sábado, 18 de novembro de 2006

Conceitos Operacionais

A ciência estabelece conceitos em pri­meiro lugar para descrever o mundo que tenta explicar e, a partir deles, clas­sifica, ordena, compara e, se possível, quantifica e formula hipóteses, tendên­cias ou leis dos fenómenos. Ao conceito faz necessariamente corresponder um acto de baptismo, utilizando palavras ou descritivas ou lógicas. As últimas não se referem a nenhum objecto, mas sim a uma relação ou estrutura, enquanto que as primeiras se referem a alguma coisa dada como existente no mundo, i. é, aquilo que genericamente se chamam os observáveis; entre as palavras des­critivas ainda há que fazer uma distin­ção, porque umas vezes se referem a classes de coisas e outras vezes a uma coisa identificada. No primeiro caso fala-se de universais, e no segundo de parti­culares, reservando-se a designação de conceito para os universais. Não se chega à formulação de universais sem o exame de uma série de particulares, que constituem a matéria-prima de todas as afirmações empíricas e de todas as teo­rias. Mas apenas a passagem do exame dos particulares para os universais repre­senta o primeiro passo da classificação, e neste ponto torna-se evidente a im­portância dos conceitos. Enquanto que as palavras lógicas são dadas ao investigador, os conceitos é necessário que os formule para racionalizar a fileira dos fenómenos com os quais lida. Isto é particularmente visível nas ciências de autonomia recente, como acontece com as ciências sociais em geral e com a ciência política em particular, que não conta com uma experiência acumu­lada e transmitida. A formulação dos seus conceitos é alheia a um dos sen­tidos da ideia de definição, aquele que implica com a discussão da essência da coisa definida, p. ex. a essência da justiça ou da vida. As suas primeiras definições ou conceitos são puramente nominais, assentando o observador em que, verificados certos elementos obser­váveis, usará tal definição sem preo­cupações sobre a essência das coisas, as quais pertencem a outra ordem de indagações. Verificados certos observáveis, falará p. ex. de poder, e por isso os conceitos nominativos nunca real­mente são verdadeiros ou falsos porque se referem a observáveis, e apenas pode discutir-se se são úteis e produtivos, por razões que todas se relacionam com o método, e nenhuma diz respeito à essência das coisas. Um conceito no­minal delimita características empíricas observáveis e objecto de descrição, fa­zendo-lhe corresponder uma palavra. Estas definições são basicamente intui­tivas, correspondem a um realismo in­génuo e, como ensina Jean Piaget, é o processo usado pelas crianças para orga­nizarem o mundo que vão conhecendo, e um processo que perdura na idade adulta e também na actividade cien­tífica. Quando todavia se pretende sis­tematizar a realidade circundante, é ne­cessário ir mais longe, com a dificuldade, nas ciências sociais, de que se trata sempre de experiência mas nunca de experimentação. Suponhamos a necessi­dade de definir atitudes políticas, opi­niões ou ideologias, e tomemos o caso do pacifista. Embora exista um conceito nominal e intuitivo de pacifista não parece possível sistematizar a atitude pacifista sem convencionar previamente um grupo de per­guntas a que certos homens respondem coin­cidentemente de certa maneira. Mas na seriação das perguntas a arbitrariedade do investigador não pode ser eliminada. As perguntas do questionário são aque­las, mas nada demonstra irrefutavel­mente que não deveriam ser mais ou ser outras. De igual modo, não é pos­sível sistematizar o comportamento anticolonialista sem definir um certo nú­mero de questões cujas respostas defi­nem o comportamento. Poderá, confor­me as perguntas seriadas, ser anticolonialista o comportamento que contraria o domínio de um povo sobre outro, ou o domínio de um povo que vive em território ultramarino, ou o domínio de um povo por uma potência que não pertence ao directório mundial, ou o domínio de um povo sobre outro dis­criminado pela etnia ou pela região, ou todas as atitudes em conjunto. Trata-se sempre de observáveis, o conceito diz apenas respeito ao comportamento, e não têm em conta nem a essência do comportamento nem os valores deter­minantes. O investigador tem de fazer um corte no comportamento observá­vel, abrangendo maior extensão ou me­nor, por simples conveniência de mé­todo. Assim, para entender o colonia­lismo da Conferência de Berlim de 1885, e o anticolonialismo de resposta, talvez tenhamos de assentar em que abrange o domínio pelos povos ocidentais sobre as restantes etnias. O elemento étnico entrará na definição. Mas o anticolonia­lismo da ONU talvez tenha de ser definido como o comportamento con­trário ao domínio, pelos ocidentais, de etnias situadas em regiões do globo que não pertencem às esferas de influên­cia ou da U. R. S. S. ou dos E. U. A. O conceito é operacional porque se destina, como um instrumento, a sis­tematizar a realidade observável, e adopta-se em função das necessidades do objecto e do método. A compreen­são do comportamento convencional­mente definido, mas apreciado em fun­ção de convicções, valores e ideologias, já excede o conceito operacional, e obriga a referências valorativas que de­terminarão novas definições do mesmo comportamento segundo a variação dessa constelação de valores. O comporta­mento anticolonialista dos E. U. A. e da U. R. S. S., na vigência da ONU, reconduz a um conceito comum opera­cional que tem em vista o colonialismo de sede europeia. Mas, em função das ideologias, os E. U. A. provavelmente orientam-se pela liberdade de comér­cio e circulação, e a U. R. S. S. pela luta contra as posições dos Estados que considera capitalistas. A coincidência operacional do comportamento não im­plica coincidência no plano dos valores, e este último critério obrigará a formular dois conceitos valorativos. Mas o com­portamento de ambas as potências, por­que não consentem o anticolonialismo nas zonas do globo que respectivamente dominam, já coincide na posição que se traduz em entender que a dignidade de uma grande potência não se subor­dina ao voto maioritário das pequenas, e o anticolonialismo reduz-se a um só conceito valorativo abrangente do com­portamento das grandes potências. Os conceitos operacionais parecem de uma utilidade inegável, como instrumento de arrumo e sistematização da reali­dade observada, mas a sua natureza convencional não pode ser esquecida, a margem de arbitrariedade do investi­gador tem como limite a utilidade meto­dológica, e esta é discutida por duas corrente fundamentais. A primeira, re­presentado por Freud, diz o seguinte: «Frequentemente se sustenta que as ciências devem ser construídas sobre conceitos básicos definidos com clareza e solidez [...] De facto nenhuma ciência, nem mesmo a mais exacta, começa com tais definições. O verdadeiro come­ço da actividade científica consiste antes em descrever fenómenos e depois passar a agrupar, classificar e relacioná-los [...] Só depois de mais investigações e pes­quisa no domínio em questão é que ficamos habilitados a formular com cres­cente clareza os conceitos científicos que o delimitam [...] Então, realmente, pode ser a altura de o limitar dentro de definições. O progresso da ciência, toda­via, requer uma certa elasticidade mes­mo nessas definições.» A outra, representada por Schattschneider, afirma:
«Há qualquer coisa de estranho no sen­timento dos académicos de que não é necessária uma definição. Inevitavel­mente há uma falta de luz na disciplina porque é difícil ver coisas que são inde­finidas. Pessoas que não podem definir o objecto do seu estudo não sabem o que procuram, e se não sabem o que procuram como é que podem dizer quando é que o encontraram?»

Adriano Moreira, Enciclopédia POLIS, vol 1, col.s 1061-1065