segunda-feira, 5 de março de 2007

Revolução cultural (1966)

Estão, assim, preparados os caminhos para o lançamento, em 1966, da chamada Revolução Cultural. Talvez uma querela entre os antigos e os modernos, segundo Alain Peyerffite. De certo, uma hiperpolitização do quotidiano, nas palavras de Almerindo Lessa. Sem dúvida, um psicodrama psicadélico, conforme Berto Fahri. Aliás, segundo o próprio Mao, cada acto da Revolução Cultural teria de ser uma peça espectacular num pequeno palco. Tratava-se, segundo o citado Peyrefitte, de uma revolução que é lançada, não contra um regime por opositores, mas pelo fundador de um regime, chefe do partido no poder, contra os quadros desse partido e contra o erro no qual esse regime estava a cair. Era, segundo Almerindo Lessa, a procura da Grande Harmonia (Ta Tung), um velho sonho de juventude de Mao que bebera nas teorias políticas de Houang Ti e de Lao Tseu. Concordava também com Sun Yatsen, que a Rússia praticava o marxismo e não o puro comunismo que, na opinião dos dois, era o de Proudhon e de Bakunine posto em prática no tempo de Hoang Siou-Ts'-an sob os Taiping entre 1851 e 1854. Eis, pois, que, entre Abril e Maio de 1966, Mao provoca uma agitação universitária contra a burocracia dominante no partido, fazendo um apelo àquilo que se poderá chamar a elite militante, para esta retomar a iniciativa, superando a elite funcional e a respectiva tendência burocrática e conservadora, para utilizarmos categorias de Francis Audrey. Tudo começa em 16 de Maio com uma circular do Comité Central do PCC, escrita, ao que parece, pelo próprio Mao, onde se proclama que a luta proletária deve estender-se do domínio literário e artístico, para o domínio político, contra os chamados representantes do revisionismo burguês existentes no partido, na universidade e no exército. Logo a seguir, em 25 de Maio, surge na Universidade de Peita/ Beida o primeiro jornal de parede (ta-tzu-pao) marxista-leninista nacional, também directamente inspirado por Mao, onde se passa à acção agitadora junto dos estudantes. Entretanto, Mao, durante dois meses, Junho e Julho, chega mesmo a retirar-se de Pequim voluntariamente. Vai regressar espectacularmente à capital, depois de ter feito o famoso passeio a nado, de 15 quilómetros, ao longo do rio Iansequião. Por essa altura, já o Diário do Povo, fala na Grande Revolução Cultural Proletária, enquanto, em 26 de Julho, se fecham todas as universidades (por uns seis meses que irão durar quatro anos), surgindo também os primeiros guardas vermelhos... A subida ao poder dos revolucionários no XI Plenário do VIII Comité Central não tarda a dar-se, em 8 de Agosto de 1966, numa ofensiva contra os moderados, protagonizados por Liu Shao Ch'i. Aí surge a Declaração de Dezasseis Pontos acerca da Grande Revolução Cultural Proletária, onde esta é vista como o novo estádio da Revolução Socialista para colocar a ousadia e despertar audaciosamente as massas, massas que devem educar-se actuando e onde o pensamento de Mao Tsetung é o guia de acção na Grande Revolução Cultural proletária. Ao mesmo tempo, o ministro da Defesa Lin Piao é nomeado vice presidente do PCC e Liu Shao Ch'i passa para último plano na hierarquia. Em 18 de Agosto de 1966, com o desfile de Tian An Men na presença de Mao, espectacularizam-se os slogans O Leste é Vermelho, bem como Esmagar o Velho Mundo e Criar um Mundo Novo, iniciando-se a revolta dos guardas vermelhos. Como escreve Peyrefitte, o Filho do Céu foi substituído pelo Filho do Povo [... ] Nele, o povo adora-se a ele próprio. É religioso o dogma, religiosa a ascese dos eleitos, religiosa a ascensão dessa personagem de excepção, religiosa a fé popular. Pode também ler-se nos escritos confucianos, o Mestre diz: se o príncipe é em si mesmo virtuoso, o povo realizará os seus deveres, sem que se lho ordene; se não é virtuoso, é escusado dar ordens, o povo não as seguirá. Noutra passagem confuciana: o Mestre diz: aquele que governa um povo dando-lhe bons exemplos é como a estrela polar que permanece imóvel, enquanto que todas as outras se movem à sua volta. É que Mao fundou uma nova religião, tendo toda a habilidade de se fazer passar pelo simples continuador de Marx e de Lenine. Como dizia uma decisão de 8 de Agosto de 1966 do Comité Central do PCC, importa transformar a fisionomia moral de toda a sociedade com o pensamento, a cultura, os usos e os costumes novos que são próprios do proletariado. Era o conceito de revolução cultural precedendo a revolução económica, ao contrário da prática leninista. Tratava-se, no fundo, de uma rejeição do ocidentalismo e, portanto, do marxismo-leninismo. Porque, como assinala Roger Garaudy, Marx é um dos gigantes do pensamento ocidental no que ele tem de mais ocidental [... ] o socialismo científico é um socialismo vazio de toda a transcendência poética. Em 23 de Outubro de 1966, Liu Shao-ch'i já é obrigado a fazer uma autocrítica, isto é, a declarar a derrota. E entre Janeiro e Setembro de 1967 dá-se a intervenção no processo dos operários, sendo criada a Comuna de Xangai, em 5 de Fevereiro, que toma a Comuna de Paris como modelo. Atinge-se também o clímax anárquico, com sangrentos recontros, nomeadamente em Wuhan e Cantão, e uma vaga de xenofobia que leva ao próprio incêndio da Embaixada britânica em Pequim. Ao mesmo tempo, em 17 de Junho, dava-se a primeira explosão de uma bomba de hidrogénio chinesa. Compreende-se, pois, que, a partir de Setembro de 1967, o Exército de Libertação Popular passe a tentar controlar os acontecimentos, enquanto Chu En-lai começa a surgir como a síntese desse paralelograma de forças, com forte apoio de Mao. Isto é, um certo pensamento maotSetung rigorosamente interpretado, de cima para baixo, transforma-se num timoneiro dos acontecimentos. Isto é, o pensamento libertou-se do pensador, transformando-se num abstracto ponto geométrico, susceptível de ser ocupado pela efectiva força que dominasse o centro do poder. Até porque, no caso concreto, Mao vai dando uma no cravo e outra na ferradura, ora apoiando Chu En-lai, ora dando força aos comités revolucionários e a Lin Piao, mas sem nunca ceder às pressões de Liu Shao-ch'i. O melhor exemplo desta euforia ideológica, onde a criatura abstracta de um sistema de pensamento se liberta do criador, está na circunstância de Lin Piao, em 1 de Outubro, chegar mesmo a criar centros de estágio para o estudo do pensamento maotSetung... Mas o verdadeiro timoneiro vai, contudo, ser encontrado nos bastidores do espectáculo. Com efeito, apesar de, em Outubro de 1968, Liu Shao-ch'i ter sido afastado, não foi Lin Piao que passou a comandar a ofensiva. Chu En-lai é que vai ser o efectivo vencedor do processo e passar a controlar a revolução termidoriana. Como dizia um professor da Universidade de Pequim a Alain Peyrefitte: a Grande Revolução Cultural do Proletariado tem por objectivo extirpar o feudalismo e a burocracia; tal como o dragão, cuja cabeça renasce, a burocracia tem tendência a regressar; o próprio feudalismo tem Sete vidas. A Revolução Cultural marcada sobretudo pela instrumentalização dos jovens (há cerca de 15 milhões de jovens guardas vermelhos que se deslocam para Pequim, tendo a maioria entre 12 e 18 anos) não passou de uma grande encenação política de uma revolução para consumo interno e externo. Na verdade, durante esse período, deu-se uma perseguição à verdadeira cultura, especialmente aos livros heterodoxos e aos clássicos que apelavam para o individualismo e o humanismo. Produziu-se também uma reforma do ensino utilitarista, partindo-se do falso princípio de que todo o conhecimento inútil é nocivo. Refira-se que, com a Revolução Cultural, o ciclo normal do ensino superior vai ser interrompido durante 55 meses. A partir de então passou também a ser obrigatório, antes da entrada na universidade, um período de experiência profissional numa unidade de produção, havendo, além disso, uma prévia selecção política. De facto, segundo dados oficiais, dos cerca de 800 000 estudantes universitários existentes em 1966, 60% eram de origem burguesa. Perseguiu-se também a inteligência através das reeducações pelo trabalho manual ou trabalho forçado. Atingiu-se até o cerne da própria existência quando a colectividade passou a ditar o próprio número de filhos que cada família podia ter. Era Malthus, em vez de Marx, através do controlo de nascimentos e da vasectomia. Da retórica, ficaram uns estatutos do PCC de 1973, onde se declara que a classe operária, os camponeses pobres e quase pobres e as outras massas trabalhadoras são os donos do país. Têm o direito de submeter a um controlo revolucionário os quadros do nosso partido e do nosso Estado, nos diversos escalões. Ou alguns ideologismos que aparecem na Constituição de 1975, onde se fala na ameaça de subversão e de opressão da parte do imperialismo e do social-imperialismo. Com efeito, no XII Plenário do VIII Comité Central, realizado de 13 a 31 de Outubro de 1968, onde se preparou o IX Congresso do PCC, que se vai realizar em Abril de 1969, foi posto um fim legal à Revolução Cultural, depois de, em Agosto e Setembro anteriores, se terem liquidado as organizações de guardas vermelhos e de rebeldes revolucionários.
Retirado de Respublica, JAM

