quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Etzioni, Amitaï

Três tipos de poder


Professor na Universidade de Columbia. Na teoria do poder, distingue três tipos: o physical power, o poder proveniente da coerção; o material power, o poder que se fundamenta na capacidade de distribuir ou de recusar vantagens materializáveis; e o normative ou symbolic power, o poder que se fundamenta na aptidão para se mobilizarem convicções.

Noção de comunidade política

Considera a comunidade política como a unidade social que dispõe de mecanismos de integração autárcicos, isto é, que não depende de unidades, supra-unidades ou subunidades exteriores para manter as fronteiras, a estrutura interna e a organização política.

Três tipos de integração política

Salienta que existem três tipos de integração política, conforme os três tipos de poder. O poder físico gera uma integração política marcada por um poder de coacção superior a qualquer outro ao dispor dos respectivos membros. O poder material leva a uma integração política onde surge um centro de decisão com poder para influenciar a repartição de bens. O poder simbólico ou normativo gera um centro principal mobilizador da lealdade política dos respectivos membros.

Retirado de Respublica, JAM

Études Politiques. Recueil d’Essais, 1972

Obra de Raymond Aron, destacando-se os seguintes estudos: «De la Verité Historique des Philosophies Politiques» (1964); «A Propos de la Théorie Politique» (1962); «Macht, Power, Puissance: Prose Démocratique ou Poésie Demoniaque?» (1964); «Définition Libérale de la Liberté; Réflexions sur la Politique et la Science Politique Française» (1955); «Remarques sur la Classification des Régimes Politiques» (1965).

Retirado de Respublica, JAM

Etrúria, Reino da

Em 1801, depois do Tratado de Lunéville, entre a França e a Espanha é instituído um reino da Etrúria, considerado como propriedade da Espanha, sendo atribuído ao infante de Parma, D. Luís, casado com Maria Luiza, filha do rei de Espanha, Carlos II; o novo reino sucedia ao ao Grão-ducado da Toscana; em 1807 o reino era integrado no Império francês; o grão-ducado da Toscana foi restabelecido em 1809 pelo mesmo Napoleão em proveito da sua irmã Elisa; em 1814 foi restituído ao arquiduque Fernando III.

Retirado de Respublica, JAM

Etologismo.

Da sociobiologia às vulgatas ideológicas.

. Bessa, António Marques, Introdução à Etologia. A nova imagem do Homem, Lisboa, Edições do Templo, 1978.
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Eibl-Eibesfeld, Irenus, Human Ethology, Nova York, Aldine de Gruyter, 1975.
. Watts, Meredith, ed., Bio Politics. Ethological and Physiological Approaches, São Francisco, Josey Bass, 1981.

Retirado de Respublica, JAM

Etnocentrismo

Atitude em que se julga as sociedades de diferente civilização, segundo os critérios daquela a que pertencemos. Esta atitude de quase despreza pode também manifestar-se numa sociedade complexa relativamente a grupos profissionais, económicos ou outros, diferentes do nosso.

Retirado de Respublica, JAM

Etnia

Termo cunhado pela antropologia, em contraposição ao de raça. Se esta define um grupo por referência a critérios biológicos, já a etnia tem em vista critérios culturais, como a língua, a história, as crenças e o sentimento de pertença a uma determinada comunidade.

Retirado de Respublica, JAM


Ética da responsabilidade

Segundo Weber a moral da responsabilidade (Verantwortungsethik) interpreta a acção em termos de meios–fins e é marcada pelo supra-individualismo, defendendo a eficácia de um finalismo que escolhe os meios necessários, apenas os valorando instrumentalmente, dizendo, por exemplo, como em Maquiavel, que a salvação da cidade é mais importante que a salvação da alma.

Retirado de Respublica, JAM

Ética da convicção

Uma acção que está sujeita à antinomia da moral da convicção (Gesinnungsethik) e da moral da responsabilidade (Verantwortungsethik). A primeira, incita cada um a agir segundo os seus sentimentos, sem referência às consequências, diz, por exemplo, para vivermos como pensamos, sem pensar como vivemos, à maneira do pacifista absoluto. A segunda interpreta a acção em termos de meios–fins e é marcada pelo supra-individualismo, defendendo a eficácia de um finalismo que escolhe os meios necessários, apenas os valorando instrumentalmente, dizendo, por exemplo, como em Maquiavel, que a salvação da cidade é mais importante que a salvação da alma. Mas, as duas, segundo Weber, não são contraditórias, elas completam-se uma à outra e constituem em conjunto o homem autêntico (). Segundo Weber moral da convicção (Gesinnungsethik) incita cada um a agir segundo os seus sentimentos, sem referência às consequências, diz, por exemplo, para vivermos como pensamos, sem pensar como vivemos, à maneira do pacifista absoluto.

Retirado de Respublica, JAM

Ética material dos valores

Perspectiva assumida por Max Scheler e Nicolai Hartmann, também dita de ontologismo axiológico, reagindo contra a chamada ética formal de Kant. Liga-se à filoaofia dos valores e à fenomenologia. Considera os valores como realidades absolutas, independentes das suas relações com a realidade e susceptíveis de um conhecimento apriorístico. Scheler salienta que os valores estão separados da existência, que ser e valor vivem em mundos separados. Que os valores não são produzidos pelo sujeito, assumindo-se como algo de objectivo. Só o conhecimento dos valores é que é relativo. Hartmann salienta que os valores são essências, ideias à maneira platónica, não se enraízando nas coisas e não sendo captáveis pelo pensamento. Eles não são o produto da história, mas objectos ideias, anteriores ao processo histórico e a que só pode aceder-se mediante a intuição. Não são constituídos ou criados pelo homem na história, apenas podendo ser descobertos pelo mesmo homem.

Ética material dos valores.

Corrente que considera os valores como realidades absolutas, soltas das coisas. Max Scheler, por exemplo, defendia uma ética material de valores, um mundo do ser totalmente separado do mundo do dever-ser, e a consequente visão dos valores como entidades completamente separadas da existência.Também para Nicolai Hartmann os valores eram entendidos como essências, não se enraizando nas coisas nem nos objectos e não sendo captáveis pelo pensamento, dado serem objectos ideais, anteriores ao processo histórico, a que só poderia aceder-se pela intuição, algo que não teria sido criado ou constituído pelo homem na história, mas apenas descoberto pelo homem.

Retirado de Respublica, JAM

État, le Pouvoir, le Socialisme, 1978

Obra de Nicos Poulantzas, onde se desenvolvem as teses de Althusser sobre os aparelhos ideológicos. Numa primeira parte analisa-se a materialidade institucional do Estado. Na segunda parte, abordam-se as lutas políticas, a ideia de Estado como condensação de uma relação de forças. Na terceira parte, o Estado e a Economia hoje, analisando-se os limites do Estado-Moloch. Na quarta parte, o declínio da democracia, sobre o estatismo autoritário. Considera que toda a teoria política, desde Max Weber, ou dialoga com o marxismo ou o ataca. Concorda com Marx, quando este atribui ao Estado uma função global de coesão e considera que o Estado possui esta função particular de constituir o factor de coesão dos níveis de uma formação social. Acentua, no entanto, que numa perspectiva antropológica esta função não é específica da forma histórica particular do poder político que é o Estado. Ela define todo o poder político, incluindo o das sociedades cujo modo de organização política não comporta qualquer aparelho de Estado especializado nesta função. Nestes termos, considera que a unidade nacional torna‑se...historicidade de um território e territorialização de uma história,em suma,tradição nacional de um território materializado no Estado nação que o reconhece quando declara que "não há teoria marxista de nação",embora os clássicos do marxismo admitam "claramente e explicitamente a permanência da nação mesmo depois da extinção do Estado na sociedade comunista sem classes". Do mesmo modo,o teórico comunista francês, Roger Martelli, se aceita que Marx e Engels "não elaboraram teoria geral da nação" , não deixa de desculpá‑los, interrogando‑se sobre se " a ciência do seu tempo" lhes deu "para tanto meios?" o espaço político na Antiguidade ,como assinala Nicos Poulantzas "é um espaço que tem um centro,a polis(que tem ,por sua vez,um centro o ágora),mas não tem fronteiras no sentido moderno do termo.É um espaço concêntrico,mas aberto".E "coloniza‑se para fundar cópias de Atenas e de Roma...as cidades estão abertas aos campos...todos os caminhos levam a Roma no sentido de que Roma está em toda a parte por onde circula o soberano" Já no feudalismo medieval o espaço político é "homogéneo,contínuo,reversível e aberto...as cidades e os domínios feudais estão abertos e voltados ,por uma série de epicentros,para esse centro umbilical que é Jerusalém" e "o corpo político de cada soberano encarna a unidade desse espaço como o corpo de Cristo‑Rei e o espaço está assinalado pelas vias do Senhor". (O Estado, o Poder, o Socialismo, José Saramago, trad., Lisboa, Moraes Editores, 1978).

Retirado de Respublica, JAM

Etat Moderne et ses Fonctions, 1889

Obra de Paul Leroy-Beaulieu, composta por oito livros: I - O Estado, a sociedade e o indivíduo. A génese das funções do Estado; II - Características particulares do Estado moderno. As suas fraquezas. O seu campo de acção natural; III - As funções essenciais do Estado. A sua missão de segurança e de justiça. Da legislação e da conservação geral; IV - As obras públicas, o Estado central e as municipalidades; V - O Estado, a religião, a educação e a assistência pública; VI - O Estado, o regime do trabalho e os seguros; VII - Exame de alguns cassos acessórios da intervenção do Estado; VIII - Uma das tarefas do Estado contemporâneo: a colonização.

