segunda-feira, 16 de julho de 2007

Povo

(Demos/ Populus) Expressão derivada do latim populus. A expressão grega equivalente é a de demos, que tanto siginifica o corpo dos cidadãos, como as classes mais baixas. Distingue-se da multidão ou populaça (plethos) ou da massa, enquanto grande número (polloi). Esta, por vezes, dita plebs, vulgus e multitudo, chega a ser vista depreciativamente sempre que dominam concepções aristocráticas, como acontecerá com o humanismo renascentista. Segundo Cícero, o povo (populus) não é uma multidão unida de qualquer maneira (coetus multitudinis quoque modo congregatus), mas antes como uma multidão unida pelo consenso do direito e pela utilidade comum. Hobbes retoma a distinção de Cícero, dizendo que a multidão é um conjunto de pessoas entendido como um número e não como uma unidade, um mero agregado, uma pluralidade de homens onde cada um tem a sua própria vontade. Um povo, pelo contrário é uno, tem uma vontade e pode ser-lhe atribuída uma acção. Já na Idade Média, com os glosadores, o povo passou a ser visto como uma universitas, como uma pessoa jurídica, como algo que se distingue das parcelas que o compõem. Entre nós, usou-se, como equivalente, a noção de grei, como na divisa de D. João II, Pola Ley e pola grey, onde esta se configura, segundo as palavras de Martim de Albuquerque, não como uma classe ou o extracto mais baixo da população, mas a totalidade da comunidade. Assim, em 1508, D. Francisco de Almeida define-a como a congregação de nossos parentes, amigos e compatriotas, a que chamamos república. Nesta linha, o nosso praxista Manuel de Almeida e Sousa, Lobão, define o povo como pessoa moral que nunca morre. Com a Revolução Francesa institui-se a souverainité du peuple, onde o povo é entendido como o Terceiro Estado. Lincoln vai definir a democracia como o governo do povo, para o povo e pelo povo.

A partir de Herder, surge a ideia de Volksgeisti, onde o povo surge como um todo orgânico, dominando por forças interiores e silenciosas.

Retirado de Respublica, JAM

Potsdam, Conferência de (1945)

Conferência dos quatro grandes vencedores da Segunda Guerra Mundial, realizada entre 17 de Julho a 1 de Agosto de 1945, já depois de Roosevelt, falecido no dia 12 de Abril, ter sido substituído por Harry Truman. É nela que se assume o neofeudalismo dos Estados directores, com uma enorme legião de Estados secundários, os quais vão ter de optar entre a anarquia ou o apoio a um dos grandes.

Retirado de Respublica, JAM

Potestas politica

Segundo Francisco Suárez trata-se de um género de poder típico das comunidades perfeitas, daquelas que não são um simples corpus, mas antes um corpu mysthicum. A potestas politica é o mesmo que potestas jurisdictionis, potestas civilis, gubernatio politica, potestas suprema e principatus. É uma potestas que é suprema in suo ordine e que inclui a própria capacidade de fazer leis, algo que, no entanto, só é compreensível no quadro do jus gentium. Nas comunidades perfeitas, como a família, há apenas potestas dominativa ou potestas oeconomica.

Retirado de Respublica, JAM

Potentia

(Pouvoir) Aquilo que um homem pode fazer, aquilo que pertence ao domínio dos factos, um poder de facto, o poder referido às pessoas que comunicam e actuam em conjunto. Difere da potestas, daquilo que um homem tem a permissão de fazer, um poder que pertence ao mundo do direito, um poder de jure, o poder de uma pessoa para com a outra. A potentia equivale ao francês pouvoir, a mera acção, e a potestas, a puissance, algo de durável, de permanente. Como salienta Raymond Aron: on a la puissance de faire une chose et on exerce le pouvoir de la faire.

Espinosa

Esta diferença entre potentia e potestas, entre a capacidade de produzir as coisas e a força que produz as coisas em acto, ou entre o poder-ser e o ser, é assinalada por Espinosa, quando faz equivaler, à potentia, a força da multidão a constituir-se, salientando que só esta pode fundar a potestas. Pelo pacto social, a potentia gera a potestas, entendida esta como mera delegação da força.

Hobbes

Também Hobbes assinala que, pelo pacto social, a potentia, típica do estado de natureza, passa a potestas, a delegação da força. Se a potentia é mera força individual, já a potestas se assume como algo de supra-individual, como algo que faz parte do mundo do direito. No estado de natureza, a potestas, é um direito ilimitado, porque cada um tem tanto direito quanto o respectivo poder. Também a potestas, expressa pela soberania, constitui um direito ilimitado, mas supra-individual, assumindo-se como a maior força, como a mais alta autoridade humana. Se a potentia pertence aos indivíduos como átomos, já a potestas, típica de uma ordem artificial, constitui um todo e situa-se fora do indivíduo, pelo que o soberano tem toda a espécie de poder susceptível de como tal ser transferido.

