quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Marxismo

Marxismo é o conjunto de idéias filosóficas, econômicas, políticas e sociais elaboradas primariamente por Karl Marx e Friedrich Engels e desenvolvidas mais tarde por outros seguidores. Interpreta a vida social conforme a dinâmica da luta de classes e prevê a transformação das sociedades de acordo com as leis do desenvolvimento histórico de seu sistema produtivo.

Fruto de décadas de colaboração entre Karl Marx e Friedrich Engels, o marxismo influenciou os mais diversos setores da atividade humana ao longo do século XX, desde a política e a prática sindical até a análise e interpretação de fatos sociais, morais, artísticos, históricos e econômicos. Tornou-se base para doutrina oficial dos países de regime comunista.

No entanto, o marxismo ultrapassou as idéias dos seus percursores, se tornando uma corrente política-teórica que abrange uma ampla gama de pensadores e militantes, nem sempre coincidentes e assumindo posições teóricas e políticas às vezes antagônicas tornando-se necessário observar as diversas definições de marxismo e suas diversas tendências, especialmente a social-democracia, o bolchevismo e o esquerdismo (comunismo de conselhos).
Origem
Os pontos de partida do marxismo são a dialética de G. W. F. Hegel, a filosofia materialista de Ludwig Feuerbach e dos socialistas utópicos franceses e as teorias econômicas dos ingleses Adam Smith e David Ricardo. Mais do que uma filosofia, o marxismo é a crítica radical da filosofia, principalmente do sistema filosófico idealista de Hegel. Enquanto para Hegel a realidade se faz filosofia, para Marx a filosofia precisa incidir sobre a realidade. O núcleo do pensamento de Marx é sua interpretação do homem, que começa com a necessidade humana. A história se inicia com o próprio homem que, na busca da satisfação de necessidades, trabalha sobre a natureza. À medida que realiza este trabalho, o homem se descobre como ser produtivo e passa a ter consciência de si e do mundo. Percebe então que "a história é o processo de criação do homem pelo trabalho humano".

Segundo alguns, os dois elementos principais do marxismo são o materialismo dialético, para o qual a natureza, a vida e a consciência se constituem de matéria em movimento e evolução permanente, e o materialismo histórico, para o qual o modo de produção é base determinante dos fenômenos históricos e sociais, inclusive as instituições jurídicas e políticas, a moralidade, a religião e as artes. Para outros, não existe o materialismo dialético esboçado por Engels e desenvolvido por Lênin e Stálin, mas é uma expressão inexistente em Marx, que falava em dialética e método dialético e não em "materialismo dialético".

A teoria marxista desenvolve-se em quatro níveis de análise -- filosófico, econômico, político e sociológico -- em torno da idéia central de mudança. Em suas Thesen über Feuerbach (1845, publicadas em 1888; Teses sobre Feuerbach), Marx escreveu: "Até o momento, os filósofos apenas interpretaram o mundo; o fundamental agora é transformá-lo." Para transformar o mundo é necessário vincular o pensamento à prática revolucionária. Interpretada por diversos seguidores, a teoria tornou-se uma ideologia que se estendeu a regiões de todo o mundo e foi acrescida de características nacionais. Surgiram assim versões como as dos partidos comunistas francês e italiano, o marxismo-leninismo na União Soviética, as experiências no leste europeu, o maoísmo na China e Albânia e as interpretações da Coréia do Norte, de Cuba e dos partidos únicos africanos, em que se mistura até com ritos tribais. As principais correntes do marxismo foram a social-democracia, o bolchevismo e o esquerdismo.

Praticamente todas as artes receberam influência do Marxismo através de teóricos que buscaram importar as idéias da luta de classes e da importância do engajamento dos intelectuais em tais discussões.

Na literatura, por exemplo, nos anos 70, a chamada 'crítica marxista' pregava que a análise de textos literários deveria desconsiderar o estudo biográfico do autor e se fixar na análise dos acontecimentos ficcionais a partir da visão da luta de classes.

Essa perspectiva, e não apenas na literatura, mas em todas as artes, desenvolveu-se em um cerceamento da liberdade de muitos artistas que se viram desprestigiados por críticos e pela classe artística caso não abordassem em suas obras uma "temática social".

Em sua concepção mais recente, a crítica marxista procura intertextualizar a arte com a historia, a sociologia e outras áreas do saber científico social.
Ver também

Retirado da Wikipédia

Cidadania

Em sentido etimológico e segundo a definição de Aristóteles, cidadãos (politai) são aqueles que participam nas decisões da polis, exercendo um cargo político ou tendo direito de voto nas assembleias públicas ou nos júris. Por outras palavras, são os que não querem continuar escravos ou súbditos. Nesta base o cidadão é aquele que ora governa ora é governado. Assim, difere do escravo (esse que é instrumento do senhor e tem um dono) e do súbdito (aquele dependente de um soberano ou de um patriarca, à imagem e semelhança da relação pai/filho, onde o poder, é um poder-dever, porque é para bem do súbdito que não é considerado instrumento).
Aristóteles refere que o cidadão é aquele que tem a possibilidade de aceder à assembleia dos cidadãos e de desempenhar funções judiciárias. Não é apenas aquele que habita num determinado território. Sem a participação dos cidadãos na governação não há política, até porque a polis não passa de uma colectividade de cidadãos. Cidadania (citizenship em inglês e Staatsburgerschaft, em alemão), quer, assim, dizer pertença de um indivíduo a um determinado Estado, do ponto de vista jurídico interno, distinguindo-se da nacionalidade (nationality em inglês e Staatsangehorigkeit em alemão), a pertença de um indivíduo a um Estado do ponto de vista jurídico-internacional, abrangendo tanto os cidadãos propriamente ditos como os meros súbditos que não gozam da plenitude dos seus direitos. A cidadania, enquanto participação nos assuntos públicos, impõe necessariamente um espaço público, um espaço onde a liberdade aparece e se torna visível a todos, não havendo instauração da liberdade sem que um corpo político garanta o espaço onde a liberdade pode surgir, onde a liberdade pode existir em público, transformando-se numa realidade mundana, tangível, qualquer coisa criada pelos homens para ser gozada pelos homens. Neste sentido, em política o que parece é também o que aparece e, logo, o que é. Porque sem esta cidadania do agir em público, na praça pública, o domínio público transforma-se numa obscuridade, em algo de invisível, no segredo de Estado.
Da mesma forma, a cidadania impõe uma felicidade pública e não apenas o bem-estar privado, que a própria tirania pode permitir. Como salienta a mesma Arendt há o perigo de confundir felicidade pública e bem-estar privado, dado que aquela consiste no direito de acesso do cidadão ao domínio público, da sua participação no poder público e os homens sabem que não podem ser totalmente felizes se a sua felicidade estiver situada e for apenas usufruída na vida privada. Além disso, a cidadania não se confunde apenas com a protecção dos indivíduos contra os abusos do poder. A liberdade política implica a felicidade política Para Kant é o mesmo que autonomia. Uma terceira via que permite conciliar a ordem com a liberdade e só possível através do direito. É a submissão à autoridade que cada um dá a si mesmo. Assim, é possível rejeitar a liberdade sem ordem, a anarquia, bem como a ordem sem liberdade, o despotismo. A ideia de cidadania rejeita, assim, o holismo, a doutrina que privilegia os todos sociais (do grego holos, o todo), o todo na sua inteireza. Está contra todas as perspectivas que consideram que o todo é superior à soma das respectivas parcelas. A expressão foi consagrada por Louis Dumont, nos seus estudos sobre a Índia, ao considerar que o modelo holístico, onde o valor de uma pessoa deriva da sua inserção na comunidade concebida como um todo, se opõe ao modelo individualista da sociedade moderna, ocidental, onde o indivíduo constitui o valor supremo. A distinção entre o holismo e o individualismo corresponde à distinção de Tonnies entre comunidade, nascida de uma vontade essencial e orgânica, e sociedade, nascida de uma vontade reflectida, ou àquilo que Wilhelm Sauer considera a oposição entre o nós e os eus. Qualquer um destes pólos constitui mero tipo-ideal, dado que, na prática, qualquer sociedade vive da dialéctica entre estes dois tipos, havendo apenas preponderância de um deles sobre o outro. Popper utiliza a categoria para abranger todas as filosofias da história anti-individualistas. Em sentido estrito, o termo serviu para auto-qualificar as teses do sul-africano Jan Smuts (1870-1950).A polis não pode ser entendida como uma unidade substancial, onde há fusão dos respectivos membros num ser único, num todo contínuo, pelo que aderimos à perspectiva tomista que entende a cidade como mero todo de ordem, como unidade de ordem, como unidade de relação, como unidade na diversidade. Se o holismo tende para o organicismo e para o totalitarismo, costuma salientar-se que a perspectiva tomista assuma uma perspectiva orgânica e totalista. Ambas as perspectivas divergem do atomicismo, quando assumem que o todo é mais do que a mera soma das partes. Neste sentido, São Tomás considera que o bem individual tem de submeter-se ao bem comum.

