domingo, 25 de fevereiro de 2007

Reino Unido

(United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland) 242 407 km2 e 57 410 000 habitantes; segundo a fórmula de Cline, 68. O núcleo genético dominante do Reino Unido, a Inglaterra, é de origem medieval; a ele se foram juntando o País de Gales, em 1563, a Escócia, em 1707, e a Irlanda, em 1800, embora esta parcela, a partir de 1921, se tenha cindido, apenas permanecendo o Ulster.
Com ou na Europa?
Foi este Reino Unido que sempre manteve uma relação ambígua com a restante Europa, bem expressa por Winston Churchill que quando pugnava por uns Estados Unidos da Europa sempre dizia que we are with it but not of it. Com efeito, os britânicos, sempre assumiram relativamente aos assuntos europeus, não uma relação de alheamento, mas sim um pleno intervencionismo marcado pelo ritmo da balance of power, isto é, uma promoção das divisões entre as potências dominantes no continente, para que o processo de intervenção fosse o menos custoso possível.

Henrique VIII
O Reino Unido é sobretudo Henrique VIII e a formação da Estado-Igreja anglicano, feito contra Roma, mas também contra os luteranos e os calvinistas. Um anglicanismo que constitui uma espécie de catolicismo de Estado. bem como o estabelecimento do conceito de balance of power. Aquela que vai ser a matriz do liberalismo, da tolerância, da separação de poderes e da democracia constitucional, tem o seu ponto de partida na tirania de uma coroa que torna súbditos os dependentes e até vai entrar na modernidade teórica com o soberanismo de Thomas Hobbes.

Com Isabel I, a Inglaterra vê chegar a rainha dos mares. Sobe ao trono em 1558. Perante a pressão espanhola em terra, prefere a guerra no mar. Começa o conflito com Espanha em 1585. Adopta a política do compromisso continental, mandando tropas para apoiar os rebeldes holandeses contra Filipe II. O objectivo era o de impedir os objectivos de Filipe II em terra e de arrasar o seu império no mar.
Estratégia indirecta
A estratégia da balança do poder britânica, além do imperialismo ultramarino, marcado pela triáde do comércio (free trade), marinha (poder naval) e colónias, não era exclusivamente ribeirinha. Sempre assumiu uma intervenção continental, embora envolvente, ou através da chamada estratégia indirecta, procurando conter no terreno os inimigos principais, apoiando os adversários destes. Apoia os holandeses em terra contra a Espanha; apoia os franceses contra a Espanha.

Cromwell e a republica dos santos
A primeira revolução inglesa, de 1642-1660, leva Cromwell a cria uma república de santos, a primeira grande ditadura dos tempos modernos. Em 1649 Carlos I era decapitado. Era Hobbes a mandar. É durante a governação de Cromwell que se desencadeia a guerra comercial com os holandeses em 1652-1654, na sequência do Navegation Act de Outubro de 1651, quando Cromwell estabelece o proteccionismo e o mercantilismo Novas guerras em 1652-1654, 1665-1667 e 1672-1674. Pela Paz de Westminster de 1654, os holandeses reconhecem o Navigation Act. O que permite a Cromwell aliar-se à França de Mazarino contra os espanhóis, com efeitos no aumento do Império (em 1655 eraocupada a Jamaica). No plano interno, importa assinalar o nascimento em 1647 dos Levellersm defensores de um povo orgânico, dirigido por uma elite. Individualistas, não atacam a privada e defendem o parlamento como mero delegado do poder soberano. Já os Diggers, aparecidos em 1649, assumem-se como os verdadeiros niveladores e combatem a propriedade privada. O respectivo líder, Wistanly chega a publicar em 1652 uma obra intitulada Law of Freedom, onde se assume como um dos primeiros socialistas, defendendo a própria propriedade colectiva da terra.
Restauração dos Stuarts
A república dura apenas dois anos depois da morte de Cromwell em 1658, dura dois anos até à restauração dos Stuarts na pessoa de Carlos II que vai reinar de 1660 a 1685. Neste reinado, nova guerra com os holandeses entre 1665 e 1667, com a humilhante raid de Ruyter no Tamisa. Entretanto os ingleses pelo Tratado de Breda de 31 de Julho de 1667 aumentam os seus domínios colonais, passando a dominar a colónia holandesa de Nova Amsterdão, que passa a Nova York. Nova guerra com a Holanda em 1672-1674. O parlamento obriga Carlos II a abandonar a aliança coma França em 1674 e a abandonar a guerra com a Holanda.

A Carlos II sucede em 1685 o irmão, o duque de Iorque, católico, que se assume como Jaime II. Nesse mesmo ano Luís XIV revoga o edito de Nantes. Surge então o confronto entre os tories, que defendem a supremacia do poder real face ao parlamento, e os wighs, que defendem e votam a exclusão do rei, dominando o parlamento, mas cujas pretensões são sucessivamente adiadas pela Câmara dos Lordes até 1690.

Glorious Revolution
A segunda revolução começa em 1688, instaurando-se o regime parlamentar. Contra o católico Jaime II, surge a candidatura de uma filha deste, Mary, casada com o protestante Guilherme de Orange. Em 5 de Novembro de 1688, dá-se o desembarque de Guilherme de Orange, depressa reconhecido como regente do reino. Desembarca em nome da Liberdade, Parlamento e Protestantismo, levando ao triunfo da monarquia contratual defendida pelos wighs. Em Fevereiro de 1689, chega a rainha Mary, acompanhada por John Locke, e é emitida a Declaration of Rights. A Glorious Revolution não nasce de um banho de sangue e assume o consenso entre o rei e o parlamento.

Na Guerra da Sucessão de Espanha, os ingleses participam de 1700 a 1712. São os grandes beneficiários dos tratados de Utrecht (1713) e Rastadt (1714). Ganham Gibraltar e Minorca na Europa. Nas colónias obtêm a Nova escócia, a Terra Nova a baía de Hudson e importantes concessões comerciais na América do Sul. Asseguram a sucessão da monarquia protestante.
A união da Inglaterra com a Escócia, oficialmente constituída em 1707, com a rainha Ana (1702-1714) culmina um processo de união pessoal, conseguida a partir de 1603, quando os Stuarts assumiram o trono inglês.

Casa de Hanôver
Sobe ao poder Jorge I em 1714, inaugurando-se a casa de Hanôver, inaugurando-se um novo sistema de governo, com base num partido e chefia de um primeiro-ministro. Conflitos com a França: No período que decorre de 1689 a 1815, o principal inimigo britânico é a França. Entre as duas potências vai haver sete guerras. O jogo da balança do poder. Há intervenções militares directas dos ingleses no continente. Há apoio financeiro aos inimigos da França (entre 1756 e 1760, a Prússia vai receber subsídios britânicos). Alia-se com a Áustria na guerra da Sucessão da Áustria (1740-1748). Alia-se com a Prússia na guerra dos Sete Anos (1756-1763), utilizando Frederico II como a sua espada continental, ao mesmo tempo que se desenrola uma guerra colonial franco-inglesa entre 1755-1763. Nesta sequência a Paz de Paris de 10 de Fevereiro de 1763 entre a Inglaterra, a França e a Espanha, onde a Inglaterra obtém o Canadá e a Louisiana, a leste do Mississipi, dos franceses, e a Florida, dos espanhóis. As possessões francesas na Índia são comprimidas.. Destrói o império colonial francês no Canadá e na Índia (Tratado de Paris de 1763). A Inglaterra assume-se como primeira potência colonial, mas eleva a Prussia à categoria de grande potência continental. Começa também a Revolução Industrial. Perde com a independência norte-americana, reconhecida pela Paz de Versalhes de 1783. A França, a partir de 1778, os holandeses, a partir de 1779, e os franceses, a partir de 1780, apoiam os revoltosos. Os ingleses estavam isolados. Tinham rompido com a Prússia a partir de 1762. Estavam sem aliados na Europa. Na década de oitenta tinha aliás surgido em Portugal, na Dinamarca e na Rússia uma espécie de neutralidade armada.
O nome de Grã-Bretanha: Em 1707, quando se deu a união definitiva entre a Inglaterra e a Escócia, em regime de união pessoal desde 1603, essa entidade passa a constituir a Grã-Bretanha; o tratado refere que as duas entidades forever united into one kingdom by the name of Great-Britain.
Reino Unido:
A partir de 1808, depois de oficializada a união com a Irlanda, passa a designar-se por Reino Unido. Constituído por England, Principality of Wales (2 798 000); união desde 1536; Scotland (4 957 000); união desde 1707; Ulster (1 570 000); união oficializada em 1800.

Governo de Pitt (1783-1801 e 1804-1806)
William Pitt the Younger (1759-1806) sobe ao poder em 1783, apenas com 24 anos. Ganha as eleições de 1784. Consolida o sistema parlamentar, institui a lei da responsabilidade ministerial. Adopta os princípios de Smith e institui um sistema livre-cambista. A partir da Revolução Francesa surgem os anos reaccionários.

Os grandes proprietários levam à adopção das corn laws de 1815, instituindo-se o proteccionismo. Nos anos vinte a questão irlandesa, depois da fundação da associação católica em 182 por O’Connel. Apesar de entre 1821 e 1827 os comuns terem adoptado vários bills para a emancipação dos católicos, a Câmara dos Lordes nunca deixou passou a medidade. Só em 1829 dá-se a emancipação dos católicos que passam a cidadãos de primeira.

