terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Diferenciação

Diferenciação estrutural
Segundo as teorias funcionalistas, diz-se do processo segundo o qual uma determinada estrutura social, seja um papel ou uma organização, dá origem a duas ou mais estruturas, cada uma delas capaz de funcionar de maneira mais especializada e de modo mais eficaz.
Diferenciação política (Duguit)
Considera que a palavra Estado designa toda a sociedade humana em que existe diferenciação política, diferenciação entre governantes e governados, segundo a expressão consagrada - uma autoridade política.
Diferenciação entre governantes e governados
Para Duguit, a palavra Estado designa toda a sociedade humana em que existe diferenciação política, diferenciação entre governantes e governados, segundo a expressão consagrada ‑ uma autoridade política. Se aceita a teoria do Estado‑Força, quando reconhece que o que aparece em primeiro plano no Estado é o seu poderio material, a sua força irresistível de constrangimento, e que o Estado é força, não há Estado senão quando num país há uma força material irresistível, logo assinala que, ao contrário dos autores alemães do Macht‑Staat, que esta força irresistível do Estado é regulada e limitada pelo Direito. É que uma construção jurídica não tem valor senão quando exprime, em linguagem abstracta, uma realidade social, fundamento de uma regra de conduta ou de uma instituição política. A construção jurídica do Estado só terá, pois, valor se for a expressão, em fórmulas abstractas, de realidades concretas. A teoria do Estado‑ Pessoa e da Soberania‑Direito não satisfaz, de modo nenhum, estas condições , pois implica a ideia de que o Estado é uma personalidade distinta dos individuos que o constituem e que essa personalidade é dotada de uma vontade superior, pela sua essência , a todas as vontades individuais e colectivas que se manifestam num determinado território, constituindo essa superioridade de vontade a Soberania‑Direito. Ora tudo isto são puras concepções do espírito sem nenhuma espécie de realidade positiva. Reconhecer o Estado como Força é, para o autor em análise, uma atitude realista, que o afasta do idealismo, mas salientar o facto do Estado se subordinar ao Direito significa que a força, porque é força, não pode fundar o direito, mas apenas submeter‑se‑lhe. Esta concepção realista não aceita, pois, a visão do Estado como pessoa colectiva, o dogma da soberania alienável e divisível, bem como a chamada auto‑limitação do Estado.
Diferenciação. O político como processo de diferenciação
No tocante ao clássico terceiro elemento do Estado, o chamado poder político, importa referir que a sociologia funcionalista considera que o Estado tem a ver com um processo de diferenciação social, isto é, com a especialização e a dissociação de particulares estruturas de autoridade, relativamente às restantes estruturas sociais. Diferenciação que se insere na transformação social resultante da lógica do princípio da divisão do trabalho, reflectindo um processo de racionalização que afecta todas as sociedades que se modernizam e que é fundamentalmente marcado por quatro processos: a diferenciação progressiva das estruturas sociais; a autonomização; a universalização e a institucionalização. Esta posição é qualitativamente diversa da assumida pelo evolucionismo clássico, positivista e darwinista, em sentido estrito, que acentua os mecanismos endógenos das mudanças sócio‑políticas, dando relevo aos factores intelectuais que acentuam a construção política das estruturas estaduais. O político como o equilíbrio global O antropólogo Radcliffe‑Brown, por exemplo, considera que a estrutura política corresponde a uma função de regulação do todo social e intervem no ponto de fractura do edificio para instaurar ou reinstalar o equilibrio. O político não teria, assim, que se identificar com o Estado, sendo sinónimo de conservação ou estabelecimento da ordem social, podendo haver político nos mais pequenos grupos. Embora considere que o Estado é sempre organização política, refere que ele é o aspecto da organização total que garante o estabelecimento e a manutenção da cooperação interna e da independência externa.
O Estado como articulação de factores internos e externos
Robert Lowie, por seu lado, salienta que o Estado, entendido como a articulação de factores internos ( como a diferenciação social ) e factores externos (como, por exemplo, a conquista) é algo que existe em germe em todas as sociedades, mesmo nas mais primitivas. O Estado teria a ver com a generalização do facto associativo e com a regressão das solidariedades comunitárias. Considera, neste desenvolvimento, que o Estado compreende os habitantes de uma determinada área que reconhecem a legitimidade da força quando ela é utilizada por individuos que eles aceitam como chefes ou governantes (Social organization, 1948).

