Revolução global
Nos últimos anos o ambiente internacional continuou a alterar-se de forma radical, comprimindo de maneira evidente a margem de manobra dos factores internos de poder, de tal maneira que o sistema político quase deixou de ser uma consequência da soberania e, no plano interno, corre o risco de tornar-se mero subsistema face à economia e à sociedade.
Diante do desafio de tal mundialização, a reflexão sobre o fenómeno político, libertando-se daqueles quadros que pareciam duradouros, foi obrigada a ter umas saudades do futuro, dado que, para conseguir entender o nascimento do amanhã, teve de voltar a peregrinar pelas origens, a fim de se ultrapassar certa ditadura de um pretenso processo histórico que acompanhava o gnosticismo da modernidade.
Com a queda do muro de Berlim em 1989 e o subsequente colapso do sovietismo, ruiu a velha ordem mundial estabelecida pelos vencedores da Segunda Guerra Mundial e que viveu, durante quase quatro décadas, segundo o ritmo da bipolarização surgida da guerra fria. Contudo, com a emergência da questão do Golfo Pérsico, em 1990, que levou à operação Tempestade no Deserto do ano seguinte, verificámos que, afinal, não havíamos atingido o gnóstico fim da história, mas que vivíamos o regresso da história que, muitas vezes, se traduzia num retorno aos tempos do fim da Grande Guerra. Esses acontecimentos do fim da década de oitenta, desde a ascensão de Gorbatchov à queda do muro de Berlim com a imediata implosão da URSS, foram até menos causa do que consequência de algo que tem sido qualificado como revolução global, e que o Professor Adriano Moreira, há mais de duas décadas, na senda de Teilhard de Chardin, teorizou como a lei da complexidade crescente nas relações internacionais, pela multiplicação das dependências e interdependências que é acompanhada por uma também multiplicação quantitativa e qualitativa dos centros de decisão, movimento de contrários que geraria novas formas políticas - os grandes espaços -, bem como órgãos supranacionais de diálogo, de cooperação e decisão. Numa convergência que seria acompanhada por uma divergência exigindo uma nova unidade, assistir-se-ia tanto a uma planetização dos fenómenos políticos, com a consequente marcha para a unidade do mundo, como a uma dispersão, a uma fragmentação, a uma multiplicação quantitativa e qualitiva dos centros de decisão, nomeadamente com a progressão quase geométrica do número dos Estados e dos organismos internacionais. Essa aparente contradição (por um lado, a crescente mundialização, e por outro, as exigências opostas da diversificação que, por exemplo, faz com que, no tempo dos grandes espaços, se viva em simultâneo a idade dos nacionalismos) constitui, aliás, o mais evidente sinal do complexo. Porque é complexo tudo o que é mistura de contrários. E porque do complexo só poderemos sair, não pela vitória de um pólo sobre o outro, através da antítese vitoriosa sobre a tese, a que se seguiria uma síntese, mas antes pela harmonia reconciliadora dos contrários. A superpotência URSS não era suficientemente poderosa para ser autárcica. Podia ter SS-20, mas deixou que um simples Cessna pilotado por um teenager alemão aterrasse na Praça Vermelha. Podia ter iniciado com o Sputnik e, depois, com Gagarine, a era da astronáutica, mas não sabia produzir transístores nem máquinas fotocopiadoras. Era suficientemente poderosa para amedrontar o mundo com as bombas termonucleares, mas não conseguiu domar os mujaheddin no Afeganistão nem consegue ainda hoje controlar os chechenos, tal como os norte-americanos não conseguiram aguentar o voluntarismo pertinaz dos guerrilheiros vietcong.