terça-feira, 27 de março de 2007

Pessimismo antropológico

Para Maquiavel todos os homens são maus (P, 17). Porque são naturalmente animais egoístas. Porque a maneira como vivemos está tão longe da maneira como deveríamos viver, que aquele que põe de parte o que se faz para se preocupar com o que se deve fazer, cavará a sua própria ruína em vez de prover ao seu sustento. Os homens actuam pelo curto prazo (è apressa) e não pelo longo prazo (discosto). Dele deriva a célebre frase, segundo a qual, a longo prazo estamos todos mortos. Ninguém sacrifica um ganho imediato a pensar num lucro futuro (a lógica de valer mais um pássaro na mão do que muitos a voar). Assim considera que a vida é um jogo de soma zero, onde o enriquecimento de uns é feito à custa do empobrecimento de outros e onde o poder de uns é conseguido à custa da falta de poder de outros. O Principe é assim visto como aquele que serve para dar aos súbditos uma perspectiva de longo prazo: A intervenção do Principe consiste em igualizar os egoísmos em si mesmos anarquizantes, fazendo-os entrar numa sociedade concorrencial guiada por uma perspectiva de longo prazo (Edmon, p. 495).
Retirado de Respublica, JAM

Piemonte

O reino do Piemonte que esteve na base da unificação italiana em 1861, tem origem no Grão-Ducado da Sabóia que, no século XVII, ainda constituía uma espécie de protectorado francês. A partir do ducado de Sabóia vai-se instituindo como que por agregação o Estado saboiano, com o condado de Nice, o ducado de Aosta, o principado de Oneglia, o marquesado de Monferrato e várias cidades piemontesas que levam o duque de Sabóia a intitular-se, já no século XVI, como Príncipe do Piemonte. Foi em 1559, pelo Tratado de Cateau-Cambrésis que o duque Emanuel Filibert voltou ao seu Estado, depois de se ter aliado ao Imperador na batalha de Saint Quentin. A partir de então instala-se em Turim, criando um exército local. No século XVII desenrola-se uma luta entre a facção pró-espanhola e a facção pró-francesa, com vitória desta última. Quando em 1675 sobe ao poder Victor Amadeu, a Sabóia era quase um protectorado francês, estando totalmente dependente de Luís XIV. Em 1690 e 1704, os territórios saboianos foram invadidos por franceses, mas em 1706, com a vitória na batalha de Turim, o norte de Itália livrou-se da ocupação das tropas franco-espanholas. Nos inícios do século XVIII retoma uma certa independência no contexto do equilíbrio europeu; pela Paz de Utrecht de 1713, Amadeu de Sabóia, além de receber o título de rei, obtém da Espanha a Sicília; entretanto, em 1720, faz uma troca com os Habsburgos austríacos, cedendo a Sicília e recebendo a Sardenha. Desde 1720, o grão-duque da Sabóia passa a assumir-se como Rei da Sardenha, destacando-se Carlos Emanuel III (1730-1773), um típico déspota iluminado, que alarga os seus domínios à Lombardia, Vítor Amadeu III (1773-1796) que se assume como inimigo da Revolução francesa e que em 1796 perde os territórios de Nice e da Sabóia. Em 1798 os territórios continentais do Piemonte são anexados pela França; Carlos Emanuel IV (1796-1802) já só governa a Sardenha; no reinado de Vitor Emanuel I (1802-1821) o reino, depois da Conferência de Viena de 1815 retoma as possessões continentais e vê acrescer os seus domínios com Génova; a partir de 1821, sob a regência de Carlos Alberto, rei de 1831 a 1849, estabiliza-se o modelo.
Retirado de Respublica, JAM

Pessoa, Fernando António Nogueira de Seabra (1888-1935)

O maior poeta português do século XX. Morre em 30 de Setembro de 1935, com 47 anos. Educado na África do Sul, onde a família se instala a partir de 1895, chega a frequentar a universidade de Capetown (1903-1904), depois de estudar na Commercial School de Durban. Vive profissionalmente em Lisboa como correspondente comercial, desde 1908, trabalhando em publicidade a partir de meados da década de vinte. Um dos fundadores da Orpheu, em 1915. Colabora em A Águia. Tem fundamentais páginas de reflexão política, onde se assume como feroz crítico do modelo da I República, chegando a exaltar o sidonismo do Presidente-Rei e, depois, a justificar a necessidade de uma ditadura militar. Contudo, não deixa de se manifestar como crítico agreste do salazarismo. Apesar de adepto do modernismo e de, assim, ter algumas coincidências com o nascente fascismo, é fortemente marcado pela educação britânica de cariz liberal. Contudo, o essencial das respectivas ideias políticas tem a ver com a teoria política de Portugal, onde assume uma perspectiva messianista e quintimperialista. Em síntese, quer aquilo que chegou a sintetizar como um nacionalismo liberal.
A ideia liberal
A defesa acérrima da ideial liberal aparece nomeadamente na Revista de Comércio e Contabilidade que edita entre Janeiro e Junho de 1926. Aí salienta que quanto mais o Estado intervém na vida espontânea da sociedade, mais risco há, se não positivamente mais certeza, de a estar prejudicando; mais risco há, se não mais certeza, de estar entrando em conflito com leis naturais, com leis fundamentais da vida, que, como ninguém as conhece, ninguém tem a certeza de não estar violando. E a violação de leis naturais tem sanções automáticas a que ninguém tem o poder de esquivar-se. Pretendendo corrigir a Natureza, pretendemos realmente substituí-la, o que é impossível e resulta no nosso próprio aniquilamento e do nosso esforço. Noutro local observa que o melhor regime político é aquele que permita com mais segurança e facilidade o jogo livre e natural das forças (construtivas) sociais, e que com mais facilidade permita o acesso ao poder dos homens mais competentes para exercê‑lo.
Conservantismo
Adopta, aliás, posições bastante próximas daquilo que designa por "conservantismo", que "consiste no receio de infringir leis desconhecidas em matéria onde todas as leis são desconhecidas". Porque "desconhecemos por completo as leis que regem a sociedade, ignoramos por inteiro o que seja, em sua essência, uma sociedade, porquê e de que modo se definha e morre", pelo que o "Estado é chamado a governar uma coisa que não sabe ao certo o que é, a legislar para uma entidade cuja essência desconhece, a orientar um agrupamento que segue (sem dúvida) uma orientação vital que se ignora, derivada de leis naturais que também se ignoram, e que pode portanto ser bem diferente daquela que o Estado pretende imprimir‑lhe".
(...) autoridade "é a força consolidada, translata, a força tornada abstracta", aquela base de governo que vem depois do governo da força e antes do governo da opinião.
Contudo, considera que "a autoridade não dura sempre, porque nada dura sempre neste mundo.Sendo a autoridade um prestígio ilógico, tempo vem em que, degenerando ela como tudo, a inevitável crítica humana não vê nela mais do que ilogismo, visto que o prestígio se perdeu".A autoridade é "incriável e indecretável, e a tradição, que é a sua essência, tem por substância a continuidade, que, uma vez quebrada, se não reata mais"
"o preceito moral,para ser verdadeiramente preceito,nunca esquece um certo limite" e que "o preceito prático ,para ser verdadeiramente preceito,nunca esquece uma certa regra".
"em matéria social não há factos científicos.A única coisa certa em ciência social é que não há ciência social. Desconhecemos por completo o que seja uma sociedade; não sabemos como as sociedades se formam, nem como se mantém,nem como declinam.Não há uma única lei social até hoje descoberta; há só teorias e especulações que, por definição, não são ciência".
"cada homem é, ao mesmo tempo, um ente individual e um ente social. Como indivíduo, distingue‑se de todos os outros homens; e porque se distingue,opõe‑se‑lhes. Como sociável, parece‑se com todos os outros homens; e porque se parece, agrega‑se‑lhes"
organizar é "fazer de qualquer coisa uma entidade que se assemelhe a um organismo, e como ele funcione", sendo organismo "uma entidade viva em que diferentes funções são desempenhadas por órgãos diferentes, incapazes de se substituirem entre si, e concorrendo todos, na sua entreacção de conjunto, para a manutenção e defesa da vida do conjunto do organismo, ou do organismo como conjunto". Neste sentido, "quanto mais alto o organismo na escala evolutiva,mais complexos os seus órgãos,maais diferenciados; e, quanto mais diferenciados esses órgãos, menos capaz é cada um deles de exercer a função que compete ao outro".
a nação teria sempre uma triplice relação com o passado, o presente(nacional e estrangeiro) e o futuro. Porque "em todos os períodos há forças que tendem para manter o que está, porque tendem a adaptar o que existe às condições presentes, e forças que tendem a dirigir o presente para um norte previsto,visionado no futuro".
Para ele "a Nação é uma entidade natural, com raízes no passado, e, poder‑se‑ia acrescentar, em linguagem paradoxa, mas justa, com raízes também no futuro. O Estado é fenómeno puramente do presente, tanto que se projecta em , e se consubstancia com, o Governo que esteja , de momento, de posse da actividade desse Estado"

Uma Nação é, assim, "um organismo específico em que, como em todos os organismos, lutam, sustentando‑o, forças que tendem a dissolvê‑lo e forças que tendem a conservá‑lo".