A era vitorina (1837-1901)
Neste período surge o rotativismo entre liberais e conservadores. Face à reforma eleitoral de 1832 desencadeia-se o movimento do chartism a favor do sufrágio universal que consegue mobilizar em 1839 uma petição subscrita por um milhão de pessoas, mas que fracassa na greve geral de 1842, organizada a partir de Manchester.
Em 1939, sob a liderança de Richard Cobden organiza-se a Anti-Corn Law League.
De 1841 a 1846 surge o governo de Robert Peel, um tory marcado pelo livre-cambismo que revoga as corn laws em 1846, provocando uma dissidência entre os conservadores entre os peelists, adeptos do livre-cambismo, entre os quais se encontra o futuro líder dos liberais Gladstone, e os proteccionistas, chefiados por Disraelli.
Retirado de Respublica, JAM

Reino, A Ideia de

Foi antes do chamado renascimento que ocorreu o verdadeiro renascimento da política quando, nos séculos XII e XIII, surgiu a realidade nova dos reinos, em dialéctica com o Imperium e o Papado, e que os teóricos fundamentais dessa novidade foram sobretudo os escolásticos, a começar por São Tomás de Aquino. A novidade era a vitória de uma realidade nova que começara a emergir no século XIII: o regnum. Nova, face ao Imperium; nova, face aos senhorios. Porque tanto no Imperium como nos senhorios não haveria politica. O teorizador desses novos tempos era São Tomás de Aquino que vai retomar Aristóteles e Cícero, reagindo contra o agostinianismo político, onde o político tinha sido absorvido pela moral religiosa. Defendendo a autonomia da política que voltará a ser esmagada com o barroco e o absolutismo, onde vai imperar o sistema de Hobbes. A essa realidade nova vai chamar indistintamente civitas, communitas civitatis, respublica e regnum. Algo que já não é uma instituição necessária, produto do pecado original, como defendia o providencialismo de Santo Agostinho... A existência dos reinos é marcada pela espiritualização de um determinado território, quando uma determinada autoridade passou a controlar um determinado espaço invocando para o efeito um fim superior, um bem comum que passou a distinguir o interior do exterior. Um espaço que permite exercer a autoridade directa do rei, tanto no recrutamento de soldados como na recolha dos impostos. Ora, na Europa da Baixa Idade Média a dimensão óptima desse território, tanto pode seguir o paradigma inglês, onde bastam uns mero 15 000 km2, dado que a forte unidade não exigia um governo forte, como o paradigma francês, com um território cerca de cinco vezes superior, onde a fraca unidade implicou a existência de um governo forte para compensar a delegação e reparticção de poderes entre o centro e as periferias. No caso peninsular, se Castela se aproxima do modelo francês, até pelo recurso ao Imperium, já o modelo português, que tem como núcleo duro o Condado Portucalense, tem mais o estilo do modelo inglês, dado que o governo central utiliza mais a adesão do que a coerção, mais o compromisso do que a força, em virtude de existir uma unidade forte que dispensa os sinais autoritaristas de um governo forte. Além disso, o mesmo governo central porque não precisava de delegar e repartir poderes, não tinha de assumir atitude predadora para garantir a unidade. É a partir dessa nova realidade que floresce o laicismo de uma ideia racional do político. É a partir de então que se procura uma explicação pelo consentimento para essa organização dos homens. É a partir de então que se redescobre, na senda de Aristóteles e Cícero, que é só a partir do particularismo, da diversidade e da diferença que pode atingir-se o universal. Ou, como dizia J. Hirschberger, que pode dar-se a descoberta do infinito pela atenção ao finito. Assim se passa da transcendência à imanência, isto é, dum pensamento teocêntrico a um pensamento antropocêntrico que, contudo, não comete a ruptura cartesiana do deicídio nem a dissolução comunitária do individualismo. O político deixa, pois, de pertencer ao transcendente, passando a estar situado no seio da própria comunidade, laicizando-se ou secularizando-se, porque a graça não destrói a natureza, antes a perfeiçoa, como virá a sintetizar Francisco Suarez (gratia naturam non destruit sed perficiat). Trata-se, como observava Luís Cabral de Moncada, de uma forma existencialista, mas não anti-essencialista, dado que se admite a essência, mas através da existência, isto é, das coisas singulares e individuais. Como reconhece Gierke, surgiu, então, uma construção puramente secular do Estado, porque se passa a considerar o corpo político como o puro resultado de uma congregação de homens. Assim, retira-se ao político, como dirá Wilhelm Windelband, o poder mais elevado e, em certo sentido, a sua raiz metafísica. O homem continua enraizado e quando quer renascer pretende nascer de novo, pretende um regresso às fontes primitivas para se regenerar da degenerescência, pelo que a leitura dos antigos não significa um regresso nem entra em contradição com a descoberta de novos mundos. O humanismo renascentista ainda assenta no homem de sempre, consciente do seu enraizamento na terra e na comunidade. Não tem a ilusão de construir aquele homem novo que o cientismo posterior vai declarar, sucessivamente, dono e senhor da natureza e dono e senhor da sociedade.
Retirado de Respublica, JAM

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Direitos do Homem

As expressões direitos do homem ou direitos humanos são referidas pela Carta das Nações Unidas de 28 de Junho de 1945 e constam da Declaração Universal dos Direitos do Homem, assinada em Paris em 1948, bem como na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ou Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, no âmbito do Conselho da Europa. Outras convenções de nível regional são a Convenção Americana dos Direitos do Homem, assinada em S.José da Costa Rica em 1969, e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, assinada em Nairobi em 1981.
Filosofia
Os direitos do homem têm uma origem bíblico-cristã. Com efeito, contrariamente ao paganismo, as concepções judaico-cristãs proclamam a igualdade do homem, como imagem de Deus, e na unidade da humanidade
Origem
Estes direitos tiveram como antecedente a Déclaration des Droits de l'Homme et le Citoyen de 26 de Agosto de 1789, onde se proclamava no artigo 1º que os homens nascem e permanecem livres e iguais perante o direito e que as distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum, enquanto no artigo 2º se reconhece que o fim de toda a associação política é manter os direitos naturais e invioláveis do homem.estes direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.
Comité dos Direitos do Homem da ONU.
Em Março de 1977, no âmbito da O.N.U. entrou em funcionamento um Comité dos Direitos do Homem. O art.16, nº2 da CRP recebeu como fonte subsidiária a Declaração Universal dos Direitos do Homem. A Convenção Europeia transformou os dezoito princípios da Declaração Universal em obrigações jurídicas, criando uma Comissão e um Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Esta Convenção foi assinada pelo Governo português em Setembro de 1976 e ratificada em Novembro de 1978, depois da publicação da Lei nº 65/78, de 13 de Outubro. A Lei nº 29/78 aprovou para ratificação o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e PolíticosDe facto, como observa Jorge Miranda, os direitos , liberdades e garantias são, antes de mais, direitos do homem e de todos os homens.
As principais convenções internacionais sobre os direitos do homem são as constantes do seguinte quadro:
- Carta Internacional dos Direitos do Homem, constante dos seguintes textos:
1. Declaração Universal dos Direitos do Homem
2. Pacto Internacional relativo aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais
3. Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos (de 16 de Dezembro de 1966), onde se prescreve no artigo primeiro que todos os povos têm o direito de dispor de si próprios. Em virtude deste direito, determinam livremente o seu estatuto político e asseguram livremente o seu estatuto político e asseguram livremente o seu desenvolvimento económico social e cultural.
4. Protocolo facultativo referente ao Pacto Internacional relativo aos direitos civis e políticos (16 de Dezembro de 1966), onde se estabelece que os Estados partes no pacto reconhecem que o comité dos Direitos do Homem tem competência para receber e examinar comunicações provenientes de particulares sujeitos à sua jurisdição que aleguem ser vítimas de uma violação, por esses Estados partes, de qualquer dos direitos enunciados no Pacto.
5. Proclamação de Teerão (emitida pela Conferência Internacional dos Direitos do Homem de 13 de Maio de 1968), onde se recorda que uma vez que os direitos do Homem e as liberdades fundamentais são indivisíveis, é impossível gozar completamente de direitos civis e políticos sem gozar de direitos económicos, sociais e culturais.
- Documentos sobre o direito à auto-determinação:
1. Declaração sobre a concessão da independência aos países e aos povos coloniais constante da Resolução nº 1514 (XV), da Assembleia Geral de 14 de Dezembro de 1960, onde se declara que a sujeição dos povos à subjugação, ao domínio e à exploração estrangeiras, constitui uma negação dos direitos fundamentais do Homem, é contrária à carta das Nações Unidas e compromete a causa da paz e cooperação mundiais (I) e que a falta de preparação nos campos político, económico ou social ou no do ensino, não deve nunca ser tomada como pretexto para retardar a independência (3).
2. Resolução 1803 (XVII) da Assembleia Geral de 14 de Dezembro de 1962 relativa à soberania permanente sobre os recursos naturais.