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A cidadania, em
Direito, é a condição da pessoa natural que, como membro de um Estado, encontra-se no gozo dos direitos que lhe permitem participar da vida política.
A cidadania é o conjunto dos
direitos políticos de que goza um indivíduo e que lhe permitem intervir na direção dos negócios públicos do Estado, participando de modo direto ou indireto na formação do governo e na sua administração, seja ao votar (direto), seja ao concorrer a cargo público (indireto).
A
nacionalidade é pressuposto da cidadania - ser nacional de um Estado é condição primordial para o exercício dos direitos políticos. Entretanto, se todo cidadão é nacional de um Estado, nem todo nacional é cidadão - os indivíduos que não estejam investidos de direitos políticos podem ser nacionais de um Estado sem serem cidadãos.

Retirado da
Wikipédia

OS TEMAS DA CIDADANIA (1)

1. O facto do Poder, e todos os problemas relacionados com o ambiente ético que o rodeia, faz com que a situação do homem, destinatário final da coacção, na comunidade política, apareça como sendo o tema que origina os debates mais agudos e a definição de alguns dos mais importantes pressupostos da ciência política. Algumas palavras, que se tornaram típicas, exprimem a síntese de conflitos seculares, e as duas mais importantes são camarada e cidadão.
A primeira, muito tributária das solidariedades horizontais que ficaram referidas e mais relacionada com a crise contemporânea do Estado; a segunda, mais ligada às solidariedades verticais que tradicionalmente deram carácter ao Estado, em todas as suas for­mas históricas.

A cidadania é um tema que ocupa o pensamento político desde as primeiras meditações dos politólogos gregos. Como se pode ver em Heródoto e Tucídides, os Gregos orgulhavam-se da sua condi­ção de cidadãos, que consideravam superior à condição dos súb­ditos do imperador da Pérsia e do faraó do Egipto.
Mas Aristóteles tinha a noção de que essa cidadania era uma aquisição recente e representava um avanço em relação à ainda não esquecida submissão a chefes tribais despóticos. Esta cidada­nia, em relação ao Poder, significa que este está limitado na esfera da coacção que é da sua própria natureza; em relação ao homem, significa que lhe está reservada uma esfera de autonomia que inclui participar na definição do aparelho de coacção.
Estes limites muito gerais do facto da cidadania servem de refe­rência para a caracterização de uma pluralidade de situações que exprimem a variável relação entre o homem e o aparelho do Poder e definem uma moldura ideológica que é principalmente preen­chida pela doutrina dos Direitos do Homem. Tais situação e dou­trina são tributárias dos vários sistemas culturais existentes no mundo, e variáveis no tempo e no espaço dentro de cada modelo político.
Característico da nossa época é que haja um esforço doutrinal no sentido de conseguir uma teoria unificadora da situação e da dou­trina para a totalidade do globo, o qual acompanha paralelamente a mudança dos factos e das concepções relacionadas com o Poder, com o Estado, com a soberania, com a interdependência mundial, com a necessidade de autoridades supra-estaduais, com o problema do Governo unificado da Terra.

2. Entretanto, o facto da cidadania, tal como se manifesta na rea­lidade concreta dos nossos dias, implica uma série de distinções referentes às posições múltiplas que o homem pode ocupar na comu­nidade política.
2.1 A primeira distinção diz respeito aos naturais e aos estrangeiros, verificando-se uma evolução histórica no sentido de essas situações não serem necessariamente vitalícias. Na Grécia era praticamente impossível ao estrangeiro tornar-se cidadão, mas Roma já foi mais larga na concessão da cidadania. Nos Estados modernos, a teoria da naturalização é geralmente acolhida nas leis, embora seja comum a manutenção de diferenças permanentes entre os estatutos dos naturais e dos naturalizados.
Entre os naturais, tem de fazer-se urna distinção entre os homens livres e os escravos. Estes, segundo Aristóteles, são ao mesmo tempo seres humanos e propriedade de outro ser humano. Ainda que as leis o neguem, a condição de escravo continua a existir em regiões extensas do mundo, designadamente no Médio Oriente e na África.
Do ponto de vista político, já Aristóteles definia as distintas condições de escravo, súbdito e cidadão, diferenciando três aspectos de relações típicas entre governantes e governados. Serviu-se para isso de uma analogia com a situação da vida familiar no seu tempo: «Existem três situações — uma é a da supremacia do senhor sobre os escravos... outra a do pai, e a terceira a do marido.»
Sempre que o Governo se assemelhe ao dos bons pais em rela­ção aos filhos, temos a situação do súbdito. O Governo «é exer­cido em primeiro lugar para o bem do governado, ou para o bem de ambos, mas essencialmente para o bem do primeiro». Ao con­trário dos escravos, não são o instrumento ou a coisa do senhor, mas não participam nas decisões. Uma longa teoria, ainda actual e sobretudo respeitante às situações coloniais, aos aborígenes do con­tinente americano, aos territórios ocupados por exércitos estran­geiros, teve na base este conceito, aplicado com variantes de maior ou menor rigor.
A analogia retirada da família para a definição da cidadania, e baseada na relação entre marido e mulher, já teve maiores dificul­dades. Mas o conceito actual de cidadania encontra expressão na sua ideia de alternância no Governo, quando diz: «Os cidadãos gover­nam e são governados alternadamente»; o cidadão é «aquele que tem o poder de tomar parte na administração deliberativa ou judi­cial do Estado.»
O conceito dos contratualistas não foi diferente, e assim é que Rousseau escreveu que os membros do povo são chamados cidadãos enquanto participam no poder soberano, e súbditos enquanto sub­metidos à lei do Estado. Esta alternância foi também o facto que Aristóteles mais evidenciou, e por isso definiu a cidadania como uma espécie de função pública, que caracteriza a liberdade política no mais rigoroso sentido.

