Duguit, Léon (1859-1928)
Pofessor em Bordéus. Começa por ser especialmente marcado pelo organicismo evolucionista, à maneira de Spencer, como se reflecte em Droit Contitutionnel et Sociologie [1883] e em Des Fonctions de l'État Moderne [1894]. Numa segunda fase, a partir de 1901, evolui para um sociologismo experimentalista, influenciado por Durkheim, como se nota em L'État, le Droit Objectif et la Loi Positive [1901], L'État, le Gouvernement et les Agents [1903] e na primeira edição do Traité de Droit Constitutionnel [1911]. Numa terceira fase, já nos anos vinte, adopta a filosofia solidarista e aquilo que qualificou como sindicalismo integral, admitindo uma correcção ao respectivo realismo pelo idealismo de valores como o da justiça, o que se reflecte na segunda edição do Traité [1921]. É então que assume a defesa de uma concepção social de direito em nome do respectivo aspecto objectivista e realista. Critica os modelos da teoria geral do Estado, defensores da soberania absoluta do Estado, assumindo a defesa jurídica do solidarismo. Vive-se o ambiente posterior ao caso Dreyfus, assiste-se ao nascente sindicalismo e à defesa da descentralização territorial.
Considera que a personalidade do Estado é uma ficção. O Estado está submetido à lei e o fundamento desta é a solidariedade social, algo que não é uma criação da lei e que é superior e anterior ao Estado. Dá enfâse aos deveres do Estado em vez dos simples direitos do Estado. Serviço público em vez de soberania. Responsabilidades do Estado. Funções de polícia e defesa do fomento e do bem-estar.
Para Duguit, a palavra Estado designa toda a sociedade humana em que existe diferenciação política, diferenciação entre governantes e governados, segundo a expressão consagrada – uma autoridade política (Os Fundamentos do Direito, trad. port., Lisboa, Inquérito, 1939, p. 30). Se aceita a teoria do Estado‑Força, quando reconhece que o que aparece em primeiro plano no Estado é o seu poderio material, a sua força irresistível de constrangimento, e que o Estado é força, não há Estado senão quando num país há uma força material irresistível. Assinala, contudo, que, ao contrário dos autores alemães do Macht‑Staat, esta força irresistível do Estado é regulada e limitada pelo Direito. É que uma construção jurídica não tem valor senão quando exprime, em linguagem abstracta, uma realidade social, fundamento de uma regra de conduta ou de uma instituição política. A construção jurídica do Estado só terá, pois, valor se for a expressão, em fórmulas abstractas, de realidades concretas. A teoria do Estado‑Pessoa e da Soberania‑Direito não satisfaz, de modo nenhum, estas condições, pois implica a ideia de que o Estado é uma personalidade distinta dos individuos que o constituem e que essa personalidade é dotada de uma vontade superior, pela sua essência, a todas as vontades individuais e colectivas que se manifestam num determinado território, constituindo essa superioridade de vontade a Soberania‑Direito. Ora tudo isto são puras concepções do espírito sem nenhuma espécie de realidade positiva (Traité de Droit Constitutionnel, I, pp. 47 ss.).
Reconhecer o Estado como Força é, para o autor em análise, uma atitude realista que o afasta do idealismo, mas salientar o facto do Estado se subordinar ao Direito significa que a força, porque é força, não pode fundar o direito, mas apenas submeter‑se‑lhe. Assim, considera que a soberania é um simples poder de vontade comandante, uma vontade superior a todas as outras vontades existentes num determinado território, pelo que as relações entre a vontade soberana e as vontades não soberanas são necessariamente desiguais, dado existir uma vontade superior e outras vontades subordinadas.
A soberania é assim concebida como um poder de vontade independente e unificado. Porque, em primeiro lugar, não deriva de nenhuma outra vontade que lhe seja superior, dado ser a competência da sua competência; em segundo lugar, porque a soberania é una, atendendo a que num mesmo território não pode haver outra vontade soberana. Logo, a soberania tem de ser indivisível, inalienável e imprescritível.
Duguit, com efeito, considera que o Estado não é uma pessoa colectiva soberana, mas muito simplesmente uma sociedade na qual um ou vários indivíduos designados como governantes possuem poderio político, isto é, um poder de constrangimento irresistível; o exercício deste poder de constrangimento é legítimo, quando visa realizar os deveres que incumbem aos governantes.
Mas um governo não existe e não pode manter‑se senão quando se apoia em certos elementos de força existentes no país e quando, por outro lado, cumpre uma missão social que se impõe a todos, isto é, desenvolver a solidariedade social.
