terça-feira, 21 de novembro de 2006

Falso Amanhecer

Em momentos de criatividade, consternação, boas e más novas, ... a vida continua!
Vejo que Mestre JAM já teve ecos das suas novas iniciativas blogueiras, com notórios valor e utilidade académica, social e politicamente pertinentes, vistos nestes momentos de um tempo que vai passando ...!
E, nestes dias de um nevoeiro que o tempo não engana, pois dele não se vislumbra qualquer sinal, mesmo que melancólico, que acalente esperanças sebastiânicas, converso sobre assuntos tidos e achados como de grande risco para a saúde (diga-se integridade física e/ ou mental) dos respectivos, explícitos e implícitos, interlocutores, vou alegando sobre a redescoberta da racionalidade económica salazareira (vista à lupa do respectivo contexto sócio-histórico) nos "condicionamentos" que o regime decretou! E muitos há que já repetem em coro o "sim senhor, pois quem disse que não havia razão para isso?".
Lembro-me, por exemplo (e, alusivamente, ao jeito de referência de catecismo), que os manuais escolares de Introdução à Economia (leia-se Economia Portuguesa) há já longos anos ensinam a mediocridade das políticas económicas do Estado Novo, no que respeita os baixos salários, que não conferindo poder de compra ao nível interno, não fomentavam o consumo indutor de uma mobilização sustentada do aparelho produtivo. E hoje!? Será que não nos podemos e devemos interrogar, num contexto de referências comparativas ao nível da internacionalização e de uma globalização, que estrutura produtiva temos? Em que termos poderemos parametrizar a comparação das variáveis de análise económica? E como contextualizamos a relação superestrutural do poder económico face ao poder político (leia-se, como e quais as referências ideológicas em que nos definem)? Mesmo que o façamos nesta era de pequenas nacionalidades, a unidade de referência analítica básica será a variável nacional. E, aí, o presente situacionismo fica historicamente enfraquecido, se fizermos o devido enquadramento histórico-conceptual (vivam os conceitos operacionalizados)!!!
É assim que remeto as atenções dos leitores deste humilde blogue para a leitura de uma obra interessante, que não seja apenas pela pertinência da contextualização histórico-política do presente, nesta era de pseudo-globalização, que não vislumbra o alcance de amanhãs porque nem sabe de que ontens vai sendo feita. Que o digamos nós, portugueses, que vamos sempre sabendo e relembrando a épica de Camões, a coragem e visão de Magalhães, a cosmogonia do Príncipe Perfeito, o labor de Pedro Nunes, e a celestialidade deste pequenino "jardim à breira-mar plantado"! No tal abraço armilar da nossa universalidade!!! Sem complexos nem reflexos redutores, ideológicos, psicológicos, sociológicos, ou de outras lógicas quaisqueres!!!
"FALSO AMANHECER
John Gray lança em Falso Amanhecer um ataque vigoroso à ideia, hoje convencional, dos mercados livres globais. As suas teses correspondem a uma verdadeira apostasia, pois o autor foi um prestigioso pensador da Nova Direita inglesa e exerceu grande influência nas políticas de Margaret Thatcher.

Gray argumenta convincentemente que o capitalismo global, decalcado do modelo anglo-americano e promovido obstinadamente pelas organizações económicas transnacionais, é devastador. Os valores individualistas e liberal-democráticos herdados do iluminismo europeu não estão ajustados ao multiculturalismo do mundo moderno global.

Gray não crê em qualquer mão invisível que possa regular os mercados livres globais. A desintegração social nos Estados Unidos e os colapsos económicos da Rússia, do México e da Ásia (que Gray previu na primeira edição deste livro) provam a perversidade dos mercados livres desregulados e aculturais, que minam a coesão social, ao mesmo tempo que exibem produtividades assombrosas.