Revolução Copérnica

Kant considera que o seu pensamento dá origem a uma revolução copernicana. A partir dele, com o idealismo, o objecto passa a gravitar à volta do sujeito, como a terra à volta do sol, ao contrário do anterior realismo, onde conhecer significava que o sujeito gravitava à volta do objecto. O idealismo deixa de ser um idealismo absoluto, onde o ser fazia parte de um outro mundo, do transcendente, a que o sujeito só podia aceder através das aparências. Com Kant, pela imanência passou a poder aceder-se à transcendência. Porque o entendimento é que prescreve leis à natureza, eis que o conhecimento passa a ser anterior ao pensamento. Na anterior razão especulativa trazia-se a coisa representativamente à razão e procurava-se no ser a substância. Com o idealismo de Kant, passa a extrair-se a coisa da própria razão.
Retirado de Respublica, JAM

Revolução Behaviorista

A partir dos anos sessenta, na politologia norte-americana, o poder político, o political power, passou a assumir-se como algo de qualitativamente diferente do mero poder social, ou do poder em geral, e o sistema político (political system) emergiu como uma especificidade dentro do sistema social, sendo encarado como um processo de tomada de decisões (process of making a decision). É, aliás, em 1969, que David Easton fala na necessidade de uma postbehavioral revolution nos domínios da ciência política, visando conciliar os métodos quantitativos da revolução comportamentalista com os dados qualitativos da teoria política pelo regresso à síntese entre o factualismo e a axiologia. Esta anunciada viragem de rumo respondia a um desafio: os ataques que os cientistas políticos da New Left e da contra-cultura norte-americanas, com Herbert Marcuse, Paul Goodman, Erich Frommm, C. Wright Mills, Noam Chomsky e Charles Reich, faziam ao positivismo e ao cientismo dos novos mandarins, num tempo em que o próprio sentido comunitário norte-americano se estiolava face à revolta dos estudantes e à contestação da intervenção na Guerra do Vietname. Contudo, Easton partia de outra base contestatária, da ala reformista que, dentro da APSA, defendia uma New Political Science, e era constituída por autores como Daniel Moynihan, Leo Strauss, Henry Kariel, Theodor Lowi, Michael Walzer, Morris Janowitz e Charles McCoy. Um movimento que, em 1967, organizou um Caucus para o efeito.

Retirado de Respublica, JAM

Renard, Georges (1867-1943)

Autor do institucionalismo francês. Considera que a ficção jurídica é apenas um meio para fazer entrar no nosso campo visual certas realidades e que, portanto, a ficção da personalidade jurídica do Estado é um processo para se traduzir a realidade da instituição que é o Estado. Um neotomista que acentua os pressupostos metafísicos e que tende para uma postura anti-voluntarística e objectivística do direito. Nestes termos, considera que a instituição é a via média entre as duas doutrinas extremas do imdividualismo e do sociologismo, é um organismo que tem fins de vida e meios superiores em poder e em duração aos dos indivíduos que o compõem. Porque a instituição gera um estatuto, uma situação jurídica duradoura, resultante da pertença à instituição, um complexo de vantagens e de encargos que produzem o reflexo da instituição sobre os seus membros, estatuto esse que difere do conceito descontínuo de contrato. Assim, considera que a ideia é, na instituição, o ponto de convergência da vontade inicial do fundador ou dos fundadores e das adesões sucessivas que virão a aglutinar‑se; a instituição é uma ideia que faz boule de neige. Salienta também que há uma diferença fundamental entre a instituição e o contrato, porque no contrato não há integração duma ideia; há simplesmente encontro de duas vontades que seguem cada uma a sua ideia; e este fenómeno produz um equilibrio. A instituição serve, deste modo, para explicar tanto o Estado como a organização interna das associações privadas e até algumas organizações internacionais. Em Souverainité et Parlamentarisme, considera até que é preciso acreditar na razão para discutir e nada se consegue demonstrar senão partindo do indemonstrável; é preciso confiarmos nos sentidos para experimentarmos, no testemunho para escrevermos história; precisamos de sujeitar‑nos a uma disciplina para sermos livres. Obedecer a uma regra: é a condição da liberdade moral; obedecer a chefes: a condição da liberdade política.
1924 Le Droit, la Justice et la Volonté.
Retirado de Respublica, JAM

Renan, Joseph Ernest (1823-1892)

Formação básica de seminarista, sob a protecção de Dupanloup, período em que desabrocha a sua paixão pelas línguas orientais. Abandona o seminário e a religião logo em 1845, passando a mestre de estudos e professor de filosofia no secundário. Adere à revolução de 1848 e assume-se como democrata. Escreve então L'Avenir de la Science, obra apenas publicada em 1890, onde se destaca como livre-pensador e adepto do cientismo. Visita a Itália em 1849-1850. Condena o golpe de Estado de 2 de Dezembro de 1851 e critica o modelo plebiscitário. Doutora-se em 1852 com uma tese sobre Averroès et l'Averroisme. Visita o Oriente a partir de 1860. Desde 1861 que é professor de Línguas Orientais no Collège de France. Demitido em 1864 por pressão clerical. Vai de novo para o Próximo Oriente em 1864.
Crítica à democracia
Em 1871 já modifica os seus anteriores pontos de vista assumindo uma profunda crítica aos princípios de 1789, assinalando que a França está em decadência, talvez irreversível. Propõe a necessidade de uma aristocracia racionalista e uma perspectiva antidemocrática: um país democrático não pode ser bem governado, bem administrado, bem comandado. Propõe a reforma universitária segundo o modelo alemão, a cabeça de uma sociedade racionalista que deveria comandar a multidão ignorante. Defende uma câmara dos notáveis e uma administração desecentralizada, criticando o sufrágio universal. Entra para a Academia em 1873.
Nação
Autor de uma célebre e celebrada conferência realizada na Sorbonne, em 11 de Março de 1882, intitulada Qu'est ce q'une Nation?, e que constitui ponto de peregrinação obrigatória de todos quantos analisam teoricamente a questão da nação. A nação passa a ser um plebiscito de todos os dias, um princípio espiritual, a alma do território.
A partir de então assume o dualismo science e nation. Marcado pelo positivismo, companheiro de geração de Taine. Autor de uma célebre história de Israel. Vive o ambiente de crise de fin de siècle, considerando que a França está em agonia, porque as nações que se debatem com questões sociais perecerão.
Retirado de Respublica, JAM

domingo, 4 de março de 2007

Ecologia

A ecologia (de oikos, casa), termo inventado em 1866 pelo zoólogo alemão Ernst Haeckel, é a ciência que tem como objecto o estudo das relações que se estabelecem entre o ambiente, o habitat, e os organismos vivos que nele habitam. No domínio sociológico a ecologia analisa a influência da localização espacial nas relações entre os homens. Já o ecologismo é uma nova ideologia nascida nos anos setenta e estruturada em 1978 em torno do livro-manifesto de René Dumont e Serge Moscovici, Pourquoi les Écologistes font-ils de la Politique?, de 1978. Assentam nos vários relatórios do Clube de Roma, desde 1972. O termo é consagrado em 1979 com o trabalho de Dominique Simonnet, L’Écologisme. Em 1979, Roger Garaudy edita Appel aux Vivants, base da respectiva candidatura a presidente, apresentada em 1981. Em 1970 nasce no Canadá o movimento Green Peace. Assentam nas teses de Ivan Illich (n. 1926).
Retirado de Respublica, JAM

Ecumenismo

Do gr. oikoumene, a terra habitada, o mundo inteiro. Diz-se da tendência para a união de todas as igrejas cristãs.

Ecumenismo Arendt, Hannah
Retirado de Respublica, JAM

Economic (An) Theory of Democracy, 1957

Obra de Anthony Downs onde se procura o conceito de eleitor racional e calculador. Os candidatos a uma eleição fazem uma espécie de oferta de bens, quando estabelecem programas e formulam promessas. O eleitor procura maximizar a sua utilidade, tentando obter com o seu voto uma incidência óptima sobre as suas condições concretas de existência. O que supõe uma identificação dos respectivos interesses e a colocação dos mesmos dentro de uma escala de preferências, bem como a fiabilidade das promessas dos candidatos.
Retirado de Respublica, JAM

Economia social de mercado

Modelo consagrado pela democracia-cristã alemã do pós-guerra, protagonizado poe Ludwig Erhard. Deste modo, se conciliou a doutrina social-cristã com o liberalismo, principalmente pelo estabelecimento de leis de defesa da concorrência inspiradas no modelo norte-americano do New Deal, implantado a partir da descartelização instalado durante a administração dos ocupantes. As teses são consideradas pelos seus opositores como a oficina de recuperação do capitalismo. Mas conseguiu estabelecer-se um modelo contrário a qualquer tipo de dirigismo. Como refere o pai do chamado milagre económico alemão, falar de um pouco de regulamentação é como se uma mulher dissesse que estava um pouco grávida.
Retirado de Respublica, JAM

Ecologismo e ambientalismo

Das escolas científicas às ideologias verdes. Alguns teóricos E. F. Schumacher (1911-1977) e o small is beautiful. Petra Kelly (1947-1992). Murray Bookchin e The Ecology of Freedom (1982). Tornar o Estado melhor, mais pequeno e mais perto da casa (Eggers e O'Leary, 1995). Reflexos em Portugal.

