Tudo se desencadeou no Porto, no dia 6 de Junho, por ocasião das festas religiosas realizadas na igreja de S. Domingos e invocando a Virgem Santíssima do Rosário, incendiando-se imeditamente quase todo o Norte, nomeadamente por ocasião da festa do Espírito Santo. Volta a agitar-se a revolta no Porto, no dia 16 de Junho, por ocasião da procissão do Corpo de Deus. Segue-se a revolta de Olhão no dia das festas de S. António, depressa propagada a todo o Algarve. Passa depois a Vila Viçosa e, em breve todo o país assistia a um levantamento popular contra a liberdade estrangeirada que nos havia invadido, invocando-se um libertacionismo quase biblíco (Sobre a matéria JOSÉ ACÚRSIO DAS NEVES, História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal e da Restauração deste Reino, in Obras Completas de José Acúrsio das Neves, vols. 1 e 2, Porto, Edições Afrontamento). E é no Porto que passa a constituir-se uma Junta Provisional do Supremo Governo, presidida pelo próprio bispo, D. António de S. José e Castro, com o apoio das tropas que haviam sido expedidas para jugular a revolta. Destaca-se também a acção em Vila Real, do conde de Amarante, o general Francisco da Silveira Pinto da Fonseca, enquanto no Algarve se salienta uma Sociedade Patriótica, dirigida pelo capitão Sebastião Brito Cabreira. Depressa esta revolta foi comandada ideologicamente pelo clero, em nome do altar e do trono, zurzindo na Revolução Francesa, criando-se um estado de coisas que apenas veio a ser confirmado pelo desembarque na costa de Lavos da expedição de 10 000 ingleses, comandanda por Wellesley. Por outras palavras, nesse ano de 1908, enquanto os ideais da liberdade nos chegavam da ocupação militar, os ideais reaccionários assumiam um sentido efectivamente libertador. Aliás, conforme nos narra José Acúrsio das Neves, resurgiram na altura alguns sebastianistas que viam sinais em ovos e passaram a olhar o mar tentando divisar uma iha encoberta donde viria o libertador. Certo dia, Junot, encontrando em Lisboa um multidão a olhar o mar, chegou a perguntar-lhes se esperavam por D. Sebastião ou pelos ingleses. José Acúrsio comenta que essas quimeras e opiniões extravagantes mostravam ódio aos usurpadores, salientando que tais mansos cordeiros podiam, à força de oprimidos, tornar-se leões selvagens (p. 381). Com efeito, a selvajaria revoltosa que se seguiu, contra o Maneta e outros opressores e colaboracionistas fez ressurgir alguns ódios antigos, sendo sintomático o caso de Vila Nova de Foz Coa, onde a multidão enfurecida gritando contra os franceses, depressa ambém gritou contra os judeus, atacando indiscriminadamente os comerciantes que julgavam descendentes dos cristãos novos. Segue-se a protecção inglesa com as vitórias de Roliça (17 de Agosto) e Vimeiro (21 de Agosto), permitindo a retirada do ocupante, nos termos da Convenção de Sintra de 2 de Outubro. Novo Conselho de Regência se estabelece imediatamente, integrado pelo bispo do Porto, depois patriarca de Lisboa, pelo conde de Castro Marim, futuro Marquês de Olhão, pelo marquês de Minas e por D. Miguel Pereira Forjaz. A partir de então desencadeia-se um processo de punição dos colaboracionistas, onde não faltam cenas de justiça popular que as autoridades pretendem controlar. O processo atinge momentos de delírio, tanto em Janeiro de 1809, como durante a própria Semana Santa, em Março. Entre Março e Maio de 1809, novo processo invasor, que apenas penetra do Minho até ao Porto, sob o comando de Soult. Em 6 de Julho de 1809, a regência é reduzida para três membros e Arthur Wellesley, passa a ter direito a assitir às reuniões. Os emigrados portugueses e as suas gazetas, principalmente o Correio Brasiliense e o Investigador Portuguez em Inglaterra, apoiados pelos liberais locais, lançam uma campanha de defesa destes elementos em toda a Europa, onde a solidariedade maçónica vai recriar uma lenda negra do reccionarismo português. Em Maio de 1810, nova remodelação, com o conde de Castro Marim, o conde de Redondo, o principal Sousa, Ricardo Raimundo Nogueira e o patriarca de Lisboa, tendo direito à assistir às reuniões o plenipotenciário inglês Charles Stuart que, pouco depois abdica em Beresford. Mas no Verão de 1810, já são 80 000 homens que nos invadem, sob o comando de Massena, a partir de Almeida, onde se integram vários portugueses, como os marqueses de Alorna e de Loulé, os condes do Sabugal e de S. Miguel, ou o então brigadeiro Manuel Inácio Martins Pamplona. Derrotados no Buçaco e nas Linhas de Torres, são, entretanto, obrigados a começar a retirar em Março de 1811, numa operação que vai durar até Outubro. A reacção das novas autoridades contra os colaboracionistas, abrangendo afrancesados, jacobinos e maçons, vai atingir o auge de 10 a 13 de Setembro de 1810, com prisões e deportações, num processo dito da setembrizada que atinge personalidades como