Contudo, os governantes não podem fazer nada que seja contrário à regra do direito, isto é, têm de se abster de qualquer acto que leve a um atentado contra a solidariedade social e o sentimento de justiça. Estão, assim, limitados negativamente e positivamente, pelo direito: negativamente, porque não podem fazer nada que seja contrário à regra do direito; positivamente, porque são obrigados a cooperar com a solidariedade social.
Noutra formulação, Duguit refere o Estado como uma cooperação de serviços públicos, onde a actividade de prestação é mais importante do que a dominação. Neste perfil do Estado como gestor, Duguit, como assinala Châtelet, vai abrir as portas ao intervencionismo do Estado Providência ultrapassando os preconceitos do laissez faire do Estado Liberal (Les Concéptions Politiques du XXe Siècle, p. 655).
Saliente‑se que para Duguit o homem é por natureza um ser social e os seus actos não têm valor senão na medida em que são actos sociais, quer dizer , actos que tendem à realização da solidariedade social e têm tanto mais valor quanto lhe tragam uma contribuição maior. Considera assim que a regra de direito é uma criação espontânea do meio social, da consciência social ou, se se preferir, da soma das consciências individuais.
– Estado como facto,91,599 –Estado,102,693 –Nação,65,426 –Obediência,55,355–Poder,54,339 Em 28 e 29 de Novembro de 1923, Léon Duguit profere conferências na Faculdade de Direito de Lisboa: Les Grandes Doctrines Juridiques et le Pragmatisme. Em 7 de Dezembro, o deão de Bordéus transforma-se no primeiro doutor honoris causa da escola. Sérgio há-de chamar-lhe um conferente de filosofia superficial, sem uma profunda compreensão dos problemas da filosofia, não conseguindo assentar o seu discurso numa noção suficientemente exacta do conceito. Uma das consequências das teses do Estado-Força é a escola realista francesa de Léon Duguit (1859-1928), para quem a palavra Estado designa toda a sociedade humana em que existe diferenciação política, diferenciação entre governantes e governados, segundo a expressão consagrada — uma autoridade política. Duguit, com efeito, considera que o Estado não é uma pessoa colectiva soberana, mas muito simplesmente uma sociedade na qual um ou vários indivíduos designados como governantes possuem poderio político, isto é, um poder de constrangimento irresistível; o exercício deste poder de constrangimento é legítimo, quando visa realizar os deveres que incumbem aos governantes. Mas um governo não existe e não pode manter-se senão quando se apoia em certos elementos de força existentes no país e quando, por outro lado, cumpre uma missão social que se impõe a todos, isto é, desenvolver a solidariedade social. Contudo, os governantes não podem fazer nada que seja contrário à regra do direito, isto é, têm de se abster de qualquer acto que leve a um atentado contra a solidariedade social e o sentimento de justiça. Estão, assim, limitados negativamente e positivamente, pelo direito: negativamente, porque não podem fazer nada que seja contrário à regra do direito; positivamente, porque são obrigados a cooperar com a solidariedade social. Porque o Estado é a força, mas força subordinada a uma regra de direito superior a ele, força que só legitimamente se impõe quando actua em conformidade com essa regra de direito. Se aceita a teoria do Estado-Força, quando reconhece que o que aparece em primeiro plano no Estado é o seu poderio material, a sua força irresistível de constrangimento, e que o Estado é força, não há Estado senão quando num país há uma força material irresistível, logo assinala, ao contrário dos autores alemães do Macht‑Staat, que esta força irresistível do Estado é regulada e limitada pelo Direito. Neste sentido, considera que uma construção jurídica não tem valor senão quando exprime, em linguagem abstracta, uma realidade social, fundamento de uma regra de conduta ou de uma instituição política. A construção jurídica do Estado só terá, pois, valor se for a expressão, em fórmulas abstractas, de realidades concretas. A teoria do Estado-Pessoa e da Soberania-Direito não satisfaz, de modo nenhum, estas condições, pois implica a ideia de que o Estado é uma personalidade distinta dos individuos que o constituem e que essa personalidade é dotada de uma vontade superior, pela sua essência, a todas as vontades individuais e colectivas que se manifestam num determinado território, constituindo essa superioridade de vontade a Soberania-Direito. Ora tudo isto são puras concepções do espírito sem nenhuma espécie de realidade positiva. Reconhecer o Estado como Força é, para o autor em análise, uma atitude realista que o afasta do idealismo, mas salientar o facto do Estado se subordinar ao Direito significa que a força, porque é força, não pode fundar o direito, mas apenas submeter-se-lhe. Esta concepção realista não aceita, pois, a visão do Estado como pessoa colectiva, o dogma da soberania alienável e divisível, bem como a chamada auto-limitação do Estado. Para ele, a soberania é um simples poder de vontade comandante, uma vontade superior a todas as outras vontades existentes num determinado território, pelo que as relações entre a vontade soberana e as vontades não soberanas são necessariamente desiguais, dado existir uma vontade superior e outras vontades subordinadas. A soberania é, assim, concebida como um poder de vontade independente e unificado. Porque, em primeiro lugar, não deriva de nenhuma outra vontade que lhe seja superior, dado ser a competência da sua competência; em segundo lugar, porque a soberania é una, atendendo a que num mesmo território não pode haver outra vontade soberana. Logo, a soberania tem de ser indivisível, inalienável e imprescritível.
