sexta-feira, 6 de outubro de 2006

Maioria

Maioria vem do lat. maiore, grande, isto é, o que excede o outro em grandeza, isto é, o que é maior do que outro. Diz-se da regra segundo a qual, quando tem de escolher-se entre várias opções, a preferida é aquela que é preferida pelo maior número. Em democracia, onde domina o princípio de um homem, um voto, funciona a regra da maioria. Francisco de Vitória é dos primeiros a referir que a comunidade política tem que ser organizada segundo o princípio da vontade das maiorias: o consentimento de todos nas multidões poucas vezes ou nunca se dá. Logo, é suficiente que a maior parte convirja em um, para que algo se faça conforme ao direito. E isto porque quando duas partes divergem, tem de prevalecer necessariamente a opinião de uma parte. Porque querem coisas contrárias, e não deve prevalecer a opinião da menor parte, há-de seguir-se, portanto, a da maior parte. Salienta também que cada República pode constituir para si o seu senhor, sem que para isso seja necessário o consentimento de todos, já que parece bastar o consentimento da maior parte. E isto porque no que afecta ao bem da República basta o que se estabelece para a maior parte ainda que os outros o contrariem, pois, de outro modo nada poderia fazer-se para a utilidade da República por ser difícil que todos convirjam numa opinião. Em Locke, o Poder legislativo é concebido como poder supremo, the supreme power in every commonwealth, que, no entanto, tem de obedecer à regra da maioria:as leis devem ser votadas, não pela unanimidade, mas sim pela maioria. Karl Deutsch, distinguindo os conceitos de Rousseau de vontade de todos e vontade geral considera esta como a soma de todos aqueles interesses que as pessoas possuem em comum e a vontade de todos como a maioria das vontades particulares, não fundamentadas no interesse comum de toda a comunidade, que servem de base não ao governo, mas apenas a uma determinada facção política.
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Intelligentzia

Foi na Rússia pós-iluminista que se corporizou a chamada intelligentzia, palavra de origem alemã, eslavizada pelos polacos, que, diferentemente dos intelectuais à la française, surgidos no final do século XIX, e dos posteriores bacilos revolucionários leninistas, constituiu um grupo social distinto tanto da sociedade civil, entendida em termos hegelianos enquanto sociedade dos burgueses, como do próprio aparelho de poder e da burocracia dele dependente.
A intelligentzia russa, como o clero do nosso ancien régime, assumia-se como uma ordem monástica ou como uma seita possuindo a sua própria moral. Era uma colectividade de ideologia e não profissional ou económica, de carácter interclassista, à qual pertenciam muitas pessoas que não eram intelectuais, ao mesmo tempo que outros tantos sábios e letrados, por não comungarem da ideologia advogada, dela não faziam parte.
Assumindo a ruptura e o desenraizamento, não só adquiriu o estatuto de pária, segundo as categorias weberianas, como, em virtude da vagabundagem social a que foi sujeita pelos poderes públicos, nomeadamente a polícia secreta, vai tornar-se cismática.
Contudo, a ideologia que a conformou foi variando: darwinismo, socialismo utópico, de Fourier a Owen, hegelianismo, materialismo naturalista e, finalmente, o marxismo, em regime de abuso quase idolátrico.
Ao identificar-se por uma ideologia própria, o homem da intelligentzia russa, que se auto-revia como uma personalidade pensante, diferia substancialmente do intelectuel francês, dado que este era essencialmente marcado pelo sinal artístico ou literário, pelo menos no período que medeia entre o caso Dreyfus e a Segunda Guerra Mundial.
Assim, os membros da intelligentzia russa grupusculizaram-se numa autêntica classe, numa comunidade crítica face ao poder político estabelecido, diferindo, deste modo, do portuguesíssimo senhor dr., dos fins da monarquia e do século XX. Passaram, portanto, a constituir uma espécie de estamento que se assumiu como a vanguarda da sociedade e tratou de atribuir a si mesmo a missão de educar os não iluminados do vulgo.