Retirado de Respublica, JAM

État corporatif, 1935

Dissertação de doutoramento em direito, apresentada em Lovaina por Francisco Inácio Pereira dos Santos, com a orientação de Jean Dabin. Reflecte o neotomismo institucionalista dos anos trinta, procurando colocar o modelo salazarista numa terceira via, diversa da tradição liberal e dos modelos totalitários da época. Considera que a vida social é uma imensa rede de direitos e deveres recíprocos, onde o Estado é o guardador. Na linha de La Tour du Pin, a organização política ou o Estado não é senão a superestrutura, o quadro jurídico no qual o indivíduo e os corpos sociais devem viver e desenvolver‑se, donde derivariam duas consequências: que o Estado não é o senhor absoluto dos indivíduos e dos corpos sociais que vivem no seu seio e que qualquer organização política deve ser modelada sobre a organização social. Cita, a propósito, S. Trentin, para quem o estado destacado da sociedade é o não‑estado , dado que o estado não pode conceber‑se senão como ordem jurídica na qual se apoia a organização autónoma da vida social. Assim, salienta que governar é estabelecer ordem na sociedade, isto é, imprimir‑lhe um movimento e uma organização racionais. O português Pereira dos Santos, filho deste ambiente, considerava mesmo que "a vida social se polariza em torno de diversas instituições dendo cada um a sede de uma vida jurídica interna que regula as relações dos associados entre eles, assim como as relações entre os associados e as instituições de que fazem parte". Conclui, assim, que o Estado , enquanto "instituição necessária" e "sociedade soberana", "sobrepõe‑se a todos os corpos sociais que vivem no seu seio, para regular as relações entre as diversas instituições e para representar e defender os interesses nacionais face às outras sociedades soberanas". Considera, no entanto, citando B.Tabbach, que "qualquer soberania se fundamenta e se mede objectivamente sobre um Bem que tem o encargo de realizar; que, desde logo, diferentes Poderes podem perfeitamente conciliar‑se no seio de um mesmo território e, longe de se negarem, harmonizam‑se". Refere, assim, que a Igreja também é uma sociedade soberana , ao contrário da família e da comuna, que o deixaram de ser porque "uma sociedade soberana é aquela que está dotada do direito de decidir em última instância sobre as matérias que são da sua competëncia"Citando Le Fur considera que este direito não é senão "uma qualidade do poder que não pertence a ninguém, nem antes da formação das sociedades, nem durante, nem depois, tal como a brancura não peretence ao objecto branco, ou a honestidade ao homem honesto".

Retirado de Respublica, JAM

État et les Esclaves, 1979

Obra de Blandine Barret-Kriegel, onde se faz um confronto entre o Estado de Direito e o Estado Déspota. Defende-se a necessidade de juridificar a política e de constitucionalizar o poder, criticando-se os despotismos modernos nascidos do imperialismo e do socialismo e que se exportaram ou importaram com o colonialismo e o totalitarismo. No despotismo, o poder é tudo e a política, nada, havendo uma astenia do político e uma anemia do jurídico. Um regime onde o terror substitui o direito e o medo substitui a legitimidade. Defesa do Estado, considerando que o anti-estatismo, paralelo ao anti-juridicismo, é o prolegómeno do nacionalismo, tendo sido particularmente desenvolvido pelo romantismo.

Retirado de Respublica, JAM

Estrutura

Para Claude Lévi-Strauss, a estrutura é um modelo construído relativamente à realidade empírica, a matéria prima das relações sociais. A estrutura não faz assim parte da mesma realidade empírica, um supra-objecto, um sistema de relações, que está latente no objecto, mas separado dele. As estruturas são, assim, estruturas mentais, noções de tipo matemático, mera linguagem, simples conjunto de objectos abstractos. Deste modo, considera que o social não é o real, senão integrado em sistema. Já para Georges Gurvitch, a estrutura é um sistema de relações sociais efectivamente existentes. Radcliffe-Brown fala em estrutura para referir um acordo de pessoas que têm entre elas relações institucionalmente controladas ou definidas. Talcott Parsons, por seu lado, considera a estrutura social como uma combinação e diferenciação de instituições.

Estrutura económica da sociedade

– Marxismo,49,306

Neste sentido,Marx assume‑se como anti‑estatista.Face ao respectivo conceito amplo de sociedade civil,o Estado será naturalmente desvalorizado. Uma expressão que o próprio Marx vai abandonar,já que em obras posteriores utiliza as expressões "base económica da sociedade" e "estrutura económica da sociedade" como sinónimos daquilo que designava por "sociedade civil". Para Marx o Estado não passa de um "céu da sociedade civil,tão espiritualista quanto o céu é para a terra".Porque o Estado é mais aparência do que essência,sendo o verdadeiro ópio da sociedade. Marx,com efeito,considera que anatomia da sociedade civil só pode ser feita através da economia política:"família e sociedade civil aparecem como a sombra funda da natureza donde se alumia a luz do Estado".Para ele "o ponto de vista do novo materialismo é a sociedade civil".Assim se cumpre o estabelecido por Feurbach :"a crítica do céu transforma‑se em crítica da terra,a crítica da religião em crítica do direito,a crítica da teologia em crítica da política".Neste sentido "os direitos do homem distintos do cidadão não são outra coisa senão os direitos dos membros da socieade burguesa,isto é,do homem egoista,do homem separado do homem e da comunidade".

Estrutural-funcionalismo

(structural-functional analysis, structuro-fonctionnalisme em francês)

Movimento nascido do funcionalismo antropológico de Radcliffe-Brown que marcou a sociologia e a ciência política norte-americana dos anos cinquenta, destacando-se Talcott Parsons, Arthur Fisher Bentley e Charles E. Merriam. A função passa a ser vista em termos teleológicos, como a contribuição que uma actividade parcial oferece à actividade total da qual é parte. Há uma certa tendência organicista, quando se faz uma analogia da estrutura social e da estrutura orgânica. Fala-se no sistema como unidade funcional, considerando-se, como Radcliffe-Brown, que a realidade concreta é, não uma entidade, mas um processo, o processo da vida social. O processo em si mesmo consiste num imenso número de acções e interacções de seres humanos agindo como indivíduos ou em combinações de grupos.

Retirado de Respublica, JAM

Estratégia

De estratego, “general” ou “chefe militar”. Refira-se que aquilo que em Portugal se constitucionalizou como defesa nacional tem, noutros países, a designação de estratégia nacional (caso dos Estados Unidos da América), grande estratégia (caso inglês) ou estratégia total (caso das teses francesas do General Beaufre) .E várias têm sido as tentativas portuguesas para a definição desse conceito complexo, feito de palavras analógicas. Para Cabral Couto, a estratégia tem por fim desenvolver e utilizar, com o máximo rendimento possível, as forças morais e materiais de um Estado ou coligação, com vista a atingir os objectivos fixados pela Política e que suscitam ou podem suscitar, a hostilidade de uma outra vontade política. Para Quesada de Andrade, é a arte e a ciência que se ocupa da escolha, preparação e emprego dos factores do poder nacional ( expressão integrada de todos os recursos da Nação - políticos, económicos, psicológicos e militares ), em tempo de paz , de tensão ou de guerra, para a realização dos objectivos definidos pela Política. Por seu lado, Coutinho Lanhoso, considera-a como o processo de como fazer para realizar o que fazer (objectivos fixados pela Política), a despeito dos antagonismos, onde existe um potencial estratégico ou força total (o conjunto de forças materiais - ou tangíveis- e morais - ou intangíveis - que um estado ou uma coligação de Estados tem à sua disposição, como base de apoio da sua estratégia Finalmente, para Virgílio de Carvalho, ela é a ciência e a arte de mobilizar o poder material e anímico dos países, e de o utilizar, por forma a realizar objectivos, vencendo a oposição de antagonismos. Estas definições são tributárias dos esforços de alguns estrategistas que tentaram, de forma newtoniana, reduzir o poder de uma determinada unidade política a uma fórmula matemática. Para Ray S. Cline, por exemplo, o poder apercebido - perceived power [Pp] é igual à massa crítica - função do território e da população [C] - mais capacidade económica [E], mais capacidade militar [M], vezes a coerência e adequação da estratégia nacional [S] mais a vontade nacional - a will to porsue national strategy[W], em função quer da vontade anímica da população, quer da sua adesão à estratégia nacional concebida pelo poder estabelecido. Outras fórmulas costumam também ser invocadas, como a de Spykman, onde a defesa equivale ao potencial dinâmico: V= Q x 1 ED onde Q é o potencial mássico (o somatório das forças materiais) e _ é o factor dinâmico. Na mesma fórmula E representa a resistência do meio e D, a distância a que o potencial mássico se encontra do ponto de aplicação. Já V é o potencial num determinado ponto e numa situação concreta. Por seu lado, o General A. Beaufre utiliza a fórmula V=KYF onde as forças morais são representadas por Y, F são as forças materiais e K, as circunstâncias do meio. Também Richard Nixon utiliza a fórmula: PN= (PH + Recursos) x Determinação. Por seu lado, para Haendel o Poder é igual ao Poder próprio (condições geográficas, condições materiais, recursos humanos, capacidade estrutural), mais o Poder derivado de fontes externas (alianças formais ou informais). Cabral Couto, procurando sincretizar este modelos, propõe a seguinte: Poder= F (recursos militares, económicos, humanos, morais, etc.) x Y (auto-imagem + opinião dos outros). Com efeito, a definição de estratégia nacional, está, assim dependente da noção de poder nacional. Segundo a escola sul-americana, ele é constituído por factores de toda a espécie; compreende todas as capacidades e disponibilidades do Estado, isto é, os seus recursos humanos, naturais, políticos, económicos, sócio-psicológicos e militares. É um conjunto de poderes que abarca todo o campo de acção do Estado, donde se define a estratégia nacional como a arte de preparar e de aplicar o Poder Nacional para obter ou manter objectivos fixados pela Política Nacional. Nesta base, François Martins define o Poder Nacional como a capacidade que um Estado Nação possui para determinar o comportamento de outra unidade política ou impedir que por outra seja determinado o seu, abrange todo o conjunto de meios e recursos ('forças') de que esse Estado-nação possa dispor numa determinada situação concreta para aquele efeito. Sobre a matéria, POLÍBIO VALENTE DE ALMEIDA, Do Poder do Pequeno Estado, pp. 245 e ss., bem como JOÃO BAPTISTA PEREIRA NETO, As Províncias Portuguesas do Oriente perante as Hipóteses Geopolíticas, in Colóquios sobre as Províncias do Oriente, Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1.º Volume, Lisboa, 1968, pp.201-244.

