sexta-feira, 21 de setembro de 2007

End (The) of History and the Last Man, 1992

Obra de Francis Fukuyama, marcada por um exacerbado etnocentrismo. Citando Howard Wiarda (Toward a Framework for the Study of Political Change in the Iberio-Latin Tradition, de 1973), fala numa tradição ibérica autoritária, patrimonial, católica, estratificada, corporativa e semi-feudal. Num quadro cronológico sobre as democracias liberais, considera que Portugal e Espanha não tiveram democracias liberais de 1790 a 1990 (sic), colocando-nos, a Portugal e à Espanha, abaixo da Turquia, da Alemanha e da maioria dos países sul-americanos (pp.49-50). Nem o facto de escolher, para o quadro diacrónico, os marcos de 1790, 1818, 1900, 1919, 1940, 1960, 1975 e 1990 justifica o erro e o preconceito. Em 1900 e 1919, Portugal até era hiper-liberal, tanto na Constituição como na prática, como o fomos de 1820 a 1824, de 1826 a 1828 e de 1834 até 1926. Aliás, um bom democrata-liberal até nem deve esquecer que a palavra liberal deriva do castelhano, numa importação que os britânicos fizeram do termo a partir da experiência de Cádis, de 1811-1812, entre nós imitada em 1820. Este mesmo etnocentrismo levou, por exemplo, muitos soviétologos a dizer que o comunismo soviético grassou num povo que tinha uma tendência inata para regimes de despotismo oriental. No caso concreto do etnocentrismo de Fukuyama, este considera que a democracia-liberal autêntica nasceu das concepções do mundo e da vida do protestantismo, pelo que é natural que manifeste obsediantes preconceitos relativamente às sociedades marcadas pelo catolicismo e pela religião ortodoxa, acusando-as de não terem permitido tanto a secularização como a auto-organização de sociedades civis: catholicism was hel to be an insuperate obstacle to democracy in Spain, Portugal, and any number of Latin American countries, as was Orthodoxy in Greece and Russia (sic, p. 221).
Fukuyama, na sua perspectiva sobre Portugal e Espanha, trata de extrapolar incorrectamente a partir das consequências que observa na América Latina, considerando que esta região herdou muitas das instituições feudais dos séculos XVII e XVIII de Portugal e da Espanha (p. 104), dando como exemplo de feudalismo, o mercantilismo, ponto de partida para o intervencionismo estatal latino-americano. Aqui talvez importe referir que o tal mercantilismo, na qual se deve inserir a ditadura modernizadora do Leviatão pombalista quanto à unitarização do Brasil, pouco tinha de católico. Basta recordar o enfrentamento entre o iluminismo absolutista que Pombal perfilhou e o consensualismo tradicionalista que os jesuítas, como epígonos da Contra-Reforma, tentaram conservar. Outro erro básico da perspectiva de Fukuyama, está na ligação que faz entre o processo desenvolvimentista da urbanização, com o consequente abandono da agricultura, e o pluralismo democrático (pp. 109-110).
Com efeito, em Portugal, nos anos de 1974-1975, foi na urbanização destribalizadora que enxamearam os adeptos do comunismo, enquanto nos campos do Norte e do Centro, com o apoio da Igreja Católica, é que surgiu a resistência democrática e liberal da primeira revolução de veludo anticomunista consequente da Europa. Uma terceira observação sobre as teses de Fukuyama a respeito de Portugal, tem a ver com a ligação que o autor faz entre a democracia e a existência de uma forte e alargada classe média. Ora, acontece que no Portugal anterior a 1974 existia mais isonomia social do que no desenvolvido capitalismo norte-americano e nunca o salazarismo abalou uma plurissecular democracia da sociedade civil, para utilizarmos uma expressão tão cara ao professor Adriano Moreira. Pelo contrário, foi o desenvolvimentismo modernizador da jovem democracia, na sua fase pós-revolucionária, que gerou o fenómeno do novo riquismo e dos descamisados. Olhar Portugal através de algumas pretensas heranças mercantilistas ibéricas da América do Sul, esquecendo que grande parte da crise desta região do mundo também tem a ver com a maneira como o free trade anglo-americano fomentou e instrumentalizou os regimes sul-americanos desde as independências é, de certo, uma perspectiva deformadora. Se Fukuyama conhecesse directamente a realidade portuguesa, que tantas vezes cita (pp. 13, 47, 51, 104, 110, 112 e 113), para além do estudo de Philippe Schmitter de 1975 (Liberation by Golpe. Retrospective Thoughts on the Demise of Authoritatianism in Portugal), veria que aquilo que considera como as condições para a democracia (sentido da identidade nacional; religião; igualdade social; propensão para a sociedade civil e a experiência histórica de instituições liberais), e com que concordamos na generalidade, talvez estejam mais enraizadas em Portugal do que em muitos pretensos paradigmas anglo-saxónicos e germânicos de democracia. Mesmo comparando a experiência portuguesa com a norte-americana, talvez o interregno autoritário-paternalista não democrático, de 1926-1974, seja menos violento que a peculiar institution da marginalização dos não brancos, tanto através da escravatura como da segregação racial.
Retirado de Respublica, JAM