sábado, 16 de junho de 2007

Espada, João Carlos

Teórico político português, doutorado em Oxford. Oriundo da extrema-esquerda, evoluiu e tornou-se discípulo de Karl Popper, assumindo-se como o principal vulgarizador da chamada esquerda liberal que teve na revista Risco, o principal órgão. Coube-lhe também um papel de destaque na editora Fragmentos. Salientou-se como colunista de ideias no jornal Expresso. Inspirador e coordenador do Curso de Mestrado em Teoria e Ciência Política, da Universidade Católica, com o apoio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e em intensa ligação com a Fundação Mário Soares.

· Dez Anos que Mudaram o Mundo. Crónicas sobre o Renascimento da Ideia Liberal. Lisboa, Edições Gradiva,1992.
· Social Citizenship Rights. A Critique of F. A. Hayek and Raymond Plant, Nova York, Saint Martin’s Press, 1996.
Retirado de Respublica, JAM

Fides, Fidelidade, Fideísmo, Fiduciary power

Fides
Uma força objectiva que pode ser objectivada nas coisas, produto de actos subjectivos de reconhecimento, como o que faz a simbólica do poder, conforme as palavras de Pierre Bourdieu.
Fidelidade
A ordem política feudal era marcada por relações de fidelidade, estando totalmente dissociada do princípio da territorialidade. Segundo Weber um dos elementos da chamada legitimidade tradicional. Com efeito, se no Ancien Régime a fonte do respeito e da obediência consentida era a fidelidade, eis que o Estado Moderno vai invocar a competência e os burocratas passam a substituir os fiéis. Aliás, para Weber, a legitimidade tradicional, seja a do feudalismo, baseada na relação vassálica, seja a do patrimonialismo, baseada na relação de piedade entre um paterfamilias e os seus dependentes, sempre concebeu o espaço do político à maneira de uma casa.
Fideísmo
Forma degenerada do pensamento de Pascal, surgida no século XVIII. Base do chamado pietismo. Sequela resultante da adesão aos dogmas, que manda acreditar sem reflexão. Em sentido estrito, qualquer doutrina religiosa que faz preponderar a fé (pistis ou fides) sobre a razão ou exclui esta, colocando o conhecimento das primeiras verdades na dependência de uma fé religiosa. O modelo influenciou Bayle e Kierkegaard. Em oposição ao fideísmo, surge o deísmo, uma forma de aceder a Deus apenas pela razão.
Fiduciary power
Locke considera também que o poder político como uma delegação parcial dos poderes dos indivíduos em certos homens, concebendo‑o, portanto, como simples trust ou trusteeship, como um fiduciary power. Um trust que não é propriamente um contrato, mas um poder‑dever, uma missão, um encargo que o povo confia àqueles que o representam. (Ver Locke).
Retirado de Respublica, JAM

Fichte, Johann Gottlieb (1762-1814)

Filósofo alemão, que desenvolve o sistema de Kant, transformando-o num idelaismo absoluto. Filho de tecelão. Estuda teologia em Jena. Partidário de Kant desde 1790. Chega a catedrático em Jena, com o apoio de Kant e de Goethe. Primeiro reitor eleito da Universidade de Berlim.
Panteísmo do eu
Nas suas primeiras obras, ainda é marcado por um estrito individualismo kantiano, por uma espécie de panteísmo do eu, considerando o espírito como o criador de todas as coisas, incluindo as próprias regras disciplinadoras do espírito. É, entretanto, acusado de ateísmo, por identificar Deus com a ordem moral do mundo. Vai para Berlim em 1799, onde contacta com os românticos, nomeadamente Schlegel e Schleiermacher.
Deificação do eu colectivo
Se, então, ainda saúda entusiasticamente a Revolução Francesa, eis que as invasões napoleónicas obrigam-no a transferir esse panteísmo do eu individual para uma deificação do eu colectivo, porque o espírito concebe a vida terrestre como uma vida eterna e a pátria como a representação terrestre dessa eternidade.
Língua, raça e Estado
Com ele se misturam três ideias fundamentais neste processo. A ideia de língua nacional, a de raça e a de Estado, tudo caldeado num messianismo germânico. Nos Reden an die Deutschen Nation, uma série de catorze conferências proferidas em Berlim, na ressaca da invasão napoleónica, entre 1807 e 1809, defende a existência de uma espécie de eu nacional, com base na unidade da língua e na identidade da raça. Mais do que isso: retomando a tese de Lutero sobre a predestinação do povo alemão, conclui pela necessidade de um Estado Forte.
Do espírito alemão à nação alemã
Neste sentido, considera que apesar de haver um espírito alemão, ainda não existe uma nação alemã e que construir a nação alemã seria o dever do espírito alemão para com a humanidade, dado que há um destino histórico e tudo se consegue pela educação nacional, um caminho pela convicção moral, por dentro, e não pelo poder material, de fora.
A missão educativa do Estado
Refere, aliás, que o Estado não pode ser apenas uma instituição jurídica, devendo converter‑se numa instituição educativa, cuja missão consiste em evitar o mal em vez de o castigar, visando alcançar um fim inferior (v. g. a legalidade) através de um fim superior (v. g. a moralidade).
Retirado de Respublica, JAM

