SALAZAR: A CONCEPÇÃO ORGÂNICA DO ESTADO E DA NAÇÃO
António de Oliveira Salazar - Foto oficial, nos anos 60 do século XX
"Apesar do que tenho dito, nós só transitaríamos de um texto para outro texto e de uma ficção para outra ficção, se não procurássemos coordenar devidamente, no Estado, todos os elementos políticos da sociedade.
O liberalismo político do século XIX criou-nos o 'cidadão', indivíduo desmembrado da família, da classe, da profissão, do meio cultural, da agremiação económica e deu-lhe, para que o exercesse facultativamente, o direito de intervir na constituição do estado. Colocou, por isso, aí a fonte da soberania nacional.
Vistas bem as coisas, nós estamos em face de uma abstracção - conceito erróneo ou insuficiente - e será caminhando no sentido dos grupos naturais necessários à vida individual, e de que se constitui realmente a sociedade política, que mais seguramente se encontrará o ponto de apoio que buscamos.
Eis na base a família - célula social irredutível, núcleo originário da freguesia, do município, portanto, da Nação: é, por natureza, o primeiro dos elementos políticos orgãnicos do Estado constitucional. Garantida eficazmente, na sua formação, conservação e desenvolvimento, a família deve exercer, pelo seu chefe, o direito de eleger os vogais dos corpos administrativos, pelo menos da freguesia, uma vez que esta não é mais que a expansão natural dos fogos ou casais, com os interesses comuns que lhes respeitam. É aí que, de preferência, encontramos o cidadão com fundamento para os direitos políticos. As corporações morais e económicas, como as universidades, as academias científicas, as agremiações literárias, artísticas e técnicas, as associações agrícolas, industriais, comerciais, coloniais e operárias, são manifestações que a civilização vai criando.
Representando interesses legítimos a integrar nos da colectividade, é tendência do tempo e conveniência do estado que se multipliquem e alarguem as federações e confederações, para que, verdadeiramente, constituam factores componentes da nação organizada. Como tais, devem concorrer com o seu voto ou sua representação para a constituição das Câmaras, em que se deseja uma delegação verdadeiramente nacional. Mais uma vez se abandona uma ficção - o partido -, para aproveitar uma realidade - a associação.
Os corpos administrativos não somente devem ter as prerrogativas de administração local e regional tão descentralizada quanto o permitam as condições do País, mas devem ter também direitos políticos com influência na orgânica do Estado. A sua procedência e posição no organismo nacional impõem logicamente que também constituam colégios eleitorais para o efeito de designar os membros das Câmaras legislativas, em concordância com a votação das corporações económicas e morais.
Em suma: pretende-se construir o Estado social e corporativo em estreita correspondência com a constituição natural da sociedade. As famílias, as freguesias, os municípios, as corporações onde se encontram todos os cidadãos, com suas liberdades jurídicas fundamentais, são os organismos componentes da nação, e devem ter, como tais, intervenção directa na constituição dos corpos supremos do estado: eis uma expressão, mais fiel que qualquer outra, do sistema representativo."-
A. O. Salazar, Discurso de 30 de Julho de 1930, in Discursos, 1935
(Recebido do Vitor Luis Rodrigues, no Facebook))