Diferença entre sistemas sociais e sistemas políticos
Talcott Parsons, por exemplo, distingue entre os simples sistemas sociais e o sistema político, entre a sociedade e o Estado. Se a primeira é constituída por indivíduos, já o sistema político impõe a existência de cidadãos, de um direito público e de uma acção governativa, que levariam o Estado a destacar‑se da restante comunidade social. E teria sido o código cultural do cristianismo, afinado pela Reforma protestante que gerou o chamado Estado Moderno, entendido, simultaneamente, como um Estado Funcional, um Estado de Direito e um Estado Democrático. Um Estado Funcional porque visa a integração da sociedade no seu conjunto, não podendo ser agente de conflitos ou simples instrumento de grupos particulares. Em segundo lugar, um Estado de Direito porque o respectivo sistema de legitimidade assenta no princípio da legalidade. Em terceiro lugar um Estado Democrático, dado basear‑se na instituição parlamentar e na diferenciação entre o sistema político e os restantes sistemas sociais (Le Système des Societés Modernes, trad. fr., Paris, Dunod, 1973).
O Estado como comunidade universalista
Segundo idêntica perspectiva funcionalista já Robert Nisbet dá ao Estado origens mais remotas. Teria surgido com o aparecimento do imperium de César Augusto, face à dissolução da família romana, quando aparece, então, como uma comunidade nova marcada pela pretensão universalista e estabelecendo uma relação directa entre o centro imperial o o individuo ( State and Family, 1973).

A politização de conflitos de interesses
Por seu lado Samuel Eisenstadt acentua o facto do Estado ter a ver com o político. O Estado resulta da politização dos conflitos de interesses, consolida‑se com a universalização do político e é tanto mais forte quanto mais o político se diferencia do simples social. Neste sentido, considera como factor genético do Estado Moderno o momento da superação do corporativismo medieval, quando se deu a dissolução das sociedades tradicionais e a especialização dos papéis sociais. O Estado teria surgido quando o individuo se libertou do círculo dos grupos estamentais, em luta contra a aristocracia, as comunas e as corporações, e passou a ficar isolado perante uma nova realidade de poder.
O Estado como efeito da centralização
O Estado Moderno é, assim, visto como o ponto de chegada de um processo de centralização das estruturas políticas. Como uma centralização que teria libertado os recursos de poder aprisionados pelas antigas hierarquias sociais, levando ao surgimento de um novo mercado dos recursos políticos, onde o poder está disperso. Surge então o Estado Moderno, entendido como um mecanismo auto‑regulador dos recursos políticos que obedeceria, nestes termos, a três princípios: o da despersonalização, o da permanência e o da democraticidade.
- despersonalização, porque as instituições estaduais são independentes do Príncipe;
- permanência, porque estão ao abrigo da competição política que propiciam;
-democraticidade, sem as quais o Estado deixa de ser uma instituição.
O Estado como integrador do social
Neil Smelser, nesta linha, atribui ao Estado o papel de elemento integrador do social, considerando‑o como a entidade capaz de harmonizar o processo de diferenciação, como o instrumento funcional de mobilização política, capaz de diminuir a acuidade dos conflitos sociais, especialmente os protagonizados pelos elementos periféricos. A antropologia funcionalistaA antropologia evolucionista, próxima do funcionalismo, considera também que o Estado é uma simples estrutura social total, resultante do crescente domínio do político sobre o parentesco. Para Edward Evans‑Pritchard e Mayer Fortes, a origem do Estado constituiria mera questão filosófica e ficticia, já que a evolução social é caracterizada pela unidade e pela continuidade.
Sociedades dominadas pelo parentesco
Primeiro, detecta‑se a existência de sociedades dominadas pelo parentesco, onde a ausência do Estado, no entanto, não significaria a ausência de distinção. Trata‑se de sociedades muito pequenas onde a estrutura política se confunde com a estrutura do parentesco.
Sociedades onde o político vai dominando o parentesco
Surgem, em segundo lugar, sociedades onde o político vai dominando o parentesco, detectando‑se a existência de grupos políticos, de grupos que se definem pela base territorial. Contudo, nesta segunda fase da evolução, se o político vai sobrepondo‑se ao parentesco, estes laços ainda vão sendo os dominantes. E isto porque faltam instituições especializadas, com autoridade permanente, tendo como função a manutenção da ordem social. Nestas formações sociais, ainda sem hierarquia ou autoridade, o mecanismo de equilibrio social pode surgir de uma liderança, ou leadership.
Sociedades com domínio do político sobre o parentesco
Em terceiro lugar, refere o aparecimento de sociedades com uma autoridade centralizada, um aparelho administrativo e instituições judiciais, onde já é flagrante o domínio do político sobre o parentesco.
Hierarquia em vez de equilíbrio
Agora, em lugar do equilibrio, temos a hierarquia que marca o novo modelo organizacional. Surge também o sistema político que unifica no mesmo nível de extensão territorial os antagonistas e realiza a equivalência estrutural (African Political Systems, 1940)
O processo de complexificação institucional
Para A. W. Southall há também um processo contínuo de complexificação institucional desde as sociedades sem Estado até aos Estados Unitários, através do qual o poder se vai deslocando para fora e acima da sociedade. Depois das Sociedades sem Estado, vêm as Sociedades Segmentares e só depois os Estados Segmentares. Dentro destes, haveria, aliás, que distinguir, numa primeira fase, a chamada chefatura, onde o poder político ainda está no seio da sociedade, para, numa segunda fase, surgir uma especialização do poder e uma estruturação piramidal.
Estado segmentar e Estado Unitário
Finalmente, surgiria o Estado unitário, onde se dá a distribuição do poder através do centro, de forma hierárquica. Se Estado unitário é considerado como completamente desenvolvido, mas que nunca se realizou, já no Estado segmentar, de estrutura hierárquica de poder, notam‑se as seguintes características fundamentais:- a estrutura da soberania é limitada, esbatendo‑se nas regiões afastadas do centro; o governo central tem apenas um controlo relativo dos outros focos do poder; há administrações especializadas tanto no poder do centro como nos poderes das periferias; - o monopólio legítimo da força não é completo; se as relações de poder se estruturam de forma piramidal, há diferentes níveis de subordinação; quanto mais periféricas são as autoridades subordinadas, mais estas têm possibilidade de mudar de obediência (A Critique of Typology of States and Political Systems, 1966).