Neste livro polémico, John Gray oferece-nos uma visão fervorosa, por vezes pessimista, do processo de globalização económica que hoje testemunhamos e, ao mostrar a intrínseca instabilidade do capitalismo global, suscita questões e inquietações de enorme importância e actualidade.

«Necessitávamos de um desafio poderoso para os cegos defensores da globalização. Agora temos um. Um livro entusiasmante, importantíssimo e original.»
- Will Hutton"

sábado, 18 de novembro de 2006

Conceitos Operacionais

A ciência estabelece conceitos em pri­meiro lugar para descrever o mundo que tenta explicar e, a partir deles, clas­sifica, ordena, compara e, se possível, quantifica e formula hipóteses, tendên­cias ou leis dos fenómenos. Ao conceito faz necessariamente corresponder um acto de baptismo, utilizando palavras ou descritivas ou lógicas. As últimas não se referem a nenhum objecto, mas sim a uma relação ou estrutura, enquanto que as primeiras se referem a alguma coisa dada como existente no mundo, i. é, aquilo que genericamente se chamam os observáveis; entre as palavras des­critivas ainda há que fazer uma distin­ção, porque umas vezes se referem a classes de coisas e outras vezes a uma coisa identificada. No primeiro caso fala-se de universais, e no segundo de parti­culares, reservando-se a designação de conceito para os universais. Não se chega à formulação de universais sem o exame de uma série de particulares, que constituem a matéria-prima de todas as afirmações empíricas e de todas as teo­rias. Mas apenas a passagem do exame dos particulares para os universais repre­senta o primeiro passo da classificação, e neste ponto torna-se evidente a im­portância dos conceitos. Enquanto que as palavras lógicas são dadas ao investigador, os conceitos é necessário que os formule para racionalizar a fileira dos fenómenos com os quais lida. Isto é particularmente visível nas ciências de autonomia recente, como acontece com as ciências sociais em geral e com a ciência política em particular, que não conta com uma experiência acumu­lada e transmitida. A formulação dos seus conceitos é alheia a um dos sen­tidos da ideia de definição, aquele que implica com a discussão da essência da coisa definida, p. ex. a essência da justiça ou da vida. As suas primeiras definições ou conceitos são puramente nominais, assentando o observador em que, verificados certos elementos obser­váveis, usará tal definição sem preo­cupações sobre a essência das coisas, as quais pertencem a outra ordem de indagações. Verificados certos observáveis, falará p. ex. de poder, e por isso os conceitos nominativos nunca real­mente são verdadeiros ou falsos porque se referem a observáveis, e apenas pode discutir-se se são úteis e produtivos, por razões que todas se relacionam com o método, e nenhuma diz respeito à essência das coisas. Um conceito no­minal delimita características empíricas observáveis e objecto de descrição, fa­zendo-lhe corresponder uma palavra. Estas definições são basicamente intui­tivas, correspondem a um realismo in­génuo e, como ensina Jean Piaget, é o processo usado pelas crianças para orga­nizarem o mundo que vão conhecendo, e um processo que perdura na idade adulta e também na actividade cien­tífica. Quando todavia se pretende sis­tematizar a realidade circundante, é ne­cessário ir mais longe, com a dificuldade, nas ciências sociais, de que se trata sempre de experiência mas nunca de experimentação. Suponhamos a necessi­dade de definir atitudes políticas, opi­niões ou ideologias, e tomemos o caso do pacifista. Embora exista um conceito nominal e intuitivo de pacifista não parece possível sistematizar a atitude pacifista sem convencionar previamente um grupo de per­guntas a que certos homens respondem coin­cidentemente de certa maneira. Mas na seriação das perguntas a arbitrariedade do investigador não pode ser eliminada. As perguntas do questionário são aque­las, mas nada demonstra irrefutavel­mente que não deveriam ser mais ou ser outras. De igual modo, não é pos­sível sistematizar o comportamento anticolonialista sem definir um certo nú­mero de questões cujas respostas