Legitimidade
O poder que se liberta do medo, através do consentimento, activo ou passivo, daqueles que obedecem. Para Weber, é a crença social num determinado regime, a fonte do repeito e da obediência consentida. Para Adriano Moreira, é a relação entre o aparelho de poder e um certo sistema de valores, tendo a ver com o sistema de crenças do grupo, a ideia institucional, o regime político. Difere da legalidade, da relação do poder com a lei estabelecida, dado que esta se mede nos limites do direito posto.
Legitimidade (Weber)
Segundo Max Weber, a legitimidade é a crença social num determinado regime, visando obter a obediência, mais pela adesão do que pela coacção, o que acontece sempre que os respectivos participantes representam o regime como válido, pelo que a legitimidade se torna na fonte do respeito e da obediência consentida.
Para Guglielmo Ferrero (1871-1942) a legitimidade como um acordo tácito e subentendido entre o Poder e os seus súbditos, sobre certos princípios e certas regras que fixam a atribuição e os limites do poder. Assim, um governo legítimo é um poder que se libertou do medo, porque aprendeu a apoiar-se no consentimento, activo ou passivo, e a reduzir proporcionalmente o emprego da força. Um governo legítimo é, pois, aquele que governa pelo consentimento e pela persuasão, aquele que, como o tecelão, sabe harmonizar contrários e que não usa a violência e a opressão. A legitimidade está para o poder político como a justiça está para o direito. Se o direito sem força seria impotente, eis que se a força se substituísse ao direito apenas haveria arbítrio. Adriano Moreira, por sua vez, define a legitimidade como a relação do poder com certo sistema de valores, com o sistema de crenças do grupo, com a ideia institucional, com o regime político do grupo.
— Distinções básicas: medo e consentimento; obediência e lealdade; anomia e alienação.
— O confronto entre legalidade e legitimidade. A legalidade como relação entre o aparelho de poder e a lei. A legitimidade como relação entre o aparelho de poder e um certo sistema de valores.
— A legitimidade implicando a análise da política do ponto de vista axiológico-normativo.
— As distinções clássicas entre basileus (tem uma potestas que aspira tornar-se em direito de governar, que é um poder de jure) e tiranno ou usurpador (tem potentia, mero poder de facto).
— A distinção de Bártolo de Saxoferrato entre a legitimidade de título (o modo de designação) e a legitimidade de exercício
— A tese de Edmund Burke. A prescrição como fonte da legitimidade.
— A tese de Benjamin Constant: o poder legítimo como provindo, não da força mas da vontade geral.
— A classificação weberiana. A legitimidade tradicional (patriarcalismo, gerontocracia, patrimonialismo e sultanismo) e a acção tradicional, a conduta mecânica na qual o indivíduo obedece inconscientemente a valores considerados evidentes. A legitimidade carismática (profetas, heróis e demagogos) e a acção afectiva, a confiança total no valor pessoal de um homem e no seu destino, fundada na santidade, no heroísmo ou na infalibilidade. A legitimidade racional-normativa e a legitimidade racional-axiológica. A acção racional em finalidade onde os indivíduos são capazes tanto de definir objectivos como de avaliar os meios mais adequados para a realização desses objectivos. A acção Wertrational, a racionalidade em valor. Onde os indivíduos se inspiram na convicção e não encaramm as consequências previsíveis dos seus actos. A distinção entre a moral da responsabilidade e a moral da convicção. O consentimento não racional (tradição e carisma), o consentimento wertrational e o consentimento racional.
— A tese de Guglielmo Ferrero. O governo legítimo como o governo que se libertou do medo, onde há um acordo tácito entre o poder e os governados sobre certas regras e sobre certos princípios que fixam as atribuições e os limites do poder. Os quatro princípios da legitimidade (o princípio hereditário, o princípio aristocrático-monárquico, o princípio democrático e o princípio electivo). A ideia dos génios invisíveis da cidade que nascem, crescem e morrem.
— A tese de Niklas Luhman sobre a legitimação pelo procedimento criticando a concepção tradicional, acusada de ficção. A legitimidade entendida como um processo, sendo obtida por uma série de interacções, previamente estruturadas em subsistemas sociais.
— A crise da legitimidade no Estado Contemporâneo. A transformação da questão da legitimidade numa secura de fórmulas processuais. O dessangramento dos valores democráticos e do Estado de Direito. A perspectiva neomarxista sobre a matéria (Habermas).
Legitimidade e sacralização do poder.
Segundo Georges Burdeau refere a legitimidade como a metamorfose moderna da sacralização do poder, que laiciza o seu fundamento sem lhe enfraquecer a solidez, visto que substitui a investidura divina pela consagração jurídica.
Legitimidade e Legalidade.
A legitimidade difere da legalidade, da relação do poder com a lei estabelecida, exigindo um padrão superior que permita considerar certas leis como injustas, tendo mais a ver com a conformidade relativamente ao direito do que com a conformidade face à lei, como dizia Carl Schmitt. Se a legalidade é um mero requisito do exercício do poder, a justificação do respectivo exercício, já a legitimidade é o requisito da titularidade do poder, a justificação do seu título.
Legitimidade, Princípios da.