Retirado de Respublica, JAM

Posse e poder

Talleyrand observava que "um governo legítimo, seja monárquico ou republicano, hereditário ou electivo, aristocrático ou democrático, é sempre aquele cuja existência, forma ou modo de acção são consolidados e consagrados por uma longa sucessão de anos, e diria de bom grado por uma prescrição secular. A legitimidade da potência soberana resulta do antigo estado de posse, da mesma forma que para os particulares a legitimidade do direito da propriedade". Para Gama e Castro já a legitimidade é, sobretudo, marcada pela "justiça da aquisição" e pela "diuturnidade da posse", sendo expressa nas leis fundamentais da Constituição histórica: "certas leis primordiaes e constitutivas da Monarchia, que o próprio Soberano não pode destruhir por que são ao mesmo tempo o fundamento por que he Rey, deixando de o ser desde esse momento em que o fes".

Retirado de Respublica, JAM

Pós-revolução

Para Ortega y Gasset as revoluções são pós‑revolucionárias, porque uma revolução inteira é um processo dialéctico, em que a tese é dada por uma certa situação histórica, a antítese por uma ideologia que procura antepor‑se‑lhe, e, finalmente, a síntese, pela revolução em sentido restrito, em que se fundem numa unidade nova os elementos anteriores. É a diferença que separa a intenção dos resultados, a revolução da pós‑revolução. Com efeito, a Revolução francesa é mais Napoleão e Luís Filipe do que Robespierre ou Saint Just, tal como o liberalismo em Portugal é mais a moderação cartista do que o vintismo revolucionário. Foi o próprio Napoleão que declarou expressivamente: "a Revolução está encerrada; os seus princípios estão fixados na minha pessoa. O governo actual é o representante do povo soberano; não pode, pois, existir revolução contra o soberano". Do mesmo modo, Constant vale mais do que Rousseau. Era o primeiro que, aliás, a designava como "a nossa afortunada revolução", chamando‑lhe tal "mau grado os seus excessos, dado que me interesso só com os resultados".

Retirado de Respublica, JAM

Positivismo

Método, para º A qualificação do novo método assumida pelo positivismo recebeu vários nomes. Primeiro, Comte utiliza a expressão ciência política. Segue-se a de física social. Acaba por ser consagrado o neologismo sociologia. No fim da vida, Comte ainda esboçou as designações de sociocratia e de sociolatria.

Positivismo. Corrente de pensamento fundada por Auguste Comte. ,27,173. Influencia particularmente a III República Francesa, com Léon Gambetta e Jules Férry. Destaca-se, na altura, Littré, que não aceita o modelo positivista posterior a 1845, propondo a via parlamentarista e um anticlericalismo moderado. Os positivistas são considerados os bolchevistas da classe média (José Murilo de Carvalho)). Contra Littré, surge Pierre Laffite, o chefe dos positivistas ortodoxos, que influencia particularmente os brasileiros Miguel de Lemos e Teixeira Mendes. Os ortodoxos não aceitavam lugares remunerados no Estado e no ensino superior.

Retirado de Respublica, JAM

Populorum Progressio

967 [Carta] Encíclica [de Paulo PP. VI], emitida em 20 de Março de 1967. A tese central: é do desenvolvimento que deve brotar a paz do mundo. Um desenvolvimento que não pode ser apenas económico, mas integral.