- Documentos sobre a luta contra a discriminação:
1. Declaração das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial(20 de Novembro de 1963).
2. Convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial (21 de Dezembro de 1965).
3. Convenção respeitante à discriminação (emprego e profissão), adoptada pela O.I.T. em 25 de Junho de 1958.
4. Convenção respeitante à luta contra a discriminação no domínio do ensino, adoptada pela UNESCO em 14 de Dezembro de 1960.
5. Protocolo instituindo uma comissão de conciliação e de bons ofícios encarregada de procurar a solução dos litígios que nasçam entre os Estados partes na Convenção relativa à luta contra a discriminação no domínio do ensino(adoptada pela UNESCO em 10 de Dezembro de 1962).
6. Convenção sobre a igualdade de remuneração (adoptada pela OIT em 29 de Junho de 1951).
7. Declaração sobre a eliminação da discriminação contra as mulheres (proclamada pela Assembleia Geral da ONU em 7 de Novembro de 1967).

- Crimes de guerra e crimes contra a humanidade, incluindo o genocídio:
1.Convenção sobre a prevenção e repressão do crime de genocídio (aprovada pela assembleia Geral da ONU em 9 de Dezembro de 1948).
2.Convenção sobre a imprescritibilidade dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade (adoptada pela Assembleia Geral da ONU em 26 de Novembro de 1968).

- Escravatura, servidão , trabalho forçado e instituições e práticas análogas:
1. Convenção relativa à escravatura, assinada em Genebra em 25 de Setembro de 1926.
2. Protocolo que emenda a Convenção relativa à escravatura assinada em Genebra em 25 de Setembro de 1926.
3. Convenção suplementar relativa à abolição da escravatura, do tráfico de escravos e das instituições e práticas análogas à escravatura (adoptada em 30 de Abril de 1956).
4. Convenção sobre a abolição do trabalho forçado (adoptada pela OIT em 25 de Junho de 1957).
5. Convenção para a repressão do tráfico de seres humanos e da exploração da prostituição de outrem (adoptada pela Assembleia Geral da ONU em 2 de Dezembro de 1949).
- Nacionalidade, apatridia , asilo e refugiados
1. Convenção sobre a nacionalidade da mulher casada (adoptada pela Assembleia Geral da ONU em 29 de Janeiro de 1957).
2. Convenção sobre a redução dos casos de apatridia (1959).
3. Convenção relativa ao estatuto dos apátridas ( adoptada em 28 de Setembro de 1954).
4. Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados (adoptada em 28 de Julho de 1951).
5. Protocolo relativo ao estatuto dos refugiados.
6. Estatuto do Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (14 de Dezembro de 1950).
7. Declaração sobre o asilo territorial (adoptada pela Assembleia Geral da ONU em 14 de Dezembro de 1957).
- Liberdade de informação:
Convenção relativa ao direito internacional de rectificação (Assembleia Geral de 16 de Dezembro de 1952).
- Liberdade de associação:
1. Convenção sobre a liberdade sindical e a protecção do direito sindical (OIT, 9 de Julho de 1948).
2. Convenção sobre o direito de organização e de negociação colectiva (OIT, 1 de Julho de 1949).
3. Convenção relativa aos representantes dos trabalhadores (OIT, 23 de Junho de 1971).
- Política de emprego:
Convenção sobre a política de emprego (OIT, 9 de Julho de 1964).
- Direitos políticos da mulher:
Convenção sobre os direitos políticos da mulher (Assembleia Geral, 20 de Dezembro de 1952).
- Casamento, família,infância e adolescência:
1. Convenção sobre o consentimento para o casamento, a idade mínima do casamento e o registo dos casamentos (Assembleia Geral da ONU, 7 de novembro de 1962).
2. Recomendação sobre o consentimento para o casamento, a idade mínima para o casamento e o registo dos casamentos(AG, 1 de Novembro de 1965).
3. Declaração dos direitos da criança (AG,20 de Novembro de 1959).
4. Declaração sobre a propagação entre os jovens dos ideais de paz, de respeito mútuo e de compreensão entre os povos (AG, 7 de Dezembro de 1965).

- Bem-estar, progresso e desenvolvimento no domínio social:
1. Declaração sobre o progresso e o desenvolvimento no domínio social (AG, 11 de Dezembro de 1969).
2. Declaração dos direitos do deficiente mental (AG, 20 de Dezembro de 1971).
- Direito à cultura, cooperação e desenvolvimento culturais no plano internacional:
Declaração dos princípios da cooperação cultural internacional ( proclamada a 4 de Novembro de 1966, onde se considera que toda a cultura tem uma dignidade e um valor que devem ser respeitados e salvaguardados, que todos os povos têm o direito e o dever de desenvolver as respectivas culturas dado que todas as culturas fazem parte do património comum da humanidade, na sua variedade fecunda, diversidade e influência recíproca -I- devendo as nações esforçar-se por atingir o desenvolvimento paralelo... a fim de estabelecer um equilíbrio harmonioso entre o progresso técnico e a elevação intelectual e moral da humanidade
–II Carta dos direitos e deveres económicos dos Estados adoptada na 29ª Sessão da Assembleia Geral (12 de Dezembro de 1974). Todos estes textos foram publicados no Boletim do Ministério da Justiça, nº 245, de Abril de 1975.
Retirado de Respublica, JAM

Direitos Fundamentais

De fundamento, o que dá origem a uma coisa ou aquilo em que uma coisa assenta (as fundações). Os que constituem a base jurídica da vida humana, a inviolabilidade da pessoa humana, que podem ou não estar incluídos no catálogo das constituições, dado que não há tipicidade dos direitos fundamentais, podendo a enumeração ser reforçada por acto da lei ordinária ou pelo próprio direito internacional.
Retirado de Respublica, JAM

Direita

O galicismo pós-revolucionário que deu oriegm à distinção entre a direita, que queria manter o que estava, e a esquerda, que queria avançar no sentido da Revolução. Só uma visão linear-progressista da história, que também dizia que as direitas eram sempre antigas esquerdas, que levou à mentalidade de fim da história. Como recentemente confessava René Rémond (entrevista a François Ewald, ML, Dez 92) “cada vez que procurava uma definição de direita, verificava que a mesma não funcionava senão parcialmente e que, deste modo, o mesmo tema podia alguma vez servir para qualificar a esquerda” (p.25). Para ele a divisão apenas pode servir para qualificar um nível da realidade, o das escolhas políticas que “pela força das coisas é dualista, binário. Ou se é contra, ou se está a favor”, mas quanto à distribuição das opiniões entre os cidadãos “o número da realidade não é o dual, mas o plural”. Cabe à França ter caracterizado as opiniões políticas a partir da topografia da Assembleia Constituinte. De um lado a direita, dita dos aristocratas ou dos noirs; do outro, a esquerda dita dos patriotes; não tarda que se distingam os reacteurs ou reactionnaires dos progressistes; e depois virá o termo conservateur para qualificar todo e qualquer adversário do changement. Era a consagração da visão geométrica da política, onde todas as opiniões têm de caber num semi-círculo, com largo espaço para outro semi-círculo oculto. Em 1797, a obra de Benjamin Constant, Des Reactions Politiques, onde considera a vida política como um jogo de revoluções e de reacção, básculas que permitiriam adaptar as instituições às realidades dinâmicas da sociedade. Os que estavam contra a Revolução tinham que ser a favor do Ancien Régime, tinham de ser absolutistas. Não se admitia, por exemplo, uma posição conservadorta como a de Burke, onde as críticas à revolução Francesa eram uma defesa de outra Revolução, a Revolução Inglesa. As duas Revoluções Francesas. A da reunião da Assembleia Constituinte. A da Tomada da Bastilha de 14 de Julho. Invenção da direita e da esquerda Jacobinos/ Moderados Revolucionários/ Contra-revolucionários Reaccionários/progressistas René Rémond, La Droite en France, Paris, Aubier, 1969 fal de trÊs direitas em frança : a legitimista, a orleanista e a nacionalista..Jean Christian Petitfils, La Droite en France de 1789 à nos jours, Paris, 1976 divide a direita entre a extrema-direita (tradicionalismo, nacionalismo e fascismo) e a direita clássica (liberal e autoritária)Orleanismo Gaullismo Para Badie a direita é “menos universal nos seus ideais, mas mais universal na sua atitude”, considerando a defesa da liberdade como superior à igualdade. Para este autor “a identidade da direita é cultural e não política”, havendo também um “reflexo plebiscitário da direita”. A questão da Guerra e os affaires Vichy/ Pétain. O drama dos colaboracionistas. O assassinato de Brasillach. A necessidade de assumirem o “romantisme fasciste” (Drieu la Rochelle). Contra o sinistrismo intelectual reagiram os Hussardos. Sinistrismo intelectual. A geração do Maio de 68 Patrice Bollon, em Idéologies: le Retour de la Droite?, Dossier La Droite, Idéologie et Litterature, Magazine Littéraire, Dezembro de 1992 considera que a direita pode ser definida como “a recusa, pela impotência ou pela vontade, de enfrentar um futuro que seja diferente do passado” (p.25) Nouvelle Droite em torno de Alain Bénoist e no GRECE (Groupement de Recherches et d’Études de la Civilization Européenne) Bénoist define a direita como: -defesa da diferença ou da desigualdade natural –a vida como luta, individual ou colectiva indeterminismo histórico, rejeição de um sentido da história Integrismo católico de Monsenhor Lefèbvre e “Le Combat pour les Valeurs” de Philippe Villiers, aparecido no recente referendo sobre Maastricht. Veio de Bonald e Maistre; passou por Charles Maurras; apoiou Vichy ( a revolução nacional como o nome francês da contra-revolução). A direita bonapartista veio da esquerda. Mais à esquerda do que os liberais quando defende o sufrágio universal. Plebiscitária com Luís Bonaparte. Continua no gaullismo: democracia directa, referendo, eleição do Chefe de Estado por sufrágio universal, não parlamentarista. Defendida pela ala do RPR representada por Charles Pasqua e Philippe Séguin. A direita liberal também veio da esquerda. Os liberais que em 1830 se opõem aos democrtistas. È a direiat orleanista. Funda a Terceira República. Vai de Thiers a Jules Ferry, de Poincaré a Giscard d’Estaing. Defesa da democracia parlamentar pluralista; anti-bonapartista não desejam um governo forte; adversários do plebiscito, recusa da democracia directa. UDF Como diz Giscard “nous sommes le juste milieu”. Fora do contexto o MRP, de 1945; os radicais; o CDS de Lecanuet. Jaime Nogueira Pinto ndica na Polis as seguintes características da direita: -pessimismo antropológico (recusa da ideia rouseauniana da bondade natural do homem, admitindo como primordial a ideia da “luta de todos contra todos”); -anti-utopismo e rejeição do linearismo evolutivo; -direito à diferença contra o igualitarismo; -defesa da propriedade e rejeição do economicismo; -nacionalismo; -organicismo; -elitismo; Assim, considera a existÊncia de três tipos de direita -direita revolucionária; -direita conservadora; -nova direita que “busca reconciliar uma divisão orgânica e comunitária do homem e da sociedade com as concepções do mundo baseadas nos conhecimentos actuais das ciências humanas e da natureza, ao mersmo tempo que chama a atenção para o papel da revolução cultural e das mentalidades na transformação do mundo, numa réplica de sinal oposto ao percurso iluminista clássico”).
Retirado de Respublica, JAM