Estratégia indirecta

Se a estratégia directa consiste na utilização de forças militares ao serviço de uma acção política, já a estratégia indirecta é levar a acbo, através de meios não-militares dessa mesma acção política. Também dita estratégia oblíqua, enquanto o contrário da estratégia frontal. Utilizada pelo sovietismo durante a Guerra Fria, no seguimento dos ensinamentos de Lenine, para quem o caminho para Paris passa por Argélia. Com efeito, o confronto entre o Leste e o Ocidente teve, sobretudo, como palco o chamado Terceiro Mundo, onde até abundaram as chamadas guerras por procuração. Conceito equivalente ao de quinta coluna.

Estratégia nacional

Para R. S. Cline (1975) é a parcela de elaboração da decisão política que conceptualiza e estabelece metas e objectivos designados para proteger e realçar os interesses nacionais na esfera internacional.

Retirado de Respublica, JAM

Estónia

(Eesti Vabariik) 45 100 km2 e 1 581 000 habitantes (1991), com 65% de estonianos e 30% de russos. Independente desde o fim da Grande Guerra; conquistada por Estaline; novamente independente desde 20 de Agosto de 1991. A Estónia, Zstónia, por transliteração do russo, ou Eesti Vabariik, em estoniano, com 45 100 km2 e 1 583 000, dos quais 30,3% são russos, 2,5% ucranianos e 1,6% bielo-russos, foi formalmente integrada no Império Russo em 1721. O território da Estónia foi ocupado por tribos finlandesas desde antes de Cristo, embora as mesmas nunca se tenham constituído em unidade política. No século XIII chegaram cruzados alemães e dinamarqueses que, entre si, repartiram o território.
A zona alemã, juntamente com a Látvia, passou, então, a ser conhecida como Livónia. Entretanto, os nativos estonianos passaram a servos, a partir do século XV. Se no século seguinte foram convertidos ao luteranismo, eis que, nos finais do século XVI, passou a sofrer pressão dos russos, principalmente a partir da chamada Guerra da Livónia (1558-1583), quando Ivan IV procurou um acesso ao Báltico. Dá-se, a partir de então, um declínio da influência alemã na região, paralelo ao definhamento da Liga Hanseática e a Estónia é repartida pelos suecos, a Norte, e pelos polacos, a Sul. Contudo, no século XVII, os suecos já dominam toda a região, até à Guerra do Norte (1700-1721), onde Pedro o Grande é apoiado pelos próprios alemães bálticos. Daí que a integração formal da Estónia no Império Russo tenha sido acompanhada pela concessão de amplos privilégios à nobreza báltica, do mesmo modo como, a partir de 1816-1819, se deu nesta zona uma primeira experiência de libertação de servos. O impulso nacionalista estoniano, favorecido pela circunstância de, nos finais do século XIX, haver já uma taxa de 97% de alfabetização, vai levar a que a Dieta estoniana declare a independência em 1917, depois da Revolução russa.



Entretanto, a Estónia vai ser ocupada pelos alemães em Fevereiro de 1918. Recobra a independência em Novembro de 1918, sendo a mesma reconhecida pela Rússia Soviética em 2 de Feverreiro de 1920, através do Tratado de Tartu. Contudo, os aliados apenas reconhecem de jure o novo Estado em 1921. O golpe autoritário de 1934 fez findar o regime constitucional democrático instaurado em Dezembro de 1920, depois da eleição para a Assembleia Constituinte. A ocupação pela URSS, de Junho de 1940; a integração como República Socialista Soviética, de 1 de Agosto de 1940. Ocupada pelos alemães em Agosto de 1940, vai ser retomada pelos soviéticos em 1944. Tornou-se independente em 20 de Agosto de 1991, depois de um referendo realizado em 3 de Março, onde o sim teve a adesão de 77,83% dos habitantes.

Retirado de Respublica, JAM

Estoicismo

Serão os estóicos, um século depois dos sofistas, a concretizar essa conciliação entre o pensamento cosmológico e o pensamento antropológico, quando passa a proclamar-se que a lei natural do mundo fora de nós se identifica com a lei moral racional em nós, que o natural e o racional coincidem, considerando-se que viver segundo a natureza é viver segundo a razão.

Se a natureza continua a ser a forma ou a ideia, onde vive aquilo que é justo por natureza (physikon dikaion), o chamado direito natural, distinto do direito posto na cidade, do direito positivo, do nomikon dikaion, eis que passa a haver uma terceira ordem, mais produto da acção do homem do que da sua intenção, uma ordem espontânea, autogerada pelo tempo, endógena, que corresponderia ao kosmos e se contraporia à ordem confeccionada, exógena, artificial, resultado de uma construção.

A alma e a matéria passam assim a ser dois aspectos da mesma realidade. Nestes termos, haveria uma só lei universal, regendo tudo, uma lei universal na qual todos os homens participariam enquanto seres racionais.

Com efeito, para os gregos dizer natureza era pois o mesmo que dizer justiça, esse qualquer coisa de metapolítico sem o qual não poderia haver política, essas leis inscritas no coração e na consciência dos homens, que existiriam na consciência dos homens.

Retirado de Respublica, JAM

Estilo político

Para além da forma do poder, importa investigar o estilo político, o modo como se exerce o poder. Ficou célebre a observação de Maritain sobre a possibilidade de haver governos de esquerda com mentalidades de direita e governos de direita com mentalidades de esquerda. Com efeito, importa ir além do continente, da forma, e penetrar no conteúdo, na matéria. E, desde sempre, o pensamento político ocidental distinguiu isso. Segundo o esquema psicologista utilizado por Fernando Pessoa (JS DR 184), segundo o qual haveria em Portugal três “categorias políticas”: os indiferentes, os equilibrados e os desequilibrados. Os indiferentes poderiam sê-lo por natureza ou por decadência. Os equilibrados, dividir-se-iam entre os conservadores e os liberais e opor-se-iam oas radicais, divididos entre os reaccionários e os radicais. Glosando este esquema pessoano, poderíamos dizer que há uma família de direita equilibrada, a família conservadora, e outra desequilibrada, os reaccionário, ao mesmo tempo que as mesmas categorias dentro da família de esquerda, se dividiriam entre os liberais e os radicais, havendo entre conservadores e liberais e entre reaccionários e radicais, “absoluta identidade de psiquismos” (p.186). José Régio, de 1954, na peça de teatro A Salvação do Mundo, assinala três modelos: o democrático, para quem só os princípios da liberdade são a garantia do progresso; o aristocrático, defensor da qualidade dos governantes contra a inconsciência e a mediocridade das maiorias; e o extremista, crente em regimes de autoridade baseados nas conquistas da Ciência e da Técnica.

Retirado de Respublica, JAM

Estatutos Pombalinos da Universidade (1772)

Aí se prescrevia o método sintético, compendiário e demonstrativo, determinando-se que os professores deveriam dar primeiro que tudo as definições, e as divisões das Matérias ... passando-se logo aos primeiros princípio, e preceitos gerais mais simplices, e mais fáceis de se entenderem: E procedendo-se deles para as conclusões mais particulares, formadas da combinação de maior número de ideias, e por isso mais complicadas, e sublimes, e de inteligência mais dificultosa. Mais se estabelecia que deverão os professores ensinar tão somente a Jurisprudência por Compêndios breves, claros e bem ordenados. Os quais por se comporem unicamente do suco, e da substância das Doutrinas; por trazerem precisamente as Regras, e excepções principais, e do maior uso no Direito; por se ocuparem quase todos na Jurisprudência Didáctica, e trazerem muito pouco da Polémica; por não misturarem o Direito certo com o incerto.

Retirado de Respublica, JAM

Estatuto

Mais tarde outros autores vêm desenvolver a distinção entre o estatuto e o papel,considerando que "o estatuto de uma pessoa define‑se pelo conjunto dos comportamentos relativamente à mesma que ela pode legitimamente esperar por parte dos outros",enquanto o papel é "o conjunto dos comportamentos que são legitimamente esperados dela por parte dos outros" ‑ é o aspecto dinâmico do estatuto, a acção que a sociedade espera de determinados indivíduos.

Retirado de Respublica, JAM



Estatologia

Statologie - Expressão proposta por Marcel De La Bigne Villeneuve em 1935 para substituir a de ciência política como ciência do Estado.

Retirado de Respublica, JAM

Estatolatria, 1931

Expressão consagrada por Pio XI em 1931, na encíclica Non abbiamo bisogno, onde se considera o fascismo italiano como uma estatolatria pagã.