Em termos políticos, destaca-se a criação na Alemanha, nos finais da década de setenta da Aliança Política Alternativa, os chamados verdes. Em 1985, no Reino Unido, o anterior partido ecologista também mudou o nome e passou a designar-se por Green Party. Ambos defendem um radicalismo democrático descentralizador e novos modelos de desenvolvimento sustentável. Dentro dos movimentos verdes, há várias tendências, desde os eco-socialistas aos que sustentam a necessidade de uma revolução cultural ou espiritual.

ecologismo (veja-se o trabalho de LUC FÉRRY, Le Nouvel Ordre Écologique, Paris, Grasset, 1992, que obteve o prémio Médicis de ensaio, onde demonstra que o nazismo hitleriano foi o antecedente do ecologismo - por isso é que um Junger agora é verde; há uma ecologia radical que considera que para salvar a natureza é preciso matar o seu tirrano, o homem, acusado de alguma coisa do que racismo, o especismo, relativamente a outras espécies do planeta.
Retirado de Respublica, JAM

Eclipse of Reason, 1947

Obra de Max Horkheimer, onde se distingue a razão objectiva da razão subjectiva. A razão objectiva, dominante no mundo antigo, situa a racionalidade na realidade exterior, no mundo objectivo, nas relações existentes entre os seres humanos e as classes sociais, nas instituições sociais, na natureza e nas suas manifestações. Tanto a perspectiva de Platão como o idealismo alemão fundam-se nesta ideia e procuram um sistema compreensivo ou hierárquico de todos os seres, incluindo o homem e os seus fins. A razão objectiva apenas consiste em ajustar os meios aos fins, sejam estes quais forem. Esta forma da razão como mera faculdade intelectual de coordenação passou a predominar com a modernidade, pelo que qualquer julgamento ético deixou de assentar na racionalidade. Desta forma, a razão ficou sem autonomia face à evolução da sociedade e tratou de afastar qualquer preocupação metafísica. Transformou-se em mero aparelho de registo de factos e contribuindo para que o homem perdesse a sua individualidade.
Retirado de Respublica, JAM

Ecletismo

Movimento fiosófico francês, influenciado por Royer Collard e fundado por Victor Cousin. Filosofia oficial das universidades francesas nas décadas de trinta e quarenta do século XIX. Tentando combinar Descartes e Kant, procura reunir o que considerava as quatro grandes correntes fiosóficas: idealismo, sensualismo, cepticismo e misticismo.

Retirado de Respublica, JAM

Eckhart, Meister (1260-1327)

Johannes Eckhart, ou Meister Eckhart. Místico alemão que influencia Hegel. Dominicano. Mestre por Paris em 1302, vai para Erfurt e, depois, para a Boémia. Professor em Paris em 1311 e em Estrasburgo, de 1314 a 1322. Pregador em Colónia. Integra no tomismo algumas ideias neoplatónicas, sendo acusado de heresia por panteísmo. Condenado em 1329 pelo papa de Avinhão, João XXII. Defendendo o ascetismo e a centralidade espiritual, considerando que Deus é idêntico ao Ser, dado tornar-se no mundo criado. Porque Deus e o Mundo se reconciliaram, cada um deles, consigo mesmo, através de Cristo. É considerado precursor tanto do idealismo alemão, como do protestantismo e do existencialismo. Autor de Opus tripartitum.
Retirado de Respublica, JAM

Échelle Humaine, À l’ [1945]

Blum, Léon Obra escrita em 1941, onde se defende a social-democracia como o processo de passagem do capitalismo para o socialismo, conservando as liberdades tradicionais. Advoga-se um socialismo humanista, considerando que o mesmo não é fatalismo nem determinismo, tal como também não se configura como resignação nem cinismo, devendo libertar a pessoa humana de todas as servidões que a oprimem.
Retirado de Respublica, JAM

sábado, 3 de março de 2007

Revolution (On), 1962

Obra de Hannah Arendt, onde se compara a revolução norte-americana com a revolução francesa. Depois de uma introdução sobre Guerra e Revolução, a obra estende-se por seis caps. : O significado da Revolução, A Questão Social, A Procura da Felicidade, “Constitutio Libertatis”, “Novus Ordo Saeculorum”, A Tradição Revolucionária e o seu Tesouro Perdido. Se na revolução americana, enquanto revolução política, "o poder nascia quando e onde o povo se unia entre si e se ligava por meio de compromissos, pactos e garantias mútuas", na Revolução Francesa, enquanto revolução social, o poder é uma violência natural prépolítica, "uma força que, na sua própria violência, tinha sido libertada pela revolução e, tal como um ciclone, havia varrido todas as instituições do antigo regime". Do mesmo modo enquanto a Revolução Americana se baseia na reciprocidade e na mutualidade, nos compromissos mútuos que assenta em associações e organismos constituídos por meio de acordos, já a Revolução Francesa é marcada pela multidão cuja confiança veio de uma ideologia comum. Refere mesmo que a Revolução Americana é marcada por uma ideia de pactum unionis, contrariamente à Revolução Francesa, onde triunfou a ideia de pactum subjectionis. Se o primeiro é marcado pelos princípios republicano que considera que o poder reside no povo e federal existem alianças duradouras sem perda de identidade dos aliados , já o segundo aceita os da autoridade absoluta e o nacional um representante da nação é um representante do todo. Se o primeiro se assume como compromisso e reciprocidade, feito na presença uns dos outros, sendo uma fonte de poder para cada pessoa individual, já o segundo é consentimento e abdicação do poder individual, feito na presença de um qualquer Deus e onde o governo adquire o monopólio do poder.

(cfr. trad. port. de I. Morais, Sobre a Revolução, Lisboa, Moraes Editores, 1971).
Retirado de Respublica, JAM

Revolta

Do lat. revolutus, forma do verbo revolvere, enrolar de novo, fazer rolar para trás. Chega-nos através do francês révolte. Aquele que se revolta é diferente do que está revôlto, forma de revolutear, que tem a ver com revolver, e significa revirado ou curvo.
A vontade secular de sacudir a submissão. Revolta não é recusa. Opondo-se à ordem que oprime, afirma-se o direito de não ser oprimidos. A revolução é a inserção da ideia na experiência histórica. A revolta éo movimento que conduz da experiência individual à ideia. A revolução representa a tentativa de modelar o acto sobre uma ideia, de moldar o mundo dentro de um caixilho teórico.
Retirado de Respublica, JAM

Revisionismo

Qualificativo dado a todas as novas teorias que tentam estabelecer uma alternativa à teoria dominante e que conseguiu gerar uma versão aceite pela generalidade de uma comunidade, normalmente uma certa visão da história mais recente que se consagre e tenha um coro de seguidores nos meios de comunicação de massa ou nos manuais de ensino e que seja sufraada pelos discursos dos detentores do poder, ou que seja alvo das datas oficiais de um determinado Estado. São assim revisionistas teses que tentem denegrir os pais-fundadores de um regime, que procurem reabilitar uma figura demonizada ou fazer o inverso face a uma pessoa idolatrada. Pode também consistir na demitificação de uma determinada data. Termo aplicado com sentido pejorativo pelos adversários de E. Bernstein para acusá-lo de desviacionismo face às teses de Marx. Lenine abusa da expressão para com ela procurara abranger os socialistas adversários dos bolcheviques e do regime soviético. Estende-se a designação a todos os socialistas que não aceitam como dogma o princípio da apropriação colectiva dos meios de produção. Mais recentemente o nome tem sido dado aos historiadores que tentam rever a tese do holocausto e das matanças nazis face aos judeus, negando, por exemplo, os fornos de gás.
Retirado de Respublica, JAM

Retroacção

Do lat. retroactione. Termo das ciências físicas recuperado pela cibernética, para aplicação aos sistemas sociais, sendo usado tanto pela economia como pela ciência política. Acção do sistema político pela qual a informação é recordada e retroactivada para decisões do presente, misturando-se a informação proveniente dos centros de processamento de dados com a que vem dos centros de armazenamento da memória e dos valores. Deste modo, a decisão é sempre a soma do ambiente com a memória. No sistema de feed back quem controla uma variável não controla automaticamente o sistema, havendo um circuito de retroacção, onde o output do sistema regressa ao interior do sistema para influenciar o input. É o que acontece nos sistemas de aquecimento com os termóstatos ou no nosso organismos com o sistema de informação sobre a intensidade da luz que fecha a pupila. O output regressa ao sistema passando por um indicador que influencia o input, dado que, na entrada do sistema, o controlador tem ao seu lado um comparador. Se o indicador não está de acordo com o comparador, o controlador ajusta automáticamente a intensidade do input, tal como no sistema ocular se regula automaticamente a intensidade da luz transmitida. Utilizando a síntese elaborada por Badie e Gerstlé, eis que face a uma entrada de informação (input) no sistema, este ajusta a sua actividade, tendo em conta os resultados da sua actividade passada. Deste modo, incorpora os resultados da sua própria acão na nova informação que lhe permite modificar o comportamento ulterior. Permite a um sistema controlar e regularizar as perturbações sempre que elas se fazem sentir. Segundo Easton, o ciclo completo de uma retroacção compreende quatro fases: os outputs e os resultados considerados como estímulos; a reacção de retroacção; o regresso da informação respeitante à reacção; a reacção de outputs às reacções da retroacção.
Retirado de Respublica, JAM

Resistência passiva

Modelo de não-violência assumido por Gandhi e por Martin Luther King, próximo da chamada desobediência civil. Recentemente, entre as mais utilizadas formas de resistência passiva, temos a inércia física de uma massa de pessoas em manifestação, nomeadamente pelo corte de vias de comunicação, bem como as greves da fome, iniciadas pelas sufragistas inglesas, as greves de zelo ou as greves com ocupação do local de trabalho. Próximo do modelo está a auto-imolação pelo fogo, de que foi paradigmático o sacrifício do estudante checoslovaco Ian Palach, protestando contra a invasão soviética em 1968. Outra das formas são as marchas pacíficas com a formação de longos cordões humanos de manifestantes.
Retirado de Respublica, JAM