A propriedade suplantando o parentesco
Para Leslie White, por seu lado, o Estado que tem a missão de garantir a integridade do sistema sócio‑cultural de que faz parte, que quer conservar o sistema enquanto um todo, surgiu quando os grupos de parentesco localizados se tornaram unidades territoriais no seio do sistema político. Neste sentido, considera que tal ocorreu quando se deu uma modificação na dimensão dos clãs e das tribos e o factor territorial serviu para compensar o enfraquecimento dos laços de parentesco. Como ele diz, com o tempo desenvolveu‑se um mecanismo especializado de coordenação, de integração e de administração e o parentesco foi suplantado pela propriedade como base da organização social; é a unidade territorial em vez do grupo de parentesco, que se torna significante como princípio da organização política (The Evolution of Culture, 1959).

O unitário imperfeito
A este respeito, Georges Balandier considera que o grupo dirigente, tal como o Estado, não tem um carácter perfeitamente unitário e que os elementos que o compõem para se apoderarem do poder, do prestígio, do poderio material entraram num choque de rivalidades que passou a exigir estratégias que utilizem, pelo menos provisoriamente, as divisões segmentárias da sociedade global (Antropologia Política, trad. port., p. 146).

Sociedades igualitárias, sociedades de categoria e sociedades estratificadas
Também M. G. Smith considera que o segmentar, diverso do parentesco, mas ainda não podendo ser considerado como estatal, já é uma estrutura com conteúdo político (On Segmentary Lineage Systems, 1956). Outro neoevolucionista, M. H. Fried, refere que o aparecimento do Estado, como estrutura autónoma, se dá através de três estádios subsequentes: sociedades igualitárias, sociedades de categoria e sociedades estratificadas ( The Classification onf Unlineal Descent Groups, 1957).