Directa, Democracia

O contrário de democracia representativa. Actualmente, os institutos do referendo e do plebiscito ainda são resquícios da democracia directa. Ambos os institutos tem estado ligados a processos cesaristas. Contudo, face à crise das instituições parlamentares, algumas vozes têm proposto métodos de democracia directa. O candidado presidencial norte-americano Ross Perot, em 1992, chegou a propor que algumas decisões a nível nacional pudessen ser tomadas pelo uso de town meetings electrónicos. Outros vêm propondo a substituição de algumas decisões das assembleias municipais pelo recurso a modelos electrónicos de consulta popular, o camado minipopulus.
Retirado de Respublica, JAM

Diplomacia

A arte de conduzir negociações entre Estados, organizações internacionais e entidades equiparadas que sejam sujeitos de direito internacional. Normalmente, a execução da política externa de um Estado. A condução das relações internacionais pela via negocial, pelo usos de pessoal especializado, o corpo diplomático, principalmente através de embaixadores. Segundo Adriano Moreira, uma arte da negociação ou o conjunto das técnicas e processo de conduzir as relações entre os Estados. Expressão usada pela primeira vez em 1796 por Edmundo Burke. As representações diplomáticas permanentes surgem a partir do século XV, elemento revelador do facto do Estado começar a ser pensado como unidade permanente, como assinala Max Belof. Veneza e Génova, já no século XVI, têm relações diplomáticas normais com o Império Otomano. Recebem, sobretudo, a tradição do Império Bizantino, destacando-se Veneza que é talvez o primeiro Estado a organizar os seus arquivos de política externa de forma sistemática, como assinala Adriano Moreira. Em França, Richelieu, em 1626, organiza um ministério dos negócios estrangeiros e com Luís XIV já a França tem embaixadas permanentes e em Roma, Veneza, Constantinopla, Viena, Haia, Londres, Madrid, Lisboa, Munique, Copenhaga e Berna.
Retirado de Respublica, JAM

Diocleciano

Nasce em 245. Imperador romano de 284 a 305. General romano de origem dálmata. Considerado mau militar, mas excelente administrador. Conduz o Império de 284 a 305. Com ele, o principado cede o lugar ao dominado, dado que o imperator passa a intitular-se dominus e deus, exigindo adoratio e considerando que o seu poder já não deriva da velha lex curiata de imperio, mas antes de uma investidura divina.
Tetraquia
Em 286 devide o império em duas partes, cabendo cada uma a um Augusto. Fica com o Oriente e entrega o Ocidente a Maximiniano. Surge depois a tetrarquia de quatro imperador: Constâncio com a Gália e a Britânia e Galério com os Balcãs.
Perseguições religiosas
Tenta retomar religião tradicional dos romanos, atacando o maniqueísmo e o cristianismo, começando depurações, princialmente no Exército, a partir de 302, a chamada Grande Perseguição. Abdica em Maio de 305.
Centralização
Estabelece-se uma monarquia de direito divino, centralizada pelo conselho imperial para os quatro, com actos legislativos comuns, ao mesmo tempo que, na base, se multiplicam as províncias, cerca de uma centena. Mas estas são coordenadas apenas por doze dioceses, à frente das quais está um vigário. A estrutura administrativa quase ad absurdum estabelecida por Diocleciano e pelos respectivos sucessores através de um uniformismo integracionista feito de abstracções na linha da concessão da cidadania a todas as populações livres do vasto império mediterrânico, ocorrida em 212, conduziu necessariamente à desintegração e à ruptura numa fragmentação real do poder unitário.
Imposto
Quando, por exemplo, o Baixo Império Romano exacerbou o carácter centralista do imposto fixando‑lhe um regime uniformista produziu, paradoxalmente, a própria despublicização do mesmo, principalmente no caso do imposto fundiário. Com efeito, quanto maior é o uniformismo integracionista menor é a unidade real da entidade política que o estabelece; do mesmo modo, quanto maior é a carga tributária menores tendem a ser os proventos efectivamente recebidos nos cofres centrais, pelas inevitáveis evasões fiscais que suscita o processo. Quando, por exemplo, se estabeleceu o recenseamento geral das pessoas e bens do Império ‑ o census ‑, numa primeira fase, em cada cinco anos , e, posteriormente, de quinze em quinze anos ‑ os quantitativos das prestações coactivas tenderam para se imobilizar numa quantia fixa, o canon. Ora, isto teve como consequëncia que ao grande proprietário passou a competir a descrição exaustiva dos respectivos prédios e das pessoas que os cultivavam ‑ caso dos escravos e dos colonos ‑ , cabendo‑lhe , também, por exemplo, pagar, ao poder central, a capitatio plebeia devida pelos respectivos colonos, embora, mais tarde, tenha sido autorizado a reembolsar‑se directamente junto dos mesmos. A prestação paga pelo colono a este intermediário dos poderes públicos vai perdendo,assim,o carácter tributário, passando a assumir clara natureza de renda privada, onde até nem faltam os requisitos da fixidez e da imutabilidade. Também o facto de substituir‑se progressivamente o sistema de arrendamento dos impostos ‑ principalmente a sociedades de publicanos ‑ leva à criação de uma desmesurada e ineficaz máquina burocrática exactora,onde, como dizia Lactâncio, o cristão detractor de Diocleciano, "aqueles que vivem do imposto são mais numerosos do que aqueles que o pagam". Mas o facto é que a maior parte dos impostos se diluíam nos meandros da burocracite exactora, que se pagava directamente do próprio imposto cobrado. Daí que também não fosse de surpreender o sistema da aderatio.

Dionísio, Sant’Anna, Tangentes. Reflexões de ocasião com algum sentido intemporal, Lisboa, Edições Seara Nova, 1938.
Retirado de Respublica, JAM

Dinâmica do Ocidente, 1939

Obra de Norbert Elias onde se considera a racionalização e a psicologicização como duas tendências de longo prazo da civilização ocidental. A sociedade do monopólio da violência, incarnadas especialmente nas gandes cortes dos príncipes e dos reis, são sociedades onde há uma grande divisão de funções, onde as cadeias de acção são longas e onde são marcantes as interdependências funcionais dos diversos indivíduos. Nestas sociedades, as formas de violência física foram abolidas, substituindo-se as mesmas pelos jogos da Corte, formas subtis de rivalidade e de competição visando a obtenção do favor do Príncipe. Estas formas marcaram os actuais ritmos de competição política, mesmo depois da abolição do ancien régime, dada a circulação de modelos, com a cópia de atitudes e comportamentos dos cortesãos por novos grupos sociais. Eufemizou-se ao máximo a violência física, substituindo-se esta pelo espectáculo das rivalidades de partidos e de pessoas, com o afrontamento de ideias e o antagonismo de projectos. A emergência das sociedades contemporâneas tem como pilar esta substituição da violência física exterior por um auto-constrangimento, largamente aceite, pelo que se torna possível o controlo de pessoas e de povos sem o recurso à violência física, levando, por exemplo, à aceitação como normal do acto de obediência às leis editadas. As infracções individuais a essas leis são, aliás, consideradas como ilegítimas pela maioria das pessoas. Gera-se assim uma espécie de automatismo dos auto-constrangimentos.
Retirado de Respublica, JAM

