A mais célebre colectânea de ensaios do fundador do Integralismo Lusitano, António Sardinha, publicada no ano anterior ao seu prematuro falecimento. Considera que as causas da crise espiritual do Ocidente derivam do chamado renascimento do direito romano,onde o "absolutismo dos reis entra a preverter a noção cristã de autoridade". Esse vício teria sido agravado pela Renascença "com a sua ideia naturalista do Poder e o seu centralismo excessivo,mesmo despótico" e com ela ,Lutero que "quebra a unidade moral da Europa".Acontece que na Península Ibérica "o humanismo pretensioso da Renascença se depura e deixando de ser,como era para os gafados italianos ,um fim ,‑ um ideal de vida, volve‑se com os Colégios da Companhia (de Jesus) acentuadamente, um meio de educação valiosíssimo, ‑ um valioso agente de formação mental, de que o Colégio das Artes em Coimbra nos fornece um exemplo convincente".Depois, com a derrota da Invencível Armada, deu‑se "o cisma das nações e o advento das éticas do norte com o seu natural triunfo em Vestfália".Finalmente,o absolutismo vai triunfar sem reservas no século XVIII, "destruindo todos os organismos intermédios" e deixando "apenas o Estado na presença do indívíduo,despojado já da rede miúda das associações domésticas e económicas".Para Sardinha, "o Estado Absolutista do século XVIII antecede logicamente o Estado Metafísico e todo poderoso das modernas democracias.Esse Estado é o Estado napoleónico baseado não na noção histórica da autoridade derivada da Família,da Comuna e das Corporações,mas no simples conceito materialista da força e do domínio".A seguir veio o idealismo alemão:"nos seus vícios estruturais o germanismo, para evitar o vácuo, encaminha‑nos para o absoluto.Donde a quase divinização do Estado,com Fichte e Hegel por seus corifeus na Pátria de Kant, ‑ no solar do livre exame".Citando George Santayana,vai considerar pagã essa filosofia germânica do eu,"procurando sobrepôr a inteligência como princípio e fim de si mesma, às evidências contantes do ser".Para ele "na pulverização crescente da sociedade, o 'indivíduo' dos idílios solitários de Rousseau dera lugar ao 'cidadão' dos festins eleitorais do liberalismo" e este "volveu‑se sem demora no 'produtor' da metafísica bastarda de Karl Marx".Foi,assim,que o Estado passou de "instituição coordenadora e complementária" a "instrumento de domínio" e que se gerou "o estadualismo mais abusivo e mais arbitrário". Nestes termos,Sardinha vai propôr o regresso ao direito natural, "como compreendia S.Tomás e toda a magnífica coorte dos seus comentadores peninsulares da Contra‑Reforma,com o insigne Francisco Suarez à cabeça".Seria o regresso à liberdade orgânica e à noção de pessoa: " a liberdade, ‑ no seu superior sentido orgânico ‑ é natural da Península, sendo entre nós o absolutismo um intruso violento, um hóspede atrevido e não desejado". Com efeito, "os hispanos basearam‑se sempre , por condição peculiar da sua índole , na noção de pessoa" e não na noção de indivíduo;"a individualidade vem do corpo, da matéria, do instinto.Inversamente ,a personalidade da alma." Para ele,o cristianismo é uma "grande democracia espiritual, ‑ a única,a verdadeira" e "em cujo seio somos todos irmãos e iguais perante Deus,diferenciando‑se somente pelos méritos adquiridos,pelas virtudes professadas, ‑ essa grande democracia espiritual,repito,correspondia ao que borbulhava no mais entranhado do génio hispânico: a ideia da independência e a ideia de responsabilidade". (Ao Princípio era o Verbo. Ensaios e Estudos (Lisboa, Livraria Portugália, 1924; cfr. 2ª ed., Lisboa, Restauração, 1959).
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