Ferrero salientaque os princípios da legitimidade nascem, crescem, envelhecem e morrem e que, depois de, durante séculos, se identificarem com o princípio aristocrático, hereditário e monárquico, eis que, nos séculos XIX e XX, se tornaram democráticos, assentes na delegação do poder pelo povo e na existência de direito de oposição e de liberdade de sufrágio. Os princípios da legitimidade servem para humanizar e adoçar o poder são um exorcismo do medo. Porque o Poder tem sempre medo dos sujeitos que comanda, todos os Poderes souberam e sabem que a revolta é latente mesmo na obediência mais submissa, e que pode rebentar num dia ou noutro, sob acção de circunstâncias imprevisíveis; todos os Poderes sentiram-se e sentem-se precários na medida em que são obrigados a utilizar a força para se impor. Chega mesmo a considerar que a única autoridade que não tem medo é a que nasce do amor.
Legitimidade, os génios invisíveis da cidade.
Ferrero equipara a legitimidade aos génios invisíveis da cidade, a certas forças que actuam no interior das sociedades e que as impedem de se cristalizar numa forma definitiva, forças que nascem, crescem e morrem, forças que se assemelham aos seres vivos, mas que não são visíveis nem tangíveis, equivalentes aos genii dos romanos, esses seres intermediários entre a divindade e os homens.
Legitimidade, Tipos de.
Segundo Weber, há três tipos-ideais ou três tipos puros de Herrschaft (Typen der Herrschaft) legítimo: a legitimidade tradicional, a legitimidade carismática e a legitimidade racional, subdividindo-se esta última na racional-normativa e na racional-axiológica. Haveria, aliás, uma coincidência entre estes tipos de legitimidade e os tipos de acção social, pelo que a cada tipo de consentimento corresponderia um certo tipo de Herrschaft.
1. Poder político legítimo de carácter tradicional.
A acção tradicional, considerada como uma conduta mecânica na qual o indivíduo obedece inconscientemente a valores considerados evidentes, dá origem à chamada legitimidade tradicional, onde emergem os fiéis como seria timbre do patriarcalismo, da gerontocracia, do patrimonialismo e do sultanismo. Ela seria baseada na crença quotidiana na santidade das tradições vigentes desde sempre e na legitimidade daqueles que, em virtude dessas tradições, representam a autoridade.
2. Poder político legítimo de carácter carismático.
A acção emocional ou afectiva, marcada pelo instinto e pela emoção, onde há confiança total no valor pessoal de um homem e no seu destino, uma acção fundada na santidade, no heroísmo e na infalibilidade, onde seria marcante a legitimidade carismática. De um lado, o chefe, o profeta, o herói ou o demagogo; do outro, os adeptos ou os leais, os discípulos ou seguidores. A mesma seria baseada na veneração extraquotidiana da santidade, do poder heróico ou do carácter exemplar de uma pessoa e das ordens por esta reveladas ou criadas. Tudo depende do carisma, isto é, de uma qualidade pessoal considerada extra-quotidiana (...) e em virtude da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanos ou, pelo menos, extra-quotidianos específicos ou então se a toma como enviada por Deus, como exemplar e, portanto, como líder . Contudo, o mesmo Weber salienta que uma das formas de legitimidade carismática aparece na democracia de líderes, com um demagogo a aproveitar-se da democracia plebiscitária, surgindo uma legitimidade carismática oculta sob a forma de uma legitimidade que deriva da vontade dos governados .
3.1 Legitimidade racional referente a fins.
A acção racional referente a fins (zweckrational), onde os indivíduos são capazes tanto de definir objectivos como de avaliar os meios mais adequados para a realização desses objectivos, uma acção social marcada pela moral de responsabilidade, onde o valor predominante seria a competência. Aqui já nos situaríamos no campo do Estado racional-normativo ou do Estado-razão, onde domina a acção burocrática, aquela que faz nascer o poder burocrático, o poder especializado na elaboração do formalismo legal e na conservação da lei escrita e dos seus regulamentos, onde dominam a publicização, a legalização e a burocracia.
3.2 Legitimidade racional referente a valores.
A acção racional referente a valores (wertrational), a racionalidade em valor, onde os indivíduos se inspiram na convicção e não encaram as consequências previsíveis dos seus actos. Seria uma forma de actividade polítitica inspirada por sistemas de valores universalistas, onde o agente actua de acordo com a moral de convicção, vivendo como pensa sem pensar como vive, em nome da honra, isto é, sem Ter em conta as consequências previsíveis dos seus actos. Aquele agente que é comandado pelo dever, pela dignidade, pela beleza ou pelas directivas religiosas. Uma acção que está sujeita à antinomia da moral da convicção (Gesinnungsethik) e da moral da responsabilidade (Verantwortungsethik). A primeira, incita cada um a agir segundo os seus sentimentos, sem referência às consequências, diz, por exemplo, para vivermos como pensamos, sem pensar como vivemos, à maneira do pacifista absoluto. A Segunda interpreta a acção em termos de meios–fins e é marcada pelo supra-individualismo, defendendo a eficácia de um finalismo que escolhe os meios necessários, apenas os valorando instrumentalmente, dizendo, por exemplo, como em Maquiavel, que a salvação da cidade é mais importante que a salvação da alma. Mas, as duas, segundo Weber, não são contraditórias, elas completam-se uma à outra e constituem em conjunto o homem autêntico.