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Integração internacional

Foi logo na Idade Média que, face aos conflitos entre o Império e o Papado e já depois da divisio regnorum, começaram a surgir teorias visando o restabelecimento da unidade dessa res publica fidelium, conforme a expressão de Roger Bacon. Surge então a primeira visualização de uma entidade integradora supra regna, onde, de um lado, estão aqueles que podemos qualificar como os projectistas da paz universal, herdeiros dos defensores da monarquia papal universal e antecessores dos chamados mundialistas, e do outro, os defensores do Império, da instauração de uma monarquia universal pelo imperador. Se os primeiros apenas advogam o recurso a meras instituições do antigo direito das gentes, utilizando o método clássico da arbitragem ou o recurso a associações de unidades políticas autónomas, destinadas a proibir o recurso à força, já os segundos apostam na criação de uma autoridade temporal superior às unidades políticas particulares. Os projectistas da paz são herdeiros da unificação promovida pela Igreja na res publica christiana, geradora de um direito das gentes cristão que, segundo Truyol Serra, introduziu três importantes novidades: primeiro, quando veio adoçar e limitar o direito de guerra, tanto pela difusão do ideal da cavalaria, como pelo estabelecimento de instituições como a paz de Deus a trégua de Deus que, ou impediam actos de guerra em certos dias, ou punham ao abrigo da guerra certos grupos da população; segundo, quando instituiu a arbitragem, uma instituição diversa da simples mediação, dado que o árbitro já tinha de cingir-se ao direito, enquanto o mediador podia actuar conforme a equidade, e fez do papado uma instância arbitral permanente; terceiro quando, promoveu a reunião de concílios, participados por eclesiásticos e leigos, que não se limitavam apenas à discussão de questões teológicas e que também promoviam arbitragens. Utilizando uma linguagem actual, diremos que os primeiros apenas defendem um fenómenos de organização internacional, que apenas pode actuar inter-estadualmente, enquanto os segundos já advogam a integração internacional, de carácter transnacional. Entre os integracionistas, vários podem ser os modelos. Alguns advogam o método da hegemonia, considerando que todos os centros políticos particulares devem ceder perante um deles. Outros defendem que deveria instaurar-se uma sociedade política mundial, um governo mundial, com ligação directa entre esse centro político e todos os homens. Um terceiro grupo, por seu lado, apenas sugere a criação de um directório ou uma aliança entre unidades políticas dominantes. Noutra perspectiva, e ainda com linguagem actual, diremos que se alguns preferem um novo centro marcado pelo unitarismo, outros defendem uma estrutura federal. Mas, entre os não unitaristas, se há teses federalistas propriamente ditas, que advogam o imediatismo de um novo contrato, eis que surgem também posições marcadas por aquilo que alguns qualificam como o federalismo funcionalista e gradualista que prevê a transferência para o novo centro de apenas algumas funções dos anteriores centros políticos. Numa posição terceirista, surgem também os que, na linha de Kant, advogam uma república universal, entendida como uma exigência ética, no sentido de levar cada Estado existente a comportar-se como se todos os Estados existentes, formassem um Estado Mundial, uma civitas humana, a fim de poderem limitar-se os poderes do Estado-Leviatã. É a posição assumida por Wilhelm Röpke que defende um plano global de luta contra o espírito de guerra, o nacionalismo, o maquiavelismo e a anarquia internacional, capaz de inverter o facto da soberania dos Estados tender para o absolutismo, por gerar a identificação da massa com a nação e com o Estado, marcado por um maquiavelismo que é não apenas uma má moral, mas também uma má política Utilizando a terminologia da escola funcionalista norte-americana, a integração internacional poderá ser definida como o processo através do qual os agentes políticos transferem para um novo centro político interesses, expectativas e lealdades, assentando em doutrinas e em instituições que têm como objectivo a aplicação de um direito universal acima das jurisdições nacionais, segundo as quais pode atribuir-se a uma entidade superior aos Estados um poder decisório que penetra na tradicional jurisdição interna dos Estados.
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Institucionalização do poder

A ideia de institucionalização do poder traduz essa forma de organização de poder nascida do facto de os homens quererem deixar de obedecer a outro homem, passando a obedecer a uma instituição ou a uma abstracção. Uma operação jurídica de transferência do suporte do poder da pessoa dos governantes para uma entidade abstracta e ideal, independente das pessoas dos governantes. Para uma entidade dotada de unidade, de continuidade, de poder fundado e limitado pelo direito.
Conforme as palavras de Georges Burdeau: a institucionalização do Poder é a operação jurídica pela qual o Poder político se transfere da pessoa dos governantes para uma entidade abstracta - o Estado. O efeito jurídico desta operação é a criação do Estado como suporte do poder independente da pessoa dos governantes. Neste sentido, refere que o Estado não é justaposição de um grupo, de um território, de um chefe, mas antes uma certa maneira de ser do Poder, pelo que não há Estado em todos os grupos humanos que vivem num território próprio sob a coerção de um chefe, exigindo‑se unidade, continuidade, poderio e limitação pelo direito.