Jácome Ratton, José Sebastião de Saldanha, Domingos Vandelli, José Vicente Ferreira Cardoso da Costa, e Manuel Ferreira Gordo, apesar dos protestos de Wellington. Com o findar da guerra em 1811, grupos de emigrados portugueses em Londres iniciam através de inúmeros periódicos, uma ampla campanha de propaganda liberalista que vai consolidar uma forte corrente de opinião. Assim, já em 1813 o escritor e panfletário absolutista José Agostinho de Macedo se lamenta que ninguém lê mais do que gazetas, nem quer ler mais do que gazetas. Com efeito, desde os finais do seculo XVIII, que parte importante da inteligentzia iluminista portuguesa encontrara refúgio na Grã Bretanha, quer como lugar de estudo quer como terra de exílio, daí fazendo janela aberta para as luzes da política. Conforme as palavras de Vitorino Nemésio, foi um movimento vagaroso, mas contínuo, de refugiados nossos, ali. A sementeira da Enciclopédia e da Revolução Francesa gerara dissidentes numerosos, muitos dos quais, marcados pela suspeição oficial. tomavam forçadamente como simples precaução a via-sacra do desterro (VITORINO NEMÉSIO, A Mocidade de Herculano (1810-1832), Amadora, Bertrand, 1979, II. A Experiência do Exílio, pp. 18 ss ). Foi o caso de Leonor de Almeida, Alcipe, a marquesa de Alorna, então condessa de Oeynhausen, irmã de um general de Bonaparte; do Abade Correia da Serra, fugido de Portugal por ter escondido na Academia o girondino e naturalista Broussonet, bem como de Silvestre Pinheiro Ferreira, em 1797, e de Francisco Solano Constâncio, que frequentou medicina em Edimburgo. O convívio com os oficiais britânicos de Wellington e de Beresford, depois das invasões francesas, vai facilitar essas relações. Mas é a partir da Vilafrancada (1823) e do regresso de D. Miguel (1828) que se estrutura uma autêntica emigração política. Continuando a seguir Vitorino Nemésio, saliente-se que, se até 1823, a emigração portuguesa em Inglaterra está reduzida a um núcleo de protestários contra a sociedade velha, mais ideólogos do que díscolos, e menos díscolos do que avessos ao fácil compromisso em que se vegetava por cá, eis que a Vilafrancada precipita em Londres o primeiro grupo de liberais já baptizados para a luta - não já os vagos jacobinos ou ajacobinados dos últimos anos lúcidos dde D. maria I e do go Governo do príncipe regente, mas os coriféus do vintismo, e até moderados ao gosto de Palmela(id. P. 39). É então que chegam Almeida Garrett, logo editor de O Chaveco Liberal, bem como Silva Carvalho, Ferreira Borges e Agostinho José Freire. Uma terceira leva chega a partir de Setembro de 1828, depois da Belfastada. Não é, pois de estranhar, que até 1832 se possam recensear cerca de trinta e dois periódicos portugueses editados além do canal da Mancha, dos quais importa destacar : Mercúrio Britânico (1798-1800); Campeão Português ou o Amigo do Rei e do Povo (1819-1821); Correio Braziliense (1808-1822), do maçon Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça (1774-1823); O Investigador Português em Inglaterra (1811-1819), fundado por Bernardo José de Abrantes e Castro bem como por Pedro Nolasco da Cunha e dirigido por José Liberato Freire de Carvalho, O Espelho Político e Moral (1813-1814), O Campeão Português (1819-1821), também dirigido por José Liberato; O Padre Amaro (1820-1826); O Portuguez, de João Bernardo da Rocha Loureiro (1778-1853) (e SILVA DIAS, op. cit., Vol. I, Tomo I, p. 576. Para um inventário destes periódicos, ISABEL NOBRE VARGUES, O processo de formação do primeiro movimento liberal: a Revolução de 1820, pp. 45 ss. ). Logo que a Corte se instalou no Brasil, voltou a constituir-se governo dominado pelo partido inglês. D. Rodrigo de Sousa Coutinho voltou a assumir as pastas da guerra e dos estrangeiros; o visconde de Anadia ficou a marinha e a D. Fernando de Portugal, futuro marquês de Aguiar, coube a assistência ao despacho, em acumulação com o reino e a fazenda. Ali se criam imediatamente o Conselho de Estado, a Mesa de Consciência e Ordens, o Conselho da Fazenda, a Junta do Comércio, a Intendência Geral da Polícia, o Desembargo do Paço, a Casa da Suplicação. O reino reproduzia-se no novo reino e em breve já éramos dois reino com o nome de Reino Unido. Expandimo-nos para a Guiana francesa e para a margem oriental do Rio da Prata, possessão espanhola. Tratado de 1810 com a Inglaterra abre os portos do Brasil ao comércio britânico. Criou-se o Banco do Brasil. Surgiu o plano de instrução delineado por Francisco Borja de Garção Stockler. Morte de D. Maria I em 1816, então com 82 anos. Duas revoltas liberais. Lisboa, com Gomes Freire, em 1817. No mesmo ano, a revolta do Pernambuco. Segue-se o governo de D. Rodrigo de Sousa Coutinho e depois o governo do Conde de Arcos (anti-britânico) e de Tomás António Vila Nova Portugal (artido inglês). Palmela nomeado para os estrangeiros, ficou na Europa.