Chefatura, Cidade-Estado, Monarquia
Por seu lado, para Jean‑William Lapierre o ciclo de transição já passaria pela chefatura, ‑ das sociedades que dispensa o poder político, ‑ pela Cidade‑Estado e pela Monarquia (Vivre sans État? Essai sur le Pouvoir Politique et l'Innovation Sociale, 1977).
Governo mínimo, governo difuso e governo estatal
Lucy Mair, a este propósito, assume‑se contra a distinção entre sociedades sem Estado e sociedades com Estado considerando que depois do Governo Mínimo ‑ marcado por uma autoridade fraca, com um número restrito de detentores do poder ‑ e antes do Governo Estatal, teria existido uma fase intermédia, a do Governo Difuso, onde, o poder apesar de pertencer a todo o conjunto da população adulta do sexo masculino, é efectivamente assegurado por algumas instituições, por sua vez dominadas por certas pessoas. Salienta, neste sentido, que foram as relações de clientela e de dependência pessoal do feudalismo que constituiram o germe do Estado Moderno (Primitive Government, 1962).
A diferenciação entre dominantes e dominados
Pierre Clastres, por seu lado, ligando o aparecimento do Estado ao estabelecimento da divisão entre dominantes e dominados, situa tal momento na proto-história: é a revolução política, é esta aparição misteriosa, irreversível, mortal para as sociedades primitivas, daquilo que conhecemos sob o nome de Estado. Essa é que teria sido a grande revolução e não o neolítico: uma só alteração estrutural, abissal pode transformar, destruindo‑a como tal, a sociedade primitiva, aquela que fez surgir no seu seio, ou do exterior, aquilo cuja ausência define esta sociedade: a autoridade da hierarquia, a relação de poder, a sujeição dos homens, o Estado (Les Societés contre l'État).
O Estado como resultado de uma produção imaginária
Por seu lado, Marc Abeles, salientando o peso da ideologia no aparecimento do Estado, considera que este é a passagem à autonomia do político, não reduzindo este processo de autonomização à complexificação e centralização das instituições políticas. Para ele o Estado revela‑se no factor de dominação de modo indirecto, dado que a coesão realiza‑se... na projecção de uma produção imaginária. Assim, a ideologia intervem directamente ao nível da reprodução do todo social e das suas contradições, em particular sob a forma desse vasto drama no qual tomam parte todos os membros da sociedade (Pouvoir, Societé, Symbolique). É, no fundo, o aspecto ritual/integração apagando o aspecto coerção/dominação, ou aquilo que J. Pouillon refere como a imbricação das crenças e do sistema político.
Retirado de Respublica, JAM

Diderot, Denis (1713-1784)

Plebeu, filho de um cutileiro, assume-se como um discípulo de Francis Bacon. Em 1746 escreve obra marcada pelo deísmo, onde defende as maravilhas da natureza, numa perspectiva anticristã e que foi condenada pelo Parlamento de Paris. Concebe e dirige a publicação da Encyclopédie que pretende ser um quadro geral dos esforços do espírito humano. Depois de emitido um prospecto anunciador da publicação em 1750, o primeiro tomo surge em 28 de Junho de 1751. O segundo tomo aparece em 22 de Janeiro de 1752, mas o governo proíbe a venda dos mesmos. O III tomo apenas é editado em Novembro de 1753; o IV em 1754, o V em 1755, o VI em 1756, o VII em 1757. Em 1759 é condenada pelo Parlamento de Paris e só em 1764-1765 a obra termina. Aí escreve artigos como os de autoridade política (1751) poder, potência e soberanos (1765). Homem frontal, assume desde 1749, com a publicação de uma Lettre sur les Aveugles à l’Usage de ceux Qui voient, um programa materialista e ateu. É então preso, recebendo a visita de Rousseau. Em 1773-1774 visita Sam Petersburgo, escrevendo em 1775 um Plan d’Université pour la Russie e um Essai sur les Études en Russie. Considera há apenas duas fontes para o poder: ou a força e a violência daquele que dele se apoderou; ou o consentimento daqueles que lhe estão submetidos, por um contrato celebrado ou suposto entre eles e aquele a quem deferiram a autoridade. O poder que se adquire pela violência não é mais que uma usurpação e não dura senão pelo tempo por que a força daquele que comanda prevalece sobre a daqueles que obedecem ... (artigo Autoridade Política). Assim, define o Estado como uma sociedade civil pela qual uma multidão de homens estão unidos em conjunto sob a dependência de um soberano, para gozar, pela sua protecção e pelos seus cuidados, da segurança e da felicidade que faltam no Estado de natureza (artigo Estado).
Retirado de Respublica, JAM

