domingo, 3 de junho de 2007

Teledemocracia

Com a emergência da televisão, a realidade transformou-se em espectáculo, dando-se a emergência dos poderes do imaginário que transformaram o Estado num Estado Espectáculo, a democracia numa teledemocracia e o Poder num videopoder, naquela teatrocracia que passou a invadir o nosso quotidiano.
  • Arterton, F. Christopher et alii, Teledemocracy. Can Technology Protect Democracy?, Newbury Park, Sage Publications, 1987.

Retirado de Respublica, JAM

Teknè

Técnica ou arte (em grego).
Como assinala o manual de etimologia grega de F.E.Peters, a teknè ou techne é algo que emerge da experiência (empeiria), dos casos individuais e passa da experiência à tekné quando as experiências individuais são generalizadas num conhecimento de causas: o homem experimentado sabe como, mas não porquê. Assim, é um tipo de conhecimento e pode ser ensinado.
Na outra polaridade, temos a camada do saber-fazer (techne, ars), um saber realizável, uma técnica pura, um fazer do saber, aquele comjunto de habilidades que, no plano da polis era qualificado como a deinotes politike.
Aqui, há uma atitude cega perante todos os valores (wertblind), como é timbre das ciências da natureza e da arte política, das ciências empírico-analíticas, marcadas pela racionalidade técnica.
Finalmente, para outros, politica teria como intermediário a expressão ê politikè, que poderemos traduzir por arte política.
O nosso Almada Negreiros salienta o facto de politikè reunir polis mais teknè, devendo, portanto, a política ter o sentido de arte da cidade,o que quer dizer literalmente movimento ou criação de movimento na cidade.
A tekné, com efeito, dirige‑se mais à produção, à poietike do que à acção, à pratiké.
e politike, onde já temos uma mistura entre polis e techne, onde techne não corresponde exactamente ao que nós hoje entendemos por técnica como saber fazer, dado que, entre os gregos, techne dirige‑se mais à produção, à poietike do que à acção, à pratiké.
Assim, a política como politike, como dizia o nosso Almada Negreiros, tem o sentido de arte da cidade, o que quer dizer literalmente movimento ou criação de movimento na cidade.
Por outras palavras, não corresponde à arte política, à maneira maquiaveliana, à simples técnica que preside à conquista e conservação do poder supremo, a esse modelo instrumental que engloba o actual marketing político do Estado-Espectáculo, exigindo um pouco mais de fundura.
Em Politikos, Platão já distingue a sabedoria da arte política. Se a sabedoria tem a ver com aquela Idade de Ouro em que um deus guiava tudo, eis que a arte política (politike tekne) apenas surgiu quando os homens começaram a ter que tomar conta deles mesmos e passaram a viver o tempo das desordens e da injustiça, quando o pastor, em vez de ser um deus, passou a ser da mesma espécie que o rebanho.
Já em Politikos, distingue a política como conhecimento (episteme politikei) da arte política (techne politike), que qualifica como a realeza ou arte real, a arte dos reis, a arte daqueles que não são tiranos, uma arte que não seria puramente cognitiva como a aritmética, dado destinar-se a comandar seres humanos: a política é a arte de criar os rebanhos, dividindo-se estes, primeiro, em animais com cornos e sem cornos, depois em bípedes e em quadrúpedes. A política é a arte de conduzir bípedes que não possuem cornos nem plumas.
Retirado de Respublica, JAM

Tecno-estrutura

Conceito estabelecido por J. K. Galbraith em The New Industrial State, de 1967. Nota a transferência de poderes para um aparelho de decisão cujos fins não têm nada a ver com os que são assumidos pelos patrões e pelos próprios organizadores ou managers.
Retirado de Respublica, JAM

Tecnodemocracia

Duverger, em Janus, les Deux Faces de l’Occident, de 1972, considera que, depois de 1945, à democracia liberal sucedeu uma tecnodemocracia, fundada em vastas organizações, complexas e hierarquizadas, com uma nova oligarquia que depende mais do estado que na anterior ordem assente na concorrência de pequenas unidades autónomas.