Restauração de 1808

Tudo se desencadeou no Porto, no dia 6 de Junho, por ocasião das festas religiosas realizadas na igreja de S. Domingos e invocando a Virgem Santíssima do Rosário, incendiando-se imeditamente quase todo o Norte, nomeadamente por ocasião da festa do Espírito Santo. Volta a agitar-se a revolta no Porto, no dia 16 de Junho, por ocasião da procissão do Corpo de Deus. Segue-se a revolta de Olhão no dia das festas de S. António, depressa propagada a todo o Algarve. Passa depois a Vila Viçosa e, em breve todo o país assistia a um levantamento popular contra a liberdade estrangeirada que nos havia invadido, invocando-se um libertacionismo quase biblíco (Sobre a matéria JOSÉ ACÚRSIO DAS NEVES, História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal e da Restauração deste Reino, in Obras Completas de José Acúrsio das Neves, vols. 1 e 2, Porto, Edições Afrontamento). E é no Porto que passa a constituir-se uma Junta Provisional do Supremo Governo, presidida pelo próprio bispo, D. António de S. José e Castro, com o apoio das tropas que haviam sido expedidas para jugular a revolta. Destaca-se também a acção em Vila Real, do conde de Amarante, o general Francisco da Silveira Pinto da Fonseca, enquanto no Algarve se salienta uma Sociedade Patriótica, dirigida pelo capitão Sebastião Brito Cabreira. Depressa esta revolta foi comandada ideologicamente pelo clero, em nome do altar e do trono, zurzindo na Revolução Francesa, criando-se um estado de coisas que apenas veio a ser confirmado pelo desembarque na costa de Lavos da expedição de 10 000 ingleses, comandanda por Wellesley. Por outras palavras, nesse ano de 1908, enquanto os ideais da liberdade nos chegavam da ocupação militar, os ideais reaccionários assumiam um sentido efectivamente libertador. Aliás, conforme nos narra José Acúrsio das Neves, resurgiram na altura alguns sebastianistas que viam sinais em ovos e passaram a olhar o mar tentando divisar uma iha encoberta donde viria o libertador. Certo dia, Junot, encontrando em Lisboa um multidão a olhar o mar, chegou a perguntar-lhes se esperavam por D. Sebastião ou pelos ingleses. José Acúrsio comenta que essas quimeras e opiniões extravagantes mostravam ódio aos usurpadores, salientando que tais mansos cordeiros podiam, à força de oprimidos, tornar-se leões selvagens (p. 381). Com efeito, a selvajaria revoltosa que se seguiu, contra o Maneta e outros opressores e colaboracionistas fez ressurgir alguns ódios antigos, sendo sintomático o caso de Vila Nova de Foz Coa, onde a multidão enfurecida gritando contra os franceses, depressa ambém gritou contra os judeus, atacando indiscriminadamente os comerciantes que julgavam descendentes dos cristãos novos. Segue-se a protecção inglesa com as vitórias de Roliça (17 de Agosto) e Vimeiro (21 de Agosto), permitindo a retirada do ocupante, nos termos da Convenção de Sintra de 2 de Outubro. Novo Conselho de Regência se estabelece imediatamente, integrado pelo bispo do Porto, depois patriarca de Lisboa, pelo conde de Castro Marim, futuro Marquês de Olhão, pelo marquês de Minas e por D. Miguel Pereira Forjaz. A partir de então desencadeia-se um processo de punição dos colaboracionistas, onde não faltam cenas de justiça popular que as autoridades pretendem controlar. O processo atinge momentos de delírio, tanto em Janeiro de 1809, como durante a própria Semana Santa, em Março. Entre Março e Maio de 1809, novo processo invasor, que apenas penetra do Minho até ao Porto, sob o comando de Soult. Em 6 de Julho de 1809, a regência é reduzida para três membros e Arthur Wellesley, passa a ter direito a assitir às reuniões. Os emigrados portugueses e as suas gazetas, principalmente o Correio Brasiliense e o Investigador Portuguez em Inglaterra, apoiados pelos liberais locais, lançam uma campanha de defesa destes elementos em toda a Europa, onde a solidariedade maçónica vai recriar uma lenda negra do reccionarismo português. Em Maio de 1810, nova remodelação, com o conde de Castro Marim, o conde de Redondo, o principal Sousa, Ricardo Raimundo Nogueira e o patriarca de Lisboa, tendo direito à assistir às reuniões o plenipotenciário inglês Charles Stuart que, pouco depois abdica em Beresford. Mas no Verão de 1810, já são 80 000 homens que nos invadem, sob o comando de Massena, a partir de Almeida, onde se integram vários portugueses, como os marqueses de Alorna e de Loulé, os condes do Sabugal e de S. Miguel, ou o então brigadeiro Manuel Inácio Martins Pamplona. Derrotados no Buçaco e nas Linhas de Torres, são, entretanto, obrigados a começar a retirar em Março de 1811, numa operação que vai durar até Outubro. A reacção das novas autoridades contra os colaboracionistas, abrangendo afrancesados, jacobinos e maçons, vai atingir o auge de 10 a 13 de Setembro de 1810, com prisões e deportações, num processo dito da setembrizada que atinge personalidades como Jácome Ratton, José Sebastião de Saldanha, Domingos Vandelli, José Vicente Ferreira Cardoso da Costa, e Manuel Ferreira Gordo, apesar dos protestos de Wellington. Com o findar da guerra em 1811, grupos de emigrados portugueses em Londres iniciam através de inúmeros periódicos, uma ampla campanha de propaganda liberalista que vai consolidar uma forte corrente de opinião. Assim, já em 1813 o escritor e panfletário absolutista José Agostinho de Macedo se lamenta que ninguém lê mais do que gazetas, nem quer ler mais do que gazetas. Com efeito, desde os finais do seculo XVIII, que parte importante da inteligentzia iluminista portuguesa encontrara refúgio na Grã Bretanha, quer como lugar de estudo quer como terra de exílio, daí fazendo janela aberta para as luzes da política. Conforme as palavras de Vitorino Nemésio, foi um movimento vagaroso, mas contínuo, de refugiados nossos, ali. A sementeira da Enciclopédia e da Revolução Francesa gerara dissidentes numerosos, muitos dos quais, marcados pela suspeição oficial. tomavam forçadamente como simples precaução a via-sacra do desterro (VITORINO NEMÉSIO, A Mocidade de Herculano (1810-1832), Amadora, Bertrand, 1979, II. A Experiência do Exílio, pp. 18 ss ). Foi o caso de Leonor de Almeida, Alcipe, a marquesa de Alorna, então condessa de Oeynhausen, irmã de um general de Bonaparte; do Abade Correia da Serra, fugido de Portugal por ter escondido na Academia o girondino e naturalista Broussonet, bem como de Silvestre Pinheiro Ferreira, em 1797, e de Francisco Solano Constâncio, que frequentou medicina em Edimburgo. O convívio com os oficiais britânicos de Wellington e de Beresford, depois das invasões francesas, vai facilitar essas relações. Mas é a partir da Vilafrancada (1823) e do regresso de D. Miguel (1828) que se estrutura uma autêntica emigração política. Continuando a seguir Vitorino Nemésio, saliente-se que, se até 1823, a emigração portuguesa em Inglaterra está reduzida a um núcleo de protestários contra a sociedade velha, mais ideólogos do que díscolos, e menos díscolos do que avessos ao fácil compromisso em que se vegetava por cá, eis que a Vilafrancada precipita em Londres o primeiro grupo de liberais já baptizados para a luta - não já os vagos jacobinos ou ajacobinados dos últimos anos lúcidos dde D. maria I e do go Governo do príncipe regente, mas os coriféus do vintismo, e até moderados ao gosto de Palmela(id. P. 39). É então que chegam Almeida Garrett, logo editor de O Chaveco Liberal, bem como Silva Carvalho, Ferreira Borges e Agostinho José Freire. Uma terceira leva chega a partir de Setembro de 1828, depois da Belfastada. Não é, pois de estranhar, que até 1832 se possam recensear cerca de trinta e dois periódicos portugueses editados além do canal da Mancha, dos quais importa destacar : Mercúrio Britânico (1798-1800); Campeão Português ou o Amigo do Rei e do Povo (1819-1821); Correio Braziliense (1808-1822), do maçon Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça (1774-1823); O Investigador Português em Inglaterra (1811-1819), fundado por Bernardo José de Abrantes e Castro bem como por Pedro Nolasco da Cunha e dirigido por José Liberato Freire de Carvalho, O Espelho Político e Moral (1813-1814), O Campeão Português (1819-1821), também dirigido por José Liberato; O Padre Amaro (1820-1826); O Portuguez, de João Bernardo da Rocha Loureiro (1778-1853) (e SILVA DIAS, op. cit., Vol. I, Tomo I, p. 576. Para um inventário destes periódicos, ISABEL NOBRE VARGUES, O processo de formação do primeiro movimento liberal: a Revolução de 1820, pp. 45 ss. ). Logo que a Corte se instalou no Brasil, voltou a constituir-se governo dominado pelo partido inglês. D. Rodrigo de Sousa Coutinho voltou a assumir as pastas da guerra e dos estrangeiros; o visconde de Anadia ficou a marinha e a D. Fernando de Portugal, futuro marquês de Aguiar, coube a assistência ao despacho, em acumulação com o reino e a fazenda. Ali se criam imediatamente o Conselho de Estado, a Mesa de Consciência e Ordens, o Conselho da Fazenda, a Junta do Comércio, a Intendência Geral da Polícia, o Desembargo do Paço, a Casa da Suplicação. O reino reproduzia-se no novo reino e em breve já éramos dois reino com o nome de Reino Unido. Expandimo-nos para a Guiana francesa e para a margem oriental do Rio da Prata, possessão espanhola. Tratado de 1810 com a Inglaterra abre os portos do Brasil ao comércio britânico. Criou-se o Banco do Brasil. Surgiu o plano de instrução delineado por Francisco Borja de Garção Stockler. Morte de D. Maria I em 1816, então com 82 anos. Duas revoltas liberais. Lisboa, com Gomes Freire, em 1817. No mesmo ano, a revolta do Pernambuco. Segue-se o governo de D. Rodrigo de Sousa Coutinho e depois o governo do Conde de Arcos (anti-britânico) e de Tomás António Vila Nova Portugal (artido inglês). Palmela nomeado para os estrangeiros, ficou na Europa.
Retirado de Respublica, JAM

Resíduos e derivações

O dualismo elite-massas das teses de Pareto assenta nos conceitos de resíduos e derivações. Os resíduos são sentimentos persistentes dentro do comportamento social. São sentimentos, crenças e instintos que os racionalizam, como o instinto de combinações, a persistência dos agregados, a expressão dos sentimentos, a disciplina colectiva, a defesa individual, e os resíduos sexuais. As derivações são as ideias desenvolvidas para se justificarem os comportamentos sociais, os meios pelos quais as acções dos homens são explicadas e racionalizadas.