Retirado de Respublica, JAM

Estatocracia

­Expressão proposta por Marcel Prélot em 1936 para substituir a de ciência política. Visava uma doutrina do Estado com bases filosóficas, sociológicas e místicas.

Estatocracia

O mesmo que instinto de crescimento do poder. Segundo Bertrand de Jouvenel o instinto de crescimento é próprio do Poder, pertencendo à respectiva substância. Tal processo actuaria pelo nivelamento, através de um ácido estatal onde decompõe as moléculas aristocráticas. É que o poder, no seu crescimento, tem como vítimas predestinadas e como opositores naturais poderosos, os chefes de fila, aqueles que exercem uma autoridade e possuem um poderio na sociedade. A esse processo chama estatocracia, referindo uma tradicional aliança entre o centro e a plebe contra os corpos intermédios dotados de autoridade: o Estado encontra nos plebeus os servidores que o reforçam, os plebeus encontram no Estado o senhor que os eleva.

Retirado de Respublica, JAM


Estatismo e anarquia, 1873

Nicolau Bakunine em Gosudarstvennost’i Anarchija assume um programa de abolição do Estado, propondo o triunfo da igualdade económica e social. Defende a ideia de sociedade natural contra a política, entendendo aquela como uma sociedade espontânea. O Estado é entendido como um imenso cemitério onde se sacrificam, morrem e enterram todas as manifestações da vida individual e local, todos os interesses das partes cujo conjunto constitui a sociedade. Porque quem diz Estado, diz necessariamente dominação e, por conseguinte, escravatura; um Estado sem escravatura, declarada ou disfarçada,é inconcebível, eis porque somos inimigos do Estado. Para Bakunine o estatismo é todo o sistema que consiste em governar a sociedade de cima para baixo em nome de um pretendido direito teológico ou metafísico, divino ou cientifico, enquanto a anarquia é a organização livre e autónoma de todas as unidades ou partes separadas que compõem as comunas e a sua livre federação, fundada de baixo para cima, não sobre a injunção de qualquer autoridade, mesmo que eleita, ou que sobre as formulações de uma sábia teoria, seja ela qual for, mas em consequência do desenvolvimento natural das necessidades de todas as espécies que a própria vida gera. Propõe a eliminação do direito jurídico pela instauração de um direito humano, o único verdadeiro direito que é o respeito da dignidade pessoal universalmente reflectida. Defende a instauração de uma federação não baseada no contrato, ao contrário do que defendia Proudhon: a sociedade é o modo natural da existência da colectividade humana, independentemente de qualquer contrato (cfr. trad. fr. Étatisme et Anarchie, Paris, Éditions Champ Libre, 1976).

Retirado de Respublica, JAM

Estat

Um estatuto pela qual é definida a condição jurídica de uma colectividade, de uma associação, ou mais frequentemente de uma cidade.Trata‑se do do estatuto jurídico de uma comunidade, constituindo uma abstracção.

Estat vs. République

Jean Bodin distingue Estat de République, não utilizando o termo État. Se a République corresponde o conceito actual de Estado, já l'Estat aproxima-se do nosso conceito de regime. Se o Estado é a sede de soberania, equivalendo à comunidade política, regime é a forma de governo, a maneira de se exercer o poder, numa contraposição próxima da que hoje fazemos entre o Estado-comunidade e o Estado-aparelho, ou entre república e principado. Nestes termos considera que a forma monarquia pode ter vários estats, como o tirânico, o senhorial e o justo, tal como o poder do povo pode ter várias espécies de estat, como o governo popular, o governo aristocrático e o governo real. Como a aristocracia pode ser o governo de poucos com o apoio de poucos ou de poucos com o apoio popular.

Estatismo

António Sérgio define como tal a idolatria do Estado, chamando-se espectrismo. Espectrismo.

Retirado de Respublica, JAM

Estamentos

Max Weber fala nos grupos de status ou estamentos, considerados como "todo o componente típico do destino dos homens determinado por uma estimativa específica, positiva ou negativa da honraria" Trata‑se de uma comunidade, de algo bem diferente daquilo que o mesmo autor considera como a classe e que está apenas ligada a interesses económicos aos "interesses ligados à existência de mercado". Se as classes são "grupos de pessoas que, do ponto de vista de interesses específicos têm a mesma posição económica", já o "estamento é uma qualificação em função de honras sociais ou falta destas, sendo condicionado principalmente, bem como expresso, através de um estilo de vida específico".

Retirado de Respublica, JAM

ESTALINE (dito), Joseph Vissariunovitch Djugachvili (1879-1953)

Nasce na Geórgia em 1879, de um família muito pobre os pais tinham sido servos até à libertação de 1861. Educado numa escola religiosa, entrou para o seminário ortodoxo de Tiblisi de onde será expulso. Em 1901, quando era empregado do observatório da capital da Geórgia, inicia a sua actividade política clandestina junto dos sociais-democratas, sendo redactor de um jornal clandestino, Brdzola(A Luta), onde apoia as posições então defendidas por Lenine. De 1901 até 1917, feito revolucionário profissional, vai sofrer várias vezes a prisão e a deportação, enquanto desenvolve actividades de organizador revolucionário, jornalista e panfletário. Em 1905 participa na conferência do partido, então realizada na Finlândia; em 1906 e 1907 participa nos congressos de Estocolmo e de Londres, respectivamente. Em 1912 já faz parte do comité central do partido bolchevique, tendo, então recebido a missão de organizar na Rússia o partido e de aí editar um jornal legal, o Pravda. Nesse mesmo ano é chamado para colaborar directamente com Lenine, então em Cracóvia, cidade polaca ocupada pela Áustria, e aí elabora o estudo já referido sobre a questão das nacionalidades. Em 1913 adopta o pseudónimo de Estaline (o Aço), abandonando a designação de Koba (o Indomável), nome de um herói lendário da Geórgia medieval.
A Revolução de Fevereiro encontra-o deportado na Sibéria, com trinta e oito anos. Regressa imediatamente a S. Petersburgo, com Kamenev, onde colabora no Pravda. Com o regresso de Lenine, passa a ser, com Sverdlov e Trotski, um dos apoios mais firmes com que o líder bolchevique conta, numa altura em que se acentuam as respectivas divergências com Zinoviev e Kamenev. Apesar de em 20 de Outubro/2 de Novembro ter sido eleito para a futura direcção bolchevique e de ser membro do Comité Revolucionário, o seu papel é apagado durante o primeiro período da revolução, contrariamente ao protagonismo e brilhantismo de que Trostsky dá, então, mostras.
Neste contexto, Lenine encarregou Estaline, em 1912, de organizar um panfleto sobre a problemática da nação. Com efeito, Estaline, já em 1904, quando ainda era um fervorosos nacionalista georgiano, tinha elaborado um trabalho sobre a matéria, onde considerava que "a questão nacional nas diferentes épocas serve interesses diversos, toma formas diversas, em função da classe que os põe, e do momento em que ela os põe". Desse trabalho surgiu um texto publicado em Janeiro de 1913 na revista Prosvechtenie, intitulado A questão nacional e a social democracia que, depois de ligeiramente modificado, vai ser, nesse mesmo ano, editado em S.Petersburgo, sob o título O marxismo e a questão nacional e colonial. Aí considera que "a nação é uma comunidade estável, historicamente constituída, de língua, de território, de vida económica e de formação psiquica, que se traduz numa comunidade de cultura". Também na mesma data refere que "a nação é uma categoria histórica e é uma categoria histórica de uma época determinada, da época do capitalismo ascendente". Não deixa, no entanto, de considerar que "a questão nacional é uma parte da revolução proletária, uma parte da questão da ditadura do proletariado".
Para ele "a nação é uma comunidade humana, estável, historicamente constituída, nascida na base de uma comunidade de língua, de território, de vida económica e da formação psíquica que se traduz numa comunidade de cultura" e "basta que falte um dos elementos para que a nação deixe de ser nação".

· A Questão Nacional e a Social-Democracia, artigo publicado em 1913 na revista Prosvechtchenie, escrito em Viena nos finais de 1912, princípios de 1913, e depois publicado em brochura, em São Petersburgo, no ano de 1914, sob o título A Questão Nacional e o Marxismo. Cfr. A trad. port., Marxismo e Questão Nacional, Lisboa, Assírio e Alvim, 1976.

· Os Fundamentos do Leninismo (1924) (cfr. trad. port. de Serafim Ferreira, Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1974).

· Àcerca das Questões do Leninismo (1926) (cfr. trad. port. de Rui Moreira, Lisboa, Editorial Estampa, 1975).

· O Marxismo e a Questão Nacional e Colonial (1934). Recolha de artigos e discursos.

· Sobre o Materialismo Dialéctico e o Materialismo Histórico (1938) (cfr. trad. port. de Maria Helena Lopes, Lisboa, Editorial Estampa, 1975).

