Projectistas da paz
Na Idade Média, face aos conflitos entre o Império e o Papado e já depois da divisio regnorum, começaram a surgir teorias visando o restabelecimento da unidade dessa res publica fidelium, conforme a expressão de Roger Bacon. Surge então a primeira visualização de uma entidade integradora supra regna, onde, de um lado, estão aqueles que podemos qualificar como os projectistas da paz universal, herdeiros dos defensores da monarquia papal universal e antecessores dos chamados mundialistas, e do outro, os defensores do Império, da instauração de uma monarquia universal pelo imperador. Se os primeiros apenas advogam o recurso a meras instituições do antigo direito das gentes, utilizando o método clássico da arbitragem ou o recurso a associações de unidades políticas autónomas, destinadas a proibir o recurso à força, já os segundos apostam na criação de uma autoridade temporal superior às unidades políticas particulares.
O direito das gentes cristão
Os projectistas da paz são herdeiros da unificação promovida pela Igreja na res publica christiana, geradora de um direito das gentes cristão que, segundo Truyol Serra, introduziu três importantes novidades: primeiro, quando veio adoçar e limitar o direito de guerra, tanto pela difusão do ideal da cavalaria, como pelo estabelecimento de instituições como a paz de Deus a trégua de Deus que, ou impediam actos de guerra em certos dias, ou punham ao abrigo da guerra certos grupos da população; segundo, quando instituiu a arbitragem, uma instituição diversa da simples mediação, dado que o árbitro já tinha de cingir-se ao direito, enquanto o mediador podia actuar conforme a equidade, e fez do papado uma instância arbitral permanente; terceiro quando, promoveu a reunião de concílios, participados por eclesiásticos e leigos, que não se limitavam apenas à discussão de questões teológicas e que também promoviam arbitragens.
Utilizando uma linguagem actual, diremos que os primeiros apenas defendem um fenómenos de organização internacional, que apenas pode actuar inter-estadualmente, enquanto os segundos já advogam a integração internacional, de carácter transnacional. Entre os integracionistas, vários podem ser os modelos. Alguns advogam o método da hegemonia, considerando que todos os centros políticos particulares devem ceder perante um deles. Outros defendem deveria instaurar-se uma sociedade política mundial, um governo mundial, com ligação directa entre esse centro político e todos os homens. Um terceiro grupo, por seu lado, apenas sugere a criação de um directório ou uma aliança entre unidades políticas dominantes. Diremos, a este respeito, citando Claude Lévi-Strauss, que a noção de civilização mundial é paupérrima, esquemática, com um conteúdo intelectual e afectivo de escassa densidade. Aliás, até talvez não possa haver civilização mundial, uma vez que civilização implica a coexistência de culturas oferecendo cada uma delas o máximo de diversidade, e consiste mesmo nessa coexistência. A civilização mundial não pode ser outra coisa do que a coligação, à escala mundial, de culturas, preservando cada uma delas a sua originalidade, impondo-se. preservar a diversidade das culturas, num mundo ameaçado pela monotonia e pela uniformidade. Contudo, as várias civilizações nem por isso deixam de constituir, para utilizarmos a linguagem de Arnold Toynbee, um só mundo (One World), uma super-civilização, sem bárbaros nas fronteiras. Este mesmo autor falava em cinco civilizações: a ocidental-cristã, a cristã oriental, a islâmica, a indiana e a chinesa, referindo que todas elas ousaram transformar-se
Retirado de Respublica, JAM