2.2 A cidadania foi o conceito fundamental dos revolucionários do século xviii, mas juridicamente não significou o acesso de todos os homens à participação e à alternância no Poder. Foi talvez Kant quem melhor definiu o conceito operacional de cidadania que domina todo o constitucionalismo dessa revolução.
Escreveu que existem três qualificativos jurídicos para o cidadão:
1) liberdade constitucional, que se traduz no direito de apenas obe­decer às leis consentidas;
2) igualdade civil, ou o direito de não reconhecer qualquer outro como superior;
3) independência política, ou o direito de pertencer à comunidade política sem depen­dência da vontade arbitrária de outro 2.
Destes pontos decorreu a geral admissão da distinção entre cida­dãos activos e cidadãos passivos, que se encontra em todas as cons­tituições liberais, e que se traduziu em negar a participação no Poder a todos os que não tinham independência económica.
Na enumeração de Kant, esta restrição incluía a generalidade dos empregados por conta alheia, os menores e as mulheres. A novi­dade, em relação ao conceito tradicional de súbdito, estava no con­ceito de sociedade aberta, isto é, na reivindicação de que «deve ser possível para eles ascenderem desta passiva condição no Estado, à condição de cidadania activa».
Esta discussão conceitual está na base de uma longa teoria revo­lucionária, e inspira divergências ideológicas profundas, que cons­tituem um dos pressupostos importantes do ambiente da ciência política. Foi John Stuart Mill quem primeiro e melhor chamou a atenção para a influência deste facto na história simultaneamente do pensamento e da acção política 3.
De acordo com a experiência que estava ao seu alcance, identi­ficou dois movimentos revolucionários, orientados pelo conceito da cidadania, e complementares. O primeiro, tendo por objectivo o reconhecimento de imunidades chamadas liberdades ou direitos, abrange apenas uma parte da população, e tem como modelo a Magna Carta. A violação dessas imunidades pelo soberano era ilí­cita, e justificava a desobediência e a rebelião.
A segunda revolução, que teve expressão no constitucionalismo liberal, procurou institucionalizar o consentimento dos cidadãos para os mais importantes actos governativos, ou pela intervenção directa do eleitorado, ou por intervenção dos seus representantes. A Decla­ração de Independência e a Constituição dos EUA correspondem a esta segunda fase, que abriu caminho para a radicalização da ideo­logia da sociedade aberta, que politicamente teve a sua expressão no livro de Mill chamado Representative Government.
Trata-se da marcha para o sufrágio universal, para o desapareci­mento da distinção entre cidadãos activos e cidadãos passivos, para a igualdade dos sexos, para o abaixamento da idade do voto.
A sociedade aberta foi ideologicamente definida, pelas várias correntes partidárias, tendo em vista o conceito de Aristóteles do conflito entre um aparelho governativo detido pêlos ricos (oligar­quia) e um aparelho governativo detido pêlos homens livres (demo­cracia), que, no conceito de Mill, seriam finalmente todos os com­ponentes da sociedade política, com excepção dos menores e dos incapazes.
Mas, tal como Aristóteles também anotou, os pobres são mais numerosos do que os ricos, e a detenção do Poder pelos homens livres só parece uma alternativa para a detenção do Poder pêlos homens ricos se a condição de pobre, um conceito também histori­camente variável, não assumir uma importância social e política superior à da ambição de participar na cidadania activa com igual­dade.
A luta entre a democracia formal (política) e a democracia da vida privada (igualdade económica) vai por isso multiplicar as correntes, ideologias e filosofias que sacrificam a participação de todos no aparelho político em favor de um aparelho do Poder que imponha a revolução da vida privada.
O marxismo aparece como a mais influente e estruturada das ati­tudes que proclamam este último objectivo e, defendendo o esta­belecimento da ditadura, dá maior relevo ao conceito de camarada do que ao conceito de cidadão, porque aquele parece um instru­mento mais adequado para a análise das sociedades soviéticas.

(1) Retrirado (e adaptado) de MOREIRA, Adriano, Ciência Política, Almedina, Coimbra, 1984, pp. 24 e ss.
2 Kant, Science of RÍght, Chicago, 1952.
3 Mill, «Liberty», in American State Papers, B.G.B., Chicago, 1952.


CIDADANIA

l — Conceito. 2 — Sua evolução.


1. Conceito

A cidadania (o status civitatis dos Roma­nos) é o vínculo jurídico-político que, traduzindo a pertinência de um indiví­duo a um Estado, o constitui perante este num particular conjunto de direitos e obrigações. Mais do que a mera liga­ção de um indivíduo a uma entidade sociológica, como a Nação ─ ligação esta sempre difícil de estabelecer dada a dificuldade da selecção e escolha dos elementos para o efeito atendiveis (entre outros, lembrem-se a comunidade de origens, de cultura ou de destino político e o sentimento de pertinência a um mesmo povo) —, a C. exprime assim um yínculo de carácter jurídico entre um indivíduo e uma entidade política: o Estado. Tal vinculo assume para o Estado importância fundamental, na medida em que é através dele que se define um dos seus elementos estrutu­rardes — a população ou povo esta­dual; mas do mesmo modo é ele impor­tante para os indivíduos, pois constituí o seu estatuto jurídico fundamental e primário — a matriz de onde decorrem os seus direitos face ao Estado (inclu­sive o de participar constitutivamente na formação da vontade soberana deste último) e as suas obrigações perante ele (maxime aquelas a que apenas os membros da população estadual estão adstritos — corno a do serviço militar).