Feuerbach, Ludwig Andreas (1804-1872)

Líder da chamada esquerda hegeliana, onde Marx começa. Bávaro, estuda teologia em Heidelberg. Aluno de Hegel em Berlim, desde 1824, professor em Erlangen, é afastado da docência em 1830. Retira-se para Bruckberg. Afasta-se de Hegel a partir de 1836 e adopta uma concepção naturalista do mundo. Considera que o único deus do homem é o próprio homem. No inverno de 1848-1849, por convite de parte dos estudantes de Heidelberg, dá uma série de lições sobre a essência da religião.
Retirado de Respublica, JAM

Feudalismo

Do fr. Féodalisme, 82, 543. A sociedade feudal, segundo Marc Bloch assumia-se como uma poeira de senhorios, de comunidades familiares ou aldeãs e de grupos vassálicos. Mas, por cima dela, erguiam-se as realezas e o império, com um longo passado. As realezas derivavam das chamadas monarquias bárbaras, com reis a procurarem uma dimensão sagrada, principalmente pela unção, pelo qual o homem passava do profano ao sagrado, mas ficando na dependência de quem o benzia. As realezas não eram assim apenas superiores, dado que pretendiam ascender a uma ordem verdadeiramente diferente. Em torno desta realeza começa a esboçar-se aquilo a que se irá dar o nome de Estado e que antes se qualificava como respublica, com poucas funções, aliás, dado que as tarefas do ensino e da assistência continuavam a caber à Igreja. Os poderes da realeza, além disso, tinham o carácter intermitente da sua eficácia os chefes estavam obrigados, segundo o código do bom governo da época a não poderem decidir nada de grave salvo se obtivessem previamente o conselho dos grandes do respectivo reino. Vive‑se também na Península Ibérica a proto‑história do feudalismo, uma potência que, entre nós, dificilmente passará a acto. Um tempo donde se podem retirar lições das mais contraditórias. Assim, temos os mais generosos factores democráticos, ao estilo do conventus publicus vicinorum, a nossa polis rural, ao mais cru dos pactos de submissão pessoal. Umas vezes só pode obter‑se a autonomia do grupo pela submissão inter‑pessoal dentro do grupo; outras vezes, para garantir a liberdade pessoal dentro do grupo tem de submeter‑se todo ele a um determinado potentado. Se na Península Ibérica existiram as mesmas sementes sócio‑políticas que na França irão dar origem ao feudalismo puro, entre nós, o respectivo processo de maturação foi globalmente interrompido pela guerra de reconquista. Num terreno que era potencialmente fértil, em termos feudais, faltou‑lhe o necessário adubo sócio‑político e da sementeira apenas vêm a ser colhidos alguns frutos tardiamente maduros e desadequados ao sentido do tronco, de que Alfarrobeira é um expressivo exemplo. Tanto a monarquia asturo‑leonesa como os reinos que dela se auto‑determinaram, muito especialmente o de Portugal, foram marcados pela atracção centrípeta da concentração e da centralização, que apesar de actuaram sobre bases potencialmente capazes de atomização feudalizante, geraram, deste modo, uma tensão de contrários, entre um pólo politico‑militar e um pólo sócio‑económico, com a consequente assimetria estrutural. A "senhorialidade" que muitos autores fazem opor à "feudalização" reflecte uma correcta tentativa de caracterização desse regime híbrido. As raízes visigóticas, que constituem um inequívoco "poder‑ser " de feudalismo(um regime agrícola e uma sociedade simultaneamente guerreira e aristocrática) vão enxertar‑se os corpos estranhos do comércio marítimo, do urbanismo burguês, do regalismo e da militarização vilã, pelo que, a partir do século XII, pelo menos em Portugal, nos surge já uma sociedade mista, precocemente capitalista e estadualizante. julgamos não valer a pena polemizar sobre a existência ou não de feudalismo em Portugal. Recordemos que mesmo "a Europa feudal não foi totalmente feudalizada no mesmo grau nem segundo o mesmo ritmo e, especialmente, que em parte alguma o foi completamente. Em nenhum país, a população rural caiu totalmente nas malhas duma dependência pessoal e hereditária. Quase por toda a aprte ‑ ainda que em número extremamente variável, conforme as regiões ‑ subsistiram terras alodiais, grandes ou pequenas. A noção de estado nunca desapareceu absolutamnete e, onde conservou mais vigor, houve homens que teimaram em chamar‑se 'livres', no sentido antigo da palavra, porque dependiam apenas do chefe do povo ou dos seus representantes", conforme Marc Bloch. Não será que em Portugal essas "ilhas de independência" e esses "grupos de guerreiros camponeses", para utilizar expressões do mesmo autor, não constituem indícios de superação do atavismo feudal? Não serão em Portugal extremamente precoces os sinais da representatividade das Cortes, a real autonomia dos concelhos e a força democrática da semente de Estado?
Paulo Merêa, Introdução ao problema do feudalismo em Portugal, Lisboa, 1912.
Retirado de Respublica, JAM

