sábado, 7 de outubro de 2006

Obediência

Do latim obediscere, submeter-se à vontade de outrem e executá-la. Acção de realizar a ordem dada por um superior. Aquiescência, tácita ou expressa, face a um determinado comando. A ideia foi particularmente acentuada pelo paternalismo e pelo absolutismo, gerando o modelo do hábito de obediência dos súbditos face a uma entidade superior, o soberano. Outra é a perspectiva da obediência pelo consentimento, onde aquele que obedece apenas o faz relativamente àquilo a que dá consentimento, pelo que, de certa maneira, obedece a si mesmo, assumindo-se, ao mesmo tempo, como súbdito e soberano, isto é, como cidadão. É esta a perspectiva do consensualismo. Do mesmo modo se procura a autoridade, aquele quid que procura a obediência espontânea. O normal numa comunidade política é a obediência espontânea exigida pela sociabilidade, pelo sentimento comunitário, pelo interesse individual de obedecer e só depois pela coacção, tanto a psicológica, como a virtual ou em potência, dita coercibilidade, ou coacção potencial

. Milgram, Stanley, Obedience to Authority, Nova York, Harper Colophon Books, 1974.

. Moore, Barrington, Injustice. The Social Bases of Obedience and Revolt, Basingstoke, Macmillan Press, 1969.

. Walzer, Michael, Obligation. Essays on Disobedience, War and Citizenship, Cambridge, Massachussetts, Harvard University Press, 1970.

Obediência em consciência

Quando a coacção é entendida como uma afirmação da liberdade. Porque, como refere Jacques Maritain, a autoridade deve ser obedecida em consciência, isto é, da maneira como os homens livres obedecem e no interesse do bem comum. O animal apenas tem obstáculos naturais, não tem liberdade e não sente a coacção. E esta, como ensina Castanheira Neves, não é mais que aquele instrumento de que as colectividades organizadas se servem para impor ao arbítrio a vinculação jurídica válida... a coacção defende a liberdade contra o arbítrio, mas a coacção só será válida se for o instrumento da aplicação de um direito válido e um direito válido é aquele que recebe o seu fundamento e encontra o seu limite na consciência ética, será esta também o fundamento e o limite da coacção aceitável

Obediência pelo Consentimento

Doutrina, segundo a qual quem manda, manda, sobretudo, pelo reconhecimento daqueles que estão sujeitos ao mando. Porque todo o poder tende a ser um ofício, um simples poder-dever. Penetra-se assim na zona da autoridade, onde a obediência pelo consentimento é bem diferente da obediência pelo temor. Utilizando palavras de Georges Burdeau, a autoridade é assim a qualificação para dar uma ordem, distinta do simples poder que é apenas a possibilidade de ser obedecido. Já não se trata de um dominium servile, produto do pecado, mas antes de um dominium politicum, que já exige legitimidade. Como diz Rousseau, ainda o mais poderoso de todos os homens não será suficientemente poderoso, se não souber converter o seu poder em direito e a obediência dos outros em dever. Porque a força é uma potência física, de cujas actuações não pode resultar nenhuma moral. Também Schiller refere que a única coisa que torna poderoso aquele que manda é a obediência daquele que obedece.

Obediência gera o Estado BENTHAM

Obediência faz o imperante

A partir do absolutismo é a obediência que faz o imperante (oboedientia facit imperantem). O soberano é absoluto porque não está limitado a não ser pela sua própria vontade. O soberano não está limitado pelo direito, porque é ele que cria o direito. O soberano nem sequer está dependente das próprias leis que edita. Aquilo que o principe quer, aquilo que o principe diz, tem valor de lei. O direito deixa de ser fundamento e limite do soberano. A soberania enquanto circuito directo de comando é determinada pela adesão ou submissão de um povo relativamente ao seu governo. A qualidade soberana, afinal, nasce de um hábito de obediência de uma determinada sociedade face a um superior.

Obediência passiva dos súbditos DONOSO

Obediência como dever

Como dizia Schiller, a única coisa que torna poderoso aquele que manda é a obediência daquele que obedece. Porque, como dizia Rousseau, ainda o mais poderoso de todos os homens não será suficientemente poderoso, se não souber converter o seu poder em direito e a obediência dos outros em dever (le plus fort n'est jamais assez fort pour être toujours le maître s'il ne transforme sa force en droit et l'obéissance en devoir). Também Espinosa observa que a obediência não se refere tanto à acção externa quanto à acção anímica interna. Donde resulta que quem está mais submetido a outro, é quem decide com toda a sua alma obedecer- lhe em todos os seus preceitos; assim, quem tem a máxima autoridade, é quem reina sobre os corações dos súbditos.

Obediência e Reconhecimento.

Para Weber, se o poder enquanto Macht é a mera possibilidade de alguém impor a sua vontade a outrem, mesmo contra a vontade dele, já a segunda forma de poder, Herrschaft, implica a probabilidade de se encontrar obediência, que haja a presença efectiva de alguém mandando eficazmente em outros. Se no Macht o comando não é necessariamente legítimo, nem a submissão é obrigatóriamente um dever, já no Herrschaft, a obediência fundamenta-se no reconhecimento, pelos que obedecem, das ordens que lhe são dadas, isto é, tem de haver consentimento.

Obediência e resistência

Alain salientava que o cerne da política estava na relação entre a resistência e a obediência: o cidadão pela obediência assegura a ordem; pela resitência assegura a liberdade, dois termos que não seriam opostos, mas sim correlativos, porque não há liberdade sem ordem e a ordem de nada vale sem liberdade, pelo que haveria que obedecer resistindo, porque um homem livre contra um tirano, tal é a célula da política, isto é, obedecer em corpo; jamais obedecer em espírito; ceder absolutamente e, ao mesmo tempo, resistir absolutamente.

Obedecer a si mesmo (Rousseau).

O fim do contrato social. Aquela forma de associação pela qual cada um, unindo-se a todos, não obedece senão e si mesmo e continua tão livre como antes. É que importava encontrar uma forma de associação pela qual cada um, unindo-se a todos, não obedeça todavia senão a si mesmo e continue tão livre como dantes . Onde cada indivíduo, contratante, por assim dizer, consigo mesmo, encontra-se comprometido numa dupla relação, isto é, como membro do soberano em relação aos particulares e como membro do Estado em relação ao soberano. Assim, os associados tomam colectivamente o nome de povo, e chamam-se em particular cidadãos, quando participantes da autoridade soberana e súbditos quando submetidos à lei do Estado.

Retirado de Respublica, JAM