Retirado de Respublica, JAM

Populismo Russo

Neste ambiente eslavófilo, destacou-se, no último quartel do século XIX, o chamado populismo, defensor de uma espécie de socialismo agrário. Um desenvolvimento doutrinário que, na senda de Herzen, defendia a passagem do tradicional mir ao socialismo, queimando-se a etapa da fase capitalista. Os populistas, ditos norodniki em russo, assumem-se como os defensores do narodnichestevo, nome dado pelos historiadores ao grupo. A tendência manifesta-se particularmente a partir de 1874 quando se deu a chamada peregrinação ao povo levada a cabo pelos cavalheiros das cidades que se assumiram como autênticos missionários. Era o delírio pelo povo como objecto distante, numa reedição pré-ecológica de uma espécie de primitivos actuais, por parte da intelligentzia russa. Com efeito, há na Rússia uma ideia de povo portador de um destino quase divino, que se revela no milenarismo pan-eslavista e que vai ser continuada pelos bolcheviques, onde o proletariado se asume como o reino dos pobres a quem a terra é prometida. Aliás, o terrorismo dos nihilistas talvez apenas tivesse a ilusão de ser um choque para fazer sair o povo da apatia. Como afirma Jean Servier: em 1905 como em 1917, a Revolução russa recordar-se-á de Bakunine e da sua mística revolucionária, porque trouxe ao socialismo doutrinário um élan messiânico novo, a noção que um povo eleito devia ser o portador da revolução na Europa. Neste sincretismo, destaca-se a obra do príncipe Piotr Kropotkine (1842-1920), onde é marcante a influência de Proudhon. Trata-se de um anarquismo que se volta fundamentalmente contra o centralismo tentando delinear uma espécie de anarcocomunalismo. Como ele confessava, na Sibéria perdi toda a fé na disciplina do Estado. Assume-se contra o livre-cambismo, que terá dividido a humanidade em fábricas nacionais, cada uma com a sua especialidade, saudando a nova corrente que leva as nações civilizadas a ensaiar no seu interior todas as indústrias e a encontrar vantagens em fabricar tudo o que dantes recebiam dos restantes países. Insurge-se também contra o darwinismo, que tão marcantemente influenciou o marxismo russo, criticando especialmente a teoria da luta pela vida, apelando, em alternativa, à cooperação e ao autogoverno da solidariedade espontânea. Tendo regressado em 1917 à Rússia, depois de saudar Kerenski, acaba por criticar acerbamente os bolcheviques. Veja-se a Carta aos Operários de Todo o Mundo, onde, dirigindo-se a Lenine, observa: por mais que me esforce, não posso compreender que nenhum dos homens que o rodeiam lhe tenha dito que as decisões que estão a ser tomadas, lembram os tempos obscuros da Idade Média e das cruzadas. Se tais métodos são agora tolerados, não nos será difícil pensar que um dia, não muito distante, será usada a tortura como na Idade Média. Também nestes finais do século XIX importa destacar o labor do eslavófilo de esquerda Vladimir Soloviev (1853-1900), autor de A Grande Controvérsia e a Política Cristã, de 1883, onde defende que a Rússia deve mostrar que não representa somente o Oriente, mas que é na realidade a Terceira Roma, a qual não exclui a primeira, antes reconcilia as duas. Assim, critica o anterior erro de Pedro, Grande, de ter transformado a Rússia num puro reino ocidental, denunciando também o anti-semitismo dominante no czarado de Alexandre III. Em A Questão Nacional na Rússia vai distinguir nacionalismo e nacionalidade, criticando o primeiro por conduzir ao egoísmo nacional. Para ele, a eslavofilia conduziu não à ideia cristã, mas a um patriotismo ideológico que faz da nação um objecto de idolatria, através daquilo que designa por filosofia mecanicista. Contudo, em 1896 converteu-se ao catolicismo e publicou Trois Entretiens e Récit sur l'Antichrist. Depois dele, Viatcheslav Ivanov (1866-1949) no ensaio A Ideia Russa, de 1907, analisa o contraste entre o povo e a intelligentzia e fala na ideia da Terceira Roma como o sonho da missão universal do povo russo. Nikolai Fiudorov é um dos últimos expoentes desta eslavofilia, onde o apocaliptismo é levado ao extremo, prevendo-se um próximo fim dos tempos, com a chegada do Anti-Cristo. Mas o julgamento final não seria fatal dado que os homens poderiam unir-se numa causa comum, a da ressurreição, capaz de vencer a natureza, organizar a vida cósmica, ultrapassar a morte e ressuscitar os cadáveres. Adepto da ligação da teoria à prática, odiava o capitalismo e propunha que os homens deveriam deixar de combater entre eles para combaterem em comum contra as forças elementares da natureza. Estas teses tiveram um certo acolhimento por algumas alas bolcheviques e, de certa maneira, estão presentes nas teologias da revolução que também pretendem fazer uma simbiose entre o cristianismo e a revolução marxista, não desdenhando da violência terrorista, como acontece na América Latina contemporânea. Numa posição contrária a este ciclo do pensamento russo, o padre jesuíta russo Ivan S. Gagrine, tradutor de Tchaadaev para francês, em La Russie sera-t-elle catholique?, de 1856, atacava os eslavófilos por quererem estabelecer a mais completa uniformidade religiosa, política e nacional, dado que na sua política exterior, querem fundir todos os cristãos ortodoxos, de qualquer nacionalidade, e todos os eslavos de qualquer nacionalidade, num grande império eslavo e ortodoxo. Por seu lado, Besançon, fiel ao cepticismo racionalista francês, considera que os eslavófilos tiveram de importar o nacionalismo, apagando as etiquetas de importação. E nacionalizar o nacionalismo alemão, a tal ponto que este pareça jorrar das profundidades da nação russa, como uma formação indígena, portadora de valor. Como o nacionalismo se posiciona, opondo-se, é necessário poder opor a Rússia à Alemanha e ao Ocidente europeu, servindo-se dos argumentos alemães e ocidentais, mas virados contra o ocidente, e sem fazer qualquer referência à sua fonte real. O que falta absolutamente aos eslavófilos são as referências e as citações. Para o mesmo autor, o eslavofilismo alimenta-se de uma má consciência interna à Europa, que esta contempla projectada no muro russo, enquanto a Rússia não a atira para a Europa, a não ser na medida em que foi conquistada por essa má consciência e, nessa medida, europeizada. Daí que a visão eslavófila da Europa seduza facilmente a Rússia e seduza também a Europa, ela própria totalmente disposta a tomar a sério o persa moscovita e o hurão a quem ensina, em Paris ou Gotinga, os rudimentos da filosofia. Acontece apenas que o eslavofilismo, tendo-se tornado teologia, eis que conserva o carácter de seita e de seita dualista, com os seus ódios e as suas exclusões. A cristandade russa, em que entrou, o eslavofilismo fá-la gritar, como uma massa de calceteiro, contra os seus inimigos particulares: a verdadeira herança do eslavofilismo não é de valores, mas de contra-valores, entre os quais enumera, o desprezo pelo direito como contrato, o desprezo pelo liberalismo, o desprezo pelo ocidente, o horror pelo capitalismo.

