terça-feira, 20 de março de 2007

Glosadores

Desde o século XII, com os glosadores, se passou a admitir, como fundamento do poder dos reis medievais, a prévia transferência do poder do povo, através de uma mítica lex regia, do tempo da monarquia romana. O poder dos imperadores romanos, deste modo, herdado dos reis, teria, pois, uma mediata origem popular. Donde o brocardo medieval, segundo o qual papa habet imperium a Deo, imperator a populo.
Esta lei régia, que constitui o equivalente a umas Actas das Cortes de Lamego da história romana, transformou‑se, portanto, num mito regulador da comunidade política, constituindo uma das principais bases estimuladoras das posteriores teorias da soberania popular.
A ideia vai, por exemplo, implicar a concepção de povo enquanto organização distinta do rei, enquanto universalidade. Gera também o dualismo rex/regnum, precursor da actual distinção entre Estado e sociedade civil, e impondo a existência de um contrato de transferência do poder.
Foram, de facto, os glosadores que anteciparam essa ideia de pessoa colectiva retomando a figura privatística romana da universitas, onde o conjunto é algo de diferente das pessoas ou coisas que o integram. Foram também eles que ligaram esta perspectiva à ideia teológica de corpus misthicum, entendido como realidade existente, mas não sensível.
criar uma teoria abstracta da soberania em proveito quer do principe, quer do papa, quer do povo e no qual participaram teóricos canonistas, glosadores, bartolistas e ... os primeiros humanistas".
A universitas, communitas, collegium ou corporação passa, pois, a ser uma pessoa autónoma, universitas fingatua esse una persona.
Acontece também que esses corpos estão marcados por um fim e precisam de um tutor ou de um procurador. A direcção do corpo passa, pois, a caber aos que mais contribuem para o exercício da função, aos meliores, aos valentiores, aos seniores, aos "homens bons" ou aos "mestres".
Retirado de Respublica, JAM