EASTON, DAVID N. 1917

Canadiano, nascido em Toronto. Doutorado em Harvard. Professor na Universidade de Chicago desde 1947.
Autoridade na distribuição dos valores
Considera que a vida política consiste em acções relacionadas com a autoridade na distribuição dos valores (the political life consists of those actions related to the authoritative allocation of values) e o sistema político aparece como um complexo de actividades, dotado de autonomia (a system of interrelated activities influence the way in which authoritative decisions are formulated and executed for a society). Onde os valores aparecem como as vantagens, materiais ou não materiais, que são repartidas no quadro de um sistema político.
PARA ALÉM DA LUTA PELO PODER
Observa que a luta pelo poder não descreve o fenómeno essencial da vida política; ela refere-se apenas a um aspecto relativamente importante, mas que permanece, apesar de tudo secundário, concluindo que o poder é apenas uma das variáveis significativas. Tendo apenas isto em atenção, omite-se uma dimensão também muito importante da vida política, isto é, a sua orientação relativamente a outros fins para além do poder. A vida política não consiste apenas numa luta pelo poder.
AUTONOMIA DO SISTEMA POLÍTICO
Procura a autonomia do sistema político a partir da ideia de comunicação, entendida como o processo de converter a informação em poder. O sistema político é compreendido como um sistema de distribuição autoritária de valores, como um conjunto de interacções pelas quais se efectua a distribuição (allocation) autoritária (authoritative) de valores para uma sociedade. A vida política aparece como a complex set of a process through which certain kinds of inputs are converted into the type of outputs we may call authoritative policies, decisions and implementing actions. E seria este processo funcional da distribuição ou atribuição de valores, isto é, de objectos pelo mesmo sistema valorizados, distribuição marcada pela autoridade, pela imperatividade, que constituiria o traço distintivo do sistema político. Com esta perspectiva sistémica, a ciência política volta assim a ganhar autonomia face à sociologia e, pela via funcionalista, regressam temas fundamentais como os dos valores e e da autoridade. Da mesma forma, se considera que a vida política tem a ver com a unidade mais inclusiva, não podendo confundir-se com outros sistemas parapolíticos. Na linha do behaviorismo e de Parsons, coloca como noção fulcral da respectiva análise a ideia de ambiente (environment), considerando que o sistema político é um sistema de comportamentos incluído num dado ambiente, um sistema que é influenciado pelo ambiente onde se insere, mas que também responde ou reage a esse ambiente.
AMBIENTE
Existiria tanto um intra-societal environment, um ambiente interior, como um extra-societal environment, um ambiente exterior. O ambiente interior seria o da sociedade global, entendida como a soma do sistema político propriamente dito como o dos sistemas não políticos, mas situados dentro do ciírculo da sociedade global, como o sistema ecológico, o sistema biológico, o sistema psicológico (personality system) e os sistemas sociais, incluindo nestes últimos, o sistema cultural, a estrutura social, sistema económico, o sistema demográfico e outros subsistemas. O ambiente exterior seria o ambiente que cerca a sociedade global, enumerando Easton três elementos deste ambiente: international political systems, international ecological systems e international social systems. O ambiente total do sistema político seria assim a soma do ambiente interior com o ambiente exterior.
CAIXA NEGRA
Já o sistema político propriamente dito funcionaria como uma caixa negra produtora de decisões e de acções (outputs), que teria como entradas, como inputs, tanto as exigências (demands) como os apoios (support). Aqui, Easton, na linha de Parsons, sofre as influências das teses de Wassily Leontief, anterior Prémio Nobel da Economia, que havia desenvolvido a análise sistémica dos inputs-outputs, perspectivando o sistema como algo de complexo que está em fluxo constante, em perpétuo movimento, dado que o output vai influenciar o input.
INPUTS
O apoio traduz-se na disposição de um actor A relativamente a B, quando A actua em favor de B ou quando se orienta favoravelmente face a B, podendo B ser uma pessoa, um grupo, um fim, uma ideia ou uma instituição. Já a exigência é definida como a expressão da opinião que uma atribuição dotada de autorida, respeitante a um domínio particular, deve ou não ser feita pelos que para tal são encarregados.
OUTPUTS
Os outputs constituiriam a distribuição autoritária de valores, pelos quais um sistema político diminuiria o peso das exigências que lhe são dirigidas ou maximizaria os apoios de que dispõe.
RETROACÇÃO
Dentro da caixa negra do sistema, far-se-ia a retroacção da informação, a conversão das demands em outputs, através das chamadas autoridades. Pela retroacção um sistema político pode assim ajustar a sua actividade tendo em conta os resultados da sua actividade passada. Ela aparece como um conjunto de processos que permite ao sistema controlar e regularizar as perturbações que se façam sentir.
REVOLUÇÃO PÓS-BEHAVIORISTA
Em 1969, vem falar na necessidade de uma postbehavioral revolution nos domínios da ciência política, onde fosse possível conciliar os métodos quantitativos e o apelo aos factos da revolução comportamentalista, com os dados qualitativos da teoria política e os valores, uma revolução que não seria rejeição do contributo behaviorista para o alargamento da base cogniscitiva da ciência política, mas que teria de aliar, a tais métodos quantitativos, o qualificativo de uma teoria geral própria.
Retirado de Respublica, JAM