Estaline,30,198. Em 3 de Abril de 1922, com o apoio de Zinovieve e Kamenev, mas com a oposição de Trotski, era nomeado Secretário do Comité Central do partido Estaline, o Comissário do Povo para as Nacionalidades, que, desde 1919 acumulava esse cargo com o de Comissário do Povo da Inspecção Operária e Camponesa, com o apoio maquiavélico de Zinoviev e Kamenev, e a oposição frontal de Trotski e Rakovski. Estaline, que tinha como nome próprio o de Joseph Vissariunovitch Djugachvili, nascera na Geórgia em 1879, de um família muito pobre os pais tinham sido servos até à libertação de 1861. Educado numa escola religiosa, entrara para o seminário ortodoxo de Tiflis de onde, aliás, viria a ser expulso. Em 1901, quando era empregado do observatório da capital da Geórgia, inicia a sua actividade política clandestina junto dos sociais-democratas, sendo redactor de um jornal clandestino, Brdzola(A Luta), onde apoia as posições então defendidas por Lenine. De 1901 até 1917, feito revolucionário profissional, vai sofrer várias vezes a prisão e a deportação, enquanto desenvolve actividades de organizador revolucionário, jornalista e panfletário. Em 1905 participa na Conferência do Partido, então realizada na Finlândia, e, em 1906 e 1907, nos Congressos de Estocolmo e de Londres, respectivamente. Em 1912 já faz parte do comité central do partido bolchevique, tendo, então recebido a missão de organizar na Rússia o partido e de aí editar um jornal legal, o Pravda. Nesse mesmo ano é chamado para colaborar directamente com Lenine, então em Cracóvia, cidade polaca ocupada pela Áustria, e aí elabora o estudo já referido sobre a questão das nacionalidades. Em 1913 adopta o pseudónimo de Estaline (o Aço), abandonando a designação que até então usara, a de Koba (o Indomável), nome de um herói lendário da Geórgia medieval. A Revolução de Fevereiro encontra-o deportado na Sibéria, com trinta e oito anos. Regressa imediatamente a S.Petersburgo, com Kamenev, onde colabora no Pravda. Com o regresso de Lenine, passa a ser, com Sverdlov e Trotski, um dos apoios mais firmes com que o líder bolchevique conta, numa altura em que se acentuam as respectivas divergências com Zinoviev e Kamenev. Apesar de em 20 de Outubro/2 de Novembro ter sido eleito para a futura direcção bolchevique e de ser membro do Comité Revolucionário, o seu papel é apagado durante o primeiro período da revolução, contrariamente ao protagonismo e brilhantismo de que Trostsky dá, então, mostras.

A troika dos puros


Refira-se que o Comité Central do partido contava então com 19 membros, dispondo de dois órgãos restritos: um o Politburo, de cinco membros para a política, criado logo em Outubro de 1917, e formalmente competente para tomar decisões sobre questões que não admitam demora, outro, o Orgburo, ou secretariado organizacional, também de cinco membros, para a administração, criado dois anos depois, a quem incumbia dirigir todo o trabalho organizacional do partido. Ao Secretariado do Comité Central, primeiro, sem funções definidas, passou a incumbir, a partir de 1920, a orientação das questões correntes de carácter organizacional e executivo, o que acabou por ser o mesmo que dirigir o Orgburo, a Tcheka e uma Comissão Central de Controlo, uma espécie de supremo inquisidor com a função de receber e examinar queixas de todas as espécies que, logo na primeira circular emitida convidava todos os membros do partido a comunicar-lhe todos os delitos cometidos contra o partido pelos seus membros, sem por um momento se embaraçarem com a posição ou função das pessoas incriminadas. Surgia deste modo a primeira tensão entre os chamados comunistas de esquerda, liderados por Trotski, e a troika dos puros, como se cognominava a aliança entre Estaline, Zinoviev e Kamenev.


O testamento de Lenine


Lenine, depois dos ataques de Dezembro de 1922, consciente do seu estado terminal, tratou de estabelecer as linhas fundamentais da sucessão, ditando três cartas para o Congresso do Partido, a realizar na primavera de 1923, e um documento que se costuma designar pelo Testamento de Lenine. É nesse documento, ditado em 24/25 de Dezembro de 1922, Lenine considera que Estaline concentrou autoridade ilimitada nas suas mãos e não sei se será capaz de utilizar essa autoridade com precaução suficiente. Já num aditamento, ditado em 4 de Janeiro de 1923, salienta que Estaline é demasiado brusco, defeito que, embora aceitável no nosso meio e nas relações entre comunistas, se torna intolerável em quem ocupa o lugar de secretário-geral. Sugiro por isso que os camaradas pensem numa maneira de o substituir por outro homem que reuna as mesmas qualidades e possua a vantagem de se revelar mais tolerante, leal e delicado para com os camaradas. Mais directa foi a carta que Lenine escreveu a Estaline, de 5 de Março, apenas revelada por Khrushchov em 1956, onde o fundador do sovietismo, insurgindo-se contra o facto de Estaline ter criticado Krupskaia por esta transmitir para o exterior mensagens do marido, diz: eu não tenho a menor intenção de esquecer tão facilmente o que está sendo feito contra mim e não preciso de frisar que considero como um ataque dirigido contra a minha pessoa o que está sendo feito à minha esposa. Por essa razão, espero que você pondere devidamente sobre a conveniência de se retratar por tudo o que disse e se desculpar, ou então, se preferir, que considere rompidas as relações entre nós. Lenine, nesses documentos, temendo uma cisão entre Estaline e Trotski propõe também um aumento dos membros do Comité Central de 50 para 100. Contudo, preocupa-se em fixar doutrina sobre a questão das nacionalidades. Sobre isto considera que o aparelho a que chamamos nosso é-nos, na realidade, ainda muito estranho; trata-se de uma mescla czarista e burguesa, e não houve possibilidade de nos livrarmos dele durante os últimos cinco anos; um aparelho que arrebatámos ao czarismo e ungimos ligeiramente com óleo soviético. Assim considera que é absolutamente natural que em semelhantes circunstâncias a 'liberdade de uma separação da união', pela qual nos justificamos, não passará de um mero pedaço de papel, incapaz de defender os não russos da investida daquele homem realmente russo, o grande chauvinista russo, em substância um patife e tirano, como é na realidade o burocrata russo. Não restam dúvidas de que a reduzida percentagem dos operários soviéticos e sovietizados se afogará na corrente da canalha chauvinista russa como uma mosca no leite.


O camarada verbeteiro


Nestes documentos são evidentes as preocupações de Lenine relativamente aos sinais concentracionários em que o regime se enredava, principalmente graças à acção de Estaline, considerado desdenhosamente pelos seus aliados de então como o camarada verbeteiro.Acontece apenas que o duro burocrata, graças à paciência organizacional, vai , pouco a pouco, assumindo sucessivas funções de forma cesarista - era membro do Comité Central desde 1912 e do Politburo, desde 1917 -, detendo as chaves do controlo da nova administração estadual e do partido. Como reconhece Edgar Morin, o poder totalitário controla o seu próprio controlo. Ora, como então denunciava Trotski, no plano de Lenine, o Partido substitui-se à classe operária. A organização do Partido suplanta o Partido. O Comité Central supera a organização do Partido e, finalmente, o ditador suplanta o Comité Central. Como depois vai reconhecer o mesmo Estaline: 3000 a 4000 homens no comando supremo, os generais do nosso Partido. Depois, 30.000 a 40.000 comandantes intermédios: estes constituem o corpo de oficiais do nosso Partido. E, por fim, 100.000 a 150.000 elementos dirigentes do nosso Partido: são, se podemos dizer, os sargentos do nosso Partido. Também quanto à política económica, o estalinismo vai conseguir dar uma nova face à Rússia. Levou, por exemplo, a que de 1928 a 1940 a produção de electricidade passasse de 5 biliões para 48 biliões de quilovates por hora; que a do aço passase de 4.3 biliões para 18.3 biliões de toneladas; que a dos veículos automóveis subisse de 8000 para 145.000, de tal maneira que a indústria passou a significar 84,7 da economia soviética. Entre 1950 e 1955 a taxa de progressão industrial da URSS foi de 15% ao ano contra os 3,3% dos americanos.
Partindo de um índice de 100 em 1945, a produção industrial passou para 146 em 1947 e para 222 em 1949.