Combinações e agregações permanentes
Nos resíduos, há, por um lado combinações, a mistura de símbolos antigos ou sentimentos tradicionais com usos modernos (v. g. as cores verdes e vermelhas dos semáforos) e, por outro, agregações persistentes, os resíduos em estado puro, sem qualquer combinação. As elites correspondem, em geral, a combinações. As massas, a agregações persistentes. Nestes termos, considera que as ideias, os valores e as convicções só aparentemente comandam a conduta humana, dado que a mesma depende desses impulsos fundamentais.
Retirado de Respublica, JAM

Rerum Novarum [1891]

(PP.Leão XIII) Encíclica emitida em 15 de Maio de 1891.
Aí se entende por Estado não o que de facto tem este ou aquele povo, mas aquele que pede a recta razão em conformidade com a natureza, por um lado, e aprovam, por outro, as lições da sabedoria divina (prg.23). Ora, o principal vício estaria naquela mistura entre o naturalismo ou racionalismo em filosofia e o liberalismo na moral e na política, ambos assentes no princípio fundamental da soberania da razão humana que, negando a obediência devida à divina e eterna razão e declarando‑se a si mesmo independente, converte‑se no princípio supremo, fonte exclusiva e juiz único da verdade. Assim, a negação do domínio de Deus sobre o homem e sobre o Estado arrasta consigo como consequência inevitável a ausência de toda a religião no Estado, e consequentemente o abandono mais absoluto em tudo o que se refere à vida religiosa. Arma a multidão com a ideia da sua própria soberania, facilmente degenera na anarquia e na revolução; e suprimindo os freios do dever e da consciência não fica senão a força; a força que é radicalmente incapaz de dominar por si só as paixões das multidões (prg.12).
Retirado de Respublica, JAM

Republicanismo

Para além do republicanismo que apenas se assume negativamente, como sentimento contrário aos regimes monárquicos, há um sentimento político mais antigo e que vai além dessa distinção formal. Em sentido amplo, corresponde à ideia de política como contrária à tirania. Em sentido intermédio, a ideia de que o governante e o governado são a mesma coisa e que o exercício do poder deriva mais do consentimento do que do hábito de obediência.
Retirado de Respublica, JAM

República universal

Para Kant, a república universal (Weltrepublik) constitui um mero princípio regulativo, enquanto imperativo categórico. O mesmo imperativo que impõe um Estado-razão, enquanto exigência para se superar o estado de natureza, visando estabelecer o reinado do direito na sociedade das nações. E isto porque a paz pelo direito não é uma quimera, mas um problema a resolver, consequência do reinado do direito, que o progresso um dia estabelecerá. Nesta base, critica a ideia da monarquia universal, considerando-a como um despotismo sem alma, depois de ter aniquilado os germes do bem, acaba sempre por conduzir à anarquia, defendendo as leis públicas de uma liga de povos que crescerá sempre e abraçará finalmente todos os povos da terra. Como espaço intermédio, acredita numa simples aliança confederativa entre Estados soberanos: pode chamar-se a esta espécie de aliança (Verein) de alguns Estados, fundada na manutenção da paz, um Congresso permanente dos Estados, à qual é permitido a cada um dos Estados vizinhos associar-se. Tal foi (pelo menos no que diz respeito às formalidades do direito das gentes, relativamente à manutenção da paz) a assembleia dos Estados Gerais que teve lugar em Haia na primeira metade deste século e onde os ministros da maior parte das cortes da Europa, e mesmo as mais pequenas repúblicas, apresentaram as suas queixas contra as hostilidades promovidas por uns contra os outros e fizeram assim de toda a Europa como um só Estado federado, que transformaram em árbitro dos seus diferendos políticos... Não é, pois, preciso aqui entender por Congresso senão uma espécie de união voluntária e revogável a qualquer tempo, de diversos Estados e não como a dos Estados Unidos da América, uma união fundada numa constituição política e, portanto, indissolúvel. Só assim pode realizar-se a ideia de um direito público das gentes que acabe com os diferendos entre os povos de uma maneira civil, como através de um processo e não de uma maneira bárbara (à maneira dos selvagens), isto é, pela guerra.
Retirado de Respublica, JAM

República ocidental

Augusto Comte (1798-1857), no Catecismo Positivista de 1848, vai depois propor a criação de uma República Ocidental, com as cinco grandes potências do Ocidente (França, Alemanha, Grã-Bretanha, Itália e Espanha), associadas às nações escandinavas, à Holanda, á Bélgica, a Portugal e à Grécia, um conjunto que, depois, se estenderia a doze outros países considerados coloniais, nos quais incluía os Estados Unidos da América e várias nações sul-americanas. Haveria na grande República ocidental uma divisão em sessenta repúblicas independentes, que só terão verdadeiramente em comum o regime espiritual. Nela jamais surgirá autoridade temporal capaz de mandar em toda a parte, como o inútil imperador da Idade Média, que não passou, em relação ao sistema católico, de um resquício perturbador, empiricamente emanado da ordem romana. Cada nação conservaria a respectiva bandeira, mas em cada uma delas se inscreveriam as divisas positivistas, de um lado, ordem e progresso, do outro viver para outrém. Surgia assim um projecto confederativo, dirigido por um comité, onde inicialmente estariam oito franceses, sete ingleses, seis alemães, cinco italianos e quatro espanhóis. A capital seria em Paris, mas quando a confederação fosse alargada, o centro passaria para Constantinopla. Haveria uma marinha e uma moeda comuns e uma das espécies teria até o nome de Carlos Magno.
Comte considerava, no entanto, que o sentimento nacional ainda constituía o verdadeiro intermediário entre a afeição doméstica e o amor universal. Nesta base, referia expressamente que Portugal e a Irlanda, se não surgir nestes qualquer divisão, formarão no começo do próximo século as maiores repúblicas do ocidente. A sua intenção era a de restringir a santa noção de Pátria, que se tornou demasiado vaga e consequentemente quase estéril entre os modernos, dada a exorbitante extensão dos Estados ocidentais. Considera que uma população de um a três milhões de habitantes constitui a extensão que convém aos Estados verdadeiramente livres, pois só assim se hão-de classificar aquelas cujas partes estão todas reunidas sem qualquer violência pelo sentimento espontâneo duma activa solidariedade. O prolongamento da paz ocidental, ao dissipar os receios sérios de invasão exterior, e mesmo de coligação retrógrada, não tardará em fazer sentir por todo o lado a necessidade de dissolver pacificamente certas agregações fictícias, e definitivamente desprovidas de verdadeiro interesse. Assim, prevê que antes do final do século XIX, a República Francesa achar-se-á livremente decomposta em dezassete repúblicas independentes, cada uma delas formada por cinco departamentos actuais.
Retirado de Respublica, JAM

A República

1848 - Jornal publicado em 1848, sob a invocação do lema Republica circumit orbem. Tem como subtítulo Jornal do Povo.

1870 - Jornal republicano, com o subtítulo de Jornal da Democracia Portuguesa, surgido em 11 de Maio 1870, onde colaboraram Antero de Quental, Oliveira Martins, Eça de Queirós, Luciano Cordeiro, Manuel Arriaga e Batalha Reis. No primeiro número, Antero proclama: “a república é, no Estado, liberdade; nas consciências, moralidade; no trabalho, segurança; na nação, força e independência. Para todos, riqueza; para todos, igualdade; para todos, luz”. Acrescenta: “não é só reorganização do Estado nas instituições, é ainda reorganização do indivíduo nos sentimentos, porque, se a república assenta sobre o direito, o direito republicano, esse, assenta sobre a moral”. Invoca Proudhon, Michelet, Feuerbach e Littré.

Retirado de Respublica, JAM

sexta-feira, 2 de março de 2007

Representação

Do lat. re + proesentare, trazer de volta alguém ou alguma coisa. A representação política é uma instituição proveniente do direito privado e da teologia. Com efeito, o representante é sempre aquele que está presente em vez de um outro, é sempre alguém que presentifica o representado. A pessoa representada é apenas presentificada ou apresentada.
A ideia teológica
Com a teologia cristã a ideia de representação pretende, sobretudo, abranger a presentificação da divindade, deixando de ser a mera cópia ou representação figurativa. O representante depende do representado.
A ideia jurídica
De acordo com teoria do Digesto: a relação entre um auctor e um actor, onde o primeiro autoriza o segundo, através de um mandato ou de uma delegação.
A ideia política
A aplicação do conceito à política, com a distinção entre o proprietário do poder e o funcionário ou vigário. A ideia etimológica de ministro como o servus ministerialis e o conceito jurídico de poder-dever. — O aparecimento da técnica da representação política no consensualismo medieval. A teoria parlamentar das Cortes Gerais e a Magna Charta.