Ferry, Luc (n. 1951)

"o pensamento liberal da autonomia do social permitirá ou,pelo menos, vai acompanhar ...que se atinja a disjunção moderna do societal e do estatal", tornando,assim, possível "a distinção dos droits‑libertés (anti‑estatais se se preferir) dos droits‑créances (implicando a intervenção do Estado."

"a representação americana , que tem seguramente como horizonte político o liberalismo se... pressupõe filosoficamente uma concepção da história segundo a qual o real (social) é suposto reunir em si mesmo o ideal (dos direitos do homem) pelo simples jogo imanente de relações sociais animadas pelo contrário aparente do direito (o egoísmo do interesse privado)", enquanto a representação francesa "que tem como horizonte a ideia (pelo menos jacobina) de um poder omnipotente e constantemente activo, pressupõe filosoficamente uma concepção voluntarista e ética do progresso" "quer, uma filosofia prática da história , para a qual o real é transformado de fora, pelos homens, em nome de um ideal de moral universal."

"a ideia de vontade geral, isto é de uma dominação da sociedade pelo homem, com o seu correspondente, a soberania do povo, cria, na realidade, apesar da aparência de liberdade que introduz, as condições de possibilidade de um novo género, de dimensão infinitamente mais extensa que as tiranias conhecidas no Antigo Regime: a vontade do povo sendo precisamente o único princípio de legitimidade, basta apenas que seja desviada em seu proveito por uma assembleia ou por um homem para que eles se vejam investidos de um poder propriamente ilimitado".
"Rousseau não é ainda um verdadeiro moderno; ele conserva da monarquia do antigo regime a ideia voluntarista do poder‑ causa da sociedade e a exigência do primado do todo, mesmo que este primado não esteja materializado na pessoa do princípe, mas assimilado a esta entidade imanente ao social que é a vontade geral""o regresso à concepção antiga do direito natural apresenta a dupla vantagem, contra o historicismo, de restaurar uma transcendência do justo ( uma distinção do ideal e do real) e, contra o positivismo, de enraizar a validade dos valores jurídicos na própria objectividade ‑ conferindo, assim, às normas uma consistência que ameaça ,em vez de lhe retirar,nos Modernos, o enraizamento dos valores na subjectividade".
Retirado de Respublica, JAM

Ferro, António Joaquim Tavres (1895-1956)