O maior assassino de massas da história


Mas, ao mesmo tempo, tal foi conseguido através do assasinato de cerca de quarenta milhões de pessoas. Estaline é provavelmente o maior assassino de massas da história humana, estatisticamente até ultrapassou Hitler. Isto, além de genocídios e deslocações forçadas de populações, de polacos a tártaros ( os da Crimeia perderam quase 50% da sua população total), de judeus a lituanos e outros povos bálticos. Muitas repúblicas e regiões autónomas da Federação Russa foram mesmo riscadas do mapa, sob o pretexto de haveram colaborado com Hitler: foi o caso da República Autónoma dos Calmucos (200.000 habitantes), da República Autónoma dos Chechenos-Inguchos (600.000 habitantes), da República Autónoma Cabardino-Balcare (300.000 habitantes), da República Autónoma dos Tártaros da Crimeia (200.000 habitantes) e da região autónoma dos Karatchais (100.000 habitantes). Regressava-se, assim, ao modelo já adoptado pela perseguição aos Kulaks, não faltando sequer novas versões dos processos de Moscovo, agora nos países satélites: na Hungria o Ministro dos Negócios Estrangeiros Laszlo Rajk era fuzilado e Janos Kadar era feito prisioneiro; na Polónia, Gomulka era condenado a prisão perpétua; na Checoslováquia, o mesmo acontecia com Clementis e Slansky; na Bulgária, o secretário do partido, Kostov, era executado; o mesmo era repetido com Dzodzé, na Albânia. E mais uma vez, a desculpabilização de Estaline dominava o Ocidente. Maurice Merleau-Ponty, que havia denunciado os processos de Moscovo, chega a declarar preferir uma URSS que "brinca com a história", se mantém viva e derrota oa alemães a uma URSS que guarda a sua linha proletária e desaparece na guerra, deixando às gerações futuras um exemplo histórico e cionquenta ou mais anos de nazismo. A figura de Estaline representa para a história russa algo de semelhante a certos ciclos de reformismo despótico, desde Ivan Terrível a Pedro o Grande, para não irmos mais longe e invocarmos Gengis Khan a quem se atribui a seguinte frase : a morte dos vencidos é necessária para a tranquilidade dos vencedores. Aquele que começara a respectiva actividade política assumindo-se como nacionalista georgiano contra o czar vai, por ironia do destino, transformar-se no grande restaurador do imperialismo russo, dando-lhe, pela primeira vez, uma autêntica dimensão mundialista. Tal como na escatologia da agostiniana da Cidade de Deus ou no providencialismo do Discurso da História Universal de Bossuet, eis que o culto da personalidade estalinista obedece à regra das sucessivas incarnações que devem conduzir ao Fim dos tempos, ao Fim da História ou ao comunismo. Se no providencialismo agostiniano temos que Deus incarna em Cristo, Cristo na Igreja, a Igreja na sua hierarquia e esta no Papa, eis que com Estaline as massas incarnam no proletariado, o proletariado no partido comunista, o partido no comité central e o comité central no seu secretário geral. É pois natural que o estalinismo seja esta União Soviética onde se dá a ditadura do Estado sobre a sociedade, do partido sobre o Estado e de Estaline sobre o partido. Como Anatoli Ribakov em Os Filhos da Rua Arbat o põe a falar, estável é o poder que assenta simultâneamente no medo e no amor ao ditador. Grande é aquele governante que soube infundir amor por meio do medo. Um amor que faz o povo e a História atribuir todas as cruezas da sua governação aos executantes, e nunca a ele próprio. Não pensemos, contudo, que o estalinismo se reduz apenas ao terror da força bruta, através de uma sucessão de círculos concêntricos de autoritarismo. Com efeito, importa não esquecer , como proclama Bukovsky, que os Estados Totalitários são Estados por natureza irracionais e surrealistas que visam a realização de uma ideia absoluta, cabendo aos respectivos pais fundadores definir duma vez por todas a sua razão de ser e decretar quem são os respectivos demónios. Compreende-se, pois, que Estaline tenha gerado, segundo as palavras de Leonardo Coimbra, de 1935, um manicómio da unanimidade, um zoologismo de rebanho unânime, engordado e feliz, os tais pontos extremos, onde o inferno dantesco poderá viver, mas onde o homem real, o homem ontológico, não pode estabelecer definitivamente a sua morada. Basta recordar as directivas que emitiu sobre a biologia e a genética - o Lissenquismo - sobre a arte e a cultura - o Jdanovismo - e sobre a linguística. Em 1935, por exemplo, chegou mesmo a instaurar o stakhanovismo, uma espécie de taylorismo russo, aplicado pelo 2ºPlano Quinquenal, com base no nome de um mineiro que havia batido o recorde mundial de extracção do carvão. De qualquer maneira, parece-nos padecer de etnocentrismo a habitual referência a Estaline como um representante da tendência asiática de certa faceta da história russa. Preferimos inclui-lo entre os herdeiros do ocidentalíssimo despotismo esclarecido e daquele revolucionarismo contemporâneo que, por exemplo, durante o Terror da Revolução Francesa, inventou a guilhotina e decapitou cerca de vinte mil contra-revolucionários. O estalinismo apenas quis construir um Estado Perfeito, considerando também como possível a construção de um homem novo, pelo que, para bem da humanidade, praticou aquela repressão que o próprio Thomas More admitia na Utopia. Só que utilizou a maquinaria do Estado Moderno, praticando a a burocratização, a centralização e o concentracionarismo até ao absurdo, considerando que era possível administrativizar a moral, a economia, a ciência, a literatura e a arte, ao mesmo tempo que colocava no vértice de tal processo o seu próprio poder pessoal. Ora quando a maquinaria do Estado Moderno não pratica a divisão de poderes e se transforma num instrumento de qualquer poder pessoal, os estalinismos são sempre possíveis, mesmo que não existam Estalines. Estalinista já era o sovietismo sob a direcção de Lenine, estalinista continuaria se, a Lenine, tivesse sucedido Trotski. Já Kropotkine avisara Lenine : a ditadura conduz inevitavelmente ao terror, o terror à reacção e, mais tarde, à destruição da revolução. E mesmo uma Rosa Luxemburgo, num manuscrito inacabado, considerava que sem eleições gerais, liberdade de imprensa e de reunião e um debate livre de opiniões, a vida de uma qualquer instituição social acabará por morrer e tornar-se uma mera forma, e a burocracia será o único elemento activo. Já dizia Lord Acton que se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. Frase clássica que Alain, mais subtilmente, glosou da seguinte forma: o poder enlouquece, o poder absoluto enlouquece absolutamente. O estalinismo apenas quis construir um Estado Perfeito, considerando também como possível a construção de um homem novo, pelo que, para bem da humanidade, praticou aquela repressão que o próprio Thomas More admitia na Utopia. Só que utilizou a maquinaria do Estado Moderno, praticando a a burocratização, a centralização e o concentracionarismo até ao absurdo, considerando que era possível administrativizar a moral, a economia, a ciência, a literatura e a arte, ao mesmo tempo que colocava no vértice de tal processo o seu próprio poder pessoal. Ora quando a maquinaria do Estado Moderno não pratica a divisão de poderes e se transforma num instrumento de qualquer poder pessoal, os estalinismos são sempre possíveis, mesmo que não existam Estalines. Estalinista já era o sovietismo sob a direcção de Lenine, estalinista continuaria se, a Lenine, tivesse sucedido Trotski.Já dizia Lord Acton que se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. Frase clássica que Alain, mais subtilmente, glosou da seguinte forma: o poder enlouquece, o poder absoluto enlouquece absolutamente. Era um regime que, segundo Jeremy R. Azrael era marcado por seis características: o centralismo administrativo excessivo; o controlo exercido simultaneamente por vários aparelhos burocráticos concorrentes; o investimento prioritário nas indústrias pesadas, em detrimento das indústrias ligeiras e da agricultura; o arregimentamento estrito dos intelectuais; e o terror arbitrário. Um modelo que, aliás, se insere numa categoria mais ampla: o Terrorismo de Estado, conforme a teorização de Albert Camus. Onde o Estado se identifica com a máquina, isto é, com o conjunto de mecanismos de conquista e repressão. A conquista para o interior do país chama-se propaganda ou repressão. Dirigida para o exterior, cria o exército. E isto porque, para adorar por tempos e tempos um teorema, a fé não chega; há ainda que mobilizar a polícia. Continuando a usar as categorias de Camus, podemos até dizer que se o sovietismo menchevique, anterior ao golpe bolchevique de Outubro de 1917, foi uma revolta, isto é, um movimento que conduz da experiência individual à ideia, já o sovietismo, leninista e estalinista, se assumiu como uma revolução, como a inserção da ideia na experiência histórica Mesmo para Nicos Poulantzas, o estalinismo e o modelo legado pela III Internacional não seriam, relativamente a Lenine, um simples desvio, dado que germes do estalinismo estiveram presentes em Lenine. Com efeito, o estalinismo não passaria de um leninismo que continha em si o esmagamento da revolta dos marinheiros de Kronstadt como a nuvem traz a tempestade, e que até já teria sido objecto de críticas por Rosa Luxemburgo, para quem este leninismo significaria o desprezo pela democracia directa de base. Com Estaline, teria surgido, para o mesmo autor, o Estado paralelo, decalcado sobre o modelo instrumental do Estado existente, um Estado proletário no sentido de ser controlado - ocupado pelo partido revolucionário "único", partido que funciona, ele próprio, sobre o modelo de Estado. Já Edgar Morin, fazendo uma análise do sistema de Estaline no plano da teoria da burocracia, considera que o aparelho do partido suscitou a formação de uma gigantesca burocracia (Estado planificado, centralizado, hipercontrolado) e de uma importante camada de técnicos (industrialização). Segregou a formação de um aparelho excedentário quase autónomo (polícia política). Foi obrigado a fortificar um aparelho de técnicos de um tipo especial: o exército Com efeito, utilizando as categorias de T.H. Rigby, podemos dizer que se a URSS, com Estaline, era uma sociedade mono-organizacional conjugada com a ditadura pessoal, eis que depois da morte de Estaline, apenas passou a sociedade mono-organizacional sem ditadura pessoal. É que, sendo o estalinismo um sistema administrativo com um sub-sistema de medo, segundo a caracterização do russo Gavril Popov, mesmo quando o medo, enquanto sub-sistema, desapareceu, eis que o sistema produzido por aquele permaneceu. No fundo, a dominação total de um poder hipertrofiado, impessoal, anonimamente burocrático; um poder que ainda não perdeu toda a consciência, mas que opera já fora de toda a consciência; um poder mantido pela omnipresença de uma ficção ideológica, conforme Vaclav Havel.

estalinismo

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Estado Novo

Os quarenta e oito anos de vida política portuguesa subsequentes ao golpe militar de 28 de Maio de 1926, que liquidou os dezasseis anos da Primeira República, corporizaram um regime político que a si mesmo se qualificou como Estado Novo o qual, depois da chamada Ditadura Nacional, entre 1926 e 1933, vai durar até 25 de Abril de 1974, sendo marcado pelo poder pessoal de dois chefes do governos: primeiro, António de Oliveira Salazar, até 1968, e, depois, Marcello Caetano, nos últimos cinco anos e meio do modelo.