Porque, retomando Pufendorf, os seres morais não são coisas como os seres físicos, não se possuem senão pela instituição.
Só assim o poder passa a poder-dever, volvendo-se em função, em ofício. E o servidor do poder, o funcionário, transforma-se em servo da função, no tal servus ministerialis, donde deriva a nossa palavra ministro, o escravo do ministerium, do ofício, do fim, ou da ideia que norteia o poder.
Para o o citado Georges Burdeau, uma instituição é uma empresa ao serviço de uma ideia, organizada de tal modo que, achando‑se a ideia incorporada na empresa, esta dispõe de uma duração e de um poder superiores aos dos indivíduos por intermédio das quais actua. Esta institucionalização do poder permite ao grupo que se continue, segundo uma técnica mais aperfeiçoada, a procura do bem comum; assegura uma coesão mais estreita entre a actividade dos governantes e o esforço pedido aos governados; torna mais flexível a influência da ideia de direito sobre os comportamentos sociais e, com isso, constitui o progresso mais seguro que pode realizar‑se numa sociedade política. Neste sentido, considera que a institucionalização do poder é o resultado de uma atitude inteligente do homem relativamente ao problema do Poder; o Estado é um conceito, o suporte ideal do poder público. Ora, só o homem pode dar origem ao conceito, pensando o Estado como tal.
Também segundo o ideal-realismo de Maurice Hauriou, a instituição é une idée d'oeuvre ou d'entreprise qui se réalise et dure juridiquement dans un milieu social. Dentro da noção, importa assinalar quatro ideias: a ideia de obra ou de empresa; a ideia de comunhão; a ideia de regras; e a ideia de órgãos de poder. A ideia de obra ou de empresa produz um fenómeno de interpenetração das consciências individuais, onde são as consciências individuais que se pensam umas às outras e que assim se possuem umas às outras. A ideia de comunhão traduz a manifestação de comunhão entre os membros do grupo, onde as ideias geram a adesão dos membros do grupo). A ideia de regras reflecte a existência de um conjunto de regras que estabelecem o processo de tomadas de decisões. A ideia de órgãos de poder tem a ver com uma série de órgãos de poder que representam o grupo e que tomam ou executam decisões dentro do grupo. Blandine Kriegel refere que o aparecimento do Estado resultou de uma dupla operação: primeiro, a juridificação da política; depois, a constitucionalização do poder. Porque deu direito a uma sociedade senhorial e civilizou uma comunidade guerreira. Foi o direito contra o poder, a paz contra a guerra, o Recthstaat contra o Machtstaat. No fundo, equivale à velha expressão de Plínio, dirigindo-se a Trajano, quando aquele proclamava que inventámos um Príncipe para deixarmos de ter um dono. Para, em vez de continuarmos a obedecer a outro homem, podermos passar a obedecer a uma abstracção, utilizando as categorias de Georges Burdeau.
Em síntese, o Estado representa a tentativa de passagem de uma razão de Estado a um Estado razão, a tentativa de transformação da política numa espécie de realização da filosofia entre os homens.

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Ideologia

Ideologia é um termo inventado pelo sensualismo de Destutt de Tracy, em 1796, em Project d’Élements d’Idéologie, querendo significar ciência das ideias, o estudo sistemático, crítico e erapêutico dos fundamentos das ideias. Sofre logo uma rápida evolução semântica: de ciência das ideias passa a aspiração reformista envolvendo um programa político.
Conforme a definição de Marcel Prélot, são teses ligadas entre si e referidas a um princípio, dando origem a um plano intelectual de organização política, o qual constitui igualmente um todo ligado e coordenado. Para Jean Touchard, uma ideia política que tem peso social, como se fosse uma pirâmide com vários andares: no vértice, a doutrina, aquilo a que os marxistas chamam praxis; em seguida, as vulgarizações; depois, os símbolos e as representações colectivas. Por outras palavras, a ideologia depressa passou a uma criatura que ultrapassou os limites conceituais que lhe foram estabelecidos pelo criador. É um sistema de pensamentos, um conjunto de pensamentos estratificados, um conjunto autónomo sujeito a leis próprias de desenvolvimento. Por outro lado, passou a significar uma espécie de programa político reformista, ligado aos amanhãs que cantam. Em terceiro lugar, a ideologia é um sistema de ideias conexas com a acção (Carl J. Friedrich), exigindo uma estratégia para a actuação. A ideologia, como sistema de ideias que já não são pensadas por ninguém" (Weidle), tem, além do elemento racional motivador, o vasto campo da vulgata, que se traduz tanto em elementos emotivos como em elementos míticos. É, conforme Anthony Downs, uma verbal image of the good society, and the chief means of constructing such a society.