Jano/ Duverger
Retirado de Respublica, JAM

Tecnocracia

Nos anos trinta do século XX, surgiu nos Estados Unidos da América a ideia de tecnocracia como uma nova forma de organização da sociedade, quando se admitiu que a economia poderia passar a ser dirigida por técnicos e organizadores, independentes dos proprietários. Baseia-se na noção de eficiência, apelando para o domínio dos organizadores. Trata-se de uma velha tendência de todas as civilizações, também patente no mandarim do modelo chinês, o qual, para atingir esse estado era obrigado a um rigoroso exame, equivalente às provas a que é sujeito o nosso licenciado ou à obra prima que era obrigado a fazer o companheiro das corporações medievais quando queria atingir o estatuto do mestre. O fenómeno que também afectou o estalinismo transformou-se, pelo menos no campo ocidental, numa ideologia que, segundo Jean Meynaud, radica no facto de reservar o lugar central aos fenómenos económicos: a sua construção e articulação realiza-se em função da vida económica; auto-justifica-se em termos de eficácia económica para descobrir soluções óptimas no campo do bem-estar social, caracterizando-se pelo emprego dos métodos das ciências físicas para solucionar problemas sociais, assim como por uma grande confiança na técnica da planificação para regulamentar e desenvolver a economia. Constitui uma espécie de transposição para a Europa Ocidental do pragmatismo norte-americano, mas desligado dos valores morais que sustentam a american way of life, transformando-se numa espécie de ideologia desenvolvimentista marcada pela ingenuidade planificadora. De certa maneira, não uma forma de tradução em calão do mito da era dos organizadores, conduzindo para o materialismo das sociedades de consumo e para os vazios éticos das falsas ideias de progresso. Como salientava Paulo VI, há um neopositivismo tecnocrático que considera a técnica universal como forma dominante de actividade, como modo invasor de existir, mesmo como linguagem, sem que a questão do seu sentido seja realmente levantada.
A perspectiva de Habermas
Segundo Habermas, a relação entre o saber, a ciência e o político pode ser encarada de forma decisionista, de forma tecnocrática ou de forma pragmática. No modelo decisionista, os políticos conservam fora dos âmbitos da praxis coactivamente racionalizados uma reserva em que as questões práticas devem continuar a decidir‑se por meio de actos de vontade. Já o modelo pragmatista considera que há uma comunicação recíproca onde os peritos aconselham os políticos que, por sua vez, os encarregam segundo as necessidades da prática. No modelo tecnocrático, os peritos são os verdadeiros soberanos e os políticos apenas tomam decisões fictícias. Chega‑se, assim, ao Estado dos tecnocratas, da tecno‑estrutura (Galbraith) da managerial revolution (Burnham), típico da sociedade industrial. Um Estado que se transformou num Welfare State nas suas várias versões: desde o intervencionismo do New Deal e do keynesianismo dos modelos de raiz liberal, aos Estados Novos dos autoritarismos corporativos, depois transformado no Estado Social das ciclópicas tarefas, conforme a terminologia de Marcello Caetano. Legaz y Lacambra, a este respeito, refere a transformação do Estado Abstencionista num Estado Intervencionista. François Perroux, por seu lado, procurando traduzir a mesma realidade, fala na passagem de um Estado Abstencionista para um Estado Económico, de economia mista ou de economia de duplo sector. Há assim uma identificação entre Estado da Sociedade industrial e o Estado Administrativo ou Estado com executivo forte, todos produto de uma certa fase ideológica do mundo, dita da tecnocracia.
  • Cotteret, Jean-Marie, La Technocratie, Nouveau Pouvoir, Paris, Éditions du Cerf, 1959.
  • Derossi, F., L’Illusione Tecnocratica, Milão, Eas Libri, 1978.
  • Finzi, C., Il Potere Tecnocratico, Roma, Bulzoni, 1977.
  • Fischer, Frank, Technocracy and the Politics of Expertises, Newbury Park, Sage Publications, 1990.
  • Goytisolo, Juan Vallet, Ideologia, Práxis e Mito da Tecnocracia, trad. port., Lisboa, Restauração, 1974.
  • Lock, Grahame, The State and I. Hypotheses on Juridical and Technocratic Humanism, Haia/Leyden, Martinus Nijhoff/Brill, 1981.
  • Scott, Allen J., Technopolis, Berkeley, University of California Press, 1993.
  • Straussman, Jeffrey D., The Limits of Technocratic Politics, New Brunswick, Transaction Books, 1978.
  • Thoenig, Jean-Claude, L’Ère des Technocrates, 2ª ed., Paris, Éditions L’Harmattan, 1987.
Retirado de Respublica, JAM

Tchernichevski, Nikolai Gavrilovitch (1829-1889)