Para Duguit, a palavra Estado designa toda a sociedade humana em que existe diferenciação política, diferenciação entre governantes e governados, segundo a expressão consagrada – uma autoridade política (Os Fundamentos do Direito, trad. port., Lisboa, Inquérito, 1939, p. 30). Se aceita a teoria do Estado‑Força, quando reconhece que o que aparece em primeiro plano no Estado é o seu poderio material, a sua força irresistível de constrangimento, e que o Estado é força, não há Estado senão quando num país há uma força material irresistível. Assinala, contudo, que, ao contrário dos autores alemães do Macht‑Staat, esta força irresistível do Estado é regulada e limitada pelo Direito. É que uma construção jurídica não tem valor senão quando exprime, em linguagem abstracta, uma realidade social, fundamento de uma regra de conduta ou de uma instituição política. A construção jurídica do Estado só terá, pois, valor se for a expressão, em fórmulas abstractas, de realidades concretas. A teoria do Estado‑Pessoa e da Soberania‑Direito não satisfaz, de modo nenhum, estas condições, pois implica a ideia de que o Estado é uma personalidade distinta dos individuos que o constituem e que essa personalidade é dotada de uma vontade superior, pela sua essência, a todas as vontades individuais e colectivas que se manifestam num determinado território, constituindo essa superioridade de vontade a Soberania‑Direito. Ora tudo isto são puras concepções do espírito sem nenhuma espécie de realidade positiva (Traité de Droit Constitutionnel, I, pp. 47 ss.).
Reconhecer o Estado como Força é, para o autor em análise, uma atitude realista que o afasta do idealismo, mas salientar o facto do Estado se subordinar ao Direito significa que a força, porque é força, não pode fundar o direito, mas apenas submeter‑se‑lhe. Assim, considera que a soberania é um simples poder de vontade comandante, uma vontade superior a todas as outras vontades existentes num determinado território, pelo que as relações entre a vontade soberana e as vontades não soberanas são necessariamente desiguais, dado existir uma vontade superior e outras vontades subordinadas.
A soberania é assim concebida como um poder de vontade independente e unificado. Porque, em primeiro lugar, não deriva de nenhuma outra vontade que lhe seja superior, dado ser a competência da sua competência; em segundo lugar, porque a soberania é una, atendendo a que num mesmo território não pode haver outra vontade soberana. Logo, a soberania tem de ser indivisível, inalienável e imprescritível.
Duguit, com efeito, considera que o Estado não é uma pessoa colectiva soberana, mas muito simplesmente uma sociedade na qual um ou vários indivíduos designados como governantes possuem poderio político, isto é, um poder de constrangimento irresistível; o exercício deste poder de constrangimento é legítimo, quando visa realizar os deveres que incumbem aos governantes.
Mas um governo não existe e não pode manter‑se senão quando se apoia em certos elementos de força existentes no país e quando, por outro lado, cumpre uma missão social que se impõe a todos, isto é, desenvolver a solidariedade social.
Contudo, os governantes não podem fazer nada que seja contrário à regra do direito, isto é, têm de se abster de qualquer acto que leve a um atentado contra a solidariedade social e o sentimento de justiça. Estão, assim, limitados negativamente e positivamente, pelo direito: negativamente, porque não podem fazer nada que seja contrário à regra do direito; positivamente, porque são obrigados a cooperar com a solidariedade social.
Noutra formulação, Duguit refere o Estado como uma cooperação de serviços públicos, onde a actividade de prestação é mais importante do que a dominação. Neste perfil do Estado como gestor, Duguit, como assinala Châtelet, vai abrir as portas ao intervencionismo do Estado Providência ultrapassando os preconceitos do laissez faire do Estado Liberal (Les Concéptions Politiques du XXe Siècle, p. 655).