Jusnaturalismo católico renascentista
A segunda ideia marcante é a de representação política. Com efeito, há em toda a escolástica política uma ideia pactista ou consensualista. Um pacto de sujeição que explica provir o poder do rei de um pacto estabelecido entre este e o reino. O rei tem poder, mas só a representação global do reino, a conjugação do rei com as Cortes, tem plena autoridade. Com efeito, esta democracia não se produzia, como o vão antever os iluministas, num vazio social ou através de uma abstracção. Como assinala Luis Legaz y Lacambra lo essencial es que los pactos se establecen dentro" de un orden social, en cuya naturalidad se cree. Deste modo, no pacto entre o principe e o reino este é visto como um todo, unitariamente considreado, e não como o vai entender o radical individualismo religioso da Reforma e o individualismo que dele deriva. Trata-se contudo de uma democracia que, em vez da representação quantitativa da democracia contemporânea do sufrágio universal, adopta as teses da representação qualitativa, onde o povo é representado pela sua valentior pars, podendo delegar o poder num príncipe, como o subscreve Marsílio de Pádua no seu Defensor Pacis, de 1324. A este respeito, convém recordar que a dinastia de Avis havia sido instaurada na consequência da crise de 1383-1385, onde, se houve Aljubarrota e a aliança com os ingleses, também não deixou de existir o facto político das Cortes de Coimbra de 1385, onde o rei foi eleito per hunida comcordança de todollos gramdes e comuu poboo, em nome do princípio da lex regia e do Q. O. T., do quod omnes tangit ab omnibus approbari debet, o porque é direito que às coisas que a todos pertencem e de que todos tenham carrego sejam a elo chamados, conforme palavras das mesmas Cortes.

Representação em Hobbes e em Locke
— A tese de Hobbes.
A persona ficta do Leviatão como o representante ou actor dos indivíduos. A personalidade colectiva como a máscara com que o actor desempenha um determinado papel.
— A teoria da autorização em John Locke.
A autoridade legítima como aquela que tem consentment e trust (confiança) do povo. A relação entre o povo e os seus magistrados, como processo de autorização dada a estes para agirem em seu nome e para o interesse comum.

Montesquieu
A tese de Montesquieu. A representação política como forma de distinção entre a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos (Constant). — A tese de Sieyès. A consideração de que o povo não pode falar e não pode agir a não ser através dos seus representantes. A passagem do mandato imperativo, existente nas instituições representativas do Ancien Régime, ao mandato representativo. A passagem do procurador dos concelhos aos deputados da Nação. A eleição como forma de conferência do mandato dos eleitores aos eleitos. — A opinião crítica como a forma iluminística de opinião pública. As assembleias políticas à imagem e semelhança das academias do iluminismo. A existência de um corpo escolhido de cidadãos como processo de representação do espaço público.

Stuart Mill
Para Stuart Mill, é o processo pelo qual a totalidade ou parte do pvo exerce o poder último de controlo por intermédio de deputados periodicamente eleitos.

Representação HAURIOU, 134, 924

Weber
Max Weber salienta que a representação é uma situação de facto pela qual a acção de certos membros do grupo, os representantes é imputada a outros ou deve ser considerada por estes últimos como legitimada.

Giovanni Sartori salienta que a representação pode ser entendida em três sentidos. No sentido jurídico, significa o mesmo que mandato. No sentido sociológico é o mesmo que representatividade, que similaridade e semelhança. No sentido político, identifica-se com a ideia de responsabilidade. Já a representatividade personifica certos traços existenciais do grupo, da classe ou da profissão donde se é proveniente.
O representante tem, assim, um duplo dever: para com eleitorado e para com a assembleia ou a instituição onde actua como representante. Liberta-se assim da ideia restrita de mandato, onde, como mandatário, teria de cumprir as promessas feitas ao mandato. Difere também da ideia de delegação de poderes.
Retirado de Respublica, JAM

Réorganisation (De la) de la Societé Européenne, 1814

O título completo do texto de Saint-Simon e Augustin Thierry é o seguinte: De la Réorganisation de la Societé Européenne, ou de la Necessité et des Moyens de Rassembler les Peuples de l'Europe en un Seul Corps Politique en Conservant à Chacun son Indépendance Nationale. Logo após a primeira queda de Napoleão, em Outubro de 1814, um mês depois de se iniciar o Congresso de Viena, conforme salienta Rougemont, constitui o primeiro modelo de unificação europeia que rompe com a tradição dos anteriores projectistas da paz, dado que, em vez de dirigir-se aos príncipes, volta-se directamente para os povos, propondo a eleição de um parlamento europeu. O modelo, que invoca a experiência medieval, embora substitua a fé religiosa pela fé na ciência, considerada como le nouveau christianisme, prevê, a existência de um rei europeu, apoiada num sistema de duas câmaras, uma com pares de nomeação régia e outra, com representantes das grandes categorias económicas e profissionais. Durante a Idade Média oferece-nos a Europa a imagem de uma síntese política, coordenada sob o influxo do princípio cristão, ou antes católico, incarnado no papado. Desde o Tratado de Vestefália, porém, toda a unidade se desvaneceu. Surda ou declarada a guerra tornou-se permanente. A história é uma série de emboscadas. Apenas, como trégua passageira, pode tomar-se a paz concluída. O único meio de estabelecer na Europa uma paz duradoura é reunir os povos numa única organização. Tão justa e grande ideia teve, de facto, o Abade de Saint-Pierre. Foi, porém, incompleta, impraticável, quase. O seu plano deixava de pé o antagonismo de interesses, não criando uma autoridade suficientemente forte, a fim de tornar impossíveis resistências. A primeira condição de uma organização política europeia é a homogeneidade das partes que a compõem. As instituições devem, por assim dizer, tornar-se a consequência de uma concepção única, e o governo deve, a todos os respeitos, conservar a mesma forma, invariável sempre. O governo geral deve estar independente dos governos nacionais. Aqueles que compuserem o governo geral devem ser arrastados pela sua posição à concepção de vistas gerais, ocupando-se especialmente dos interesses gerais. Neles reside o poder em toda a plenitude. Nada devem aos estranhos. E disto se devem compenetrar. Acima de tudo a opinião pública, cujo órgão eles representam. A melhor forma de governo é a parlamentar, em virtude da qual o governo pertence ai rei e às duas câmaras. Por isso que o governo parlamentar é o melhor de todas as constituições, - devem todas as nações europeias ser governadas, cada uma por um parlamento nacional, concorrendo assim para a formação de um parlamento geral, cuja missão é decidir acerca dos interesses, comuns a toda a sociedade europeia. A Europa teria a melhor organização possível, se todas as nações que ela encerra, sendo governadas, cada uma por um parlamento, reconhecessem a supremacia de um parlamento geral, colocado acima de todos os governos nacionais, e investido do poder de julgar as suas contendas. Observada esta fórmula, aliás muito clara e precisa, nada mais nos resta do que traçar a constituição de um parlamento europeu. A sua formação constará de uma câmara de deputados, de uma câmara de pares e de um rei. A câmara de deputados, exclusivamente composta de sábios, de magistrados e de administradores, será formada de duzentos e quarenta membros, em razão de quatro deputados para cada milhão de europeus, versados nos elementos de leitura e de escrita: um negociante, um magistrado, um sábio e um administrador. A câmara dos pares será composta de um número indeterminado de membros, eleitos pelo rei. Contudo, o projecto é naturalmente marcado pelas circunstâncias da queda de Napoleão e procura sobretudo resolver o entendimento entre franceses e britânicos, propondo que a relação entre as duas potências se coloque no plano dos interesses comuns e dos entendimentos sólidos. Mas, se no plano da política interna europeia se adopta uma postura pacifista, porque isso corresponderia ao interesse dos produtores, eis que o projecto não deixa de considerar a expansão colonial como um dos principais objectivos da unidade europeia proposta.
Retirado de Respublica, JAM

Relvas, José Maria Mascarenhas (1858-1929)

Grande agricultor ribatejano. Ministro da fazenda do governo provisório, de 12 de Outubro de 1910 a 3 de Setembro de 1911. Ligado a Manuel Brito Camacho, logo nomeia Inocêncio Camacho para secretário-geral do ministério, donde passa para governador do Banco de Portugal. Representa o grupo do directório do partido e conta com especiais ligações ao jornal A Luta. Surge, depois, como aliado de João Chagas. Um dos principais líderes da Associação Central da Agricultura Portuguesa. Presidente do governo de concentração republicana, de 26 de Janeiro a 30 de Março de 1919, que faz a transição do sidonismo para a nova República Velha.
Retirado de Respublica, JAM

Religião secular

A ideologia aproxima‑se do conceito de religião temporal ou de religião secular. Julien Benda falava no facto de se ver "cada paixão política munida de toda uma rede de doutrinas fortemente constituídas onde a única função é a de representar, para todos os pontos de vista, o supremo valor da respectiva acção, e nas quais se projecta decuplicando naturalmente o seu poder passional". [O regime] soviético, ao apresentar uma intenção de Estado Universal, foi também acompanhado por uma espécie de religião secular, como assinala Jules Monnerot, dado que "o poder temporal e público é acompanhado de um poder menos visível que, operando para além das fronteiras do império, enfraquece e mina as estruturas sociais das comunidades vizinhas". Assim, "como o Islão conquistador, ignora a distinção do político e do religioso e, se aspira simultaneamente ao duplo papel de Estado universal e de doutrina universal, não é, desta vez, no interior de uma civilização de um 'mundo' coexistindo com outras civilizações, com outros 'mundos', mas à escala da Terra". Mas esta Europa que temos, esta união europeia que vamos institucionalizando é marcada por uma ordem que, como dizia Aron, não é a fundada na "independência dos Estados nacionais", nem a da "religião secular, com a sua igreja, a sua teologia, o intérprete ‑ uma vez papa e outra imperador ‑ dos profetas". Para o mesmo autor " a ordem que oferece o Ocidente não é nem imperial, nem totalitária, fundar‑se‑á sobre uma mistura de hegemonia do mais forte e de um consentimento real dos menos fortes". Religião temporal ou secular, 10, 86
Religiosismo e direito natural, 137, 957
Retirado de Respublica, JAM

