Campanella, Tommaso (1568-1639)
Dominicano da Calábria, autor de Città del Sole, escrita em 1602, onde descreve uma república filosófica, governada por um príncipe-sacerdote, dito Sol ou Metafísico, eleito com base na sabedoria. Nessa obra, proclama que o amor deve combater e vencer todas as formas de divisão, de dispersão, de oposição, defendendo a necessidade da humanidade (... ) formar uma monarquia universal, governada por um chefe único, simultaneamente rei e sacerdote, assim se reencontrando o estado primitivo, natural e divino. Campanella, mais célebre do que conhecido, conforme as justas palavras de Giovanni Gentile, é um desses típicos pensadores de encruzilhada. Seguindo os ditames da unidade do género humano, debaixo de um só poder político-religioso, ele que acreditava ser a religião a alma da política, escreve também Monarchia di Spagna, em 1593-1595, numa primeira versão, depois revista em 1598-1599, Aforismi Politici, de 1601, Monarchia del Messia, de 1605, e Monarchia delle Nazioni, de 1635. Em Monarchia di Spagna, defende a unificação da humanidade debaixo da monarquia espanhola, mas com o primado político do Papa, dado considerar aquela como um braço secular, principalmente armado, ao serviço de um monarca-Pontífice, este sim o verdadeiro monarca universal do mundo, dotado de um principato assoluto a se stesso sufficiente con l’uno e l’altro gladio. Já a Città del Sole é escrita quando estava detido numa prisão napolitana, entre 1599 e 1626, acusado de ter alinhado numa revolta contra o poder filipino, com o apoio dos próprios turcos (ver a trad. port., A Cidade do Sol, Lisboa, Guimarães, 1990). Depois, entre 1626 e 1629, passou para os cárceres do Santo Ofício em Roma. Entre 1629 e 1634 viveu, contudo, em liberdade, sob a protecção do papa Urbano VI, mas, a partir de 1634 e até 1639, refugiou-se em França, protegido por Luís XIII. Curiosamente, foi modificando o modelo salvacionista, dado que, ao passar para a prisão romana, substitui o Sol pelo Papa e voltou a elogiar a monarquia espanhola, para, depois de 1634, substituir a monarquia espanhola pela monarquia francesa, justificando tal atitude pela consideração que monarquia espanhola terá apenas servido de preâmbulo para outras nações poderem aderir à monarquia de Cristo. Eis uma obra que, segundo Gentile, está cheia de contrastes e contradições internas, que têm um significado histórico geral e iluminam todo o período de revolução espiritual que nele culmina, dando lugar a um drama individual que não tem somente um interesse biográfico, mas que nos dá a chave para compreender o seu pensamento. Se lermos as suas próprias palavras, veremos que a monarquia filipina tinha condições para assumir esse papel porque recebera a linha imperial da Casa de Áustria, descobrira o Novo Mundo, derrubara Portugal e tinha franceses e ingleses e alemães em estado de depressão (... ) por causa das suas repugnantes e falsas religiões. De qualquer maneira, importa salientar que as suas concepções talvez sejam o exacto contrário das de Maquiavel, filiando-se, sobretudo, em Platão. Como ele próprio observa, a suma da razão política que o nosso século anticristão chama razão de Estado consiste em que se valora mais a parte que o todo, e que o homem se valora a si mesmo mais que à espécie humana, mais que ao universo e mais que a Deus. Procurava uma teoria para a unidade do género humano, num crescendo comunitário que passava pela relação homem-mulher, pais-filhos, amos-criados, família, aldeia, cidade, província, reino, império, vários impérios sob o mesmo poder, até chegar-se ao estádio de todos os homens debaixo da espécie humana, onde o Estado era definido como comunidade e associação de muitos indivíduos governada por um poder superior, como uma comunidade vinculada pela boa fé submetida a um poder moderado, visando a comunidade de bens (da alma, do corpo e da fortuna). Em primeiro lugar, a alma. Logo a ideia de que a religião, a religião natural ou racionalizada, assinale-se, constituiria a alma da política, assumindo-se mais como uma religião secular do que como uma teocracia. Porque a comunidade da religião é a que mais unifica entre todas, para o que cita o caso do Pontífice Romano, considerado mais unificante que a comunidade dos corpos (dá o exemplo do turco que une judeus, cristãos e maometanos) e que a comunidade de fortunas (caso da monarquia espanhola reinando sobre genoveses e napolitanos), dado que este governo circunscrito aos bens da fortuna é, inquestionavelmente imperfeito, pelo que o Estado assim formado é um Estado incompleto e precário. Conclui assim que nenhum rei cristão pôde jamais suster por si só a monarquia de toda a cristandade, porque o Papa está por cima dele e faz e desfaz os seus projectos.
Retirado de Respublica, JAM