La Dignité Humaine, 1944

Lecomte Du Nouy fala na "lei do aumento do tamanho que prevalece em Paleontologia",aproveitando para referir o possível desaparecimento do Estado num futuro longínquo.Para ele "da família isolada,exposta a todos os perigos,ao clã,depois à aldeia;da aldeia à província,depois ao país e dum país aos Estados que entre si se confinam, a progressão é inelutável.E a protecção que a familia derivava da associação ao clã,à aldeia modificou‑se quando,nos Estados totalitários,nos Estados polvos,a personalidade do indivíduo é inteiramente sacrificada à Pessoa política e económica que não é senão uma célula anónima". Para o mesmo autor,vai por esse facto assistir‑se ao "crepúsculo das nações ,à morte das entidades impessoais, das colmeias governadas por leis desumanas.O esforço da civilização concentrar‑se‑á sobre o aperfeiçoamento da personalidade e da dignidade individual e a Evolução poderá,não é proibido pelo menos esperá‑lo,continuar a sua marcha no sentido do Espírito".
Retirado de Respublica, JAM

sábado, 17 de fevereiro de 2007

Regionalismo

Perante a complexa filigrana dos Estados e das nações da Europa, onde os "povos sem pátria" e as "minorias nacionais" predominam, surgiu nos anos sessente a chamada "revolução regionalista", segundo a expressão já clássica de Robert Lafont, não faltando sequer, mais recentemente, os que, como Alain Benoist, defendem a "descolonização da Europa", utilizando o conceito de autodeterminação dos povos nacionais, à semelhança do que aconteceu com o chamado Terceiro Mundo. Trata‑se, como refere Pierre Bourdieu de "uma revolução simbólica contra uma dominação simbólica" porque "qualquer unificação que assimile aquilo que é diferente, encerra o princípio da dominação de uma identidade sobre outra, da negação de uma identidade por outra". Neste sentido, o bretão Jean‑Edern Hallier considera que "o romantismo hoje é também um combate pelo regionalismo europeu. As regiões tornaram‑se naquilo que eram as nações no século XIX: os cadinhos privilegiados duma cultura popular que permanece fiel a si mesma. A Europa é um arquipélago submerso. Um oceano de culturas apagadas. A região permite ressuscitá‑las". Também para Eric Le Naour "o nome região coloca‑se hoje na vanguarda das ideias renovadoras da Europa". Como salienta Alain Benoist, "a riqueza da humanidade é a personalização dos indivíduos no interior da sua comunidade. A riqueza da Europa é a personalização das regiões no interior da cultura e da civilização donde aqueles emanaram". Voltando a Pierre Bourdieu, podemos dizer que "o discurso regionalista é um discurso pre‑formativo, que tem em vista impor como legítima uma nova definição das fronteiras e dar a conhecer e fazer conhecer a região assim delimitada ‑ e, como tal, desconhecida ‑ contra a definição dominante, portanto, reconhecida e legítima que a ignora". Com efeito, este regionalismo europeu não passa de uma espécie de "nacionalismo sem território", como refere o mesmo autor. Um pouco ao inverso do próprio nacionalismo que na sua essência mais não é do que um regionalismo triunfante, diremos. De uma região que se autodeterminou, que deixou de ser província dependente de um centro. Estamos evidentemente a referirmo‑nos ao regionalismo político e não à regional science dos geógrafos, economistas e especialistas em ordenamento do território. Vive‑se também um movimento diferente das meras reivindicações de igualdade de oportunidades levadas a cabo pelas insularidades, pelas interioridades e pelas periferias que, muitas vezes, se assumem como grupo de pressão perante os centros onde macrocefalamente se situam os desenvolvimentos económicos e sociais. Neste domínio "dividir para unificar", dividir para reinar, torna‑se bem diferente do integrador "distinguir para unir". Quase todos estes autores falam numa "revolução anti‑colonialista do interior" e alguns salientam mesmo que "a revolução será multinacional ou não o será"

ROBERT LAFFONT, Renaissance du Sud, 1960; La Révolution Regionaliste, 1961, onde considera a região como a "nação primária"; Sur la France, 1968; Décolonizer en France, 1971; Clefs pour l'Occitanie, 1971; PIERRE FOUGEYROLLAS, Pour une France fédérale, Paris, Denoõel, 1968; PAUL SERANT, La France des Minorités, 1965; MICHEL LE BRIS, Occitanie:volem viure!, 1974; JEAN‑PIERRE LE DANTEC, Bretagne: re‑naissance d'un peuple, 1974; R. DULONG, La question bretonne, 1975. P. LAGARDE, La Régionalisation, Paris, Seghers, 1977.
Regionalismo em Espanha, 66, 432
regionalizaçãoRegionalização concentracionária, 93, 628.
Retirado de Respublica, JAM

Regeneradores-liberais

Nome assumido pelos adeptos de João Franco, dissidentes do partido regenerador em 1901, quando este era liderado por Hintze Ribeiro. A ruptura formal entre as duas personalidades deu-se em 12 de Fevereiro e em Maio já 25 deputados abandonavam o partido, seguindo-se, logo em 16 de Maio a constituição do primeiro centro regenerador-liberal em Lisboa. Em 4 de Abril de 1906, os regeneradores-liberais fazem um acordo com os progressistas, base do governo de João Franco, a partir de 19 de Maio desse mesmo ano. Numa primeira fase, Franco ainda quer governar à inglesa e trata de caçar apoios no campo dos republicanos. Chega a abrir em 2 de Agosto um centro em Alcântara, mas é recebido com apupos e começa a endurecer. Tem então o apoio do industrial Alfredo da Silva.
Retirado de Respublica, JAM

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Diferenciação

Diferenciação estrutural
Segundo as teorias funcionalistas, diz-se do processo segundo o qual uma determinada estrutura social, seja um papel ou uma organização, dá origem a duas ou mais estruturas, cada uma delas capaz de funcionar de maneira mais especializada e de modo mais eficaz.
Diferenciação política (Duguit)
Considera que a palavra Estado designa toda a sociedade humana em que existe diferenciação política, diferenciação entre governantes e governados, segundo a expressão consagrada - uma autoridade política.
Diferenciação entre governantes e governados
Para Duguit, a palavra Estado designa toda a sociedade humana em que existe diferenciação política, diferenciação entre governantes e governados, segundo a expressão consagrada ‑ uma autoridade política. Se aceita a teoria do Estado‑Força, quando reconhece que o que aparece em primeiro plano no Estado é o seu poderio material, a sua força irresistível de constrangimento, e que o Estado é força, não há Estado senão quando num país há uma força material irresistível, logo assinala que, ao contrário dos autores alemães do Macht‑Staat, que esta força irresistível do Estado é regulada e limitada pelo Direito. É que uma construção jurídica não tem valor senão quando exprime, em linguagem abstracta, uma realidade social, fundamento de uma regra de conduta ou de uma instituição política. A construção jurídica do Estado só terá, pois, valor se for a expressão, em fórmulas abstractas, de realidades concretas. A teoria do Estado‑ Pessoa e da Soberania‑Direito não satisfaz, de modo nenhum, estas condições , pois implica a ideia de que o Estado é uma personalidade distinta dos individuos que o constituem e que essa personalidade é dotada de uma vontade superior, pela sua essência , a todas as vontades individuais e colectivas que se manifestam num determinado território, constituindo essa superioridade de vontade a Soberania‑Direito. Ora tudo isto são puras concepções do espírito sem nenhuma espécie de realidade positiva. Reconhecer o Estado como Força é, para o autor em análise, uma atitude realista, que o afasta do idealismo, mas salientar o facto do Estado se subordinar ao Direito significa que a força, porque é força, não pode fundar o direito, mas apenas submeter‑se‑lhe. Esta concepção realista não aceita, pois, a visão do Estado como pessoa colectiva, o dogma da soberania alienável e divisível, bem como a chamada auto‑limitação do Estado.
Diferenciação. O político como processo de diferenciação
No tocante ao clássico terceiro elemento do Estado, o chamado poder político, importa referir que a sociologia funcionalista considera que o Estado tem a ver com um processo de diferenciação social, isto é, com a especialização e a dissociação de particulares estruturas de autoridade, relativamente às restantes estruturas sociais. Diferenciação que se insere na transformação social resultante da lógica do princípio da divisão do trabalho, reflectindo um processo de racionalização que afecta todas as sociedades que se modernizam e que é fundamentalmente marcado por quatro processos: a diferenciação progressiva das estruturas sociais; a autonomização; a universalização e a institucionalização. Esta posição é qualitativamente diversa da assumida pelo evolucionismo clássico, positivista e darwinista, em sentido estrito, que acentua os mecanismos endógenos das mudanças sócio‑políticas, dando relevo aos factores intelectuais que acentuam a construção política das estruturas estaduais. O político como o equilíbrio global O antropólogo Radcliffe‑Brown, por exemplo, considera que a estrutura política corresponde a uma função de regulação do todo social e intervem no ponto de fractura do edificio para instaurar ou reinstalar o equilibrio. O político não teria, assim, que se identificar com o Estado, sendo sinónimo de conservação ou estabelecimento da ordem social, podendo haver político nos mais pequenos grupos. Embora considere que o Estado é sempre organização política, refere que ele é o aspecto da organização total que garante o estabelecimento e a manutenção da cooperação interna e da independência externa.
O Estado como articulação de factores internos e externos
Robert Lowie, por seu lado, salienta que o Estado, entendido como a articulação de factores internos ( como a diferenciação social ) e factores externos (como, por exemplo, a conquista) é algo que existe em germe em todas as sociedades, mesmo nas mais primitivas. O Estado teria a ver com a generalização do facto associativo e com a regressão das solidariedades comunitárias. Considera, neste desenvolvimento, que o Estado compreende os habitantes de uma determinada área que reconhecem a legitimidade da força quando ela é utilizada por individuos que eles aceitam como chefes ou governantes (Social organization, 1948).