Cúria Régia

É a partir do núcleo da casa do rei, do palatium, domus, schola ou curia que vai diferenciar-se, gradualmente e por via costumeira, o que mais tarde irá constituir a administração pública do Estado. É precisamente a partir da Cúria Regia, constituída pelos próceres, maiores ou barões do reino (altos dignitários eclesiásticos e nobiliares, bem como familiares do rei) que vão destacar-se os principais funcionários palatinos e os futuros órgãos da administração central do reino. A cúria régia portuguesa , à semelhança da antecedente cúria leonesa, marcada pelo modelo franco, e na linha de continuidade do sacrum consistorium do Baixo Império Romano e do officium palatinum ou aula régia dos visigodos, tanto funcionava em reuniões restritas daqueles que constantemente acompanhavam o rei (cúria restrita ou ordinária) como em reuniões alargadas a todos os notáveis do reino (cúria alargada ou extraordinária). Deste último tipo de reuniões, vai surgir, a partir de 1254, com a participação do braço popular, a instituição das Cortes que, já em 1261, detém um verdadeiro direito em matéria tributária e, em 1331, passa a reunir apartadamente por braços, classes ou estados.
Retirado de Respublica, JAM

Cúria

Governo central da Igreja Católica. Constituída por nova congregações, três tribunais e cinco secretarias, bem como por dezena e meia de comissões pontificais. Cada congregação tem um número variável de cardeais nomeados pelo papa. Dizia-se de uma subdivisão das tribos entre os romanos, bem como do lugar onde, também em Roma, se reunia o Senado.
Retirado de Respublica, JAM

Cunhal, Álvaro Barreirinhas (1913-2005)

Licenciado em direito. Membro do Partido Comunista desde os 17 anos. Integra então a Liga dos Amigos da URSS e o Socorro Vermelho Internacional. Em 1934 é eleito como representante dos estudantes de Lisboa no Senado Universitário. Em 1935 é secretário-geral da Federação das Juventudes Comunistas. Depois de visitar a URSS passa, a partir de 1936, a fazer parte do comité central do partido. Preso em 1937 e libertado no ano seguinte. Volta a ser preso em 1940 e libertado logo a seguir. No Outono de 1942 já faz parte do secretariado do comité central. Preso de 1949 a 3 de Janeiro de 1960, quando consegue evadir-se da cadeia de Peniche. Volta ao secretariado do comité central a partir de Fevereiro de 1960. Eleito secretário-geral em Março de 1961. A partir de 1962 passa a viver em Moscovo. e 1950-1960. Secretário-geral do PCP. Membro do I governo provisório de 1974.
Discursos Políticos
Lisboa, Editorial Avante, I, 1974; II, 1975; III, 1975; IV, 1975.
Retirado de Respublica, JAM

Cultural (The) Contradictions of Capitalism 1976

Daniel Bell analisa impiedosamente a sociedade capitalista, a partir de uma perspectiva neo-conservadora. Considera que na base da crise espiritual está o hedonismo que leva à perda da noção de civitas, ao egocentrismo e à indiferença face ao bem comum, com falta de confiança no futuro e a crise de legitimidade das instituições liberais. No capitalismo norte-americano desapareceu o conceito protestante de santificação do trabalho. A crise cultural leva à instabilidade política: é nestas circunstâncias que as instituições tradicionais e os procedimentos democráticos de uma soociedade se desmoronam e que se afirmam cóleras irracionais acompanhadas pelo desejo de ver surgir o homem providencial que salve a situação. Salienta que a legitimidade pode assentar nos valores do liberalismo político se se dissociar do hedonismo burgês.
Retirado de Respublica, JAM

Cultura política

Conceito analítico da ciência política, surgido nos anos cinquenta e inseparável do conceito de sistema político. Segundo a definição de Almond e Powell, a cultura política é o modelo de atitudes e orientações face à política entre os membros de um sistema político. Trata-se de um padrão particular de orientações para a acção política, de um conjunto de significados e propósitos em que cada sistema político está imbuído, de crenças, valores e símbolos expressivos. Com a ideia de cultura política pretendeu explicar-se o comportamento político e as diferenças vivenciais de regimes que invocavam a mesma ideologia ou diziam seguir o mesmo tipo jurídico formal. Porque há um reino subjectivo ordenado da política que dá sentido às decisões políticas, disciplina as instituições e a significação social dos actos individuais.