Tudo se desencadeou a partir de 27 de Abril de 1928, quando a primeira dessas personalidades, antigo deputado do Centro Católico e professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, assumiu a pasta das finanças, instaurando aquilo que então se designou laudatoriamente como Ditadura das Finanças, um modelo que permitiu vencer o crónico défice orçamental português, gerando uma liquidez que deu crédito externo ao país e permitiu o lançamento de um grandioso plano de obras públicas, mesmo depois de sofrermos os efeitos da Grande Depressão, iniciada nos finais de 1929. Em 5 de Julho de 1932, o prestigiado ministro já ascende à chefia formal do Governo, começando, a partir de então, a institucionalizar-se um novo modelo de legalidade que se concretiza com a aprovação de uma nova Constituição, pelo plebiscito nacional de 19 de Março de 1933.
O novo regime, mesmo no contexto dos anos trinta, assumia-se de forma atípica. Salazar, com efeito, não emerge como um ditador clássico nem se configura como o chefe de um
pronunciamento, dado que só a partir da gradual conquista do poder se vai constituindo um movimento político de apoio à situação, onde contou menos a cartilha de uma ideologia e mais o pragmatismo do líder de tal empirismo organizador que foi sucessivamente eliminando os bloqueios da componente
militar do regime. Assim se compreende a adesão de uma nova geração de tecnocratas, desejosa de instaurar o admirável mundo novo do modernismo, não faltando o apoio esparso de seareiros, republicanos conservadores e até de alguns fundadores do próprio Partido Comunista Português.
Entre 1932 e 1945, o regime vai viver a euforias dos chamados anos áureos, marcados pelo autoritarismo, pelo milagre financeiro, pela política de obras públicas, pelo proteccionismo económico, pelo lançamento do Estado Providência e por uma hábil política de propaganda nacional, designada por política de espírito, onde se destacou António Ferro.

Vai, em primeiro lugar, repor-se a autoridade do aparelho de Estado, superando-se o neofeudalismo de várias forças vivas que, constituíam verdadeiros Estados dentro do Estado. Assim, os partidos foram proibidos, as forças armadas passaram a depender da hierarquia do governo, a Maçonaria foi ilegalizada e mesmo a Igreja Católica teve de aceitar a laicização do Estado, não retomando, mesmo depois da Concordata de 1940, alguns dos privilégios que usufruía antes de 1910. O modelo salazarista foi essencialmente marcado pelo primado do executivo, dado que o formal presidencialismo bicéfalo era, na prática, um sistema de autoritarismo paternalista do Presidente do Conselho e onde os próprios Presidentes da República não passaram de venerandos Chefes de Estado, isto é, de meras figuras simbólicas. Curiosamente, o próprio partido único, a União Nacional, surgiu por decreto do Conselho de Ministros, de 30 de Julho de 1930. Contudo, apesar da ideologia oficial do regime se assumir como pleonasticamente antiliberal e antidemocrática, a Constituição de 1933, marcada por um programático corporativista, não cortou todas as ligações formais às tradições demoliberais, iniciadoras de uma legitimidade, segundo a qual a soberania reside essencialmente em a nação. A Assembleia Nacional continuou a ser eleita por sufrágio universal e directo e não deixou de estruturar-se um sistema de direitos individuais que só a prática política e a legislação ordinária vieram minimizar e, em muitos casos, suprimir. Por seu lado, a Câmara Corporativa, nunca veio a passar o nível de órgão consultivo de carácter técnico. Para além do milagre financeiro, o Estado Novo enveredou por uma política de obras públicas que retomou o modelo de Fontes Pereira de Melo, com construção de estradas, pontes, barragens, bairros económicos, portos e aeroportos, onde se destacou o ministro Duarte Pacheco, concretizando-se um programa que permitiu o lançamento das infra-estruturas que sustentarão a nossa revolução industrial que, só nos anos sessenta vem a adquirir contornos significativos. No tocante ao fomento económico, abandonou-se a timidez liberalista da Primeira República e passou a assumir-se um claro intervencionismo, de acordo com o chamado Estado-Providência. Retomando-se o socialismo catedrático de Napoleão III e Bismarck que, entre nós, tivera como principal prócere Oliveira Martins, estabeleceu-se um regime de coordenação e disciplina da iniciativa privada pelo aparelho estadual, além de se terem lançado as linhas gerais do planeamento. Levou-se também à prática uma ousada política social que venceu a fome, impôs um efectivo horário de trabalho e promoveu a habitação social, superando-se a fase da casuística caridade estadual e criando-se pela primeira vez um real sistema de segurança social. Marcado pelas doutrinas da encíclica Rerum Novarum e pelos modelos da Escola Social de Fréderic le Play, o Estado Novo vai também assumir-se como uma espécie de ecologismo avant la lêtre, defendendo o viver habitualmente de uma sociedade rural e provinciana, adversa ao individualismo e ao industrialismo futuristas, como transparece nos filmes do período, com destaque para A Aldeia da Roupa Branca e O Pátio das Cantigas. Salazar não se assume como o herdeiro do Marquês de Pombal, mas antes como o detentor da magistratura extraordinária de um principado que suspendeu o regime republicano, onde o principal dos cidadãos, mais paternalista do que totalitarista, não passou do tal presidente de ministério que faltou ao rei D. Carlos para fazer regressar a monarquia aos tempos de D. João III, promovendo uma espécie de nova Contra-Reforma comandada por lentes de leis e com uma legião quase missionária de sargentos e bacharéis. Parafraseando o que ele próprio confessou a Manuel Múrias, diremos que foi o Primeiro Ministro de um rei absoluto que não houve.
Depois da segunda guerra mundial, o regime do Estado Novo, ficou isolado numa Europa Ocidental marcada pela euforia da restauração das democracias e da reconstrução económica, perdendo muito do que, na década de trinta, tinha de criativamente reformista e entrando na rotina da sobrevivência. Isto é, deixou de haver uma revolução nacional e passou-se ao regime da mera situação. Atingiu-se, deste modo, o extremo do hibridismo e o próprio Salazar tratou de considerar o regime como uma democracia orgânica, um sistema ideologicamente hesitante, mas firme no plano da praxis que, se deixava de ter uma doutrina, não deixava de ser uma força, onde o elemento aglutinador era, sobretudo, a obediência à bissectriz do conglomerado de forças que constituía o regime.. De facto, os condicionamentos geopolíticos impediam o livre desenvolvimento da semente corporativa do salazarismo, que foi condenado a murchar doutrinariamente. Sucedeu uma espécie de desertificação da sociedade civil, onde funcionava o temor reverencial. Contrariamente ao quem não por mim é contra mim dos totalitarismos, este modelo autoritário preferia o quem não é contra mim, é a meu favor, que, através de subtis processos de condicionamento psicológico gerou o menos policiesco de todos os aparelhos ditatoriais. Se não havia um Estado de Direito, não deixava de existir um Estado de Legalidade, tal como, no plano económico, não existia uma economia de mercado, apesar de funcionar em pleno um regime de economia privada. De qualquer maneira, o modelo, se propunha uma certa concepção do mundo e da vida, à maneira dos Estados éticos, nunca caiu na tentação de a impôr, permitindo a manutenção daquilo que o Professor Adriano Moreira tem qualificado como democracia da sociedade civil. Apesar de tudo, o regime não foi condenado à quarentena que marcava o franquismo em Espanha e, graças à política de neutralidade colaborante praticada face ao aliados durante a Segunda Guerra Mundial e por pressão da guerra fria, o regime pôde participar na fundação da NATO, da União Europeia de Pagamentos, da OECE e da EFTA, assumindo um acordo de associação com a CEE, em 1972. Entre 1945 e os começos da década de sessenta, o regime transformou-se num situacionismo que ensaiou os modelos do Estado de Segurança Nacional dos tempos da guerra fria. Se a oposição, herdeira do reviralhismo republicano e da unidade antifascista entrou em refluxo, eis que se deu uma alteração nas antigas forças vivas apoiantes do Estado Novo, emergindo uma oposição católica e alguns movimentos monárquicos e conservadores que se independentizaram do regime, bem como um forte movimento operário marcado pela doutrina social da Igreja Católica. É também no período que se torna dominante, entre o oposicionismo, a capacidade organizacional do Partido Comunista Português, intimamente ligado ao sovietismo e dotado de um aparelho clandestino bastante eficaz que pôde resistir à repressão da polícia política. Contudo, a guerra colonial ou das campanhas de África, desencadeada a partir de 1961, vai alterar todo o processo do regime e das oposições. Com efeito, o empenhamento militar vai sacudir um Portugal adormecido e o velho instinto de legítima defesa faz cerrar fileiras em torno de quem então chefiava a nação, de tal maneira que republicanos ultramarinistas e até militantes do velho Partido Socialista aparecem a apoiar o esforço de defesa do espaço ultramarino português. O inimigo exterior que subsidiava e apoiava as guerrilhas vai enfraquecer os inimigos interiores do salazarismo que, em nome do Portugal uno e indivisível, do Minho a Timor, como que vai renascer das cinzas e tentar um reformismo, bem simbolizado na acção de Adriano Moreira, na pasta do Ultramar, entre Abril de 1961 e Dezembro de 1964. Serão treze longos anos de guerra em três frentes de batalha africana e de guerra psicológica entre todos os portugueses e dentro de cada português, uma guerra que, no fim, vai ser perdida, não pela derrota militar no campo de batalha, mas pela derrota política nos meandros de uma revolução que transformou os portugueses e os africanos até então sujeitos à soberania portuguesa, em peões do xadrez das superpotências, surgindo uma das graves crises da identidade nacional que vai fazer regredir o espaço territorial português às fronteiras medievais.


Entrevistas

24 de Março de 1966. Salazar é entrevistado pelo New York Times

Discursos e comunicações de Salazar

23 de Novembro de 1932. Discurso programa na posse dos corpos gerentes da União Nacional.

26 de Fevereiro de 1940. Na União nacional sobre Fins e necessidade da propaganda política

28 de Maio de 1953. Discurso na apresentação do Plano de Fomento: a Europa empobreceu com as suas guerras e o seu socialismo

30 de Novembro de 1954. Comunicação de à Assembleia nacional sobre a questão da Índia.