Relativismo e Valores

No plano da concepção dos valores, a corrente que se opõe ao absolutismo da ética material dos valores, marcada pelo idealismo absoluto e pelo essencialismo. Considera os valores como realidades relativas, marcados pela subjectividade (os valores não estão constituídos antes de se subjectivizarem) e pela bipolaridade (para que uma coisa valha requere-se que possa não valer). O mesmo que ideal-realismo e que materialismo transcendental. Considera que a subjectividade é que torna efectiva a objectividade dos valores, que só pela existência é que se realiza a essência, que os valores não são, dado que apenas valem. Em oposição temos a ética material dos vaores, para a qual o mundo do ser está separado do dever-ser, que os valores estão separados da existência, porque o homem não cria valores, apenas os descobre, dado que os valores são tão objectivos quanto os princípios lógicos ou as leis matemáticas.
Retirado de Respublica, JAM

Relação social

Weber propõe que se supere o conceito marxista de facto social, demasiado causalista, com a ideia de relação social, oriunda de Bonald e de Comte. Uma relação social é entendida como o comportamento reciprocamente referido quanto ao seu conteúdo de sentido (Sinngehalt) por uma pluralidade de agentes e que se orienta por essa referência. Nestes termos, toda a acção, especialmente a acção social e, por sua vez, particularmente a relação social podem ser orientadas pelo lado dos participantes, pela representação da existência de uma ordem legítima. A ideia de relação social seria mais ampla, dado integrar tanto a relação causal como a co-relação significativa, admitindo que os seres humanos regulam aos seus comportamentos relativamente aos outros. Na procura da superação do causalismo mecânico, outros autros tentam alternativas, como Pareto, com a noção de dependência mútua, e Georg Simmel, com a de acção recíproca.
Relações sociais
- Ideias incarnadas na acção P. WINCH, 17, 121~Relações sociais –Comte, 27, 175.
- Marx a sociedade é um simples conjunto de relações sociais:" a essência humana não é um abstractum inerente ao indivíduo singular. Na sua realidade efectiva, é o conjunto das relações sociais".
Jellinek: O Estado enquanto realidade social não passaria de "uma mera soma de determinadas relações sociais, que se traduzem em actividade entre os homens". Ora, na realidade social, existem "unidades teleológicas", isto é, comunidades humanas marcadas por fins comuns, onde se detectam relações entre aqueles que comandam e aqueles que obedecem.
- Bonald, com efeito, considera que a sociedade, feita de "relações sociais", expressão por ele inventada, não é redutível a um complexo contratual de relações inter‑individuais, dado que deriva de um princípio sobrenatural, a vontade de Deus, que é a fonte de todo o poder.
- Lévi‑Strauss, para quem a maior parte das nossas relações sociais tem carácter inconsciente e que cada membro da sociedade tem, desta, uma visão que não corresponde à realidade do todo.
- Refira‑se que o mesmo Comte foi também um dos primeiros autores a aplicar o conceito de relações sociais, numa perspectiva organicista, cabendo‑lhe também a invenção da expressão altruísmo, o que bem revela não só a originalidade do respectivo pensamento como também as efectivas influências que o mesmo deixou na nossa forma mentis. Quem é dono de tal poder de invenção vocabular não pode, pois, deixar de ser considerado como um efectivo profeta da humanidade.
Relações sociais derivam de Deus BONALD, 131, 911
Retirado de Respublica, JAM

Reificação do homem

Categoria marxista elaborada pelo húngaro Gyorgy Luckács em 1923 (Versaclichung). A transformação do homem em simples objecto, segundo um modelo maquinal. O termo introduzido por Marx foi, depois, assumido por Marcuse e pelos teóricos da Escola de Frankfurt.
Luckács considera que a consciência de classe do proletário é que pode vencer essa transformação do homem num objecto, segundo um modelo maquinal. Contra o capitalismo, onde a racionalização fundada no cálculo incorpora o trabalhador como parcela mecanizada num sistema mecânico, salienta que o sentido revolucionário é o sentido da totalidade, uma concepção total do mundo onde o conhecimento e a acção, bem como a teoria e prática são identificadas. Distancia-se assim do materialismo mecanicista, que considera um simples positivismo, acentuando o papel da consciência humana que não reflecte passivamente uma prévia realidade empírica.
Retirado de Respublica, JAM

Reificação

Erro metodológico que leva a que se confunda uma noção com a realidade dado que a noção não passa de algo apenas concebido para a descrição da realidade. Pode assim gerar-se um nominalismo que atende mais ao nome do que à coisa.

Retirado de Respublica, JAM

Reich, Wilhelm (1897-1957)

Membro destacado da Escola de Frankfurt. Doutor em medicina e psicanalista. Começando por ensinar em Viena, emigra para os Estados Unidos, onde é professor desde 1939. Tenta aproximar Freud e Marx. Tenta identificar o conceito freudiano de repressão dos instintos ao conceito marxista de alienação económica.
Retirado de Respublica, JAM

domingo, 25 de fevereiro de 2007

Reino Unido

(United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland) 242 407 km2 e 57 410 000 habitantes; segundo a fórmula de Cline, 68. O núcleo genético dominante do Reino Unido, a Inglaterra, é de origem medieval; a ele se foram juntando o País de Gales, em 1563, a Escócia, em 1707, e a Irlanda, em 1800, embora esta parcela, a partir de 1921, se tenha cindido, apenas permanecendo o Ulster.
Com ou na Europa?
Foi este Reino Unido que sempre manteve uma relação ambígua com a restante Europa, bem expressa por Winston Churchill que quando pugnava por uns Estados Unidos da Europa sempre dizia que we are with it but not of it. Com efeito, os britânicos, sempre assumiram relativamente aos assuntos europeus, não uma relação de alheamento, mas sim um pleno intervencionismo marcado pelo ritmo da balance of power, isto é, uma promoção das divisões entre as potências dominantes no continente, para que o processo de intervenção fosse o menos custoso possível.

Henrique VIII
O Reino Unido é sobretudo Henrique VIII e a formação da Estado-Igreja anglicano, feito contra Roma, mas também contra os luteranos e os calvinistas. Um anglicanismo que constitui uma espécie de catolicismo de Estado. bem como o estabelecimento do conceito de balance of power. Aquela que vai ser a matriz do liberalismo, da tolerância, da separação de poderes e da democracia constitucional, tem o seu ponto de partida na tirania de uma coroa que torna súbditos os dependentes e até vai entrar na modernidade teórica com o soberanismo de Thomas Hobbes.

Com Isabel I, a Inglaterra vê chegar a rainha dos mares. Sobe ao trono em 1558. Perante a pressão espanhola em terra, prefere a guerra no mar. Começa o conflito com Espanha em 1585. Adopta a política do compromisso continental, mandando tropas para apoiar os rebeldes holandeses contra Filipe II. O objectivo era o de impedir os objectivos de Filipe II em terra e de arrasar o seu império no mar.
Estratégia indirecta
A estratégia da balança do poder britânica, além do imperialismo ultramarino, marcado pela triáde do comércio (free trade), marinha (poder naval) e colónias, não era exclusivamente ribeirinha. Sempre assumiu uma intervenção continental, embora envolvente, ou através da chamada estratégia indirecta, procurando conter no terreno os inimigos principais, apoiando os adversários destes. Apoia os holandeses em terra contra a Espanha; apoia os franceses contra a Espanha.

Cromwell e a republica dos santos
A primeira revolução inglesa, de 1642-1660, leva Cromwell a cria uma república de santos, a primeira grande ditadura dos tempos modernos. Em 1649 Carlos I era decapitado. Era Hobbes a mandar. É durante a governação de Cromwell que se desencadeia a guerra comercial com os holandeses em 1652-1654, na sequência do Navegation Act de Outubro de 1651, quando Cromwell estabelece o proteccionismo e o mercantilismo Novas guerras em 1652-1654, 1665-1667 e 1672-1674. Pela Paz de Westminster de 1654, os holandeses reconhecem o Navigation Act. O que permite a Cromwell aliar-se à França de Mazarino contra os espanhóis, com efeitos no aumento do Império (em 1655 eraocupada a Jamaica). No plano interno, importa assinalar o nascimento em 1647 dos Levellersm defensores de um povo orgânico, dirigido por uma elite. Individualistas, não atacam a privada e defendem o parlamento como mero delegado do poder soberano. Já os Diggers, aparecidos em 1649, assumem-se como os verdadeiros niveladores e combatem a propriedade privada. O respectivo líder, Wistanly chega a publicar em 1652 uma obra intitulada Law of Freedom, onde se assume como um dos primeiros socialistas, defendendo a própria propriedade colectiva da terra.
Restauração dos Stuarts
A república dura apenas dois anos depois da morte de Cromwell em 1658, dura dois anos até à restauração dos Stuarts na pessoa de Carlos II que vai reinar de 1660 a 1685. Neste reinado, nova guerra com os holandeses entre 1665 e 1667, com a humilhante raid de Ruyter no Tamisa. Entretanto os ingleses pelo Tratado de Breda de 31 de Julho de 1667 aumentam os seus domínios colonais, passando a dominar a colónia holandesa de Nova Amsterdão, que passa a Nova York. Nova guerra com a Holanda em 1672-1674. O parlamento obriga Carlos II a abandonar a aliança coma França em 1674 e a abandonar a guerra com a Holanda.

A Carlos II sucede em 1685 o irmão, o duque de Iorque, católico, que se assume como Jaime II. Nesse mesmo ano Luís XIV revoga o edito de Nantes. Surge então o confronto entre os tories, que defendem a supremacia do poder real face ao parlamento, e os wighs, que defendem e votam a exclusão do rei, dominando o parlamento, mas cujas pretensões são sucessivamente adiadas pela Câmara dos Lordes até 1690.