Tipos puros de Cultura Política

Neste sentido, Gabriel Almond e Sidney Verba inventariaram três tipos de cultura política. A cultura paroquial ou localista, geradora de uma estrutura tradicional, marcada pela descentralização. A cultura de sujeição ou de súbditos, com uma estrutura autoritária, tentada pela centralização. A cultura de participação, geradora de uma estrutura democrática. Assinalam, contudo, que qualquer cultura política efectiva é uma mistura dos três tipos, equilibrando as três componentes. Indicam, por exemplo, a existência de uma cultura localista de súbdito, quando o cidadão sai dos laços políticos puramente locais da cultura localista e começa a prestar a sua adesão a instituições governamentais mais especializadas; de uma cultura de súbdito-participante, quando os cidadãos se dividem num conjunto relativamente importante de pessoas politicamente conscientes e activas, e o resto, que são relativamente passivas; a cultura localista de participante, onde as instituições políticas têm um carácter relativamente local e as instituições administrativas nacionais estão bastante desenvolvidas. Neste sentido, os mesmos autores falam na existência de uma cultura cívica, uma categoria mista de cultura política, compreendendo a noção de participação política em estruturas geralmente consideradas como legítimas, mas nas quais, pelo menos para a maioria das pessoas, a vida oferece um conjunto de oportunidades de compromissos com instituições localistas e apolíticas. Verba e Almond referem mesmo que em nenhuma sociedade há uma única cultura política uniforme, e em todas as políticas existe uma distinção fundamental entre a cultura dos governos ou possuidores de poder e a das massas, sejam súbditos localistas ou cidadãos aqueles que participam. Assim, apesar dos regimes comunistas invocarem a mesma ideia, na prática geraram situacionismos diversos e opostos, tal como a democracia varia no espaço, conforme as culturas políticas que a ela aderem.

Vícios da ideia de Cultura Política

Contudo os analistas da cultura política cometem o erro de procurar inferir os valores e as crenças da mera análise de dados dos métodos quantitativos e até escolhem duvidosas operações interpretativas, nomeadamente quando fazem ligar o bargaining power do pluralismo político norte-americano de uma cultura política racional, calculista, negociadora e experimental. Esse tipo de preconceitos levou, por exemplo, a que alguns críticos da democracia tenham proclamado a inadequação cultural dos povos latinos ao jogo democrático, quando, na prática, a democracia acabou por se implementar, quando se enraizou na plurissecular democracia da sociedade civil e no entranhado sentido evangélico de igualdade desses povos.

Retirado de Respublica, JAM

Cultura

A herança ou o património artístico e científico de uma determinada comunidade ou sociedade. Ideias, expectativas, atitudes e crenças geradas pela interacção dos indivíduos sobre as suas actividades comuns. Uma comunicação inter-geracional de informação que vai além da transmissão da informação genética, comunicação que se incorpora em artefactos materiais (o património cultural físico como livros, edifícios ou obras de arte), formas de comportamento (canções, rituais, instituições) ou sistemas de distinções (classificações, histórias, conhecimento codificado em símbolos, ideias ou crenças). A cultura revela assim as respostas individuais e colectivas que são dadas às condições ambientais que desafiam o grupo, pelo que o respectivo conteúdo é continuamente sujeito a processos evolutivos. Assim, a cultura dá sentido às acções e aos objectos da vida social. Tanto há uma cultura dominante, como subculturas que podem actuar de forma contrária à cultura do grupo.

Cultura de participação. Gera uma estrutura democrática. Ver cultura política.
Cultura de sujeição. Gera uma estrutura autoritária e a centralização. Ver cultura política.
Cultura paroquial. Ver cultura política.
Retirado de Respublica, JAM

Culto da Personalidade

Exaltação sistemática de um dirigente máximo de um país, principalmente pela acção da propaganda. A expressão foi usada pela primeira vez em 1956 pelo PCUS, para caracterizar o modelo de personalização do poder de Estaline, entre 1924 e 1953. O modelo foi particularmente desenvolvido pelos totalitarismos contemporâneos. No fascismo italiano, surgiu o Duce, Benito Mussolini. No nazismo, o Fuhrer. No comunismo soviético, o estalinismo foi marcante, exportando-se o modelo para Dimitrov, Enver Hodja, Kim-il-sung e Mao Tse Tung. Muitos autoritarismos adoptaram a perspectiva. Em Espanha, surge o caudillo. No Egipto de Nasser, o Rais. O culto transforma ao chefe numa espécie de pai da pátria que, ao contrário do paternalismo monárquico, parece dotado de poderes de um super-homem, principalmente no tocante à coragem e onde se exaltam as qualidades que, em lugar do amor filial, são sobretudo as da compaixão. Só os processos de propaganda política deste século, desde a fotografia ao poster gigantesco, passando pelo próprio cinema, permitiram tal modelo que, paradoxalmente, afectou em particular os partidos comunistas. Com efeito, quanto mais formatada pela legitimidade racional é uma ideologia, mais ela precisa de ser compensada pelos recursos à legitimidade carismática artificiosa, onde a magia do chefe inventado também apela para as memórias da legitimidade tradicional. Também entre nós se deu o culto da personalidade de Salazar durante o Estado Novo, vestindo-o da coraça de D. Afonso Henriques em luta contra a moirama do reviralho e comunista ou fazendo coincidir o respectivo perfil com o mapa do Portugal europeu. Não faltou sequer a própria instrumentalização de uma das figuras do painel de Nuno Gonçalves, de tal maneira que o oposicionista monárquico Hipólito Raposo chegou a caracterizar o regime do Estado Novo como uma salazarquia.
Retirado de Respublica, JAM