Forças de integração
Entre as forças de integração, coloca ,em primeiro lugar, "a homogeneidade do carácter nacional, cuja acção integradora consiste em nacionalizar todos os fenómenos importados do estrangeiro". Refere,em segundo lugar, "a coordenação das forças sociais" e, em terceiro, "a sociabilização das forças individuais", considerando que "a decadência artística e literária é o fenómeno mais representativo da decadência essencial de uma nação".

Temos, pois, que a nação é entendida como "um conceito puramente místico", como "um meio de criar uma civilização", como um "organismo capaz de progresso e de civilização". Porque "a nação sendo uma realidade social não o é material". É "mais um tronco do que uma raiz. O Indivíduo e a Humanidade são lugares, a nação o caminho entre eles... A Nação é a escola presente para a Super‑Nação futura".

Este conceito de nação como instrumento de uma Humanidade superior levou o mesmo poeta a reagir contra o lema do salazarismo que dizia "tudo pela nação, nada contra a nação", replicando com um "tudo pela humanidade, nada contra a nação" e considerando que "o Estado é simplesmente a maneira de a Nação se administrar: rigorosamente, não é uma coisa, mas um processo".

"o critério moral é absoluto, o critério político ou cívico é relativo. O Estado está cima do cidadão, mas o Homem está cima do Estado. Nenhum Estado, nenhum Imperador, nenhuma lei humana podem obrigar o indivíduo a proceder contra a sua consciência, isto é, contra a salvação da sua alma. O inferior não pode obrigar o superior".
"toda a criatura que hoje luta com a Alemanha deve saber que está lutando pelos princípios seguintes:
1. A Civilização está acima da Pátria.
2. O Indivíduo vale mais do que o Estado.
3. A Cultura vale mais do que a Disciplina
"toda a teoria deve ser feita para poder ser posta em prática, e toda a prática deve obedecer a uma teoria. Só os espíritos superficiais desligam a teoria da prática, não olhando a que a teoria não é senão uma teoria da prática, e a prática não é senão a prática de uma teoria".
Retirado de Respublica, JAM

Personalismo

Termo cunhado por Charles Renouvier que Emmanuel Mounier utilizou para qualificar o respectivo movimento iniciado em 1932, com a publicação da revista Esprit, onde pretende refazer a Renascença, revoltando-se como o mundo burguês e fascista. O termo chega também a ser utilizado por autores norte-americanos que, em 1920, a partir de Los Angeles, fundam a revista The Personalist.

Personalismo Comunitário
Expressão proposta por Jacques Maritain para a qualificação do respectivo humanitarismo integral, distinto do personalismo intitucional de Emmanuel Mounier. A expressão serve para qualificar a democracia comunitária, defendida pelos doutrinários da democracia-cristã, uma ideia de comunidade inspirada pelo amor e vivificada pela solidariedade.

Personalismo e direito natural LACROIX
Personalismo regime para pequenas nações em Mounier,
Personalização do poder. Ver Culto da Personalidade.
Retirado de Respublica, JAM

Persuasão

Do grego peíthein, significando contrário da violência e da coerção muda. É a característica típica do homem livre quando obedece a um governo. Daí veio o termo grego que significa meter em obediência: peitharkía, que, segundo Hannah Arendt indica claramente que a obediência era obtida por persuasão e não pela força. Infelizmente, os politólogos norte-americanos têm usado a expressão conotando-a com os processos ínvios da obtenção do consentimento pelo engodo e pela própria manha. A persuasão política como procura do consenso. A utilização da palavra para se cconseguir a adesão.
Retirado de Respublica, JAM

sexta-feira, 23 de março de 2007

Personalidade básica

Sobre a matéria M.DUFRENNE, La Personnalité de Base, Paris, PUF, 1953; ABRAHAM KARDINER, The Psychological Frontier of Society, Nova Iorque, 1945. Este último autor define a personalidade básica como "a configuração psicológica particular inerente aos membros de uma dada sociedade e que se manifesta por um certo estilo de vida sobre o qual os indivíduos tecem as suas variantes singulares". Por seu lado, JORGE DIAS, in Contribuição para o Estudo da Questão Racial e da Miscigenação, in Boletim da Academia Internacional da Cultura Portuguesa, nº 10, tomando em conta essa way of life na relação com outros povos e outras culturas, considera-a como "a constante em relação às variáveis constituídas pelas várias etnias que habitavam as diferentes regiões colonizadas"(p. 257).
Retirado de Respublica, JAM

Pequeno, Atracção pelo

A atracção pelas pequenas comunidades políticas, como o único sítio onde pode realizar-se o ideal, constitui uma constante do pensamento político, até porque a polis tinha essa dimensão. O ideal foi reassumido por Rousseau e, mais recentemente por Mounier. Em idêntica postura, o etologismo de Schumacher, defensor do small is beautiful. Também Radbruch considerava que o transpersonalismo apenas podia instituir a ideia de comunidade.
Retirado de Respublica, JAM

Péricles (492-429 A.C.)

Político ateniense. Weber observa que se assumiu como um demagogo pelo carisma de espírito e de discurso. Porque, como dizia Fénelon, em Atenas tudo dependia do povo e o povo dependia da palavra. Tudo dependia da palavra, do discurso, na agora, quando se reunia a assembleia dos cidadãos e se discursava do palanque. Porque, conquistar a palavra era conquistar o poder. E foi pelo discurso de Péricles que se consciencializou a democracia. Aquele regime que tem como fim a utilidade do maior número e não a de uma minoria. Aquele regime onde as dignidades não são distribuídas segundo a fortuna de cada um; as funções nunca têm uma longa duração; todos os cidadãos são chamados a julgar nos tribunais; a decisão sobre todas as coisas depende da Assembleia geral dos cidadãos. Mas, na época, Atenas está em decadência. Durante vinte e sete anos vai enfrentar Esparta e os seus aliados na Guerra do Peloponeso (431a.C.- 404 a.C.). Uma guerra que termina coma derrota de Atenas e em circunstâncias de sedição interna, com um tentativa de tirania, a famosa Tirania dos Trinta, a que se seguiu o regresso da democracia, com uma bem intencionada amnistia. Péricles torna-se no símbolo da democracia ateniense, sendo aliás sobrinho-neto do reformador Clístenes. Destaca-se como orador e estratego e assume um dos primeiros processos democráticos de personalização do poder. Conforme entao salienta Tucídedes, sob o nome de democracia era, de facto, o primeiro dos cidadãos que governava, assumindo algo de semelhante ao que virá a ser o principado romano. Institui a remuneração dos cargos políticos (misthophoria). Mas tal não levou a que os mais pobres pudessem ser cidadãos activos. Outra das facetas de Péricles tem a ver com a ligação da democracia ateniense ao processo imperialista relativamente ao mar Egeu, desenvolvendo a frota e fazendo do Pireu o primeiro porto mediterrânico, garantindo assim rendimento para os cidadãos mais pobres. Desenvolve depois um processo de íntima ligação com as várias colónias gregas. Dirigindo Atenas com moderação estabelece um plano de grandes obras públicas na Acrópole, numa espécie de processo de combate ao desemprego. Dirigindo a cidade durante cerca de trinta anos, acaba por criar um orgulho cívico e garantindo o prestígio da idade. Amigo de poetas como Ésquilo e Sófocles e de filósofos como Protágoras e Sócrates. Tem plena confiança do demos, reunindo à sua volta os chamados homens de bem (kaloikagathoi). Defende a ruptura entre Atenas e Esparta no processo da chamada Guerra do Peloponeso. Privado do seu cargo em 428, logo é reeleito em 429.
Retirado de Respublica, JAM

Pedro, Infante D. (1392-1449)