Gera, assim, ideologismos, pensamentos desligados ou independentes da acção. Essas imaginações do pensamento, que, conforme refere Emmanuel Mounier, correm o risco permanente de fazer passar por cima, isto é, ao lado da história, as forças espirituais com que nós queremos animar a história. Umas vezes tomam a forma de um racionalismo mais ou menos rígido. Constroem então com ideias ou, mais recentemente, com considerações técnicas de teóricos, um sistema coerente que pensam impor à história unicamente pela força da ideia. Quando a história viva ou a realidade do homem lhes resiste, crêem ser tanto mais fiéis à verdade quanto mais aperram ao sistema, tanto mais puros quanto mantém a sua utopia em imobilidade geométrica.
Não é por acaso que as várias ideologias são marcadas pela expressão ismo, esse sufixo de origem bizantina, divulgado no ocidente europeu pelos cultores da teologia. Começou por ser utilizado em Portugal pela linguagem eclesiástica em palavras como baptismo, cristianismo, aforismo, exorcismo ou paganismo. Na época do renascimento, surgem várias palavras com o sufixo, por via erudita (v. g. humanismo). Nova invasão, pela língua erudita, surge nos séculos XVIII e XIX, por via francesa, até que, nos começos do século XX passou a ser utilizado massivamente, passando da linguagem erudita à linguagem popular, coincidindo com o aparecimento da sociedade industrial.
Significa, em princípio, a generalização de alguma coisa. Na politologia serve sobretudo para qualificar uma doutrina, uma corrente de pensamento ou uma ideologia, bem como uma atitude, uma maneira de agir que se pretende de acordo com uma doutrina.
Segundo Karl Mannheim, as ideologias são as ideias que transcendem a situação e que nunca conseguiram realizar efectivamente o seu conteúdo virtual. Se a doutrina se limita a lançar directivas e opções de base que servem de fontes de inspiração na tradução concreta de um compromisso, já a ideologia dá forma fixa a um sistema rígido, assumindo o determinismo e o dogmatismo dos que pensam que uma determinada acção política se pode deduzir directamente de um sistema de ideias.
Por seu lado, as utopias representam uma fuga ao real e, portanto, uma renúncia, uma negação do mundo e dos seus conflitos (Jean Servier). Porque estão fora do espaço e do tempo, são estáticas face ao processo histórico:as utopias escrevem-se em sociedades cujos membros perderam a esperança de progresso e aspiram a um invencível equilíbrio estável como forma de travagem do declínio, como dizia Arnold Toynbee.
Com efeito, as ideologias e as utopias conduzem a uma atitude de desespero porque se traduzem num mero exercício mental ( pensa-se , não se vive) que pretende fornecer um modelo planificado do que deveria ser, segundo Garcia Pelayo. E, na verdade, impossível encaixar o pluralismo da realidade no monismo de uma qualquer ideologia, de um qualquer sistema de ideias que procure parar o tempo, reduzindo-o a um modelo apriorístico. Como diz Antoine Saint-Exupery, aqui e ali erguiam-se falsos profetas , que conseguiam juntar alguns adeptos. E os fiéis, embora raros, encontravam-se animados e prontos a morrer pelas suas crenças. mas as crenças deles não valiam nada para os outros. E as crenças opunham-se todas umas às outras. Como só construíam igrejinhas, odiavam-se umas às outras, por terem o costume de tudo dividirem em erro e verdade. O que não é verdade é erro e o que não é erro é verdade.
É que os ideologismos, como salientava Mounier, correm o permanente risco de fazer passar por cima, isto é, ao lado da história, as forças espirituais com que nós queremos, precisamente, animar a história. Umas vezes tomam a froma de um racionalismo, o mais ou menos rígido. Constroem então com ideias ou, mais recentemente, com considerações técnicas de teóricos, um sistema corente que pensam impor à história unicamente pela força da ideia. Quando a história viva ou a realidade do homem lhes resiste, creem ser tanto mais fiéis à verdade quanto mais se aperram ao sistema, tanto mais puros quanto mantêm a sua utopia em imobilidade geométrica.