Um dos nihilistas russos, para quem seria importante que o poder passasse não de jure, mas de facto para as mãos da classe mais baixa e mais numerosa: camponeses, assalariados e artesãos até porque o mais terrível de tudo é sempre o Leviathan, o monstro informe que tudo vai tragando. Contudo, Tchernishevski prefere adoptar a via literária para a revolução, começando por meditar sobre As Relações Estéticas entre a Arte e a Realidade, de 1855, até porque, segundo ele, nas nações onde a vida espiritual e social alcançou um desenvolvimento elevado existe, se assim se pode dizer, uma divisão de trabalho entre os diversos ramos da actividade mental, ao passo que entre nós não conhecemos senão um: a literatura. Dois anos depois, já considera que o socialismo pode chegar à Rússia antes de se desenvolver completamente o capitalismo, isto é, antes que sejam destruídas as raízes colectivistas que permaneciam na Rússia rural. E na sua Crítica dos Preconceitos Filosófico contra a Posse Comunal (Obshina), de 1858, declara: não somos seguidores de Hegel e, muito menos, de Schelling, mas não podemos deixar de reconhecer que os dois sistemas prestaram grandes serviços à ciência com a descoberta das formas gerais pelas quais se move o progresso histórico. O resultado fundamental desta descoberta está no seguinte axioma: pela sua forma, a etapa superior do desenvolvimento é similar ao ponto de partida. É aliás a este autor que cabe a elaboração do guia moral de todo o populismo russo, o romance Que Fazer?, escrito quando Tchernishevski estava detido, entre 1862 e 1864. Tchernichevski foi, a partir de 1856, um dos mais importantes colaboradores da revista Sovremennik (O Contemporâneo), publicada em São Petersburgo de 1836 a 1866. Nela também colaboraram Belinski, em 1847-1848, e Turguenev.
As obras completas de Tchernichevski foram publicadas em 1906, em dez tomos. O autor exerceu profunda influência na evolução do marxismo na Rússia e, logo em 1890-1892, Plekhanov uma série de artigos sobre o autor de Que Fazer? na revista Sotsial-Demokrat, órgão do grupo Emancipação do Trabalho.
Retirado de Respublica, JAM

Tchaadaev, Piotr (1794-1856)

Antigo hussardo que em Carta Filosófica, de 1829-1831, tenta construir, mas ainda à maneira germanista de Herder, a primeira história do mundo em redor do povo russo. Com efeito, até então, os eslavos eram considerados povos sem história, circunstância que andava directamente ligada à circunstância de não haver um suficiente desenvolvimento da teoria da linguagem. Na verdade, só em 1783 é que a Academia decidiu elaborar um dicionário e uma gramática da língua russa, desencadeando um processo que vai levar a que, logo nos começos do século XIX, o russo se tenha transformado em língua literária. É a partir de meados da década de trinta do século XIX que Tchaadaev vai lançar o movimento de defesa da comunidade ('soborrnost'), ponto de partida para o esforço de russificação que, meio século depois, levará Alexandre III, a partir de 1887, a determinar que, nas universidades, apenas possa ensinar-se em russo. Para Tchaadaev, todos reconhecerão que o homem não tem outro destino neste mundo senão trabalhar pela destruição da sua personalidade e sua substituição por uma existência social e impessoal. Dizia também que metidos no nosso casulo [...] permanecemos fora das grandes aventuras do mundo [...] mantivemo-nos abrigados debaixo dos nossos telhados de madeira e de colmo. Mais: vindos ao mundo como filhos ilegítimos, sem herança e sem ligação com os homens que nos precederam à face da terra, nada temos nos nossos corações dos ensinamentos anteriores às nossas próprias existências. O que é hábito e instinto nos outros povos, temos nós de meter às marteladas nas nossas cabeças. Somos, a bem dizer, estrangeiros a nós próprios. Marchamos no tempo, por forma tão singular que, à medida do nosso avanço, a véspera foge-nos para sempre consequência natural duma cultura de importação e de imitação. Entre nós não há desenvolvimento íntimo, progressão natural; as ideias novas varrem as antigas, porque não provêm delas: surgem não se sabe donde. Porque não acolhemos senão ideias feitas, não marca as nossas inteligências o sulco inapagável que todo movimento progressivo grava nos espíritos e que faz a sua força. Crescemos, mas não amadurecemos. Contudo, baseado nestas razões, acaba, paradoxalmente, por ser favorável a uma conversão da Rússia ao catolicismo. Trata-se, como assinala Besançon, de uma historiografia de tipo gnóstico, com os dois princípios e os três tempos do maniqueísmo, mas, em vez de serem apresentados através de uma mitologia, são-no através de uma história pretensamente real, objecto de ciência constatável. É o que assinala a passagem de um pensamento gnóstico a um pensamento ideológico. Assim, esta ficção que se recusa a ser uma ficção, que se apoia nos Padres e na realidade, torna-se uma ficção em dois graus, quase impossível de assinalar. No fundo, Tchaadaev pretendia aplicar à Rússia, de forma bem patriótica, as teses do destino manifesto e da missão nacional que o nascente romantismo ocidental ensaiava para outras pátrias. Assim, vem falar na potencialidade da Rússia e da sua não revelação, correspondendo-se com personalidades ocidentais como Joseph de Maistre e Louis Bonald, dois eminentes teóricos contra-revolucionários, bem como com Schelling. Para o autor russo em análise, nunca marchámos com os outros povos, não pertencemos a nenhuma das outras famílias do género humano. Não somos nem do Oriente nem do Ocidente, nem nos dizem respeito as tradições de um ou do outro. Apesar destas relações de filiação ideológica, as teses da Rússia como explosão retardada foram consideradas pelas autoridades russas como revolucionárias, pelo que o respectivo autor não só foi silenciado pela censura, como também considerado oficialmente louco, sendo condenado a vigilância médica.
Retirado de Respublica, JAM