Diferença entre sistemas sociais e sistemas políticos
Talcott Parsons, por exemplo, distingue entre os simples sistemas sociais e o sistema político, entre a sociedade e o Estado. Se a primeira é constituída por indivíduos, já o sistema político impõe a existência de cidadãos, de um direito público e de uma acção governativa, que levariam o Estado a destacar‑se da restante comunidade social. E teria sido o código cultural do cristianismo, afinado pela Reforma protestante que gerou o chamado Estado Moderno, entendido, simultaneamente, como um Estado Funcional, um Estado de Direito e um Estado Democrático. Um Estado Funcional porque visa a integração da sociedade no seu conjunto, não podendo ser agente de conflitos ou simples instrumento de grupos particulares. Em segundo lugar, um Estado de Direito porque o respectivo sistema de legitimidade assenta no princípio da legalidade. Em terceiro lugar um Estado Democrático, dado basear‑se na instituição parlamentar e na diferenciação entre o sistema político e os restantes sistemas sociais (Le Système des Societés Modernes, trad. fr., Paris, Dunod, 1973).
O Estado como comunidade universalista
Segundo idêntica perspectiva funcionalista já Robert Nisbet dá ao Estado origens mais remotas. Teria surgido com o aparecimento do imperium de César Augusto, face à dissolução da família romana, quando aparece, então, como uma comunidade nova marcada pela pretensão universalista e estabelecendo uma relação directa entre o centro imperial o o individuo ( State and Family, 1973).

A politização de conflitos de interesses
Por seu lado Samuel Eisenstadt acentua o facto do Estado ter a ver com o político. O Estado resulta da politização dos conflitos de interesses, consolida‑se com a universalização do político e é tanto mais forte quanto mais o político se diferencia do simples social. Neste sentido, considera como factor genético do Estado Moderno o momento da superação do corporativismo medieval, quando se deu a dissolução das sociedades tradicionais e a especialização dos papéis sociais. O Estado teria surgido quando o individuo se libertou do círculo dos grupos estamentais, em luta contra a aristocracia, as comunas e as corporações, e passou a ficar isolado perante uma nova realidade de poder.
O Estado como efeito da centralização
O Estado Moderno é, assim, visto como o ponto de chegada de um processo de centralização das estruturas políticas. Como uma centralização que teria libertado os recursos de poder aprisionados pelas antigas hierarquias sociais, levando ao surgimento de um novo mercado dos recursos políticos, onde o poder está disperso. Surge então o Estado Moderno, entendido como um mecanismo auto‑regulador dos recursos políticos que obedeceria, nestes termos, a três princípios: o da despersonalização, o da permanência e o da democraticidade.
- despersonalização, porque as instituições estaduais são independentes do Príncipe;
- permanência, porque estão ao abrigo da competição política que propiciam;
-democraticidade, sem as quais o Estado deixa de ser uma instituição.
O Estado como integrador do social
Neil Smelser, nesta linha, atribui ao Estado o papel de elemento integrador do social, considerando‑o como a entidade capaz de harmonizar o processo de diferenciação, como o instrumento funcional de mobilização política, capaz de diminuir a acuidade dos conflitos sociais, especialmente os protagonizados pelos elementos periféricos. A antropologia funcionalistaA antropologia evolucionista, próxima do funcionalismo, considera também que o Estado é uma simples estrutura social total, resultante do crescente domínio do político sobre o parentesco. Para Edward Evans‑Pritchard e Mayer Fortes, a origem do Estado constituiria mera questão filosófica e ficticia, já que a evolução social é caracterizada pela unidade e pela continuidade.
Sociedades dominadas pelo parentesco
Primeiro, detecta‑se a existência de sociedades dominadas pelo parentesco, onde a ausência do Estado, no entanto, não significaria a ausência de distinção. Trata‑se de sociedades muito pequenas onde a estrutura política se confunde com a estrutura do parentesco.
Sociedades onde o político vai dominando o parentesco
Surgem, em segundo lugar, sociedades onde o político vai dominando o parentesco, detectando‑se a existência de grupos políticos, de grupos que se definem pela base territorial. Contudo, nesta segunda fase da evolução, se o político vai sobrepondo‑se ao parentesco, estes laços ainda vão sendo os dominantes. E isto porque faltam instituições especializadas, com autoridade permanente, tendo como função a manutenção da ordem social. Nestas formações sociais, ainda sem hierarquia ou autoridade, o mecanismo de equilibrio social pode surgir de uma liderança, ou leadership.
Sociedades com domínio do político sobre o parentesco
Em terceiro lugar, refere o aparecimento de sociedades com uma autoridade centralizada, um aparelho administrativo e instituições judiciais, onde já é flagrante o domínio do político sobre o parentesco.
Hierarquia em vez de equilíbrio
Agora, em lugar do equilibrio, temos a hierarquia que marca o novo modelo organizacional. Surge também o sistema político que unifica no mesmo nível de extensão territorial os antagonistas e realiza a equivalência estrutural (African Political Systems, 1940)
O processo de complexificação institucional
Para A. W. Southall há também um processo contínuo de complexificação institucional desde as sociedades sem Estado até aos Estados Unitários, através do qual o poder se vai deslocando para fora e acima da sociedade. Depois das Sociedades sem Estado, vêm as Sociedades Segmentares e só depois os Estados Segmentares. Dentro destes, haveria, aliás, que distinguir, numa primeira fase, a chamada chefatura, onde o poder político ainda está no seio da sociedade, para, numa segunda fase, surgir uma especialização do poder e uma estruturação piramidal.
Estado segmentar e Estado Unitário
Finalmente, surgiria o Estado unitário, onde se dá a distribuição do poder através do centro, de forma hierárquica. Se Estado unitário é considerado como completamente desenvolvido, mas que nunca se realizou, já no Estado segmentar, de estrutura hierárquica de poder, notam‑se as seguintes características fundamentais:- a estrutura da soberania é limitada, esbatendo‑se nas regiões afastadas do centro; o governo central tem apenas um controlo relativo dos outros focos do poder; há administrações especializadas tanto no poder do centro como nos poderes das periferias; - o monopólio legítimo da força não é completo; se as relações de poder se estruturam de forma piramidal, há diferentes níveis de subordinação; quanto mais periféricas são as autoridades subordinadas, mais estas têm possibilidade de mudar de obediência (A Critique of Typology of States and Political Systems, 1966).

A propriedade suplantando o parentesco
Para Leslie White, por seu lado, o Estado que tem a missão de garantir a integridade do sistema sócio‑cultural de que faz parte, que quer conservar o sistema enquanto um todo, surgiu quando os grupos de parentesco localizados se tornaram unidades territoriais no seio do sistema político. Neste sentido, considera que tal ocorreu quando se deu uma modificação na dimensão dos clãs e das tribos e o factor territorial serviu para compensar o enfraquecimento dos laços de parentesco. Como ele diz, com o tempo desenvolveu‑se um mecanismo especializado de coordenação, de integração e de administração e o parentesco foi suplantado pela propriedade como base da organização social; é a unidade territorial em vez do grupo de parentesco, que se torna significante como princípio da organização política (The Evolution of Culture, 1959).

O unitário imperfeito
A este respeito, Georges Balandier considera que o grupo dirigente, tal como o Estado, não tem um carácter perfeitamente unitário e que os elementos que o compõem para se apoderarem do poder, do prestígio, do poderio material entraram num choque de rivalidades que passou a exigir estratégias que utilizem, pelo menos provisoriamente, as divisões segmentárias da sociedade global (Antropologia Política, trad. port., p. 146).

Sociedades igualitárias, sociedades de categoria e sociedades estratificadas
Também M. G. Smith considera que o segmentar, diverso do parentesco, mas ainda não podendo ser considerado como estatal, já é uma estrutura com conteúdo político (On Segmentary Lineage Systems, 1956). Outro neoevolucionista, M. H. Fried, refere que o aparecimento do Estado, como estrutura autónoma, se dá através de três estádios subsequentes: sociedades igualitárias, sociedades de categoria e sociedades estratificadas ( The Classification onf Unlineal Descent Groups, 1957).