Filho de D. João I e de D. Filipa de Lencastre. Duque de Coimbra. Irmão do rei D. Duarte, assume a regência do reino depois da morte deste e durante a menoridade do sobrinho, D. Afonso V, em 1448-1449.
Conhecido como o Infante das Sete Partidas, pelas viagens que fez pela Europa Central entre 1425 e 1428. Promove a feitura de várias traduções, mobilizando pessoas como Vasco Fernandes Lucena e Frei João Verba, destacando-se o regime de Príncipes de Egídio Romano. Um dos primeiros teóricos políticos portugueses, considera que o dominium politicum não tem a mesma natureza do dominium servile. O primeiro tem a ver com o príncipe, o segundo com o dono. E nós inventámos a política para deixarmos de ter um dono. Visiona a comunidade política como uma espécie de concelhos em ponto grande. Proclama deverem os príncipes promover o bem comum, dado que por esto lhe outorgou deos o regimento, e os homees conssentiron que sobrelles fossem senhores. Salienta que já não vivíamos no soingamento do dominium servile, tendo algo da liberdade do dominium politicum, daquele que institui o aliquod regitivum, que não nasce do pecado original, mas é outorgado ao rei pelo consentimento dos homens.
De facto, entre nós, o centro político, aparelho de poder ou principado, aquilo que o Infante D. Pedro qualificava como poderyoo, governança, regimento, senhorio e mayoria, tinha surgido precocemente graças a uma tradição antiga de representação, de equilíbrio entre o autogoverno e o reconhecimento espontâneo do poder real.
Uma coisa é o principe singularmente considerado e outra, o príncipe com toda a comunidade da sua terra, entre o rei e o povo comum (Infante D. Pedro), onde a governança da comunidade tanto tem um imperium ou senhorio, como magistratus com regimentos.
Nunca utiliza a expressão pátria,mas sim a de "nossa terra","terra da nossa natureza","terra de que somos naturaaes"

·Trauctado da Uirtuosa Benfeiturya, ou Livro da Virtuosa Bemfeitoria (1418) (cfr. 3ª ed., Biblioteca Pública Municipal do Porto, 1946, Joaquim Costa, introd. e notas; 1ª ed., por Sampaio Bruno, Lisboa, 1910). A obra está dividida em seis livros.
Retirado de Respublica, JAM

quinta-feira, 22 de março de 2007

Gonçalves, José Júlio

Professor catedrático do ISCSP, onde chega a presidente do Conselho Científico, depois da saída de Adriano Moreira e sucedendo a José Maria Gaspar, seu companheiro e amigo nas aventuras da criação das universidades privadas. Sociólogo. Reitor da Universidade Moderna. Doutorado pela Universidade de Madrid. Autor de O Mundo Árabo-Islâmico e o Ultramar Português, 1958; O Protestantismo em África, 1960; Técnicas de Propaganda, Élites, Quadros e Outros Estudos, 1961; Sociologia da Informação, 1963; Itinerários da Teoria Sociológica, 1969; Sociologia, 1969. Nos últimos tempos do marcelismo chega a subdirector do jornal A Capital, quando este é dirigido por Henrique Martins de Carvalho.
Especialista em comunicação social e em matérias de propaganda, colabora com o Estado Maior do Exército quando este é dirigido por Ramalho Eanes. Figura polémica, de prodigiosa imaginação, depois de ter sido um dos colaboradores íntimos de Adriano Moreira, sai do respectivo circuito por colaborar com o marcelismo. Fazendo pontes com o tradicionalismo católico, figuras do salazarista e da extrema direita e com o Grande Oriente Lusitano, consegue animar a criação de uma colossal Universidade Privada, que sofre os efeitos das desventuras de uma dissidência maçónica, uma altura em que Paulo Portas é um dos activos professores da instituição.
Retirado de Respublica, JAM

Gnosis/Pistis

Do grego gnosis, ou conhecimento religioso, diferente da simples fé ou pistis. Segundo Pinharanda Gomes, enquanto esta é o acto de ouvir a palavra e aceitar o dom revelado sem compreender o mistério, a gnosis tende a ser o acto de ouvir a palavra e de a compreender para a aceitar, transformando-se no conhecimento religioso dos iniciados e não o dos simples e pobres.
Retirado de Respublica, JAM

Gnosticismo

1. O gnosticismo constituiu uma heresia dos primeiros cristãos, que visava criar uma espécie de religião universal, unindo o cristianismo às mais antigas crenças e ao próprio judaísmo. Partindo do dualismo persa, do confronto entre a matéria, intrinsecamente má, e o espírito, intrinsecamente bom, considerava que o mundo havia sido criado por Demiurgo, um dos iões que desejava ser Deus. Para eles, unidos ao ser supremo, havia iões, uma série de seres intermediários entre o espírito e a matéria, que eram menos perfeitos à medida que se afastavam de Deus. Demiurgo, depois de expulso do reino da luz, teria sido lançado num abismo, onde acabou por criar o nosso universo, dando forma à matéria e criando o homem, uma matéria onde existiria um grão de luz, a alma. E foi para redimir o homem que Deus teria mandado à terra um ião fiel ao ser supremo chamado Cristo.
2. O gnosticismo, que teria sido fundado pelo judeu convertido ao cristianismo chamado Simão Mago, vai ressurgir no século IV, sob a forma de arianismo que, acreditando na unidade absoluta de Deus, negava a Trindade e a divindade de Cristo. Para o gnosticismo toda a história do mundo se desenrola na luta entre dois princípios (o bem e o mal) através de três idades (o passado, o presente e o futuro). Tende também a adoptar uma visão trinitária da história, na senda daquele modelo que se manifestou em Vico (Deuses, Heróis e Homens) e em Comte (Idades Teológica, Metafísica e Científica).
3. Como assinala Besançon, de uma historiografia de tipo gnóstico, com os dois princípios e os três tempos do maniqueísmo, mas, em vez de serem apresentados através de uma mitologia, são-no através de uma história pretensamente real, objecto de ciência constatável. É o que assinala a passagem de um pensamento gnóstico a um pensamento ideológico. Assim, esta ficção que se recusa a ser uma ficção, que se apoia nos Padres e na realidade, torna-se uma ficção em dois graus, quase impossível de assinalar.
4. Foi neste chão que Marx colheu a tríade Capitalismo, Socialismo, Comunismo. É ainda segundo o mesmo ritmo que se visionam os três tempos das concepções revolucionárias: o tempo da opressão, o tempo da resistência e o tempo da libertação, em que o Anjo domina o Dragão e a vitória é levada até à apoteose. O gnosticismo exige também um líder, que tanto pode ser um dux individual como a figura colectiva de um homem novo, desde o príncipe de Maquiavel ao militante comunista de Lenine. Além do líder, exige-se uma irmandade de pessoas. O que deu origem à mística das associações secretas, segundo a qual aqueles que não são iniciados são profanos, base de todos os vanguardismos.
5. Acresce que o gnosticismo tende a dividir geograficamente zonas dominadas pelo bem e pelo mal. Não aceitamos esta visão linear da história que acredita no progresso crescente, quando a história pode também ser retrocesso. Tanto o comunismo soviético como os ocidentalíssimos positivismos, cientismos e progressismos constituem fogueiras não apagadas de um medievalíssimo gnosticismo.
Retirado de Respublica, JAM