2. Sua evolução

O conjunto de direitos e deveres que hoje integra a C., bem como as caracte­rísticas do vinculo cm que esta se tra­duz, variaram, no entanto, com o decor­rer dos tempos. Assim, p. ex., na Idade Média, o vinculo a que nos reportamos, que é perpétuo, traduz sobretudo a de­pendência política (allégeance) do indivíduo (súbdito) ao suserano, sendo constitutivo de uma relação de subor­dinação da qual decorria para aquele, tem contraponto aos deveres de fidelidade e vassalagem, a possibilidade de beneficiar, face aos demais poderes, da protecção do seu senhor. Com a formação do Estado moderno e o advento da Revolução Francesa, no entanto, a realidade vai-se progressivamente aproximando dos termos em que atrás definimos o conceito de C: por um lado, a vinculação estabelece-se não já entre dois indivíduos (ainda que um deles se encontre na posição de soberano), mas entre o indivíduo e uma comunidade organizada (o Estado); por outro lado, o estatuto dela decorrente deixa de analisar-se tão só numa relação de subordinação e dominação para conter também, como lado positivo, uma relação de participação (desaparece o súbdito sobre quem recaíam os deveres acima indicados para dar lugar ao cidadão, participante activo e determinante nos destinos da cidade).
A C. passa assim a retirar a sua maior importância do estatuto que lhe vem ligado e da exclusividade da sua con­cessão aos indivíduos que tenham com o Estado a relação em que ela se con­substancia. Com efeito, ao cidadão, ao nacional, opõe-se o estrangeiro, aquele que não dispõe em princípio de quais­quer dos direitos que integram a C. Com o rodar dos tempos, porém, as diferenças entre a posição do nacional e a do estrangeiro foram-se esbatendo, tendendo-se hoje para a plena equipa­ração do estrangeiro ao nacional no domínio dos direitos privados, e redu­zindo-se o relevo especifico da C. a um núcleo restrito, embora essencial: o dos direitos públicos de carácter político (cf., entre nós, o a. 15.° da Constituição e o a. 14." do Código Civil). Mas, ainda ai, a evolução não terá parado, assis­tindo-se actualmente à criação de espa­ços supra-estaduais, de que são exemplo as Comunidades Europeias, e em rela­ção aos quais se pode igualmente falar de uma C. —a C. europeia— enquanto estatuto dos cidadãos de uma outra rea­lidade política, estatuto que engloba direitos e deveres privados e públicos que, no espaço comunitário, assistem de modo igual e exclusivo aos nacio­nais dos vários Estados integrantes. Se pode assim pretender-se que o con­ceito de C. tem de certo modo perdido algo da sua importância, pela progres­siva extensão de crescentes fracções do seu conteúdo a indivíduos que dele se não podem reclamar (o que resulta quer da construção de alguns dos direi­tos essenciais do cives como direitos do homem quer da equiparação do estran­geiro ao nacional no que toca ao gozo de muitos dos restantes) não é, por outro lado, menos verdade que ela se conti­nua a justificar na actualidade (ao menos enquanto existirem direitos e obriga­ções exclusivamente reservados aos na­cionais, como o pretendeu Kelsen) e que se tem revelado indispensável na constituição e estruturação de quais­quer comunidades jurldico-políticas (quer das que precederam o Estado quer das que intentam superá-lo).

Retirado e adaptado da Enciclopédia Polis, vol. I, colunas 824-826.

