolver o entendimento entre franceses e britânicos, propondo que a relação entre as duas potências se coloque no plano dos interesses comuns e dos entendimentos sólidos. Mas, se no plano da política interna europeia se adopta uma postura pacifista, porque isso corresponderia ao interesse dos produtores, eis que o projecto não deixa de considerar a expansão colonial como um dos principais objectivos da unidade europeia proposta.
Retirado de Respublica, JAM

Relvas, José Maria Mascarenhas (1858-1929)

Grande agricultor ribatejano. Ministro da fazenda do governo provisório, de 12 de Outubro de 1910 a 3 de Setembro de 1911. Ligado a Manuel Brito Camacho, logo nomeia Inocêncio Camacho para secretário-geral do ministério, donde passa para governador do Banco de Portugal. Representa o grupo do directório do partido e conta com especiais ligações ao jornal A Luta. Surge, depois, como aliado de João Chagas. Um dos principais líderes da Associação Central da Agricultura Portuguesa. Presidente do governo de concentração republicana, de 26 de Janeiro a 30 de Março de 1919, que faz a transição do sidonismo para a nova República Velha.
Retirado de Respublica, JAM

Religião secular

A ideologia aproxima‑se do conceito de religião temporal ou de religião secular. Julien Benda falava no facto de se ver "cada paixão política munida de toda uma rede de doutrinas fortemente constituídas onde a única função é a de representar, para todos os pontos de vista, o supremo valor da respectiva acção, e nas quais se projecta decuplicando naturalmente o seu poder passional". [O regime] soviético, ao apresentar uma intenção de Estado Universal, foi também acompanhado por uma espécie de religião secular, como assinala Jules Monnerot, dado que "o poder temporal e público é acompanhado de um poder menos visível que, operando para além das fronteiras do império, enfraquece e mina as estruturas sociais das comunidades vizinhas". Assim, "como o Islão conquistador, ignora a distinção do político e do religioso e, se aspira simultaneamente ao duplo papel de Estado universal e de doutrina universal, não é, desta vez, no interior de uma civilização de um 'mundo' coexistindo com outras civilizações, com outros 'mundos', mas à escala da Terra". Mas esta Europa que temos, esta união europeia que vamos institucionalizando é marcada por uma ordem que, como dizia Aron, não é a fundada na "independência dos Estados nacionais", nem a da "religião secular, com a sua igreja, a sua teologia, o intérprete ‑ uma vez papa e outra imperador ‑ dos profetas". Para o mesmo autor " a ordem que oferece o Ocidente não é nem imperial, nem totalitária, fundar‑se‑á sobre uma mistura de hegemonia do mais forte e de um consentimento real dos menos fortes". Religião temporal ou secular, 10, 86
Religiosismo e direito natural, 137, 957
Retirado de Respublica, JAM

Relativismo e Valores

No plano da concepção dos valores, a corrente que se opõe ao absolutismo da ética material dos valores, marcada pelo idealismo absoluto e pelo essencialismo. Considera os valores como realidades relativas, marcados pela subjectividade (os valores não estão constituídos antes de se subjectivizarem) e pela bipolaridade (para que uma coisa valha requere-se que possa não valer). O mesmo que ideal-realismo e que materialismo transcendental. Considera que a subjectividade é que torna efectiva a objectividade dos valores, que só pela existência é que se realiza a essência, que os valores não são, dado que apenas valem. Em oposição temos a ética material dos vaores, para a qual o mundo do ser está separado do dever-ser, que os valores estão separados da existência, porque o homem não cria valores, apenas os descobre, dado que os valores são tão objectivos quanto os princípios lógicos ou as leis matemáticas.
Retirado de Respublica, JAM