Saliente‑se que para Duguit o homem é por natureza um ser social e os seus actos não têm valor senão na medida em que são actos sociais, quer dizer , actos que tendem à realização da solidariedade social e têm tanto mais valor quanto lhe tragam uma contribuição maior. Considera assim que a regra de direito é uma criação espontânea do meio social, da consciência social ou, se se preferir, da soma das consciências individuais.
– Estado como facto,91,599 –Estado,102,693 –Nação,65,426 –Obediência,55,355–Poder,54,339 Em 28 e 29 de Novembro de 1923, Léon Duguit profere conferências na Faculdade de Direito de Lisboa: Les Grandes Doctrines Juridiques et le Pragmatisme. Em 7 de Dezembro, o deão de Bordéus transforma-se no primeiro doutor honoris causa da escola. Sérgio há-de chamar-lhe um conferente de filosofia superficial, sem uma profunda compreensão dos problemas da filosofia, não conseguindo assentar o seu discurso numa noção suficientemente exacta do conceito. Uma das consequências das teses do Estado-Força é a escola realista francesa de Léon Duguit (1859-1928), para quem a palavra Estado designa toda a sociedade humana em que existe diferenciação política, diferenciação entre governantes e governados, segundo a expressão consagrada — uma autoridade política. Duguit, com efeito, considera que o Estado não é uma pessoa colectiva soberana, mas muito simplesmente uma sociedade na qual um ou vários indivíduos designados como governantes possuem poderio político, isto é, um poder de constrangimento irresistível; o exercício deste poder de constrangimento é legítimo, quando visa realizar os deveres que incumbem aos governantes. Mas um governo não existe e não pode manter-se senão quando se apoia em certos elementos de força existentes no país e quando, por outro lado, cumpre uma missão social que se impõe a todos, isto é, desenvolver a solidariedade social. Contudo, os governantes não podem fazer nada que seja contrário à regra do direito, isto é, têm de se abster de qualquer acto que leve a um atentado contra a solidariedade social e o sentimento de justiça. Estão, assim, limitados negativamente e positivamente, pelo direito: negativamente, porque não podem fazer nada que seja contrário à regra do direito; positivamente, porque são obrigados a cooperar com a solidariedade social. Porque o Estado é a força, mas força subordinada a uma regra de direito superior a ele, força que só legitimamente se impõe quando actua em conformidade com essa regra de direito. Se aceita a teoria do Estado-Força, quando reconhece que o que aparece em primeiro plano no Estado é o seu poderio material, a sua força irresistível de constrangimento, e que o Estado é força, não há Estado senão quando num país há uma força material irresistível, logo assinala, ao contrário dos autores alemães do Macht‑Staat, que esta força irresistível do Estado é regulada e limitada pelo Direito. Neste sentido, considera que uma construção jurídica não tem valor senão quando exprime, em linguagem abstracta, uma realidade social, fundamento de uma regra de conduta ou de uma instituição política. A construção jurídica do Estado só terá, pois, valor se for a expressão, em fórmulas abstractas, de realidades concretas. A teoria do Estado-Pessoa e da Soberania-Direito não satisfaz, de modo nenhum, estas condições, pois implica a ideia de que o Estado é uma personalidade distinta dos individuos que o constituem e que essa personalidade é dotada de uma vontade superior, pela sua essência, a todas as vontades individuais e colectivas que se manifestam num determinado território, constituindo essa superioridade de vontade a Soberania-Direito. Ora tudo isto são puras concepções do espírito sem nenhuma espécie de realidade positiva. Reconhecer o Estado como Força é, para o autor em análise, uma atitude realista que o afasta do idealismo, mas salientar o facto do Estado se subordinar ao Direito significa que a força, porque é força, não pode fundar o direito, mas apenas submeter-se-lhe. Esta concepção realista não aceita, pois, a visão do Estado como pessoa colectiva, o dogma da soberania alienável e divisível, bem como a chamada auto-limitação do Estado. Para ele, a soberania é um simples poder de vontade comandante, uma vontade superior a todas as outras vontades existentes num determinado território, pelo que as relações entre a vontade soberana e as vontades não soberanas são necessariamente desiguais, dado existir uma vontade superior e outras vontades subordinadas. A soberania é, assim, concebida como um poder de vontade independente e unificado. Porque, em primeiro lugar, não deriva de nenhuma outra vontade que lhe seja superior, dado ser a competência da sua competência; em segundo lugar, porque a soberania é una, atendendo a que num mesmo território não pode haver outra vontade soberana. Logo, a soberania tem de ser indivisível, inalienável e imprescritível.