quarta-feira, 21 de março de 2007

Perestroika

1. Sobe então ao Olimpo do Kremlin, em 11 de Março de 1985, Mikhail Gorbatchov (n. 1932), um dos discípulos dilectos de Andropov. Excelente conhecedor dos meandros do concentracionarismo, Gorbatchev não vai ser D.Quixote nem Sancho Pança, mas antes governar a contradição, gerando mais contradições criadoras que a ele próprio devem ter ultrapassado, de tal maneira que o acaso veio a comandar a necessidade e, nos meandros, entre milagres e traições, acabou por despontar a libertação. Ele próprio chegou a dizer em Setembro de 1988: façam guerra aos burocratas, mas tenham em mente que a renovação revolucionária não resultará sem um corpo de quadros que tenha aceite as ideias da perestroïka ou se tenha desenvolvido e estabelecido no processo de perestroïka. Isto é, só com novos apparatchikini eu posso virar os apparatchikini, só pela via utilizada para chegar ao que chegámos, eu posso sair daquilo a que chegámos... Primeiro, começou por instituir uma política de transparência, a glasnot; depois, a partir de 1987, passou ao revisionismo da reestruturação, a perestroïka, isto é, a uma forma nova de institucionalização sistémica, dita de democratização, visando o impossível de uma revolução cultural feita pelos próprios apparatchiki e de um Estado de Direito nos meandros de um modelo pós-totalitário. O argumento ideológico utilizado procurava constituir uma espécie de leninismo anti-estalinista, através de um reformismo revivalista que considerava estar tudo errado na política soviética desde 1929. Para Gorbatchev, com efeito, as ideias de Lenine constituiriam uma inexaurível fonte de pensamento dialéctico criativo, riqueza teórica e sagacidade política. Invoca, em especial, as últimas obras do mesmo Lenine quando este se encontrava profundamente preocupado com o futuro do socialismo e se apercebia dos perigos que espreitavam o novo sistema. Apenas se terá esquecido, como salientou Zibgniew Brzezinski, que quanto mais o período estalinista fosse denunciado, mais o período leninista seria idealizado, passando a fingir-se que tinha sido verdade aquilo que, nunca realmente, o tinha sido. Julgamos que tal revivalismo leninista se foi a necessária raiz da própria legitimidade Gorbatcheviana, depressa conduziu, como referia Brzezinsky a um círculo vicioso histórico: ao ter que atacar o estalinismo na base de um revitalizado leninismo, estão tambem a dar nova energia, a dar nova legitimidade e, assim, a perpetuar as forças ideologico-políticas que conduziram diectamente ao leninismo. Isto é, Gorbatchev, para combater o efeito, foi condenado a fazer ressuscitar as circunstâncias que levaram a Rússia ao estalinismo. Porque, como referia Soljenitsine, antes da respectiva saída da URSS, o nosso país assemelha-se a um meio espesso e viscoso: é incrivelmenete difícil efectuar aqui o menor movimento, pois este, em compensação, arrasta imediatamente todo o meio ambiente. Acontece apenas que ao denunciar-se o estalinismo, minavam-se as fundações de um bloco indivisível, que também incluía o leninismo, isto é, estava a destruir-se o núcleo duro do comunismo e a lançar a Rússia nos meandros do libertacionismo que a Revolução de Outubro de 1917 havia instrumentalizado e jugulado. Regressar a antes de 1929, ao sincretismo pré-estalinista da revolução bolchevista, era voltar a uma encruzilhada que tanto podia levar ao trotskismo como às próprias raízes sociais-democratas donde emergira o partido bolchevique. Aliás, de revivalismo em revivalismo, Gorbatchev chegou a dizer a delegação francesa: se estão à procura das raízes da nossa perestroïka, podem recuar até à Revolução Francesa e depois até à Comuna. Mas, como salienta Soljenitsine, toda a época estalinista é apenas a continuação directa do leninismo, mas com mais maturidade nos resultados e um desenvolvimento mais vasto e mais igual. O estalinismo nunca existiu, nem na teoria nem na prática... estes conceitos foram inventados pela ideologia ocidental de esquerda, após 1956, apenas para defender os ideais comunistas. Para o mesmo autor, estes três quartos de século deixaram-nos tão imersos na miséria, tão esgotados, tão apáticos e desesperados, que muitos de nós sentem os braços cair e parece que só uma intervenção do Céu nos poderá salvar. Com efeito, a mitificação do leninismo só tem sido possível porque continuam por conhecer os fundamentais documentos do primeiro período da Revolução de Outubro. O que vai sendo publicado, nomeadamente o estudo de Dimitri Volgokonov, a que ainda não tivemos acesso directo, mas de que conhecemos algumas revelações indirectas, parece demonstrar que todas as vias de terrorismo de Estado seguidas por Estaline foram semeadas e praticadas por Lenine Por nós, apenas observaremos que a experiência gorbatcheviana de reforma, quando quis viajar numa espécie de máquina do tempo, pondo entre parentesis o estalinismo e retomando algumas ambivalências do leninismo, nomeadamente a NEP, continuou a perfilhar do erro básico de todas as concepções progressistas ou reaccionárias da história, que veem o processo histórico como uma linha onde se pode andar para trás e para a frente, através do voluntarismo de uma qualquer vanguarda iluminada. Esqueceu que o homem é um ser que nunca se repete e que não é a história que faz o homem, mas sim o homem que faz a história. Uma história que também é feita de acontecimentos que também nunca se repetem.
2. Assim, o processo de gestão do poder supremo soviético levado a cabo por Gorbatchev teve três períodos completamente distintos. Em 1985-1986 talvez tenha sido mera reforma à procura de si mesma, onde os novos dirigentes sabiam aquilo que queriam, mas não ainda por onde pretendiam ir; em 1986-1987, no período da explosão reformista, eis que Gorbatchev, ultrapassando certo revivalismo, passou a ter a ilusão de poder semear uma revolução a partir de cima; finalmente, em 1988-1989, a projectada reforma gerou rupturas entre Gorbatchev e o PCUS, ao mesmo tempo que se dava uma explosão da impopularidade do reformador relativamente ao homem comum soviético. Com efeito, Gorbatchev sempre considerou que o sistema só podia implodir através centro político, isto é, a partir da Administração Pública e da hierarquia do partido, dado que este, conforme avisava Edgar Morin, é a organização que concentra em si os poderes acumulados da burocracia, da polícia, do exército, do tecnicismo, do militantismo. Assim, apostou fortemente na Reforma Constitucional, instituída em 1 de Dezembro de 1988, onde se criou um Congresso dos Deputados do Povo, com 2.250 deputados, em vez dos 1.500 do anterior Soviete Supremo. Deste gigantesco Congresso, é que emanava uma assembleia permanente, o novo Soviete Supremo, com 1.500 representantes, repartidos proporcionalmente por um Soviete da União e por um Soviete das Nacionalidades. O Presidente do Soviete Supremo passava também a assumir as funções de Chefe de Estado da URSS. As eleições para o Congresso, realizadas em Março de 1989, permitiram o ingresso num dos centros fundamentais do poder soviético de um núcleo de cerca de quatro centenas de deputados não dependentes do PCUS que vão constituir a semente do movimento dos democratas, onde se destacam Andrei Sakharov e Boris Ieltsine. Estas vozes independentes, aproveitando-se da política de glasnot, conseguem instituir a liberdade de expressão de pensamento na URSS, apoiados por uma imprensa independente e aproveitando-se da transmissão dos debates pela televisão. Entretanto, Sakharov chegou a apresentar uma proposta de formal extinção do sistema soviético, com a transformação do Congresso em Assembleia Constituinte, matéria que, obviamente, foi rejeitada. Se Ieltsine insistia em denunciar a corrupção no seio do PCUS, algumas vozes assumiam a própria excentricidade de enfrentar alguns tabus: o deputado Iuri Kariakine chegou a propor a destruição do próprio mausoléu de Lenine, considerado a múmia que destruiu a democracia. Em 11 de Dezembro de 1989, o mesmo Sakharov tratou de apelar para uma greve geral a favor do multipartidarismo. No dia seguinte, Gorbatchev enfrentava quase insultuosamente Sakharov no próprio Congresso. Quarenta e oito horas depois, morria Sakharov.
3. Chegava a hora do perturbador Boris Ieltsine, o antigo secretário do PCUS de Moscovo e membro do Politburo, donde havia sido afastado em Julho de 1988, mas que, nas eleições de Março de 1989, obtivera uma estrondosa vitória pessoal. Uma legitimidade que vai ser substancialmente reforçada nas eleições para o Parlamento da Federação Russa, em Março do ano seguinte, precedidas por um autêntico banho de multidão, principalmente quando, em 4 de Fevereiro de 1990, uma manifestação em Moscovo de meio milhão de pessoas o apoiaram contra Gorbatchev. Na sequência da proclamação, pela Federação Russa, da respectiva soberania, em 12 de Junho de 1990, e da instituição de um Partido Comunista da Rússia, eis que Ieltsine logo trata de formalizar o respectivo estatuto de não membro de tal partido, em 21 de Junho, transformando aquilo que era, até então, mera dissidência, o movimento Rússia Democrática, num formal Partido Democrático da Federação Russa. Não tarda que o mesmo Ieltsine volte a apostar fortemente em novo salto em frente, candidatando-se à presidência do Parlamento Russo e conseguindo obter tal desiderato em 29 de Maio de 1990, quando, na segunda volta, obtém 535 dos 1062 sufrágios. Estavam criadas as condições para o desencadeamento de um contra-poder institucional e de um confronto entre duas vias para a reforma do sovietismo. Se Gorbatchev, cai na tentação administrativista, obtendo, em Setembro, plenos poderes para pôr na ordem a URSS, já Ieltsine continua a senda populista, pedindo apoio às manifestações de rua: em 22 de Fevereiro de 1991, nova gigantesca manifestação de apoio a Ieltsine em Moscovo e Sverdlovsk; em 28 de Março seguinte, contra as próprias ordens do governo central, 200.000 pessoas voltam à rua. Neste ambiente de exaltação participativa, o Parlamento Russo instituiu, em 5 de Abril de 1991, o cargo de Presidente da Federação Russa, a ser eleito por sufrágio universal. As eleições para o efeito, ocorridas em 12 de Junho seguinte, constituem talvez o baptismo democrático da Rússia, dado que se realizam num clima de cívico pluralismo, apresentando-se ao eleitorados opções enraizadas num esclarecedor e livre debate. Se a dupla Ieltsine/Rutskoi, obtém cerca de 60% dos sufrágios, já o candidato sistémico, o antigo Primeiro Ministro de Gorbatchev, Ryjkov, apenas conseguiu 17%.
4. Entretanto, o ultra-nacionalista Vladimir Jirinovski, que havia fundado um Partido Liberal Democrata, defensor da restauração do Império Russo, obtinha 7,8%. Tudo parecia apontar para que o pós-comunismo na Rússia passasse a viver ao ritmo do reformismo populista. Ao mesmo tempo, acelerava-se o processo da decomposição do chamado sistema socialista mundial, face às compreensíveis indecisões do Kremlin, situação que vai conduzir ao fim do comunismo no antigo Bloco do Leste, caricaturalmente traduzido no seguinte slogan com que foram pinchadas algumas paredes de além da cortina de ferro: Polónia 10 Anos Hungria 10 Meses RDA 10 Semanas Checoslováquia 10 Minutos Roménia 10 Segundos. Com efeito, o crepúsculo gorbatcheviano de 1990-1991 levou ao clímax o ecletismo do núcleo central do poder, onde se misturavam conservadores e reformistas, sem que fosse possível a necessária superação sintética. Os esforços desenvolvidos por Gorbatchev no sentido da criação de uma nova união de repúblicas soberanas, através de uma forma confederativa, apesar do relativo êxito do referendo de 17 de Março de 1991, foram a causa imediata do Golpe de Agosto de 1991, que teve como protagonistas o Vice-Presidente da URSS, Guennadi Janaiev, o Primeiro Ministro, Valentin Pavlov, o Ministro da Defesa, Dimitri Iazov, o Ministro do Interior, Boris Pugo e o Presidente do KGB, Vladimir Kriutckov, com a colaboração do Presidente do Soviete Supremo, Anatoli Lukianov. Entretanto, surgia de imediato a resistência de rua, apoiada institucionalmente nos novos poderes da Federação Russa cujos principais dirigentes, desde logo, se reunem na datcha de Ieltsine, em Arkhangelskaie, nos arredores de Moscovo, esboçando as linhas fundamentais do contra-golpe vitorioso, com destaque para o Presidente do Congresso dos Deputados do Povo da Federação Russa, Ruslan Khasbulatov, o Presidente da Câmara de São Petersburgo, Anatoli Sobtchak, para além de Ivan Silaiev, Yuri Lujkov e Guennadi Burbulis. Isto é, Moscovo aderia ao processo populista das revoluções de veludo, com que os imediatos vizinhos ocidentais da URSS, os chamados países de Leste, na perspectiva da Europa Ocidental, havia superado o socialismo real na segunda metade de 1989. Gerava-se, assim, uma nova dialéctica pós-revolucionária que ultrapassava o episódio Gorbatchev, passando a inserir-se no contexto dos mecanismos constitucionais instituídos na Federação Russa, segundo as regras do jogo da URSS gorbatcheviana. Um espaço híbrido não erigido sobre ruínas, mas antes sobre a decadência do velho edifício soviético, principalmente sobre um gigantesco Congresso dos Deputados do Povo, apenas parcelarmente eleito por sufrágio universal.
Retirado de Respublica, JAM