Retirado de Respublica, JAM

Popper, Karl Raimund (1902-1994)

Nasce em Viena, onde se forma no ambiente neopositivista do Círculo de Viena. Doutorado em 1928. Professor em Christchurch na Nova Zelândia, de 1937 a 1945. Professor na London School of Economics and Political Science desde 1945. Defende a necessidade de instauração de uma sociedade aberta que tanto é uma sociedade abstracta, isto é, aquela onde as anteriores relações face to face das sociedades fechadas, deu lugar a relação impessoal com indivíduos anónimos que apenas desempenham papéis, como uma instituição artificial e convencional. Neste sentido, combate o totalitarismo e o historicismo, defendendo, contra a utopia, o gradualismo reformista, o racionalismo crítico, o individualismo metodológico e aquilo que alguns qualificam como utilitarismo negativo, isto é, que os governos não devem ter como objectivo o aumento da felicidade global, mas antes a redução do sofrimento conhecido.

Retirado de Respublica, JAM

Foto picada de arteyestilos.net

Pombal, Marquês de (1699-1782)

Sebastião José de Carvalho e Melo, também conde de Oeiras. Depois de ser diplomata em Londres e Viena, entre 1738 e 1749, destaca-se como o executante do despotismo iluminado durante o reinado de D. José I (1750-1777). Com ele nos chega o terramoto político do estadualismo, à imagem e semelhança do próprio terramoto de Lisboa de 1755, onde vai reconstruir a cidade de acordo com um modelo arquitectónico geométrico, com as anteriores pedras. Destaca-se também a respectiva reforma da Universidade em 1772, onde tenta eliminar a dominante jesuítica da ratio studiorum, preferindo o empirismo mitigado. Personifica um quarto de século de reformismo despótico, onde usa as doutrinas do mercantilismo. Lança, assim, as fundações do Portugal Contemporâneo e do modelo unitário do Brasil. Conclui em Portugal o edifício do Estado Moderno, empreendendo uma luta contra os poderes periféricos da nobreza, do clero e do povo.

Retirado de Respublica, JAM

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Politique d'abord

Máxima assumida pela Action Française e Charles Maurras, em nome da primauté de la politique, numa perspectiva de naturalismo político, próxima do conceito de empirismo organizador. A esta perspectiva, Jacques Maritain vai responder com o primado do espiritual.

Retirado de Respublica, JAM

Politicidade

Na base de todo o esquema hegeliano está o caso do conceito de civilidade ou politicidade, entendida como moral objectiva concreta (sittlichkeit), entendida como uma espécie de produção espiritual do colectivo pensado como uma produção espiritual, o efeito de uma vontade cujo princípio transborda, por definição, dos quadros da consciência individual, pressupondo a existência de um sujeito colectivo intermediário entre a individualidade particular da consciência e a universalidade do espírito, onde cada um passa a ser todo o mundo e onde o processo dialéctico se desdobra numa tese, que é a família, numa antítese, que é a sociedade civil, para se atingir a síntese, que tem de ser o Estado.

Retirado de Respublica, JAM