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Hierarquismo

Já o hierarquismo vem do grego hieros (sagrado) + arquia (ser chefe). O mesmo que comando sagrado. Chegou-nos através do latim eclesiástico hierachia. Designava, no cristianismo primitivo o poder dado por Cristo aos apóstolos para formarem e governarem a Igreja. Designa hoje qualquer sistema onde a distribuição do poder é desigual, através de um sistema de graus.Tem a ver com o escalonamento, com a existência de instâncias superiores e inferiores, numa sucessão regular, conforme salienta Louis Dumont. Em sentido amplo, segundo o mesmo autor é o princípio da graduação dos elementos num conjunto, por referência ao próprio conjunto.
Compreende-se assim que a autoridade tenha a ver com a hierarquia e o escalonamento. Como salienta Talcott Parsons, a autoridade é um tipo de superioridade que envolve o direito legitimado (e/ou obrigação) de controlar as acções de outros num sistema de relação social.
Para Edward Evans-Pritchard e Mayer Fortes, temos que, primeiro, detecta‑se a existência de sociedades dominadas pelo parentesco, onde a ausência do político, no entanto, não significaria a ausência de distinção. Trata‑se de sociedades muito pequenas onde a estrutura política se confunde com a estrutura do parentesco. Surgem, em segundo lugar, sociedades onde o político vai dominando o parentesco, detectando‑se a existência de grupos políticos, de grupos que se definem pela base territorial. Contudo, nesta segunda fase da evolução, se o político se vai sobrepondo ao parentesco, estes laços ainda vão sendo os dominantes.
E isto porque faltam instituições especializadas, com autoridade permanente, tendo como função a manutenção da ordem social. Nestas formações sociais, ainda sem hierarquia ou autoridade, o mecanismo de equilíbrio social pode surgir de uma liderança, ou leadership. Em terceiro lugar, dá-se o aparecimento de sociedades com uma autoridade centralizada, um aparelho administrativo e instituições judiciais, onde já é flagrante o domínio do político sobre o parentesco. Agora, em lugar do equilíbrio, temos a hierarquia que marca o novo modelo organizacional. Surge também o sistema político que unifica no mesmo nível de extensão territorial os antagonistas e realiza a equivalência estrutural.
O hierarquismo é o timbre do próprio Estado moderno, quando o centro pretende dialogar e impor-se dirctamente a todos os indivíduos integrantes da sociedade, sem a utilização de intermediários, como eram, no âmbito da sociedade do ancien régime, os clérigos, os nobres e as corporações de artes e ofícios. Surge assim a estruturação vertical, hierarquista e piramidal dos Estados a que chegámos, que tratou de negar a existência do político para além dos mesmos.
Foi contra este modelo de matriz jacobina que se ergueram várias correntes, nomeadamente o federalismo de Proudhon, para quem o sistema federativo é o oposto da hierarquia ou centralização administrativa e governamental ... A sua lei fundamental, característica, é esta: na federação, os atributos da autoridade central especializam-se e restringem-se, diminuem de número, de dependência, à medida que a Confederação se desenvolve, pelo acesso de novos Estados.
O hierarquismo chegou também a ser a palavra chave do fascismo de Mussolini e crismou uma revista doutrinária oficiosa do regime. De hierarquismo também padeceu o modelo do corporativismo salazarista, quando tentou conciliar os poderes intermediários da nostalgia do ancien régime com uma perspectiva piramidal de Estado, onde os indivíduos se integravam em famílias, estas em freguesias e assim sucessivamente, no município, na província e no Estado, enquanto socialmente os trabalhadores eram disciplinados em sindicatos, os patrões em grémios e ambos se harmonizavam hierarquicamente nas corporações. Aqui, funcionavam sobretudo as memórias do conservadorismo hierarquista das teses de Egídio Romano sobre a dinâmica do primeiro motor que se transmitiam sucessivamente até ao fim da linha de comando.
O conservadorismo hierarquista, tal como certas doutrinas elitistas,considera também que há seres superiores e seres inferiores e que os primeiros estão naturalmente destinados a mandar e os segundos a obedecer.Como dizia Egídio Romano,"a autoridade procede de um primeiro motor ,donde se comunica,degrau a degrau,até ao último dos seres".
Gerou-se assim uma atracção pelo centro, numa linha de transmissão de ordens quase militar que, paradoxalmente, permitiu o golpe de Estado que derubou o mesmo regime, quando, ocupado o centro, todo o restante edifício obedeceu, do Minho a Timor, gerando-se uma disciplinada revolução onde se praticou a subversão a partir do aparelho de Estado.
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