Perdigão, José de Azeredo (1896-1993)

Natural de Viseu, estuda em Lisboa no Liceu Camões e depois na Faculdade de Direito (desde 1914), mas é obrigado a transferir-se para Coimbra onde acaba a licenciatura em 1919.
Sebenteiro das disciplinas de direito internacional público. Começa a respectiva carreira profissional como Conservador do Registo Predial em Lisboa, funções em que se mantém de 1926 a 1954. Advogado. Regente em 1920-1921 de um curso de Economia Social na Universidade Popular Portuguesa.
Figura entre os fundadores da revista Seara Nova, fazendo parte dos respectivos corpos directivos de Outubro de 1921 a Abril de 1923. Administrador do Banco Nacional Ultramarino e presidente de várias assembleias gerais de bancos e companhias de seguros.
Por infuência de Caeiro da Matta, torna-se advogado de Calouste Gulbenkian, até à data da morte deste em 20 de Julho de 1955. Redige o testamento deste multimilionário arménio em 1953, torna-se num dos seus três testamenteiros. Elabora com o próprio Salazar e Marcello Caetano os estatutos da Fundação Calouste Gulbenkian e por indicação do primeiro assume a presidência do respectivo conselho de administração.
Apoia a política ultramarina do regime salazarista e chega a ser falado como um dos possíveis sucessores de Américo Tomás na presidência. Depois de 1974, faz parte do Conselho de Estado, por indicação de Spínola. Apoia a candidatura de Ramalho Eanes. Converte-se ao catolicismo em 1946.
Retirado de Respublica, JAM

People’s (The) Choice, 1944

Estudo pioneiro sobre a sociologia eleitoral da autoria de Paul Lazarsfeld, subtitulado How the Voter makes up his mind in a presidential campain. Aí salienta a existência de uma homogeneidade política dos grupos sociais. Tem uma segunda edição em 1948, com a colaboração de Berelson e Gaudet e uma terceira em 1967. Utiliza o método de inquéritos por entrevista, visando a campanha presidencial de 1940. Tenta determinar até que ponto se desenvolve a opinião do eleitor por influência da propaganda, fazendo sucessivas entrevistas.
Retirado de Respublica, JAM

terça-feira, 20 de março de 2007

Glosadores

Desde o século XII, com os glosadores, se passou a admitir, como fundamento do poder dos reis medievais, a prévia transferência do poder do povo, através de uma mítica lex regia, do tempo da monarquia romana. O poder dos imperadores romanos, deste modo, herdado dos reis, teria, pois, uma mediata origem popular. Donde o brocardo medieval, segundo o qual papa habet imperium a Deo, imperator a populo.
Esta lei régia, que constitui o equivalente a umas Actas das Cortes de Lamego da história romana, transformou‑se, portanto, num mito regulador da comunidade política, constituindo uma das principais bases estimuladoras das posteriores teorias da soberania popular.
A ideia vai, por exemplo, implicar a concepção de povo enquanto organização distinta do rei, enquanto universalidade. Gera também o dualismo rex/regnum, precursor da actual distinção entre Estado e sociedade civil, e impondo a existência de um contrato de transferência do poder.
Foram, de facto, os glosadores que anteciparam essa ideia de pessoa colectiva retomando a figura privatística romana da universitas, onde o conjunto é algo de diferente das pessoas ou coisas que o integram. Foram também eles que ligaram esta perspectiva à ideia teológica de corpus misthicum, entendido como realidade existente, mas não sensível.
criar uma teoria abstracta da soberania em proveito quer do principe, quer do papa, quer do povo e no qual participaram teóricos canonistas, glosadores, bartolistas e ... os primeiros humanistas".
A universitas, communitas, collegium ou corporação passa, pois, a ser uma pessoa autónoma, universitas fingatua esse una persona.
Acontece também que esses corpos estão marcados por um fim e precisam de um tutor ou de um procurador. A direcção do corpo passa, pois, a caber aos que mais contribuem para o exercício da função, aos meliores, aos valentiores, aos seniores, aos "homens bons" ou aos "mestres".
Retirado de Respublica, JAM

Gibraltar

De Gebel Tariqk. Território conquistado pelos ingleses em 1704, no decorrer da Guerra da Sucessão de Espanha, o território constitui ainda hoje uma colónia britânica; pelo referendo de 10 de Setembro de 1967, por 12 138 votos contra 44, o território preferiu manter os laços ao Reino Unido.
Retirado de Respublica, JAM

Girondinos (Girondins)

Um dos clubes políticos da Revolução Francesa. Surgiram em 1791-1792, durante o regime da Assembleia Legislativa, destacando-se dos Jacobinos. Se dominam a Assembleia, não controlam Paris. Têm como chefes Gensonni, Guadet e Vergniaud, tendo o apoio do marquês de Condorcet. Com o regime da convenção, opõem-se ao grupo dos Montagnards, resultantes da fusão entre os jacobinos e os cordelliers. Apesar de dominarem a convenção são derrotados pelo golpe de Estado de 2 de Junho de 1793, passando à categoria de contra-revolucionários.
Retirado de Respublica, JAM

Democratização

O mesmo que processo de transição para a democracia, a partir de uma situação autoritária ou totalitária. A partir de meados da década de setenta, os politólogos desenvolvimentistas criaram uma especialidade de análise deste tipo de processos, a chamada transitologia.