Relação social

Weber propõe que se supere o conceito marxista de facto social, demasiado causalista, com a ideia de relação social, oriunda de Bonald e de Comte. Uma relação social é entendida como o comportamento reciprocamente referido quanto ao seu conteúdo de sentido (Sinngehalt) por uma pluralidade de agentes e que se orienta por essa referência. Nestes termos, toda a acção, especialmente a acção social e, por sua vez, particularmente a relação social podem ser orientadas pelo lado dos participantes, pela representação da existência de uma ordem legítima. A ideia de relação social seria mais ampla, dado integrar tanto a relação causal como a co-relação significativa, admitindo que os seres humanos regulam aos seus comportamentos relativamente aos outros. Na procura da superação do causalismo mecânico, outros autros tentam alternativas, como Pareto, com a noção de dependência mútua, e Georg Simmel, com a de acção recíproca.
Relações sociais
- Ideias incarnadas na acção P. WINCH, 17, 121~Relações sociais –Comte, 27, 175.
- Marx a sociedade é um simples conjunto de relações sociais:" a essência humana não é um abstractum inerente ao indivíduo singular. Na sua realidade efectiva, é o conjunto das relações sociais".
Jellinek: O Estado enquanto realidade social não passaria de "uma mera soma de determinadas relações sociais, que se traduzem em actividade entre os homens". Ora, na realidade social, existem "unidades teleológicas", isto é, comunidades humanas marcadas por fins comuns, onde se detectam relações entre aqueles que comandam e aqueles que obedecem.
- Bonald, com efeito, considera que a sociedade, feita de "relações sociais", expressão por ele inventada, não é redutível a um complexo contratual de relações inter‑individuais, dado que deriva de um princípio sobrenatural, a vontade de Deus, que é a fonte de todo o poder.
- Lévi‑Strauss, para quem a maior parte das nossas relações sociais tem carácter inconsciente e que cada membro da sociedade tem, desta, uma visão que não corresponde à realidade do todo.
- Refira‑se que o mesmo Comte foi também um dos primeiros autores a aplicar o conceito de relações sociais, numa perspectiva organicista, cabendo‑lhe também a invenção da expressão altruísmo, o que bem revela não só a originalidade do respectivo pensamento como também as efectivas influências que o mesmo deixou na nossa forma mentis. Quem é dono de tal poder de invenção vocabular não pode, pois, deixar de ser considerado como um efectivo profeta da humanidade.
Relações sociais derivam de Deus BONALD, 131, 911
Retirado de Respublica, JAM

Reificação do homem

Categoria marxista elaborada pelo húngaro Gyorgy Luckács em 1923 (Versaclichung). A transformação do homem em simples objecto, segundo um modelo maquinal. O termo introduzido por Marx foi, depois, assumido por Marcuse e pelos teóricos da Escola de Frankfurt.
Luckács considera que a consciência de classe do proletário é que pode vencer essa transformação do homem num objecto, segundo um modelo maquinal. Contra o capitalismo, onde a racionalização fundada no cálculo incorpora o trabalhador como parcela mecanizada num sistema mecânico, salienta que o sentido revolucionário é o sentido da totalidade, uma concepção total do mundo onde o conhecimento e a acção, bem como a teoria e prática são identificadas. Distancia-se assim do materialismo mecanicista, que considera um simples positivismo, acentuando o papel da consciência humana que não reflecte passivamente uma prévia realidade empírica.
Retirado de Respublica, JAM

Reificação

Erro metodológico que leva a que se confunda uma noção com a realidade dado que a noção não passa de algo apenas concebido para a descrição da realidade. Pode assim gerar-se um nominalismo que atende mais ao nome do que à coisa.

Retirado de Respublica, JAM

Reich, Wilhelm (1897-1957)

Membro destacado da Escola de Frankfurt. Doutor em medicina e psicanalista. Começando por ensinar em Viena, emigra para os Estados Unidos, onde é professor desde 1939. Tenta aproximar Freud e Marx. Tenta identificar o conceito freudiano de repressão dos instintos ao conceito marxista de alienação económica.
Retirado de Respublica, JAM