sábado, 7 de julho de 2007

João II (D.)

Na encruzilhada de todo este processo está, sem dúvida, D. João II. Alguns historiadores não se coibem mesmo em atribuir-lhe um qualificativo cesarista. Joaquim Veríssimo Serrão, referindo-se-lhe, salienta: não estamos ainda na primeira fase do absolutismo político, mas caminha-se para ela, com um conceito novo de realeza, não como dom de atributos pessoais mas como símbolo de uma autoridade que à grei se impõe acatar. E isto porque D. João II teria sido, segundo o mesmo historiador, o primeiro a erguer um conceito de Estado cesáreo, abrindo as portas do Portugal moderno. Assim, considera que a própria divisa do monarca — um pelicano, como ave que simboliza o apego na criação dos filhos — ajuda a compreender a visão paternalista, não absolutista, de D. João II, que queria defender "a sua grey" no respeito não discutível pela "sua ley", ou seja na vontade acatada da autoridade real. Alfredo Pimenta, por seu lado, salienta que D. João II simboliza, em alto grau, o regime de Poder pessoal do Rei (... ) A sua autocracia exerce-a únicamente através do interesse supremo do estado que corporiza a Nação, e que êle funde na sua própria personalidade. O contemporâneo Rui de Pina, apesar de todo o oficialismo, talvez seja mais preciso: sendo senhor dos senhores nunca quis nem parecer servo de servidores. E isto porque para D. João, as cousas de sua honra, e Estado, quiz que em todolos tempos sempre a elle fossem fectas, e guardadas com grande vebneraçam, e muito acatamento, de maneira que em todas parecia sempre lhe esquecer que era homem, e nunca lhe deixava de lembrar que era Rey e grande Senhor. Segundo a sogra, D. Brites, irmã do célebre Infante D. Fernando, a qual esteve na base daquela aliança com os Reis Católicos que levou ao tratado das Alcáçovas, D. João II queria corrigir o mundo em um dia, com novidades que fizeram muito scândalo. Por nós, diremos que ele apenas queria deixar de ser um primus inter pares, um mero suserano entre suseranos e assumir-se, não como o único senhor, mas como um senhor de senhores. De facto, D. João II pretendia, sobretudo, reagir contra os privilégios e abusos do partido aristocrático, herdados do reinado de D. Afonso V, procurando evitar a hipótese de dilaceração do reino, como acontecera com Castela, durante a governação de Henrique IV. Assim, em aliança com os povos que mais sofriam com a arbitrariedade senhorial, D. João II vai tomar medidas drásticas, quando, por exemplo, reduz o número de vassalos para 2 000 com quantia e outros tantos sem quantia. O facto primordial do respectivo reinado prendeu-se com a alteração da, até então tradicional, menagem ou homenagem vassálica, concebendo-se uma nova fórmula de juramento, preito e menagem, onde procurava acentuar-se que os castelos eram do rei e que os respectivos alcaides os detinham em nome do mesmo rei, a ele estando inteiramente subordinados. Mandou também rever todas as doações e privilégios que o rei tinha dado; efectivou o direito dos corregedores entrarem em todas as terras senhoriais. Além disso, determinou que os mandados régios fossem cumpridos sem intervenção dos senhores e também impôs a salvaguarda das eleições nos concelhos. Em 15 de Dezembro de 1481 chegou mesmo a expedir cartas régias submetendo a confirmação geral todos os privilégios, liberdades, doações, graças, mercês, tenças e ofícios que tinham sido dados pelos antecessores, submetendo-os a uma comissão por ele nomeada.

Retirado de Respublica, JAM