De la Démocratie en Amérique, 1835 e 1840

Alexis de Tocqueville considera que os pilares da democracia são a igualdade e a liberdade. Reconhece que a igualdade política pode ser conseguida pelo terror (a igualdade de todos perante o tirano) ou pela liberdade (a igualdade de todos na sociedade civil). Porque há uma liberdade democrática, onde o poder existe no seio da sociedade, e uma tirania democrática, onde o poder é alguma coisa de exterior à sociedade e que a oprime.

Sociedade civil
Distingue, assim, entre a sociedade civil e a sociedade política, ou Estado. Se, nalguns países, o poder é exterior ao corpo social, actuando sobre ele e obrigando-o a marchar num determinado sentido, noutros, os que ele prefere, a força está dividida, estando colocada na sociedade e fora dela. Na América não há esta distância, esta separação do poder (força) e da sociedade. O poder está metido na sociedade civil: sociedade age por ela mesmo e sobre ela mesmo. Não existe poder (puissance) a não ser no seu seio; não se encontra mesmo quase ninguém que ouse conceber e sobretudo exprimir a ideia de o procurar fora. O poder circula na sociedade civil, no seio do povo que exprime a sua liberdade através do sufrágio universal (1ª parte, vol. I).

Igualdade social
Considera que a verdadeira democracia é uma democracia social, o governo da sociedade civil, o processo pelo qual a liberdade emerge da igualdade social e contribui para manter essa igualdade. Neste sentido, considera que a igualdade é superior à liberdade, salientando que a vantagem da democracia não é, como se diz, favorecer a prosperidade de todos, mas apenas servir para o bem-estar do maior número, o que se consegue produzindo a igualdade social, através da difusão da propriedade por uma classe média cada vez maior.

Absolutismo Democrático
Na 4º parte do II volume aborda o absolutismo democrático; a democracia e a alienação dos povos; quais os meios a utilizar para defender a liberdade ameaçada: a Providência não criou a espécie humana para ser inteiramente independente ou inteiramente escrava. Traça, realmente, em torno de cada homem, um círculo fatal do qual não pode sair; mas, dentro dos seus vastos limites, o homem é poderoso e livre. E os povos também.

Omnipotência da Maioria
Critica a omnipotência política da maioria, distinguindo entre a igualdade política e a igualdade social, salientando que a igualdade pode estabelecer-se na sociedade civil, mas nunca pode reinar no mundo político. Os povos querem a igualdade e a liberdade. Mas, se têm um gosto natural pela liberdade, já assumem uma paixão ardente pela igualdade.

O perigo do despotismo democrático
Assinala a eventual emergência de um poder absoluto, pormenorizado, ordenado, previdente e doce provocado pela circunstância de sermos permanentemente solicitados por duas tendências opostas: sentirmos a necessidade de sermos dirigidos e o desejo de continuarmos livres. O despotismo surge assim através de novos aspectos, nomeadamente quando o soberano estende os braços para abarcar a sociedade inteira, e cobre-a de uma rede de pequenas regras complicadas, minuciosas e uniformes, através da qual mesmo os espíritos mais originais e as almas mais fortes não conseguirão romper para se distinguirem da multidão. Surge assim uma servidão, ordenada, calma e doce, uma espécie de compromisso entre o despotismo e a soberania do povo. Tocqueville referia o despotismo democrático e a tirania colectiva, considerados como o governo de um único que, à distância, tem sempre por efeito inevitável tornar os homens semelhantes entre si e mutuamente indiferentes à sua sorte.
Individualismo
Proclama que o indivíduo é o melhor juiz do seu próprio interesse, não tendo a sociedade o direito de intervir nas suas acções a não ser quando se sente lesada por elas ou quando tem necessidade do seu concurso e a dizer que só se conhece um processo para impedir que os homens se degradem: é o de não conceder a ninguém um poder absoluto, susceptível de nos envilecer, pelo que o processo mais eficaz, e talvez o único que resta, para interessar os homens pelo destino da sua pátria, é levá‑los a participar no Governo.

Perante estes desenvolvimentos é que Alexis de Tocqueville considerava que o Estado tem que ser suficientemente grande para mobilizar a força necessária à segurança e bastante pequeno para adaptar a legislação à diversidade das circunstâncias.Porque "dois perigos principais ameaçam a existência das democracias : a servidão completa do poder legislativo às vontades do corpo eleitoral e a concentração no poder legislativo de todos os outros poderes do governo".
Neste sentido considerava que "se só houvesse pequenas nações e não grandes a humanidade seria , simultaneamente, mais livre e mais feliz", embora reconheça que "as pequenas nações são muitas vezes miseráveis, não porque sejam pequenas , mas porque são fracas; as grandes, prósperas, não porque são grandes, mas porque são fortes".

A obra está assim dividida:
Livro I - A Vida Política
1ª Parte - As formas institucionais da sociedade política;
2ª Parte - O exercício do poder popular e as suas bases);
Livro II - Democracia e Sociedade
1ª Parte - A vida intelectual e os seus fundamentos;
2ª Parte - A vida social (sociologia e psicologia de uma democracia);
3ª Parte - Influência da democracia nos costumes;
4ª Parte - Breves considerações sobre o destino político das sociedades democráticas
Retirado de Respublica, JAM

Democracy and its Critics, 1989

Título de uma obra de Robert Dahl de 1989. Analisa dois tipos clássicos de crítica à democracia: a dos anarquistas e a dos guardianship. Uma ordem política que, segundo Dahl, exige sete condições: cargos electivos para o controlo das decisões políticas (elected officials); eleições livres, periódicas e imparciais (free and fair elections); sufrágio universal (inclusive suffrage); direito a ocupar cargos públicos (right to run for office); liberdade de expressão (freedom of expression); existência e protecção, dada por lei, da variedade de fontes de informação (alternative information); direito a constituir associações e organizações autónomas, partidos e grupos de interesse (associational autonomy).
Retirado de Respublica, JAM

Democracia Consociativa

Segundo Lijphart, a característica das sociedades pluralistas, onde há profundas divisões religiosas, étnicas, linguísticas e ideológicas, em torno das quais se estruturama as diversas organizações políticas e sociais, como os partidos, os grupos de interesse e os meios de comunicação. Porque as clivagens podem gerar uma espécie de compromisso democrático entre os vários pilares sociais e políticos do sistema, como sucede no caso holandês e suíço.
Retirado de Respublica, JAM

segunda-feira, 19 de março de 2007

Definição

De de+finire, pôr fins, estabelecer limites. Determinar os limites ou a extensão de alguma coisa. Saliente-se que qualquer definição pode ser perigosa, no caso de um pensamento sistemático que procure estabelecer-se a partir de um determinado conceito arquitectónico, porque, então, se passa do mero conceptum ao modelo dogmático do praeceptum.

Trata-se de um vício típico do método axiomático-dedutivo, já patente em Thomas Hobbes, para quem qualquer ciência devia começar pelas chamadas definições claras da ciência. Alguma engenharia conceitual das correntes jurídicas do movimento da dogmática ou da jurisprudência dos conceitos são marcadas por este vício e os próprios códigos civis por ela marcados estão cheios de definições legais. A própria legislação avulsa tende a copiar o modelo, quando tenta fixar uma interpretação autêntica de alguns conceitos, a fim de eliminar as cláusulas gerais e controlar a própria dinâmica da doutrina e da jurisprudências. Algumas definições chegam mesmo ao rídiculo, como a da lei portuguesa das organizações fascistas que inclui no conceito os movimentos separatistas.