defi­nem o comportamento. Poderá, confor­me as perguntas seriadas, ser anticolonialista o comportamento que contraria o domínio de um povo sobre outro, ou o domínio de um povo que vive em território ultramarino, ou o domínio de um povo por uma potência que não pertence ao directório mundial, ou o domínio de um povo sobre outro dis­criminado pela etnia ou pela região, ou todas as atitudes em conjunto. Trata-se sempre de observáveis, o conceito diz apenas respeito ao comportamento, e não têm em conta nem a essência do comportamento nem os valores deter­minantes. O investigador tem de fazer um corte no comportamento observá­vel, abrangendo maior extensão ou me­nor, por simples conveniência de mé­todo. Assim, para entender o colonia­lismo da Conferência de Berlim de 1885, e o anticolonialismo de resposta, talvez tenhamos de assentar em que abrange o domínio pelos povos ocidentais sobre as restantes etnias. O elemento étnico entrará na definição. Mas o anticolonia­lismo da ONU talvez tenha de ser definido como o comportamento con­trário ao domínio, pelos ocidentais, de etnias situadas em regiões do globo que não pertencem às esferas de influên­cia ou da U. R. S. S. ou dos E. U. A. O conceito é operacional porque se destina, como um instrumento, a sis­tematizar a realidade observável, e adopta-se em função das necessidades do objecto e do método. A compreen­são do comportamento convencional­mente definido, mas apreciado em fun­ção de convicções, valores e ideologias, já excede o conceito operacional, e obriga a referências valorativas que de­terminarão novas definições do mesmo comportamento segundo a variação dessa constelação de valores. O comporta­mento anticolonialista dos E. U. A. e da U. R. S. S., na vigência da ONU, reconduz a um conceito comum opera­cional que tem em vista o colonialismo de sede europeia. Mas, em função das ideologias, os E. U. A. provavelmente orientam-se pela liberdade de comér­cio e circulação, e a U. R. S. S. pela luta contra as posições dos Estados que considera capitalistas. A coincidência operacional do comportamento não im­plica coincidência no plano dos valores, e este último critério obrigará a formular dois conceitos valorativos. Mas o com­portamento de ambas as potências, por­que não consentem o anticolonialismo nas zonas do globo que respectivamente dominam, já coincide na posição que se traduz em entender que a dignidade de uma grande potência não se subor­dina ao voto maioritário das pequenas, e o anticolonialismo reduz-se a um só conceito valorativo abrangente do com­portamento das grandes potências. Os conceitos operacionais parecem de uma utilidade inegável, como instrumento de arrumo e sistematização da reali­dade observada, mas a sua natureza convencional não pode ser esquecida, a margem de arbitrariedade do investi­gador tem como limite a utilidade meto­dológica, e esta é discutida por duas corrente fundamentais. A primeira, re­presentado por Freud, diz o seguinte: «Frequentemente se sustenta que as ciências devem ser construídas sobre conceitos básicos definidos com clareza e solidez [...] De facto nenhuma ciência, nem mesmo a mais exacta, começa com tais definições. O verdadeiro come­ço da actividade científica consiste antes em descrever fenómenos e depois passar a agrupar, classificar e relacioná-los [...] Só depois de mais investigações e pes­quisa no domínio em questão é que ficamos habilitados a formular com cres­cente clareza os conceitos científicos que o delimitam [...] Então, realmente, pode ser a altura de o limitar dentro de definições. O progresso da ciência, toda­via, requer uma certa elasticidade mes­mo nessas definições.» A outra, representada por Schattschneider, afirma:
«Há qualquer coisa de estranho no sen­timento dos académicos de que não é necessária uma definição. Inevitavel­mente há uma falta de luz na disciplina porque é difícil ver coisas que são inde­finidas. Pessoas que não podem definir o objecto do seu estudo não sabem o que procuram, e se não sabem o que procuram como é que podem dizer quando é que o encontraram?»

Adriano Moreira, Enciclopédia POLIS, vol 1, col.s 1061-1065