quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Europa. A mitologia e os símbolos

Os rigores científicos da geografia não andam longe dos relatos mitológicos de onde nos vieram tanto o nome Europa como a obsidiante nostalgia pelo ventre materno asiático e da própria poesia recriadora dos mitos, confirmando-se assim que a poesia, como dizia Aristóteles, pode ser mais verdadeira que a história. Segundo os relatos da Ilíada e da Odisseia, o chefe dos deuses, Zeus, é qualificado como o euruopé, como aquele que tem olhar amplo ou que olha para longe ( eurus quer dizer amplo ou vasto e ops quer dizer olhar). A Europa aparece pois, etimologicamente, como a região do largo horizonte. Para uns, a Europa seria uma das três mil filhas de Oceano e de Tethis, as ninfas do mar ou oceânides, conforme a referência de Hesíodo, no verso 357 da Teogonia. Para outros, uma princesa fenícia, filha de Agenor, rei de Tiro, que foi amada por Zeus, rei dos Deuses; este, disfarçado de touro, raptou a princesa, levando-a, das praias de Tiro, para a ilha de Creta, onde retomou a forma primitiva; depois, transformou o touro em constelação que colocou entre os signos do zodíaco. O português António Sardinha, retomando o episódio, escreveu o poema Roubo da Europa, onde coloca a princesa fenícia nos penhascos do Ocidente, dando à luz um moço a quem chamaste Portugal. Noutro poema, sobre a mesma temática, intitulado Cabo da Roca, diz-nos: Aqui acaba toda a terra antiga,/começa aqui a tentação do mar./ Europa - ainda era rapariga -,/ Sentou-se aqui um dia a descansar./ Vinha de longe, andando com fadiga,/ vinha de longe, andando sem parar.../ Em frente ao mar, que o rosto lhe fustiga,/ logo pensou Europa em se casar./ / Pediu-a p'ra mulher o Padre-Oceano./ Entre sereias, conchas e golfinhos,/ as ondas lhe bordaram o enxoval.// E quando o noivo a recebeu, ufano,/ nestes penhascos rústicos, sòzinhos,/ deram os dois o ser a Portugal.A este respeito, importa observar que todas estas lendas gregas eram geradas quando apenas se conheciam seguramente as bordas do Medirrâneo, mar onde se casavam os três continentes conhecidos, todos com o nome de mulher: a Ásia, considerada a esposa de Prometeu, a Líbia, nome que então se dava à África, e a Europa. Também a patrística cristã de São Jerónimo (346-420) e de Santo Ambrósio (n. 340), continuada por Paulo Orósio e Santo Isidoro de Sevilha, invocam o mito bíblico de Japhet, filho de Noé, a quem teria cabido, em partilha, a Europa, enquanto para Sem e Chgam, teriam ficado a Ásia e a África.

O mar

Eis, portanto, a Europa como aquele sítio onde a terra acaba e o mar começa, conforme dizia Camões, sobre Portugal. Onde acaba toda a terra antiga e começa ... a tentação do mar, utilizando agora António Sardinha. Eis uma Europa que nasceu e cresceu à volta do mar, como observa Bernard Voyenne. Segundo as palavras deste último autor, esta península das tormentas, ramificada até ao infinito, é na verdade o lugar mais banhado que há no mundo: um quilómetro de costa para dois mil quatrocentos e vinte e nove quilómetros quadrados de terras. Por todo o lado, a água se insinua, vai subindo em largos estuários e fiordes, bordeja ilhas e ilhéus litorais. Nenhuma distância face ao mar excede mil quilómetros e na maior parte dos casos essa distância é bem menos (mesmo a Suíça, um país que passa por continental, está a menos de seiscentos quilómetros do oceano e a trezemtos do Adriático). A Europa nasceu e cresceu à volta do mar; expandiu-se a bordo de um oceano...

Os símbolos europeus

Foi misturando o azul do mar, o futurismo romântico, resquícios da mitologia e algum cabalismo, que, neste nosso tempo de ciência e racionalidade, mas depois do apocalipse e à beira de um novo e mais doloroso apocalipse, se estabeleceram os panteístas e profetistas símbolos da Europa, desde a bandeira da Europa, em 1955, com um diadema de doze estrelas sobre um fundo azul, ao próprio hino, em 1972, retirado da Ode à Alegria de Ludwig van Beethoven. Hoje a Europa tem uma bandeira azul, com uma coroa de doze estrelas, não uma estrela por Estado, mas o emblemático número doze, considerado símbolo da plenitude e da perfeição, como doze eram os filhos de Jacob, os trabalhos de Hércules, os signos do zodíaco, os meses do ano, os apóstolos ou a romana lei das doze tábuas. Doze estrelas, como as da auréola de uma Virgem que aparece no vitral da catedral de Estrasburgo, uma mulher vestida de sol, com a lua debaixo dos pés, tendo uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça (et in capite eius corona stellarum duodecim)... Tudo muito conforme, aliás, com o capítulo XII do Apocalipse de S. João. Compare-se o que a respeito escreve o nosso Padre António Vieira, onde se fala numa Mulher em dores de parto, dando à luz um Filho varão que, no entanto, há-de reinar sobre todas as nações do mundo com ceptro de ferro. Se um Dragão tenta tragá-lo, eis que ele acaba por ser arrebatado ao céu, onde acabará por assentar-se no trono de Deus. À Mulher se darão duas grandes asas de águia com que fugirá do Dragão. Virá depois um Cavaleiro, montado num cavalo branco, trazendo, na orla do vestido, a divisa rex regum et dominus dominantium, comandando um exército, também montado em cavalos brancos, que acabará por vencer o Mal, isto é, a bestialidade do Dragão e os os falsos profetas que o seguem. Interpretando tal passagem, António Vieira considera que se trata de um relato da emergência da Igreja do Quinto Império, onde se descreve a maniera da Igreja se coroar, e alcançar o Reino e império universal, onde a Lua é o Império Turco (ou o império dos que apenas têm poder temporal) e o ferro, a inteireza e constância da justiça e igualdade com que o mundo há-de ser governado. Tratar-se-ia da procura de um poder que não está sujeito às inconstâncias do tempo, nem às mudanças da fortuna e que se há-de estender até ao fim do mundo. Porque só então chegará o corpo místico de que fala São Paulo, com Cristo a nascer de novo. O tal Filho, que tem o trono no Céu, tal como a Igreja tem uma coroa na terra.

Europa-hegemonia do mais forte e consentimento dos outros,70,464

Europa-integração política,70,465

Europa-transferência de lealdades,70,465.

Retirado de Respublica, JAM