Cuba

República das Antilhas. 110 861 km2. 11 100 000 habitantes. Antiga colónia espanhola que não alinha nos movimentos independentistas dos anos vinte do século XIX, temendo o exemplo haitiano, onde aconteceu uma revolta dos escravos negros. Só a partir de meados do século XIX se inciam movimentos de revolta, tendo como modelo o Texas, que se separou do México e aderiu à União Americana. Por isso é que ainda hoje a bandeira cubana adopta a primeira bandeira taxana. A primeira revolta de 1868-1878 é esmagada. Na segunda, de 1895, destaca-se José Martí. Segue-se a guerra hispano-americana, terminada em 1898 com intervenção de tropas norte-americanas e a derrota dos espanhóis. Desde então até 1901, a ilha torna-se num protectorado de Washington, alcançando a independência em 1902, mas condicionada à chamada emenda Platt, que, além de garantir a base de Guantanamo, estabelece um direito de intervenção. De 1925 a 1933 destaca-se a ditadura do general Gerardo Machado. A partir de 1933 até 1959, a figura chave da vida cuba é o general Fulgencio Batista, primeiro como comandante da Guarda Nacional e depois como ditador (1934). Em 1940 é eleito presidente da república com apoio das forças de esquerda, nomeadamente dos comunistas que em 1942 passam a ter dois ministros no governo. O próprio partido muda de nome em 1944, designando-se desde então Partido Socialista Popular, com o dirigente Escalante a associar-se a Batista. Nesse ano, presidente abandona o poder por imperativo constitucional, regressando em Março de 1952, depois de um golpe de Estado. Na oposição, destaca-se então um partido de extrema-direita, o Partido Ortodoxo, sob a liderança do jovem advogado, educado pelos jesuítas, Fidel de Castro. É este que em 26 de Julho de 1953 promove o ataque ao quartel de Moncada, em Santiago de Cuba. Preso e julgado, editando a sua defesa com o título A História me Absolverá, é amnistiado no ano seguinte, refugiando-se no México. Em Dezembro de 1956, desembarca e instala um foco de guerrilha na Sierra Maestra, donde também emite a Radio Rebelde, com ampla cobertura mediática de jornalistas norte-americanos. Assume o combate à corrupção e luta contra o domínio dos grandes proprietários, ao lado do esforço dos partidos de direita e dos próprios norte-americanos que decretam um embargo ao regime de Batista. Este abandona o poder e foge de Havana no dia 1 de Janeiro de 1959, precedendo a entrada na capital dos guerrilheiros barbudos de Fidel, em torno de um Movimento de que apenas faz parte o comunista Ernesto Che Guevara. O novo regime é entretanto abalado pelo desembarque na Baía dos Porcos, em 16 de Abril de 1961. A partir de então, Fidel declara-se marxista-lenista com o Partido Único da Revolução Socialista e alinha com a União Soviética. Em Outubro de 1962 desencadeia-se a crise dos mísseis. Em 1964 decreta-se o bloqueio norte-americano. Em 1965, Che Guevara parte para a organização de guerrilhas comunistas na América do Sul, sendo morto na Bolívia em Outubro de 1967. Em Janieor de 1967, a Conferência Intercontinental de Havana. Em 1970 falha a campanha para a duplicação da produção de açúcar. Só em 1975 é que surge o primeiro congresso do partido Comunista Cubano. No ano seguinte contingentes cubanos partem para Angola e depois para a Etiópia, onde estacionam até 1990. Em 1979, a Cimeira dos não-alinhados decorre em Havan. No julgamento do general Ochoa, revela-se como o regime esteve implicado no tráfico de droga. No dia 1 de Julho de 1997 decorre em Havana a primeira missa pública, precedendo a visita do papa João Paulo II.
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