Conservadorismo

O conservadorismo é uma corrente politico-filosófica que defende que as melhores instituições não são aquelas que resultam de projectos feitos a partir do nada, mas sim de uma evolução gradual e “natural” ao longo dos séculos.
A base do conservadorismo é o pessimismo antropológico, a ideia de que o homem é naturalmente egoísta. Ao contrário dos “progressistas”, que consideram que o homem é naturalmente bom, racional e feliz e que é a sociedade que o torna mau e infeliz (e, portanto, para melhorar o homem, basta melhorar a sociedade), para os conservadores, o homem é egoísta e é a sociedade e os seus hábitos e tradições que moderam e limitam a sua perversidade natural. Assim, para os conservadores, o indivíduo só existe plenamente integrado numa sociedade e numa tradição – o indivíduo abstracto não existe: nós só somos o que somos em função da herança (material e cultural) que recebemos dos nossos antepassados (“Não são os indivíduos que formam a sociedade, mas a sociedade que forma os indivíduos”, diz
Louis de Bonald). Esta submissão do indivíduo à sociedade, à primeira vista, poderia aproximar os conservadores dos seus arqui-inimigos, os socialistas e comunistas, mas, na verdade, estamos a falar de coisas diferentes com a palavra “sociedade”: para os socialistas, a “sociedade” são os outros indivíduos, enquanto para os conservadores, a “sociedade” é constituída pelos hábitos, tradições, instituições, etc.
Como, para os conservadores, o Homem só existe dentro de uma sociedade e de uma tradição, isso significa que não faz sentido falar em “
Direitos Humanos”, nem elaborar projetos de sociedade ideal: povos diferentes vivem em sociedades diferentes e com tradições diferentes, logo o modelo sócio-politico mais adequado a Portugal não será o mesmo que para a Malásia, e o que na Holanda seria considerado uma violação brutal dos “direitos humanos” (p.ex. a lapidação de adúlteras) é considerada a ordem natural das coisas na Arábia Saudita. Assim, ao contrário das várias correntes liberais e socialistas, que têm todas elas uma concepção de sociedade (seja ele o capitalismo liberal, o Estado-providência, o regime soviético, a autogestão, etc.), os conservadores defendem que cada povo deve viver segundo o modelo mais de acordo com a sua história e tradições específicas. Joseph de Maistre, ao criticar o universalismo da Revolução Francesa, expôs bem o caso conservador: “A constituição dos jacobinos foi feita para o Homem. Ora, não existe tal Homem: ao longo da minha vida, vi Franceses, Ingleses, Russos, etc. Como li Montesquieu, sei que se pode ser Persa. Mas nunca vi um Homem – se ele existe, é sem o meu conhecimento”.
Claro que há uma certa contradição no conservadorismo: como rejeitam tanto o individualismo como o universalismo, defendem que as diversas
nações, regiões, grupos sócio-profissionais, universidades, cidades, famílias, etc. devem reger-se pelas suas tradições e regras específicas, ou seja, acabam por defender também um modelo de sociedade: uma sociedade de tipo “organicista”, em que tanto o indivíduo, por um lado, como o governo central, por outro, são subalternizados, e em primeiro lugar vêm os “corpos intermédios” – a família, o município, a profissão, a Igreja, etc. Exatamente por isso, o pensamento conservador do século XIX fazia a apologia da sociedade medieval, composta por uma hierarquia de grupos e autoridades que se subordinavam umas às outras, e em que tanto o governo central como o indivíduo isolado acabavam por ter, ambos, pouco poder. Por contraponto, para os conservadores, o Estado moderno, criado pelas Revoluções Liberais, que se encontra face-a-face com o indivíduo isolado, é um monstro burocrático e para-totalitário.
Assim, os conservadores consideram que o individualismo leva ao
estatismo (e o Liberalismo ao Totalitarismo): para eles, o desaparecimento das autoridades intermédias gera um vazio que acaba por ser preenchido pela máquina estatal, e a defesa dos direitos individuais é a melhor desculpa que o Estado tem para interferir no funcionamento dos corpos intermédios, p.ex, quando interfere nas famílias para “proteger os direitos das crianças (ou das mulheres)”, ou das empresas para “proteger os direitos dos trabalhadores”, ou das comunidades locais para “proteger as liberdades civis” (p.ex, quando o Governo dos EUA interveio nos Estados do Sul para defender os direitos dos negros).
Daí surge, também, uma oposição à
democracia (hoje em dia, quase totalmente abandonada): esta baseia-se no princípio “um homem, um voto”, que é um produto da tal ideia de se reconhecer apenas o Estado e o Indivíduo, ignorando os corpos intermédios. Em alternativa ao sufrágio igualitário, directo e universal, os conservadores, durante muito tempo, lutaram por sistemas baseados na representação dos grupos (e não dos indivíduos), como eleições indirectas, representação aristocrática, o mesmo número de deputados para várias regiões (independentemente da população), etc. Hoje em dia, este anti-democratismo quase que desapareceu, mas continua presente nalguns aspectos, como a defesa dos Lordes hereditários pelos conservadores britânicos, ou do Colégio Eleitoral (onde o Presidente é, formalmente, eleito pelos Estados e não pelos indivíduos) pelos conservadores norte-americanos. Além disso, nota-se numa certa tendência conservadora que define “bom governo” como “governo que tem coragem para tomar medidas impopulares”.
O pessimismo dos conservadores leva-os a ter uma atitude ambígua perante o poder do Governo: por um lado, porque acreditam que a maior parte dos problemas não têm solução, são pouco adeptos da intervenção governamental (por vezes, ainda menos do que os liberais); mas, por outro, exactamente porque acreditam que, qualquer coisa que se faça implica sempre desagradar a alguém, acham que, nas poucas situações em que o governo intervenha, deve intervir com força e autoridade, estilo “murro na mesa”, sem perder grande tempo com “compromissos” ou “discussões”. Essa posição foi bem expressa por
Charles Maurras, que defendia uma monarquia “absoluta” e “limitada” – ou seja, um governo com uma área de intervenção limitada, mas com autoridade absoluta dentro dessa área. No fundo, encontra-se de novo a nostalgia da Idade Média, onde o Rei mandava em poucas coisas (deixando grande parte dos assuntos aos senhores feudais, à Igreja ou aos municípios), mas, nessas coisas, a sua autoridade era incontestável.
Evolução histórica
Em termos históricos, o conservadorismo, algo contraditoriamente, foi das doutrinas que mais evoluiu desde o seu aparecimento. Enquanto o socialismo e o liberalismo defendem ideias ainda muito parecidas com as dos fundadores, o moderno conservadorismo já pouco tem a ver com a defesa da ordem medieval dos primeiros conservadores, como Burke, De Maistre ou Bonald. Na sua evolução, poderemos detectar várias fases:
a) A partir da Revolução Francesa e durante grande parte do século XIX, os conservadores defendiam a ordem tradicional do “trono e do altar” – os privilégios da
Monarquia, da Aristocracia e da Igreja contra o liberalismo e a democracia;
b) No final do século XIX, princípio do
século XX, alguns conservadores passaram a voltar-se para o nacionalismo (com Disraeli, a defesa do Império Britânico passou a ser a principal bandeira do Partido conservador; em França, a Acção Francesa de Maurras tinha como principal bandeira a reconquista da Alsácia-Lorena); outros, para o catolicismo social como alternativa ao individualismo capitalista e ao colectivismo comunista;
c) Nos anos
20/30, em muitos países, o conservadorismo continental tornou-se muito próximo do fascismo, partilhando muitos dos temas: autoritarismo, anti-liberalismo, anti-comunismo, nacionalismo, por vezes anti-semitismo, embora frequentemente desconfiasse do seu excessivo estatismo e populismo. De uma maneira geral, grande parte dos activistas fascistas surgiram de grupos conservadores ou tradicionalistas como o Integralismo Lusitano (que deu origem aos Nacionais-sindicalistas), a Acção Francesa, etc. Ainda hoje em dia, se discute se muitos regimes autoritários dessa época eram fascistas ou apenas conservadores;
d) Após a
Segunda Guerra Mundial, o conservadorismo perdeu muita da sua especificidade ideológica, tornando-se uma espécie de liberalismo económico (relativamente moderado) conjugado com um politica externa “forte”, para uns, “militarista” e “belicista”, para outros (por oposição ao anti-militarismo e anti-imperialismo dos liberais clássicos)
e) Nos anos
60/70, por reacção aos protestos estudantis dá-se um renascimento de um conservadorismo mais tradicional, defensor da família, da moral, autoridade, “lei e ordem”, etc. Inclusivamente, muitas pessoas até então de esquerda passaram a considerar-se conservadoras nesse aspecto (os chamados “neo-conservadores”)
Hoje em dia o conservadorismo tende a caracterizar-se por: a defesa “lei e da ordem” e dos valores tradicionais, religiosos e familiares; uma postura militarista em política externa; e uma economia liberal. Diga-se que a defesa do liberalismo económico, por vezes, leva alguns conservadores a dizerem coisas que são a antítese do conservadorismo tradicional – p.ex., quando
Thatcher disse: “A sociedade não existe, apenas indivíduos e famílias” (em compensação, um dos seus ideólogos emendou a mão escrevendo um texto aonde afirmava que “a sociedade é o berço e não o túmulo da individualidade”, i.e., a posição conservadora clássica).
Conservadorismo e Economia: diferentes tendências
Diferentes tendências conservadoras têm diferentes opiniões face ao capitalismo e ao liberalismo económico: por um lado, o seu anti-individualismo e um espírito aristocrático de “noblesse obligé” pode levá-los a ser anti-capitalistas e anti-liberais; por outro, a sua defesa da autonomia dos pequenos grupos pode levá-los a defender a autonomia da empresa, logo, a uma posição pró-capitalista. Além disso, os conservadores têm um historial de distinção entre dois tipos de riqueza – a riqueza “sólida” (como a terra, ou, pelo menos, fábricas), “boa”, que está associada a uma ideia de permanência e estabilidade, e a riqueza “fluída” (como o dinheiro ou acções), “má”, que, segundo Edmund Burke “está sempre pronta para a aventura”. Hoje em dia, esta distinção nota-se sobretudo na ala mais nacionalista e anti-globalização do conservadorismo (p.ex., Pat Buchanan nos EUA), que faz frequentemente a defesa da indústria e da agricultura contra os “banqueiros internacionais”, as “grandes empresas multinacionais sem rosto”, os “especuladores bolsistas”, etc.
Numa versão simplista, poderemos distinguir duas grandes tendências:
Os conservadores da Europa Continental são (ou melhor, eram) anti-capitalistas e, sobretudo, anti-liberais. O seu ideal é (ou era) uma sociedade de tipo paternalista em que “os pobres respeitam os ricos e os ricos tratam bem dos pobres”. Consideram que foi o capitalismo liberal que deu origem ao socialismo, já que o seu espírito individualista, ao dissolver os laços sociais, acabou, quer com o espírito de responsabilidade da elite pelo bem-estar do povo, quer com a deferência desta para com a elite. Assim, os pobres, sem a protecção que os ricos, tradicionalmente, lhe prestavam, e também sem a tradicional submissão aos seus “superiores”, caíram, inevitavelmente, nos braços dos socialistas e comunistas (de nova, a típica ideia conservadora que o individualismo conduz ao estatismo).
Os conservadores continentais foram bastante influenciados pelo catolicismo social, que (no século XIX) defendia um regresso a esse paternalismo, em que a empresa fosse como uma família e o patrão fosse como um pai para os empregados.
Frequentemente os conservadores continentais tentaram a aliança nobreza-povo contra a burguesia: em Portugal, as guerrilhas miguelistas apoiavam-se nos camponeses pobres contra a classe média rural (pró-liberal); em França, os chamados Ultras (i.e. os que consideravam a Restauração de Luís XVIII demasiado moderada) por vezes defendiam que, enquanto houvesse parlamento, era melhor que fosse eleito por sufrágio universal do que por sufrágio censitário (já que “a classe média era a única perigosa”); na Alemanha, Bismark lançou as primeiras medidas de protecção social e tentou uma aliança entre o seu Partido Conservador e um pequeno partido socialista, liderado por Lassalle (dissidente do SPD) contra o Partido Liberal. O final do século XIX e o principio do século XX foi fértil em tentativas de síntese conservadorismo-socialismo, que deram origem ao fascismo: um exemplo poderá ser a “Revolução Conservadora” alemã dos anos 20, que defendia, entre outras coisas, o “socialismo prussiano”, isto é, um “socialismo” assente, não na luta de classes, mas nas tradições prussianas de disciplina e hierarquia (Oswald Spengler, “Prussianismo e Socialismo”).
Como exemplos da tradição intervencionista do conservadorismo continental temos a “economia social de mercado” dos democratas-cristãos, as nacionalizações de
De Gaulle, ou corporativismo de Franco e Salazar. O conservadorismo asiático segue o mesmo modelo (talvez com uma carga dirigista ainda maior): por exemplo, as “politicas industriais” do Partido Liberal Democrata japonês (apesar do nome, um dos menos liberais dos modernos partidos conservadores) ou dos regimes militares que governaram a Coreia do Sul (que chegaram a estabelecer Planos Quinquenais!); nos últimos anos, o primeiro-ministro malaio, Mahatir Moamed tem feito a propaganda de um “modelo asiático”, alternativo ao liberalismo anglo-saxónico.
No entanto, esse intervencionismo é muito diferente do dos socialistas: enquanto estes defendem o intervencionismo para “tirar dos ricos e dar aos pobres”, os “conservadores-intervencionistas” (tal como os