Chefatura, Cidade-Estado, Monarquia
Por seu lado, para Jean‑William Lapierre o ciclo de transição já passaria pela chefatura, ‑ das sociedades que dispensa o poder político, ‑ pela Cidade‑Estado e pela Monarquia (Vivre sans État? Essai sur le Pouvoir Politique et l'Innovation Sociale, 1977).
Governo mínimo, governo difuso e governo estatal
Lucy Mair, a este propósito, assume‑se contra a distinção entre sociedades sem Estado e sociedades com Estado considerando que depois do Governo Mínimo ‑ marcado por uma autoridade fraca, com um número restrito de detentores do poder ‑ e antes do Governo Estatal, teria existido uma fase intermédia, a do Governo Difuso, onde, o poder apesar de pertencer a todo o conjunto da população adulta do sexo masculino, é efectivamente assegurado por algumas instituições, por sua vez dominadas por certas pessoas. Salienta, neste sentido, que foram as relações de clientela e de dependência pessoal do feudalismo que constituiram o germe do Estado Moderno (Primitive Government, 1962).
A diferenciação entre dominantes e dominados
Pierre Clastres, por seu lado, ligando o aparecimento do Estado ao estabelecimento da divisão entre dominantes e dominados, situa tal momento na proto-história: é a revolução política, é esta aparição misteriosa, irreversível, mortal para as sociedades primitivas, daquilo que conhecemos sob o nome de Estado. Essa é que teria sido a grande revolução e não o neolítico: uma só alteração estrutural, abissal pode transformar, destruindo‑a como tal, a sociedade primitiva, aquela que fez surgir no seu seio, ou do exterior, aquilo cuja ausência define esta sociedade: a autoridade da hierarquia, a relação de poder, a sujeição dos homens, o Estado (Les Societés contre l'État).
O Estado como resultado de uma produção imaginária
Por seu lado, Marc Abeles, salientando o peso da ideologia no aparecimento do Estado, considera que este é a passagem à autonomia do político, não reduzindo este processo de autonomização à complexificação e centralização das instituições políticas. Para ele o Estado revela‑se no factor de dominação de modo indirecto, dado que a coesão realiza‑se... na projecção de uma produção imaginária. Assim, a ideologia intervem directamente ao nível da reprodução do todo social e das suas contradições, em particular sob a forma desse vasto drama no qual tomam parte todos os membros da sociedade (Pouvoir, Societé, Symbolique). É, no fundo, o aspecto ritual/integração apagando o aspecto coerção/dominação, ou aquilo que J. Pouillon refere como a imbricação das crenças e do sistema político.
Retirado de Respublica, JAM

Diderot, Denis (1713-1784)

Plebeu, filho de um cutileiro, assume-se como um discípulo de Francis Bacon. Em 1746 escreve obra marcada pelo deísmo, onde defende as maravilhas da natureza, numa perspectiva anticristã e que foi condenada pelo Parlamento de Paris. Concebe e dirige a publicação da Encyclopédie que pretende ser um quadro geral dos esforços do espírito humano. Depois de emitido um prospecto anunciador da publicação em 1750, o primeiro tomo surge em 28 de Junho de 1751. O segundo tomo aparece em 22 de Janeiro de 1752, mas o governo proíbe a venda dos mesmos. O III tomo apenas é editado em Novembro de 1753; o IV em 1754, o V em 1755, o VI em 1756, o VII em 1757. Em 1759 é condenada pelo Parlamento de Paris e só em 1764-1765 a obra termina. Aí escreve artigos como os de autoridade política (1751) poder, potência e soberanos (1765). Homem frontal, assume desde 1749, com a publicação de uma Lettre sur les Aveugles à l’Usage de ceux Qui voient, um programa materialista e ateu. É então preso, recebendo a visita de Rousseau. Em 1773-1774 visita Sam Petersburgo, escrevendo em 1775 um Plan d’Université pour la Russie e um Essai sur les Études en Russie. Considera há apenas duas fontes para o poder: ou a força e a violência daquele que dele se apoderou; ou o consentimento daqueles que lhe estão submetidos, por um contrato celebrado ou suposto entre eles e aquele a quem deferiram a autoridade. O poder que se adquire pela violência não é mais que uma usurpação e não dura senão pelo tempo por que a força daquele que comanda prevalece sobre a daqueles que obedecem ... (artigo Autoridade Política). Assim, define o Estado como uma sociedade civil pela qual uma multidão de homens estão unidos em conjunto sob a dependência de um soberano, para gozar, pela sua protecção e pelos seus cuidados, da segurança e da felicidade que faltam no Estado de natureza (artigo Estado).
Retirado de Respublica, JAM

EASTON, DAVID N. 1917

Canadiano, nascido em Toronto. Doutorado em Harvard. Professor na Universidade de Chicago desde 1947.
Autoridade na distribuição dos valores
Considera que a vida política consiste em acções relacionadas com a autoridade na distribuição dos valores (the political life consists of those actions related to the authoritative allocation of values) e o sistema político aparece como um complexo de actividades, dotado de autonomia (a system of interrelated activities influence the way in which authoritative decisions are formulated and executed for a society). Onde os valores aparecem como as vantagens, materiais ou não materiais, que são repartidas no quadro de um sistema político.
PARA ALÉM DA LUTA PELO PODER
Observa que a luta pelo poder não descreve o fenómeno essencial da vida política; ela refere-se apenas a um aspecto relativamente importante, mas que permanece, apesar de tudo secundário, concluindo que o poder é apenas uma das variáveis significativas. Tendo apenas isto em atenção, omite-se uma dimensão também muito importante da vida política, isto é, a sua orientação relativamente a outros fins para além do poder. A vida política não consiste apenas numa luta pelo poder.
AUTONOMIA DO SISTEMA POLÍTICO
Procura a autonomia do sistema político a partir da ideia de comunicação, entendida como o processo de converter a informação em poder. O sistema político é compreendido como um sistema de distribuição autoritária de valores, como um conjunto de interacções pelas quais se efectua a distribuição (allocation) autoritária (authoritative) de valores para uma sociedade. A vida política aparece como a complex set of a process through which certain kinds of inputs are converted into the type of outputs we may call authoritative policies, decisions and implementing actions. E seria este processo funcional da distribuição ou atribuição de valores, isto é, de objectos pelo mesmo sistema valorizados, distribuição marcada pela autoridade, pela imperatividade, que constituiria o traço distintivo do sistema político. Com esta perspectiva sistémica, a ciência política volta assim a ganhar autonomia face à sociologia e, pela via funcionalista, regressam temas fundamentais como os dos valores e e da autoridade. Da mesma forma, se considera que a vida política tem a ver com a unidade mais inclusiva, não podendo confundir-se com outros sistemas parapolíticos. Na linha do behaviorismo e de Parsons, coloca como noção fulcral da respectiva análise a ideia de ambiente (environment), considerando que o sistema político é um sistema de comportamentos incluído num dado ambiente, um sistema que é influenciado pelo ambiente onde se insere, mas que também responde ou reage a esse ambiente.
AMBIENTE
Existiria tanto um intra-societal environment, um ambiente interior, como um extra-societal environment, um ambiente exterior. O ambiente interior seria o da sociedade global, entendida como a soma do sistema político propriamente dito como o dos sistemas não políticos, mas situados dentro do ciírculo da sociedade global, como o sistema ecológico, o sistema biológico, o sistema psicológico (personality system) e os sistemas sociais, incluindo nestes últimos, o sistema cultural, a estrutura social, sistema económico, o sistema demográfico e outros subsistemas. O ambiente exterior seria o ambiente que cerca a sociedade global, enumerando Easton três elementos deste ambiente: international political systems, international ecological systems e international social systems. O ambiente total do sistema político seria assim a soma do ambiente interior com o ambiente exterior.
CAIXA NEGRA
Já o sistema político propriamente dito funcionaria como uma caixa negra produtora de decisões e de acções (outputs), que teria como entradas, como inputs, tanto as exigências (demands) como os apoios (support). Aqui, Easton, na linha de Parsons, sofre as influências das teses de Wassily Leontief, anterior Prémio Nobel da Economia, que havia desenvolvido a análise sistémica dos inputs-outputs, perspectivando o sistema como algo de complexo que está em fluxo constante, em perpétuo movimento, dado que o output vai influenciar o input.
INPUTS
O apoio traduz-se na disposição de um actor A relativamente a B, quando A actua em favor de B ou quando se orienta favoravelmente face a B, podendo B ser uma pessoa, um grupo, um fim, uma ideia ou uma instituição. Já a exigência é definida como a expressão da opinião que uma atribuição dotada de autorida, respeitante a um domínio particular, deve ou não ser feita pelos que para tal são encarregados.
OUTPUTS
Os outputs constituiriam a distribuição autoritária de valores, pelos quais um sistema político diminuiria o peso das exigências que lhe são dirigidas ou maximizaria os apoios de que dispõe.
RETROACÇÃO
Dentro da caixa negra do sistema, far-se-ia a retroacção da informação, a conversão das demands em outputs, através das chamadas autoridades. Pela retroacção um sistema político pode assim ajustar a sua actividade tendo em conta os resultados da sua actividade passada. Ela aparece como um conjunto de processos que permite ao sistema controlar e regularizar as perturbações que se façam sentir.
REVOLUÇÃO PÓS-BEHAVIORISTA
Em 1969, vem falar na necessidade de uma postbehavioral revolution nos domínios da ciência política, onde fosse possível conciliar os métodos quantitativos e o apelo aos factos da revolução comportamentalista, com os dados qualitativos da teoria política e os valores, uma revolução que não seria rejeição do contributo behaviorista para o alargamento da base cogniscitiva da ciência política, mas que teria de aliar, a tais métodos quantitativos, o qualificativo de uma teoria geral própria.
Retirado de Respublica, JAM