Jornalista. Poeta modernista, companheiro de Fernando Pessoa e Mário Sá Carneiro em Orpheu. Frequenta a Faculdade de Lisboa em 1913-1918, sem concluir a licenciatura. Colabora na revista Portugal Futurista, surgida em Novembro de 1917, sendo autor de uma célebre conferência proferida no Brasil em 1922, A Idade do Jazz-Band. Como jornalista, destaca-se com uma série de entrevistas a Mussolini, Clemenceau, Pétain, Cocteau, D’Annunzio, Primo de Rivera, Unamuno e Afonso XIII. Autor de Viagem à Roda das Ditaduras. Politicamente fora sidonista, mas lofo em 1920, considera a falência da ordem republicana. Depois do 28 de Maio, está implicado no golpe de Filomeno da Câmara de 1927, com Fidelino de Figueiredo e Henrique Galvão, a chamada conspiração dos Fifis. Tinha cumprido o serviço militar em Angola como oficial miliciano, tornando-se ajudante de Filomeno da Câmara. Casado com a poetisa Fernanda de Castro. Director da Ilustração Portuguesa em 1921. Será nomeado chefe do Secretariado da Propaganda Nacional. Publica em 1933 Salazar e a sua Obra, reunindo entrevistas concedidas pelo chefe do governo ao Diario de Notícias, em finais de 1932, o Salazar passado a ferro. A obra vai ser traduzida em francês em 1934, com prefácio de Paul Valéry. Seguem as edições em inglês, em 1939, com prefácio de A. Chamberlain, em italinao, com prefácio de Corrado Zoli, e em castelhano, em 1935, com prefácio de Eugénio D’Ors. O prefácio da edição portuguesa é da autoria do próprio Salazar. Em 26 de Outubro de 1934 é nomeado como o primeiro secretário da Propaganda Nacional, cabendo-lhe dinamizar a chamada política de espírito do Estado Novo. Exerce essa actividade durante quinze anos.
Retirado de Respublica, JAM

Ferreira, Vergílio (1916-1996)

Um dos principais romancistas portugueses do século XX. Começando a respectiva formação no seminário, acaba por licenciar-se em Letras em Coimbra. Professor de liceu, desde Évora ao Liceu Camões em Lisboa, é profundamente marcado pelo existencialismo, nomeadamente de Sartre, a quem prefacia a edição portuguesa de O Existencialismo é um Humanismo. Começando pela esquerda à francesa do pós-guerra e pelo neo-realismo, distancia-se do marxismo e, depois de 1974, afirma-se socialista, assumindo um vigoroso anticomunismo, ao mesmo tempo que denuncia os protagonistas do neo-realismo português. Entre 1980 e 1988 edita um diário político-cultural, que constitui um dos principais retratos íntimos do país no período revolucionário e na ressaca pós-revolucionária.
Retirado de Respublica, JAM

Ferreira, Silvestre Pinheiro (1769-1846)

O mais notável dos publicistas da cultura portuguesa do século XIX, se vai deixar marca indelével tanto no direito público francês (basta recordar a invenção estruturada da ideia de poder de sufrágio, mais tarde desenvolvida por Hauriou) como nas próprias concepções políticas (está demonstrada a influência do corporatismo de Ferreira em Proudhon e Blanc), acabou por não ser profeta na sua própria terra, onde vieram a preponderar, primeiro, as vulgarizações simplificadoras do krausismo, a partir de Ahrens, e, depois, os delírios ideologistas do positivismo comteano.

A recepção deste modelo organicista estrangeirado impede que, entre nós, frutifique a influência de um dos mais originais publicistas do século XIX, o portuguesíssimo Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846), exilado em Paris de 1826 a 1842, autor do célebre Précis d'un Cours de Droit Public Interne et Externe, Paris, Imp. de Casimir, 1830, considerado como um dos primeiros corpos completos de direito público da Europa, abrangendo tanto o direito interno como o direito constitucional.
Segue-se, do mesmo autor, o Projecto de Ordenações para o Reino de Portugal, Paris, 1831, em três tomos, onde se propõe uma reforma das leis fundamentais portuguesas, pela edição de leis orgânicas para a respectiva execução.
Retirado de Respublica, JAM