fascistas) defendem-no numa perspectiva de “vamos todos trabalhar em conjunto, para ficarmos todos a ganhar”. Aliás, as politicas dirigistas dos governos conservadores por vezes até estão associadas ao domínio da economia por grandes grupos económicos quase-mopolistas (olhe-se para a Alemanha do Kaiser, para Portugal salazarista, ou para os modernos Japão ou Coreia do Sul).
No pólo oposto, temos o conservadorismo anglo-saxónico, que, por regra, é economicamente liberal: ao contrário dos “conservadores anti-liberais” e dos “liberais anti-conservadores” que opõem feudalismo e capitalismo (tomando partido por um ou outro), os “conservadores liberais” defendem o capitalismo na medida em que o acham a continuação do feudalismo. Para eles, a empresa capitalista (nomeadamente a empresa gerida pelo dono, por oposição à sociedade por acções) é o mais parecido que, no mundo moderno pode existir, com um domínio senhorial. Também a ideia do mercado como uma “ordem espontânea” vai de acordo com a ideia conservadora de que as melhores instituições são a que se desenvolvem gradualmente, e não de acordo com “projectos”.
No caso do conservadorismo americano, esse liberalismo é agravado pelo facto de todas as ideologias americanos serem mais “libertárias” que os seus equivalentes europeus (p.ex., enquanto, durante muitos anos, a extrema-esquerda europeia foi marxista-leninista, nos EUA o predomínio sempre foi para correntes anarquistas ou anarquizantes)
Mas, também este “liberalismo” é diferente do dos liberais: enquanto estes defendem o liberalismo económico em nome dos direitos do indivíduo contra a sociedade, os “conservadores-liberais” defendem-no, em larga medida, porque acham que premeia o trabalho árduo e a poupança, contribuindo, assim, para criar uma cultura de esforço, disciplina, sacrifício e comprimento do dever.
Tanto conservadores anglo-saxónicos como liberais afirmam que o governo não tem capacidade para resolver os problemas económico-sociais, mas, enquanto para os liberais o problema está no sujeito (i.e., são cépticos face ao “governo”), para os conservadores o problema está no predicado (i.e., são cépticos face à possibilidade de “resolver os problemas económico-sociais”)
Ao contrário do conservadorismo continental, o conservadorismo anglo-saxónico tradicionalmente simpatizava com a ideia de uma aliança nobreza-burguesia, que se expressava na defesa dum constitucionalismo moderado, combinando o
sufrágio censitário, a representação aristocrática (estilo Câmara dos Lordes) e a manutenção de algumas das prerrogativas reais – o seu ideal era, obviamente, a não-escrita constituição britânica (ideias que inspiraram muito do liberalismo cartista - i.e. não revolucionário - continental)
Não é raro, entre os conservadores de tipo anglo-saxónico, a ideia de que o liberalismo precisa de ser protegido por um certo conservadorismo: p.ex., muitos (nomeadamente os chamados neo-conservadores) defendem a tese que a democracia parlamentar e o capitalismo liberal não são “naturais” (como frequentemente os liberais assumem, sobretudo acerca do capitalismo), mas que requerem um ambiente cultural propício para se estabelecerem e desenvolverem – veja-se, por exemplo, as teorias de Francis Fukuyama acerca da “confiança” ou de Michael Novak acerca do contributo do catolicismo para o desenvolvimento do capitalismo (numa aparente tentativa de refutação da tese de Weber). Esses autores, frequentemente, chegam a conclusões pessimistas, considerando que o próprio sucesso do capitalismo, com a mobilidade individual (social e geográfica) que acarreta, enfraquece a coesão social, e, portanto, a manutenção e transmissão dos próprios valores que o possibilitam.
Claro que é muito mais complicado do que uma simples separação geográfica: hoje em dia, cada vez mais os conservadores continentais vão-se convertendo ao liberalismo económico anglo-saxónico (veja-se o apoio de elementos da CDU alemã à “flat tax”, ou a defesa do liberalismo económico por Nicolas Sarkozi na UMP francesa).
Além disso, no século XX, muitos ideólogos de um conservadorismo liberal eram continentais - austríacos (mesmo que imigrados): como o economista
Joseph Schumpeter ou Erik von Kuehnelt-Leddihn. Mesmo Hayek, que escreveu um texto a demarcar-se do conservadorismo (“Why I am not a conservative”), a partir dos anos 70 aproximou-se deste, afirmando que o socialismo e a planificação económica derivavam do espírito iluminista de quer reconstruir a sociedade de acordo com a razão, em vez de aceitar o resultado da evolução lenta e não-planeada.
Por outro lado, o conservadorismo aglo-saxónico também não é uniforme: o Partido Conservador britânico tem sectores aristocráticos que combinam posições fortemente conservadores em matéria de moral, “lei e ordem” e integração europeia com posições por vezes bastante moderadas em economia. Nos anos 20/30, muitos intelectuais conservadores, como G.K. Chesterton ou T.S. Eliot animaram a Liga Distributista, que defendia o regresso a uma sociedade de pequenos proprietários através da restauração das corporações (que impediriam as grandes empresas de tirarem mercado às pequenas). No século XIX, esteve na moda o chamado “socialismo Tory” de autores com John Ruskin, que se considerava, ao mesmo tempo, comunista e conservador…
Quanto aos conservadores canadianos, durante muito tempo estiveram divididos entre “red tories” e “blue tories”: os primeiros, dominantes nas províncias junto ao Atlântico, eram intervencionistas (nomeadamente proteccionistas), e os segundos, dominantes nas províncias do Oeste, eram liberais. Enquanto o Partido Conservador foi dominado pelos “vermelhos”, antes dos anos 80, não era raro os socialistas do Novo Partido Democrático terem melhores relações com governos conservadores do que com os Liberais (em larga medida, pode-se dizer que os “vermelhos” eram “conservadores europeus do lado errado do Atlântico”, enquanto os “azuis” eram “conservadores americanos do lado errado da fronteira”).
Mesmo nos EUA, cujos conservadores, pelos padrões europeus, seriam mais “liberais” do que “conservadores”, há excepções: os paleo-conservadores de Pat Buchanan (i.e., os isolacionistas) são proteccionistas e recorrem frequentemente a um populismo anti-grande capital; quanto aos seus rivais, os neo-conservadores de Irving Krsitol (i.e., os defensores do papel dos EUA como líderes da “comunidade internacional”) são defensores de um Estado-Providência moderado – os “neos” (muitos deles ex-esquerdistas) consideram que o mal do Estado-Providência não está na intervenção estatal per si, mas no facto desta estar a minar os valores tradicionais, por isso não pretendem aboli-lo mas apenas reformá-lo, a fim de eliminar os seus aspectos negativos (p.ex., substituindo os subsídios estatais aos pobres por subsídios estatais a grupos de caridade religiosos – as “faith-based initiatives” – que combinem a assistência aos pobres com a formação moral destes).
Alguns conservadores:

Retirado da Wikipédia

Conservadorismo

Conjunto de correntes doutrinárias e de movimentos políticos que assenta na consideração do carácter orgânico e natural da sociedade política cujos valores se devem apreender e determinar pela consagração da História e da expe­riência, resultando essencialmente da descoberta e da organização e não da invenção e inovação. O que caracteriza o conservador (do vocábulo latino conservare, guardar) é a defesa de um míni­mo ético de valores sociais estáveis, cuja vigência substancial deve ser preservada através das modificações históricas, mes­mo sacrificando aspectos formais da sua consagração jurídico-institucional.
Quais esses valores é questão que só encontra resposta através da determi­nação e análise históricas dos diversos «conservadorismos», já que o pensa­mento conservador, por princípio, re­jeita a universalidade e uniformização dos modelos político-sociais, que depen­derão de condições de época e de lugar concretos {recordam-se, p. ex., a «teoria dos climas» de Montesquieu na classi­ficação dos regimes políticos e a teoria da influência decisiva da chamada «for­ma externa do Estado» sobre o modelo institucional interno), das características étnico-sociais e da composição da popu­lação do grau de desenvolvimento tec­nológico e económico — ou seja do estádio cultural da comunidade. Ao con­trário do contra-revolucionário, que re­corre a uma contra-utopia, apresentando um modelo ideal de sociedade, e é idealista e universalista, o conservador é realista e relativista, atendendo pragma­ticamente às situações concretas e não propondo um modelo universal de bom governo, já que é também contrário a qualquer absolutização do político.
Nestes termos, costuma o pensamento conservador autodefinir-se como «rea­lista», por ser uma filosofia e um pensamento do que é, baseado na observação, na indu­ção e na experiência, que contrapõe ao idealismo e utopismo dos seus adver­sários progressistas, ou reaccionários. Para o conservador a mudança não é movimento ou lei histórica necessários e, sobretudo, um pressuposto obriga­tório de aperfeiçoamento dos indivíduos e da sociedade, já que a força, a riqueza e a independência individual e colectiva não estão ligadas a qualquer modelo racionalmente construído e intelectual­mente predeterminado, mas resultam do jogo equilibrado das próprias forças sociais, segundo as regras provadas pela experiência e pela tradição. A filosofia conservadora não busca um óptimo político-social, mas sim um equilíbrio e um modus vivendi sem rupturas nem conflitos agónicos no interior da comu­nidade.
O conservador encara a tradição não como um repositório estático e inalte­rável de verdades definitivas, mas como uma súmula do que foi permanecendo através da mudança. Assim, para o con­servador a religião, a pátria, a famí­lia, a propriedade são valores a defen­der e manter, mas cuja representação e realização são históricas, logo sujeitas à mudança nas suas manifestações exter­nas e formais.
Se se rejeitar a ideia oitocentista de que a pluralidade de ideias e correntes em conflito numa sociedade é uma conquista da idade contemporânea, mas surge como uma característica de qualquer sociedade com um certo grau de dife­renciação funcional e uma esfera do pri­vado a nível de homens ou de insti­tuições, poder-se-ão encontrar, em mo­delos históricos anteriores à revolução, tensões permanentes entre os valores de conservação e de mudança, que se podem traduzir, de parte a parte, em formas gradualistas ou de ruptura. Tais antinomias são visíveis em Roma — «re­volução» dos Gracos, guerra civil entre Mário e Sila — onde o cesarismo e a revolução de Augusto («revolução conservadora» para alguns) se fize­ram contra a ordem republicana tra­dicional, gerando uma polémica entre «republicanos» e «cesaristas», cujos ecos estão bem patentes na literatura do tem­po, nomeadamente em Tácito e Suetónio. E nas sociedades tradicionais eu­ropeias, nas crises que precedem e acom­panham o movimento de criação do Estado nacional, podem observar-se es­tes movimentos antagónicos.
Também na «filosofia das épocas» pode­mos encontrar este contraste entre eras e culturas conservadoras e eras e cul­turas revolucionárias. Assim, enquanto a Idade Média e o Barroco são culturas conservadoras, quer nas suas grandes linhas filosóficas, quer na sua prática e didáctica — valorização do princípio da autoridade e da permanência, transcendentalização dos valores, exaltação da «prudência» como virtude política primeira —, o Renascimento e a Ilus­tração são culturas progressistas, que encontram no individualismo e no sapere aude kantiano a sua divisa.
Nestes termos o C. aparecerá mais como um estilo, uma forma, um modelo de encarar a realidade social, do que com um conteúdo objectivo no plano dos valores, já que este conteúdo variará em função da época e do lugar.
O quadro geográfico na evolução do C., considerado este na sua perspectiva pós-revolucionária, na era constitucional, é importante, já que, enquanto nos países anglo-saxónicos — Inglaterra, E. U. A. — chegará, com este nome, aos nossos dias, encarnado em correntes filosófico-pollticas e organizações partidárias po­derosas, no continente europeu assumirá características diversas, identificando-se por vezes com a contra-revolução ou o tradicionalismo, mas, ao contrário destes movimentos, considerando como um va­lor essencial a liberdade individual e até o modelo constitucional oligárquico. Um representante típico do C. continen­tal é Alexis de Tocqueville (1805-1859), que se proclama defensor de uma «liber­dade moderada, regular, limitada pelas crenças, os costumes e as leis» e con­fessa: «Sinto pelas instituições demo­cráticas un goût de tête, mas sou aristo­crata por instinto, i. é, desprezo e temo a multidão. Amo com paixão a liber­dade, a legalidade, o respeito dos direi­tos, mas não a democracia.»
Para Tocqueville as condições de defesa e preservação desta liberdade ordeira são a descentralização e as liberdades locais, a proliferação de associações de interesses exteriores e independentes do Estado-administração e a «paixão do bem público» como espírito dominante na classe política.
Estes temas e princípios do liberalismo antidemocrático — a denúncia da «de­mocracia totalitária» do Terror, a exal­tação do modelo parlamentar inglês, a defesa do sufrágio restrito, da proprie­dade, da ordem e lei — serão comuns aos conservadores europeus, em modelos mais ou menos mitigados de constitucionalismo autoritário, ao longo de todo o séc. xix.
Este mesmo tema, da democracia como inimiga da liberdade através da tirania da maioria, é caro ao C. liberal anglo-saxónico, onde se expressa cm autores como Stuart Mil], Hume e Burke, que mostram no campo da organização política a preocupação de modelos legais de protecção da minoria, e que está mais modernamente presente em Sir Henry Maine, que se alarma com o facto de cada vez maior número de homens preferir a segurança à liber­dade e na «ala direita» dos Founding Fathers americanos.
A evolução política na Grã-Bretanha e nos E. U. A. alterou substancialmente alguns destes temas — como o antidemocratismo que evoluiu para formas mais actualizadas como «o direito à dife­rença» —, concentrando-se os temas con­servadores em volta de questões econó­micas, como defesa da liberdade do mercado e da empresa face ao estatismo e a formas de fiscalidade confiscatórias, no realismo e na política de equilíbrio em política exterior (na herança de Metternich, Bismarck) e num sistema complexo de protecção dos direitos das minorias políticas e sociais, sobretudo perante os perigos da «sociedade de mas­sas», tema favorito de autores conser­vadores continentais como Spengler e Ortega y Gasset.
No continente o advento de um novo ciclo de grandes revoluções nos finais da I Guerra Mundial, a erupção da socie­dade de massas, a falência do parla­mentarismo nas nações industriais, ao mesmo tempo que, como o constata­ram Valéry, Spengler e Toynbee, a Europa entrava no ocaso político-mili­tar perante os novos poderes emergen­tes, trouxeram outros temas às cosmo­visões conservadoras, ao mesmo tempo que punham em questão a continuidade dos modelos constitucionais oligárquicos em termos de equilíbrio. Daí fenó­menos como a «revolução conservadora» alemã, cujos epígonos, como Moeller van der Bruck, criticam no C. tradi­cional o seu liberalismo e defendem um novo C., antiliberal, imperialista, nacional e socialista, posição comum à direita intelectual de Weimar, cujo movimento, entretanto, se denominará Konservative RevoIution.
Também na escola neomaquiavélica e elitista italiana (Pareto, Mosca, Michels) encontraremos as linhas de u m C. que, permanecendo em termos de princípios próximo do liberalismo oligárquico, não deixará de fazer a crítica do sistema par­lamentar partidário e de inspirar algumas das teses da reacção nacionalista e auto­ritária nascente. Em França, a tradição conservadora atravessou a sua fase de antiliberalismo com a II Guerra e a ocu­pação, quando Pétain e Vichy encar­naram perante as classes conservadoras francesas alguns dos seus princípios e temas tradicionais. Mas, no pós-guerra, regressaram à sua perspectiva liberal tradicional, em que se movem pensa­dores como Bertrand de Jouvenel e Raymond Aron.
Esta é aliás a que domina o «neoconservadorismo» político que, no pós-guerra, ressurge na Europa continental, nas ideias e na política, e quando envolvido na acção partidária está completamente integrado em grandes partidos modera­dos e centristas, como a «ala direita» da Democracia Crista italiana, ou o CSU alemão, ou o Centro Nacional dos Inde­pendentes francês. Estes partidos ou movimentos, sociologicamente «conser­vadores», perderam a sua especificidade doutrinária ou ideológica e as caracterís­ticas que apresentam são um anticomunismo e anti-socialismo vincados, uma defesa da economia de mercado e da esfera do privado, uma política externa e militar anti-soviética, com mais ou menos simpatia pelos E. U. A.
O pensamento conservador continental, elitista, aristocratizante, pessimista, cép­tico quanto aos limites e possibilidades do racionalismo político, esse refugiou-se em círculos intelectuais afastados da intervenção política, embora com certa influência indirecta sobre os quadros, a edição e os media; nos últimos anos, através de fenómenos como a nova direita em Franca, e os círculos de eco­nomistas monetaristas noutros países, esta corrente voltou a ter certa influên­cia. Um G. Prezollini, em Itália, um Raymond Aron, um Bertrand de Jou­venel, um Julien Freund, em França, Armin Möhler e Carl Schmitt, na Ale­manha, são nomes representativos destas correntes conservadoras, e no seu pessi­mismo antropológico coexiste uma defesa da liberdade c do direito das minorias.
Quanto ao C. anglo-saxónico, manteve as características de empirismo, relativismo e cepticismo quanto a quaisquer sistemas e argumentos metapoliticos e, em Inglaterra, guardou as características matriciais que lhe atribuíra Sir Robert Peel, ao escrever que «por princípios conservadores entendemos a salvaguarda das instituições vigentes na Igreja e no Estado e também a preservação e defesa daquele conjunto de leis, de institui­ções, de costumes, usos e maneiras que contribuiu para fundir e formar o carác­ter dos Ingleses».
Este pragmatismo dá lugar a uma certa indeterminação e proliferação de cor­rentes conservadoras, relativamente iden­tificáveis na Grã-Bretanha, onde se con­centram no partido assim denominado ou em áreas próximas, mas mais difíceis de localizar nos E. U. A. Aqui, basta um olhar para certas obras de conjunto, como os volumes de Clinton Rossiter, de W. F. Buckley Jr. ou de George H. Nash, para se ter uma ideia da quan­tidade e complexidade das correntes conservadoras nos E. U. A., que vão dos tradicionalistas religiosos como o filósofo judeu ortodoxo Léo Strauss (1899-1973) ao ensaísta e polemista cató­lico W. F. Buckley, que nas colunas da National Review procurou agrupar todas as correntes «direitistas» america­nas, passando pêlos discípulos da escola económica austríaca, pelos neomaquiavelistas, como James Burnham, pelos «neoconservadores», como Irving Kristol, ou pelos tradicionalistas, como Russel Kirk.
No seu conjunto, o C. destes autores encontra denominadores comuns na oposição ao modelo do New Deal, na oposição à ideia de progresso indefinido, na defesa da esfera do privado, na hos­tilidade à burocratização e socialização da economia, no cepticismo quanto aos ideais mundialistas e numa política de firmeza e contenção da União Soviética. Alguns homens e mitos das teses da inteligentsia conservadora norte-americana encontraram-se no programa elei­toral e na administração do presidente Ronald Reagan, ele mesmo o líder da ala conservadora que se apoderou do Partido Republicano. O regresso à ideia da América nação predestinada e que­rida de Deus, a defesa dos valores religiosos, patrióticos, locais, familiares, da empresa privada, de uma política exterior e militar firmes e anticomunistas são aliás temas comuns ao C. ameri­cano actual, que curiosamente é hege­mónico na sociedade tecnologicamente mais avançada do globo e se mostra também mais afirmativo e menos prag­mático que a matriz original do Reino Unido.

Retirado da Enciclopédia POLIS, vol. 1, col.s1142-1149, da autoria de Jaime Nogueira Pinto