30 de Junho de 1958. Às Comissões da União Nacional, depois das eleições presidenciais: a campanha das oposições não foi propriamente de propaganda dos candidatos ... mas o desenvolvimento de um processo subversivo

6 de Dezembro de 1958. Na tomada de posse da nova comissão executiva da União Nacional depois das eleições: eu temo que a intensificação materialista que aí vem com todo o esplendor das suas riquezas e a repercussão que hã-de ter na alma dos povos, seja desamcompnahada de conveniente actuação moral

30 de Novembro de 1960. Discurso na AN sobre Portugal e Campanha Anticolonialista.

28 de Maio de 1966 Discurso na biblioteca pública de Braga, para onde se deslocou na sua primeira e única viagem de Avião. Elogia a política ultramarina de Norton de Matos.

23 de Setembro de 1966. Ao inaugurar o arranha-céus da Praça de Londres em Lisboa, onde se instala o ministério das corporações, Salazar proclama: no nosso século somos a única revolução corporativa que triunfa.


Outros discursos do regime

10 de Junho de 1966 Discurso de Veiga Simão: a pátria honrai que a pátria vos contempla.


Cerimónias e manifestações

1 de Maio de 1940. Lusitos da MP vão saudar Salazar a S. Bento que lhes rspondem com a saudação de braço ao alto.

11 de Maio de 1943. Oficiais saúde salazar no seu 7º aniversário como ministro da guerra.

27 de Abril de 1953. 25º aniversário da subida de Salazar ao poder. Sessão na Assembleia Nacional e Te Deum em S. Domingos. Reitor e professores da Universidade de Coimbra vêm a Lisboa homenagear o colega.

9 de Junho de 1960. Inaugurada a I Feira Internacional de Lisboa.

5 de Outubro de 1960. 5oº aniversário da implantação da República. Tomás põe coroa de flores no túmulo de Manuel de Arriaga e à noite inaugura o terceiro anel do Estádio da Luz.

13 de Abril de 1966. Salazar é homenageado por representantes das forças vivas de Angola.

15 de Junho de 1970. Sindicatos nacionais e Casas do Povo vêm a S. Bento homenagear Marcello Caetano. Dois dias depois são os armadores e pescadores.


Comemorações

1940. Comemorações dos Centenários

1951. Cerimónias de encerramento do Ano Santo em Fátima, a 13 de Outubro.

1960. V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, as chamadas comemorações Henriquinas.

1960. V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, as chamadas comemorações Henriquinas.

1966. Comemorações do 40º aniversário da Revolução Nacional sob o lema Celebrar o passado, construir o futuro. Sessão de encerramento na Assembleia Nacional em 29 de Dezembro.


Obras do regime

14 de Abril de 1940. Base aérea da Ota.

19 de Junho de 1940. Refinaria da Sacor em Cabo Ruivo.

17 de Dezembro de 1940. Construção de 12 500 salas de aula do ensino primário, com o Plano dos Centenários.

Março de 1950. Viaduto do caminho de ferro na Avenida da República em lisboa.

28 de Maio de 1950. Estádio 28 de Maio de Braga.

21 de janeiro de 1951. Barragem de castelo de Bode.

8 de Novembro de 1951. Teatro Monumental em Lisboa.

30 de Dezembro de 1951. Ponte Marechal Carmona em Vila Franca de Xira.

2 de Março de 1952. Paquete Vera Cruz entregue à Companhia Colonial de Navegação

Outubro de 1952. Lançado à água o paquete Santa Maria

15 de Setembro de 1958. Edificío da Polícia Judiciária e dos Serviços de Identificação

12 de Dezembro de 1958. Instituto de Medicina Tropical em Lisboa.

6 de Agosto de 1966. Inauguarda a Ponte sobre o Tejo, depois chamada, sucessivamente, Ponte Salazar e Ponte 25 de Abril.

3 de Novembro de 1966. Electrificação completa da Linha do Norte dos caminhos de ferro.

7 de Dezembro de 1966. Panteão Nacional de Santa Engrácia.


Viagens oficiais

15 de Julho de 1970. Tomás começa viagem a S. Tomé e Prícipe, interrompida pela morte de Salazar

10 de Abril de 1972. Tomás parte para o Brasil transportando os restos mortais de D, Pedro IV. Regressa a 10 de Maio.

10 de Junho de 1972. As cerimónias realizam-se pela primeira vez junto à Torre de Belém.

4 de Julho de 1972. IV Centenário da publicação d’ Os Lusíadas.


Visitas a Portugal

17 de Janeiro de 1951 Eisenhower

20 de Fevereiro de 1952. Reunião da Nato em Lisboa, com sessões no Instituto Superior Técnico.

Maio de 1952. Salazar recebe Daniel Rops e Henri Massis

30 de Outubro de 1958. Paul-Henri Spaak, secretário-geral da NATO

10 de Janeiro de 1960 Visita Lisboa o ministro da defesa alemão Franz Josef Strauss

29 de Janeiro de 1960. Visita Lisboa o secretário-geral da ONU Dag Hammarkjold

5 de Maio de 1960. Sukharno em Lisboa.

19 de Maio 1960. Visita de Eisenhower.

Agosto de 1960. Visita dos reis da Tailândia

14 de Dezembro. Costa e Silva, presidente do Brasil.

4 de Junho de 1970. Primeiro ministro da África do Sul em Lisboa.

14 de Dezembro de 1970 Visita Lisboa Lopez Bravo, ministro dos estrangeiros de Espanha.

10 Julho de 1972. Visita de Giscard d’Estaing, então ministro das finanças francês.


Visitas ao estrangeiro

15 de Abril de 1952. Encontro de Salazar e Franco em Ciudad Rodrigo.

Setembro de 1954 Paulo Cunha no Brasil

Junho de 1960. Salazar encontra-se com Franco em Mérida.

25 de Janeiro de 1960. Teotónio Pereira, ministro da presidência, visita o Paquistão.

20 de Maio de 1970. Marcello Caetano visita Espanha.


Marcelismo

Em 6 Setembro de 1968, Salazar, por motivo de doença, abandona o governo, sendo substituído por um outro professor de direito, Marcello Caetano, que vai procurar instituir um novo modelo de renovação na continuidade e de primavera política que tenta repopularizar o regime, utilizando as novas técnicas do marketing político, nomeadamente pela comunicação televisiva e pelos frequentes banhos de multidão do novo chefe do governo, bem como eliminar alguns dos sinais exteriores de autoritarismo.


Vacas gordas

Nos primeiros anos do marcelismo, o período das chamadas vacas gordas, assiste-se também a um processo de desenvolvimento capitalista da economia, com maior liberdade de acção para os grandes grupos económicos e melhores condições oferecidas ao investimento estrangeiros. No plano político, Caetano vai tentar alargar empiricamente a base de apoio político ao regime, através da chamada liberalização que, sem hostilizar os chamados ultras e a legitimidade formal do Chefe de Estado, Américo Tomás, procura o colaboracionismo de quem duvida em ser hostil.


Ala liberal

Assim, nas listas do partido único, apresentadas às eleições para a Assembleia Nacional de Outubro de 1969, inclui políticos como Francisco Sá Carneiro, Miller Guerra e José Pedro Pinto Leite, enquanto pelo governo passam João Salgueiro, Xavier Pintado e Rogério Martins, para além do ministro da educação Veiga Simão. Numa apreciação global, poderá dizer-se que o Estado Novo, que Marcello Caetano tentou requalificar como Estado Social, não deixou de ser um normal anormal, uma espécie de perpetuação de circunstâncias extraordinárias que, com vários pretextos, sempre foi justificando a não aplicação plena dos direitos, liberdades e garantias que tinha formalmente consagrado no texto da Constituição de 1933. Isto é, o regime sempre se viu como algo de provisório, como mero ponto de passagem da Ditadura Militar para um sonhado corporativismo, que, aliás, nunca veio a concretizar-se institucionalmente, porque quando podia transformar a respectiva imagem de poder num aparelho coerente, eis que sobrevieram a segunda guerra mundial, a guerra fria e a guerra ultramarina. Por isso, o regime sempre esteve mal com as várias modas políticas do tempo europeu em que nasceu, cresceu e sobreviveu, o que agravou as respectivas contradições. Se, nos anos trinta, não foi suficientemente totalitário e mesmo anti-semita, eis que, depois, não se coadunou com a moda demoliberal e europeizante do pós-guerra. Finalmente, acabou por morrer com os ventos da história da descolonização, em plena guerra fria. De qualquer maneira, o Estado Novo foi sobretudo uma criatura resultante do prestígio alcançado por António de Oliveira Salazar, um estadista que concretizou projectos que haviam sido tentados frustradamente por homens de Estado como João Franco ou Sidónio Pais, assumindo uma legitimidade contrária aos modelos da democracia, do pluralismo, da economia de mercado de cariz capitalista e do Estado de Direito que, na Europa ocidental, se tornarão dominantes depois de 1945.


Estado de Segurança Nacional

O regime acabou por fenecer como aqueles Estados de Segurança Nacional que, segundo as palavras de João Paulo II, na Centesimus Annus, visavam controlar de modo capilar toda a sociedade para tornar possível a infiltração marxista. Assim, exaltando e aumentando o poder do Estado, os seguidores de tal modelo pretendiam preservar o seu povo do comunismo; mas, fazendo isso, correram o grave risco de destruir aquela liberdade, aqueles valores da pessoa em nome dos quais era preciso opor-se àquele.

Retirado de Respublica, JAM