Retirado de Respublica, JAM

Démocratie et Totalitarisme, 1965

Obra de Raymond Aron dividida em três partes:
I - Conceitos e Variáveis (da política; da filosofia à sociologia política; dimensões da ordem pública; partidos múltiplos e partido monopolistíco; a variável principal);
II - Os Regimes Constitucionais-Pluralistas (análise das principais variáveis; do caracter oligárquico dos regimes constitucionais-pluralistas; a procura da estabilidade e da eficácia; da corrupção dos regimes constitucionais-pluralistas; será a corrupção inevitável?; a corrupção do regime francês);
III - Um Regime de Partido Monopolístico ( fio de seda e fio de espada; ficções constitucionais e realidade soviética; ideologia e terror; do totalitarismo; as teorias do regime soviético; o devir do regime soviético).
Nas Conclusões disserta sobre a imperfeição dos regimes e sobre esquemas históricos.
Retirado de Respublica, JAM

Demos

Palavra grega que exprime, pelo menos, dois significados: o povo como um todo, como o corpo dos cidadãos, e o povo como as pessoas comuns, as classes mais baixas, a multidão, os pobres, por oposição ao grupo dos ricos (chrestoi), dos melhores (beltistoi), dos poderosos (dynatoi), dos notáveis (gnorimoi), dos bem nascidos (gennaioni). Equivale ao populus do latim. Em grego, tem como equivalentes as noções de multidão (hoi polloi), inferiores (cheirones), malvados (poneroi), turba (ochlos).
Retirado de Respublica, JAM

Democratura

Obra de G. Mermet de 1987, subtitulada Comment les Médias Transforment la Démocratie. Nela se fala dum novo sistema social onde os media exercem sobre os actores da vida social e sobre o público uma espécie de ditadura doce, marcada pelos funcionários do pronto a pensar que fornecem aos ouvintes e aos telespectadores verdades pré-digeridas e directamente assimiláveis.
Retirado de Respublica, JAM

Desconcentração

Processo adminitrativo que se destina a transferir para a agentes locais do Estado, hierarquicamente dependentes do centro, poderes de decisão até então situados a nível do mesmo centro político. Tem a ver com a administração directa do Estado, directamente integrada na hierarquia do governo, quando por lei se dá uma transferência de poderes dos órgãos centrais para os órgãos locais dentro da mesma entidade, visando combater-se a macrocefalia. Difere da descentralização que já diz respeito à administração indirecta do Estado, não hierarquicamente dependente do Governo que apenas tem sobre ela poderes de superintendência e tutela.
Retirado de Respublica, JAM

Descentralização

A descentralização constitui o contrário da concentração. Acontece quando não há um único nivel central de decisão, dado que os processos de decião de alto nível estão dispersos pelo sistema em vez de estarem concentrados num só lugar, numa só pessoa ou num só poder. Em sentido estrito, enquanto descentralização administrativa, é o processo típico dos modelos de Estados herdeiros do concentracionarismo absolutista, monárquico ou democrático, destinado a transferir poderes de decisão do centro político para organismos públicos autónomos, provindos das colectividades locais. A descentralização da administração pública ou descentralização administrativa ocorre quando a lei cria novas pessoas colectivas de direito público e lhes comete poderes administrativos que normalmente competiriam ao Estado, como acontece com os institutos públicos, que apenas estão sujeitos à superintendência governamental ou tutela. Tem a ver com a chamada administração indirecta do Estado. Este modelo de descentralização só é concebível em sistemas políticos marcados por uma certa ideia de construção do Estado que o conceberam como formas de convergência de todo o poder num único centro político. Foi assim com o modelo do absolutismo monárquico, destruidor do anterior pluralismo. O mesmo ocorreu com os processos revolucionários democráticos do jacobinismo que procuraram o diálogo directo entre o indivíduo e o Estado sem a existência de corpos intermediários. Acabaram por gerar formas de soberania una e indivisível, entendidas como lugares de concentração única do poder, ao contrário dos modelos que mantendo as formas tradicionais de pluralismo e consensualismo, admitindo a soberania divisível. Neste sentido, os modelos centralistas concebem sempre a descentralização como uma espécie de concessão, não admitindo como natural a dispersão do poder, dado que consideram o poder do centro como de natureza superior aos restantes poderes do corpo social. A descentralização tanto pode ser meramente administrativa como política. Neste último caso, como acontece nas autonomias regionais portuguesas, há algo que vai além da mera descentralização administrativa dado que as regiões autónomas surgem com autonomia política limitada, mas originária, nomeadamente pela circunstância de possuirem poderes legislativos e pelo facto de terem um circuito próprio de eleição de representantes políticos. De acordo com a arquitectura constitu~cional portuguesa, as chamadas regiões administrativas do continente, enquanto meras autarquias locais, não conteriam autonomia política, sendo meras formas de descentralização administrativa.

Machado, J. Baptista, Participação e Descentralização. Democratização e Neutralidade na Constituição de 76 [1ª ed., 1978], Coimbra, Livraria Almedina, 1982.

Maia, Francisco D’Athayde Faria, Em Prol da Descentralização [1ª ed., 1932], Ponta Delgada, Jornal de Cultura, 1994.

Rondin, Jacques, Le Sacre des Notables. La France en Décentralisation, Paris, Librairie Arthème Fayard, 1985.

Scharpe, L. J., Decentralist Trends in Western Democracies, Newbury Park, Sage Publications, 1979.

Retirado de Respublica, JAM

Participação Política

Em sentido restrito, participação (esse tomar/ ser parte em algo) está intimamente relacionada com a inclusão dos cidadãos (nos mais variados domínios) nas tomadas de decisão dos assuntos da polis. Em sentido mais amplo, o seu significado poderá reportar-se a múltiplas realidades da vida social, e contrapôr-se a outros conceitos nelas contextualizados: assim estão os casos da representação política e da exclusão social, aos quais se opõe; da descentralização político-administrativa, que a promove; da concertação social , em geral, como meio privilegiado para a obtenção de consensos colectivos, os quais constituirão, agora sim, o corolário ou fim maior da participação democrática.
Sendo um conceito muito abrangente e cujos desenvolvimentos se poderão encontrar em diversa bibliografia, recomenda-se a sua consulta, para aprofundamento teórico-doutrinal:
1º - MACHADO, João Baptista, Participação e Descentralização, Democratização e Neutralidade na Constituição de 1976, Livraria Almedina, Coimbra, 1982.
Aí se pode ler: "(...) Nos textos doutrinários, a «participação» e a «acção comunitária» costumam ser relacionadas com o bem-estar e integração social dos indivíduos e com a saúde e desenvolviemnto da democracia. Os espaços urbanos sobrepovoados, a omnipresença do Estado e os imperaqtivos da sociedade técnica restringem cada vez mais o espaço de liberdade disponível por cada um. Na medida em que esta restrição contrariaria até um instinto biologicamente radicado em nós que daria pelo nome de imperativo territorial, ela seria a causa de muitas frustrações e surtos de agressividade. Ora a participação, assim como a acção comunitária, revelar-se-iam excelentes técnicas de canalização e controlo dos descontentamentos e das frsutrações dos indivíduos, contribuindo assim para uma melhor integração social e para uma maior estabilidade política. Daria aos cidadãos o sentimento benfazejo de auto-realização, funcionando ainda como processo terapêutico no tratamento da apatia e da desintegração social. Por outro lado, sendo verdade que a acção e o empenhamento na acção aprofundam a consciência dos problemas e dos objectivos, a «participação» seria indispensável como elemento do processo pelo qual as pessoas se consciencializam dos seus próprios interesses e ficam em consequência habilitadas a promovê-los. Ao mesmo tempo que seria uma excelente escola de formação cívica, preparando para o exercício da democracia à escala nacional.
(...)"
Se bem que este excerto nos dê uma ideia da riqueza do conteúdo desta obra, ela torna-se recomendável para os alunos interessados em desenvolver este conceito, também, pela exposição que nela se faz das diversas formas jurídico-constitucionais de participação política e outras.
Também:
2º - CAPITAIN, René, Participação Política
3º - CHAPMAN, John, Participation in Politics, 1975
4º - DENNI, Bernard, Participation Politique et Démocratie, 1986

Cidadão

No sentido etimológico e segundo a definição de Aristóteles, cidadãos (politai) são aqueles que participam nas decisões da polis, exercendo um cargo político ou tendo direito de voto nas assembleias públicas ou nos júris. Difere do escravo e do súbdito.