Cúria Régia

É a partir do núcleo da casa do rei, do palatium, domus, schola ou curia que vai diferenciar-se, gradualmente e por via costumeira, o que mais tarde irá constituir a administração pública do Estado. É precisamente a partir da Cúria Regia, constituída pelos próceres, maiores ou barões do reino (altos dignitários eclesiásticos e nobiliares, bem como familiares do rei) que vão destacar-se os principais funcionários palatinos e os futuros órgãos da administração central do reino. A cúria régia portuguesa , à semelhança da antecedente cúria leonesa, marcada pelo modelo franco, e na linha de continuidade do sacrum consistorium do Baixo Império Romano e do officium palatinum ou aula régia dos visigodos, tanto funcionava em reuniões restritas daqueles que constantemente acompanhavam o rei (cúria restrita ou ordinária) como em reuniões alargadas a todos os notáveis do reino (cúria alargada ou extraordinária). Deste último tipo de reuniões, vai surgir, a partir de 1254, com a participação do braço popular, a instituição das Cortes que, já em 1261, detém um verdadeiro direito em matéria tributária e, em 1331, passa a reunir apartadamente por braços, classes ou estados.
Retirado de Respublica, JAM

Cúria

Governo central da Igreja Católica. Constituída por nova congregações, três tribunais e cinco secretarias, bem como por dezena e meia de comissões pontificais. Cada congregação tem um número variável de cardeais nomeados pelo papa. Dizia-se de uma subdivisão das tribos entre os romanos, bem como do lugar onde, também em Roma, se reunia o Senado.
Retirado de Respublica, JAM

Cunhal, Álvaro Barreirinhas (1913-2005)

Licenciado em direito. Membro do Partido Comunista desde os 17 anos. Integra então a Liga dos Amigos da URSS e o Socorro Vermelho Internacional. Em 1934 é eleito como representante dos estudantes de Lisboa no Senado Universitário. Em 1935 é secretário-geral da Federação das Juventudes Comunistas. Depois de visitar a URSS passa, a partir de 1936, a fazer parte do comité central do partido. Preso em 1937 e libertado no ano seguinte. Volta a ser preso em 1940 e libertado logo a seguir. No Outono de 1942 já faz parte do secretariado do comité central. Preso de 1949 a 3 de Janeiro de 1960, quando consegue evadir-se da cadeia de Peniche. Volta ao secretariado do comité central a partir de Fevereiro de 1960. Eleito secretário-geral em Março de 1961. A partir de 1962 passa a viver em Moscovo. e 1950-1960. Secretário-geral do PCP. Membro do I governo provisório de 1974.
Discursos Políticos
Lisboa, Editorial Avante, I, 1974; II, 1975; III, 1975; IV, 1975.
Retirado de Respublica, JAM

Cultural (The) Contradictions of Capitalism 1976

Daniel Bell analisa impiedosamente a sociedade capitalista, a partir de uma perspectiva neo-conservadora. Considera que na base da crise espiritual está o hedonismo que leva à perda da noção de civitas, ao egocentrismo e à indiferença face ao bem comum, com falta de confiança no futuro e a crise de legitimidade das instituições liberais. No capitalismo norte-americano desapareceu o conceito protestante de santificação do trabalho. A crise cultural leva à instabilidade política: é nestas circunstâncias que as instituições tradicionais e os procedimentos democráticos de uma soociedade se desmoronam e que se afirmam cóleras irracionais acompanhadas pelo desejo de ver surgir o homem providencial que salve a situação. Salienta que a legitimidade pode assentar nos valores do liberalismo político se se dissociar do hedonismo burgês.
Retirado de Respublica, JAM

Cultura política

Conceito analítico da ciência política, surgido nos anos cinquenta e inseparável do conceito de sistema político. Segundo a definição de Almond e Powell, a cultura política é o modelo de atitudes e orientações face à política entre os membros de um sistema político. Trata-se de um padrão particular de orientações para a acção política, de um conjunto de significados e propósitos em que cada sistema político está imbuído, de crenças, valores e símbolos expressivos. Com a ideia de cultura política pretendeu explicar-se o comportamento político e as diferenças vivenciais de regimes que invocavam a mesma ideologia ou diziam seguir o mesmo tipo jurídico formal. Porque há um reino subjectivo ordenado da política que dá sentido às decisões políticas, disciplina as instituições e a significação social dos actos individuais.

Tipos puros de Cultura Política

Neste sentido, Gabriel Almond e Sidney Verba inventariaram três tipos de cultura política. A cultura paroquial ou localista, geradora de uma estrutura tradicional, marcada pela descentralização. A cultura de sujeição ou de súbditos, com uma estrutura autoritária, tentada pela centralização. A cultura de participação, geradora de uma estrutura democrática. Assinalam, contudo, que qualquer cultura política efectiva é uma mistura dos três tipos, equilibrando as três componentes. Indicam, por exemplo, a existência de uma cultura localista de súbdito, quando o cidadão sai dos laços políticos puramente locais da cultura localista e começa a prestar a sua adesão a instituições governamentais mais especializadas; de uma cultura de súbdito-participante, quando os cidadãos se dividem num conjunto relativamente importante de pessoas politicamente conscientes e activas, e o resto, que são relativamente passivas; a cultura localista de participante, onde as instituições políticas têm um carácter relativamente local e as instituições administrativas nacionais estão bastante desenvolvidas. Neste sentido, os mesmos autores falam na existência de uma cultura cívica, uma categoria mista de cultura política, compreendendo a noção de participação política em estruturas geralmente consideradas como legítimas, mas nas quais, pelo menos para a maioria das pessoas, a vida oferece um conjunto de oportunidades de compromissos com instituições localistas e apolíticas. Verba e Almond referem mesmo que em nenhuma sociedade há uma única cultura política uniforme, e em todas as políticas existe uma distinção fundamental entre a cultura dos governos ou possuidores de poder e a das massas, sejam súbditos localistas ou cidadãos aqueles que participam. Assim, apesar dos regimes comunistas invocarem a mesma ideia, na prática geraram situacionismos diversos e opostos, tal como a democracia varia no espaço, conforme as culturas políticas que a ela aderem.

Vícios da ideia de Cultura Política

Contudo os analistas da cultura política cometem o erro de procurar inferir os valores e as crenças da mera análise de dados dos métodos quantitativos e até escolhem duvidosas operações interpretativas, nomeadamente quando fazem ligar o bargaining power do pluralismo político norte-americano de uma cultura política racional, calculista, negociadora e experimental. Esse tipo de preconceitos levou, por exemplo, a que alguns críticos da democracia tenham proclamado a inadequação cultural dos povos latinos ao jogo democrático, quando, na prática, a democracia acabou por se implementar, quando se enraizou na plurissecular democracia da sociedade civil e no entranhado sentido evangélico de igualdade desses povos.

Retirado de Respublica, JAM

Cultura

A herança ou o património artístico e científico de uma determinada comunidade ou sociedade. Ideias, expectativas, atitudes e crenças geradas pela interacção dos indivíduos sobre as suas actividades comuns. Uma comunicação inter-geracional de informação que vai além da transmissão da informação genética, comunicação que se incorpora em artefactos materiais (o património cultural físico como livros, edifícios ou obras de arte), formas de comportamento (canções, rituais, instituições) ou sistemas de distinções (classificações, histórias, conhecimento codificado em símbolos, ideias ou crenças). A cultura revela assim as respostas individuais e colectivas que são dadas às condições ambientais que desafiam o grupo, pelo que o respectivo conteúdo é continuamente sujeito a processos evolutivos. Assim, a cultura dá sentido às acções e aos objectos da vida social. Tanto há uma cultura dominante, como subculturas que podem actuar de forma contrária à cultura do grupo.

Cultura de participação. Gera uma estrutura democrática. Ver cultura política.
Cultura de sujeição. Gera uma estrutura autoritária e a centralização. Ver cultura política.
Cultura paroquial. Ver cultura política.
Retirado de Respublica, JAM

Culto da Personalidade

Exaltação sistemática de um dirigente máximo de um país, principalmente pela acção da propaganda. A expressão foi usada pela primeira vez em 1956 pelo PCUS, para caracterizar o modelo de personalização do poder de Estaline, entre 1924 e 1953. O modelo foi particularmente desenvolvido pelos totalitarismos contemporâneos. No fascismo italiano, surgiu o Duce, Benito Mussolini. No nazismo, o Fuhrer. No comunismo soviético, o estalinismo foi marcante, exportando-se o modelo para Dimitrov, Enver Hodja, Kim-il-sung e Mao Tse Tung. Muitos autoritarismos adoptaram a perspectiva. Em Espanha, surge o caudillo. No Egipto de Nasser, o Rais. O culto transforma ao chefe numa espécie de pai da pátria que, ao contrário do paternalismo monárquico, parece dotado de poderes de um super-homem, principalmente no tocante à coragem e onde se exaltam as qualidades que, em lugar do amor filial, são sobretudo as da compaixão. Só os processos de propaganda política deste século, desde a fotografia ao poster gigantesco, passando pelo próprio cinema, permitiram tal modelo que, paradoxalmente, afectou em particular os partidos comunistas. Com efeito, quanto mais formatada pela legitimidade racional é uma ideologia, mais ela precisa de ser compensada pelos recursos à legitimidade carismática artificiosa, onde a magia do chefe inventado também apela para as memórias da legitimidade tradicional. Também entre nós se deu o culto da personalidade de Salazar durante o Estado Novo, vestindo-o da coraça de D. Afonso Henriques em luta contra a moirama do reviralho e comunista ou fazendo coincidir o respectivo perfil com o mapa do Portugal europeu. Não faltou sequer a própria instrumentalização de uma das figuras do painel de Nuno Gonçalves, de tal maneira que o oposicionista monárquico Hipólito Raposo chegou a caracterizar o regime do Estado Novo como uma salazarquia.
Retirado de Respublica, JAM