Glorious Revolution
A segunda revolução começa em 1688, instaurando-se o regime parlamentar. Contra o católico Jaime II, surge a candidatura de uma filha deste, Mary, casada com o protestante Guilherme de Orange. Em 5 de Novembro de 1688, dá-se o desembarque de Guilherme de Orange, depressa reconhecido como regente do reino. Desembarca em nome da Liberdade, Parlamento e Protestantismo, levando ao triunfo da monarquia contratual defendida pelos wighs. Em Fevereiro de 1689, chega a rainha Mary, acompanhada por John Locke, e é emitida a Declaration of Rights. A Glorious Revolution não nasce de um banho de sangue e assume o consenso entre o rei e o parlamento.

Na Guerra da Sucessão de Espanha, os ingleses participam de 1700 a 1712. São os grandes beneficiários dos tratados de Utrecht (1713) e Rastadt (1714). Ganham Gibraltar e Minorca na Europa. Nas colónias obtêm a Nova escócia, a Terra Nova a baía de Hudson e importantes concessões comerciais na América do Sul. Asseguram a sucessão da monarquia protestante.
A união da Inglaterra com a Escócia, oficialmente constituída em 1707, com a rainha Ana (1702-1714) culmina um processo de união pessoal, conseguida a partir de 1603, quando os Stuarts assumiram o trono inglês.

Casa de Hanôver
Sobe ao poder Jorge I em 1714, inaugurando-se a casa de Hanôver, inaugurando-se um novo sistema de governo, com base num partido e chefia de um primeiro-ministro. Conflitos com a França: No período que decorre de 1689 a 1815, o principal inimigo britânico é a França. Entre as duas potências vai haver sete guerras. O jogo da balança do poder. Há intervenções militares directas dos ingleses no continente. Há apoio financeiro aos inimigos da França (entre 1756 e 1760, a Prússia vai receber subsídios britânicos). Alia-se com a Áustria na guerra da Sucessão da Áustria (1740-1748). Alia-se com a Prússia na guerra dos Sete Anos (1756-1763), utilizando Frederico II como a sua espada continental, ao mesmo tempo que se desenrola uma guerra colonial franco-inglesa entre 1755-1763. Nesta sequência a Paz de Paris de 10 de Fevereiro de 1763 entre a Inglaterra, a França e a Espanha, onde a Inglaterra obtém o Canadá e a Louisiana, a leste do Mississipi, dos franceses, e a Florida, dos espanhóis. As possessões francesas na Índia são comprimidas.. Destrói o império colonial francês no Canadá e na Índia (Tratado de Paris de 1763). A Inglaterra assume-se como primeira potência colonial, mas eleva a Prussia à categoria de grande potência continental. Começa também a Revolução Industrial. Perde com a independência norte-americana, reconhecida pela Paz de Versalhes de 1783. A França, a partir de 1778, os holandeses, a partir de 1779, e os franceses, a partir de 1780, apoiam os revoltosos. Os ingleses estavam isolados. Tinham rompido com a Prússia a partir de 1762. Estavam sem aliados na Europa. Na década de oitenta tinha aliás surgido em Portugal, na Dinamarca e na Rússia uma espécie de neutralidade armada.
O nome de Grã-Bretanha: Em 1707, quando se deu a união definitiva entre a Inglaterra e a Escócia, em regime de união pessoal desde 1603, essa entidade passa a constituir a Grã-Bretanha; o tratado refere que as duas entidades forever united into one kingdom by the name of Great-Britain.
Reino Unido:
A partir de 1808, depois de oficializada a união com a Irlanda, passa a designar-se por Reino Unido. Constituído por England, Principality of Wales (2 798 000); união desde 1536; Scotland (4 957 000); união desde 1707; Ulster (1 570 000); união oficializada em 1800.

Governo de Pitt (1783-1801 e 1804-1806)
William Pitt the Younger (1759-1806) sobe ao poder em 1783, apenas com 24 anos. Ganha as eleições de 1784. Consolida o sistema parlamentar, institui a lei da responsabilidade ministerial. Adopta os princípios de Smith e institui um sistema livre-cambista. A partir da Revolução Francesa surgem os anos reaccionários.

Os grandes proprietários levam à adopção das corn laws de 1815, instituindo-se o proteccionismo. Nos anos vinte a questão irlandesa, depois da fundação da associação católica em 182 por O’Connel. Apesar de entre 1821 e 1827 os comuns terem adoptado vários bills para a emancipação dos católicos, a Câmara dos Lordes nunca deixou passou a medidade. Só em 1829 dá-se a emancipação dos católicos que passam a cidadãos de primeira.

A era vitorina (1837-1901)
Neste período surge o rotativismo entre liberais e conservadores. Face à reforma eleitoral de 1832 desencadeia-se o movimento do chartism a favor do sufrágio universal que consegue mobilizar em 1839 uma petição subscrita por um milhão de pessoas, mas que fracassa na greve geral de 1842, organizada a partir de Manchester.
Em 1939, sob a liderança de Richard Cobden organiza-se a Anti-Corn Law League.
De 1841 a 1846 surge o governo de Robert Peel, um tory marcado pelo livre-cambismo que revoga as corn laws em 1846, provocando uma dissidência entre os conservadores entre os peelists, adeptos do livre-cambismo, entre os quais se encontra o futuro líder dos liberais Gladstone, e os proteccionistas, chefiados por Disraelli.
Retirado de Respublica, JAM

Reino, A Ideia de

Foi antes do chamado renascimento que ocorreu o verdadeiro renascimento da política quando, nos séculos XII e XIII, surgiu a realidade nova dos reinos, em dialéctica com o Imperium e o Papado, e que os teóricos fundamentais dessa novidade foram sobretudo os escolásticos, a começar por São Tomás de Aquino. A novidade era a vitória de uma realidade nova que começara a emergir no século XIII: o regnum. Nova, face ao Imperium; nova, face aos senhorios. Porque tanto no Imperium como nos senhorios não haveria politica. O teorizador desses novos tempos era São Tomás de Aquino que vai retomar Aristóteles e Cícero, reagindo contra o agostinianismo político, onde o político tinha sido absorvido pela moral religiosa. Defendendo a autonomia da política que voltará a ser esmagada com o barroco e o absolutismo, onde vai imperar o sistema de Hobbes. A essa realidade nova vai chamar indistintamente civitas, communitas civitatis, respublica e regnum. Algo que já não é uma instituição necessária, produto do pecado original, como defendia o providencialismo de Santo Agostinho... A existência dos reinos é marcada pela espiritualização de um determinado território, quando uma determinada autoridade passou a controlar um determinado espaço invocando para o efeito um fim superior, um bem comum que passou a distinguir o interior do exterior. Um espaço que permite exercer a autoridade directa do rei, tanto no recrutamento de soldados como na recolha dos impostos. Ora, na Europa da Baixa Idade Média a dimensão óptima desse território, tanto pode seguir o paradigma inglês, onde bastam uns mero 15 000 km2, dado que a forte unidade não exigia um governo forte, como o paradigma francês, com um território cerca de cinco vezes superior, onde a fraca unidade implicou a existência de um governo forte para compensar a delegação e reparticção de poderes entre o centro e as periferias. No caso peninsular, se Castela se aproxima do modelo francês, até pelo recurso ao Imperium, já o modelo português, que tem como núcleo duro o Condado Portucalense, tem mais o estilo do modelo inglês, dado que o governo central utiliza mais a adesão do que a coerção, mais o compromisso do que a força, em virtude de existir uma unidade forte que dispensa os sinais autoritaristas de um governo forte. Além disso, o mesmo governo central porque não precisava de delegar e repartir poderes, não tinha de assumir atitude predadora para garantir a unidade. É a partir dessa nova realidade que floresce o laicismo de uma ideia racional do político. É a partir de então que se procura uma explicação pelo consentimento para essa organização dos homens. É a partir de então que se redescobre, na senda de Aristóteles e Cícero, que é só a partir do particularismo, da diversidade e da diferença que pode atingir-se o universal. Ou, como dizia J. Hirschberger, que pode dar-se a descoberta do infinito pela atenção ao finito. Assim se passa da transcendência à imanência, isto é, dum pensamento teocêntrico a um pensamento antropocêntrico que, contudo, não comete a ruptura cartesiana do deicídio nem a dissolução comunitária do individualismo. O político deixa, pois, de pertencer ao transcendente, passando a estar situado no seio da própria comunidade, laicizando-se ou secularizando-se, porque a graça não destrói a natureza, antes a perfeiçoa, como virá a sintetizar Francisco Suarez (gratia naturam non destruit sed perficiat). Trata-se, como observava Luís Cabral de Moncada, de uma forma existencialista, mas não anti-essencialista, dado que se admite a essência, mas através da existência, isto é, das coisas singulares e individuais. Como reconhece Gierke, surgiu, então, uma construção puramente secular do Estado, porque se passa a considerar o corpo político como o puro resultado de uma congregação de homens. Assim, retira-se ao político, como dirá Wilhelm Windelband, o poder mais elevado e, em certo sentido, a sua raiz metafísica. O homem continua enraizado e quando quer renascer pretende nascer de novo, pretende um regresso às fontes primitivas para se regenerar da degenerescência, pelo que a leitura dos antigos não significa um regresso nem entra em contradição com a descoberta de novos mundos. O humanismo renascentista ainda assenta no homem de sempre, consciente do seu enraizamento na terra e na comunidade. Não tem a ilusão de construir aquele homem novo que o cientismo posterior vai declarar, sucessivamente, dono e senhor da natureza e dono e senhor da sociedade.
Retirado de Respublica, JAM