Cidadão activo
Cidadão passivo


Cidadão Politai Cives Segundo as concepções aristotélicas, cidadão é aquele que participa nas decisões da comunidade política. Nesta base o cidadão é aquele que ora governa ora é governado. Neste sentido, difere do escravo (esse que é instrumento do senhor e tem um dono) e do súbdito (aquele dependente de um soberano ou de um patriarca, à imagem e semelhança da relação pai/filho, onde o poder, é um poder-dever, porque é para bem do súbdito que não é considerado instrumento). Aristóteles refere que o cidadão é aquele que tem a possibilidade de aceder à assembleia dos cidadãos e de desempenhar funções judiciárias. Não é apenas aquele que habita num determinado território. Sem a participação dos cidadãos na governação não há política, até porque a polis não passa de uma colectividade de cidadãos.
Retirado de Respublica, JAM

Gens

Instituição romana. O conjunto de famílias que se encontram ligadas e submetidas politicamente a uma autoridade comum, o pater gentis. Usam um nome comum por se julgarem descendentes de um antepassado comum. Dá origem à expressão gentílico, aquilo que provém de uma mesma raiz, aquilo que tem a mesma origem. É equivalente ao genos grego e ao conceito de natio de Santo Isidoro de Sevilha, cujo entendimento permanece até ao século XIX.

Génova

Conquistou a Córsega e a Sardenha a Pisa em 1282; pela mesma altura, aliou-se aos bizantinos contra Veneza, obtendo numerosos estabelecimentos no Levante que lhe permitiram quase monopolizar o comércio com russos e mongóis; depois de um conflito armado com Veneza nos finais do século XIV, entra em decadência; em 1407, as diversas companhias privadas genovesas unificam-se na Casa San Giorgio; perde as respectivas posições no Levante depois da queda de Constantinopla; alia-se à França em 1513, foi ocupada pelos Habsburgos em 1522; em 1527, volta a aliar-se aos franceses, mas, no ano seguinte, prefere submeter-se a Carlos V, mantendo-se com os Habsburgos de Espanha.
Retirado de Respublica, JAM

Genos

Instituição grega, constituída pela associação de várias famílias que se julgam descendentes de um antepassado comum, ou que adoram a mesma divindade. É dirigida por um chefe, o rei, detentor da palavra divina, e tem um código de justiça familiar, a themis. Segundo Aristóteles, a polis teve remotas origens na genos que continua a subsistir ao lado da polis. Define aquela como a reunião de elementos submetidos ao regime monárquico, acrescentando que o rei está para a família extensa como o pai para a família, dado que, em ambos os casos, o elemento de ligação é o parentesco entre os seus membros. Acrescenta, no entanto, que, na origem, as poleis eram governadas por reis.
Retirado de Respublica, JAM

Genocídio

Termo cunhado por R. Lemkin em Axis Rule in Occupied Europe, Washington, 1944, para designar a destruição em massa de um grupo étnico. Designa aquilo que os judeus qualificaram como holocausto e que os nazis alcunharam como solução final. Segundo a Resolução da Assembleia Geral da ONU de 11 de Dezembro de 1946, foi definido como a recusa do direito à existência de inteiros grupos humanos, e declarado como um delito do direito dos povos. Na Convenção aprovada pela mesma entidade em 9 de Dezembro de 1948, desenvolve-se a definição, abrangendo-se vários actos cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte um grupo nacional, étnica, racial ou religioso.
Retirado de Respublica, JAM

Génios invisíveis da cidade

Ferrero equipara a legitimidade aos génios invisíveis da cidade, a certas forças que actuam no interior das sociedades e que as impedem de se cristalizar numa forma definitiva, forças que nascem, crescem e morrem, forças que se assemelham aos seres vivos, mas que não são visíveis nem tangíveis, equivalentes aos genii dos romanos, esses seres intermediários entre a divindade e os homens.
Retirado de Respublica, JAM

sábado, 17 de março de 2007

Genebra

Em francês Genève, em alemão Genf. Foi uma república livre de 1530 a 1798. Fez parte do império de Carlos Magno e, depois, da Lotaríngia; dividida entre os condes de Genebra e os bispos; passou a depender da Casa de Sabóis no século XV; em 1401, os Condes de Sabóia compraram o condado de Genebra; em 1444, um membro da casa de Sabóia, foi feito papa, Felix V e fez-se a si mesmo bispo de Genebra; em 1519 e 1526, Genebra tenta ligar-se à Confederação; a casa de Sabóia apenas reconhece a independência de Genebra em 1530; a reforma foi introduzida dois anos depois e o bispo é afastado em 1533; em 1536 a reforma é adoptada pelo conselho geral e Calvino instala-se na cidade tentando instaurar uma república teocrática, consolidada apenas em 1541; o modelo aristocrático manteve-se até Dezembro de 1792; em 1798 foi anexada à França; a autonomia foi restablecida em 1814; só nesse ano entram na Confederação Helvética.
Retirado de Respublica, JAM

Gemeinschaft und Gesellschaft, 1887

Reagindo contra a concepção mecanicista de sociedade, então predominante, Ferdinand Tönnies vai fazer corresponder, ao conceito de sociedade, a vontade reflectida nascida do arbítrio dos respectivos membros, enquanto o de comunidade teria a ver com uma vontade que ele reputa como essencial ou orgânica. A comunidade, voltando a Tönnies, seria, pois, um tipo especial de associação que teria a ver com os imperativos profundos do próprio ser. Diria respeito mais à vontade de ser do que à vontade de escolher. Entre as comunidades, destaca a família ‑ a comunidade de sangue‑, a aldeia ‑a comunidade de vizinhança‑ e a cidade ‑ a comunidade de colaboração‑, englobando tanto as comunidades de espírito como as comunidades de lugar. Entre as sociedades coloca as empresas, industriais e comerciais, bem como outros grupos constituídos por relaçöes baseadas em interesses. Destaca das formas societárias, a cidade comercial, marcada pelo contrato de negócios, a cidade capital, marcada pelo Estado-nação, e a cidade cosmopolita, marcada pela opinião pública. O Estado, por exemplo, seria uma simples sociedade, donde estaria ausente qualquer espécie de vontade essencial. Porque enquanto a sociedade é um grupo a que se adere, já a comunidade é um grupo que os homens encontram constituído quando nascem. Se as comunidades, marcadas pelo passado, têm uma vontade orgânica que se manifesta na afectividade, no hábito e na memória, através de uma totalidade afectiva, já a sociedade está voltada para o futuro, produto de uma vontade reflectida, do intelecto tendo em vista atingir um fim desejado. Enquanto os laços comunitários seriam laços de cultura, já os laços societários seriam laços de civilização.
Retirado de Respublica, JAM

Gelásio I

Papa de 492 a 496. Autor da teoria das duas espadas. Numa carta dirigida ao imperador Anastásio I, distingue a auctoritas sacra pontificum, procedente directamente de Cristo, e a regalis potestate, o poder real confinado à gestão dos assuntos temporais: os príncipes cristãos devem recorrer ao sacerdócio em tudo o que diga respeito à sua salvação. Por seu lado, os padres devem atender a tudo o que foi estabelecido pelos príncipes no tocante aos acontecimentos do domínio temporal, de modo que o soldado de Deus não se imiscua nas coisas deste mundo e que o soberano temporal não faça ouvir a sua palavra nas questões religiosas.
Retirado de Respublica, JAM

Einleitung in die Geisteswissenschaften, 1883-1911

Wilhelm Dilthey que teorizou tanto a noção de explicação,de carácter causal, própria das ciências físicas e biológicas(naturwissenschaften),como a de compreensão (verstehen), respeitante às realidades culturais,opondo‑se,deste modo , ao método positivista de Durkheim, que pretendia,como vimos,tratar os factos sociais como coisas. Dilthey,marcado por Hegel,considerava a vida humana como uma realidade unitária,como unidade primária,uma unidade do devir,e não uma simples entidade composta por vários elementos. As ciências do espírito (geisterwissenschaften), seriam, assim,anteriores às ciências da natureza.Os factos do espírito,que não são dados,como os factos naturais,só poderiam ser apreendidos através de uma espécie de autognose (erlebnis).Compreender seria referir cada membro ao todo,seria descobrir as conexões de sentido (sinnzuzammenhangu), compreender as estruturas por meio da referência ao sentido. Compreender é cum mais alguma coisa.É apanhar em conjunto uma coisa com outras,é intuição não sensível,pelo que só é possível "compreender" objectos portadores de uma certa significação,de um conteúdo de sentido (v.g. compreende‑se uma obra de arte,mas não uma demonstração matemática que apenas pode perceber‑se). Dilthey adopta a hermenêutica como a teoria do conhecimento das ciências do espírito,assente em tês princípios básicos.Primeiro,que o conhecimento histórico é reflexão sobre si mesmo; segundo,que compreender não é explicar,nem simples função racional,dado que se cumpre com todas as forças emotivas da alma; terceiro,que a compreensão é um momento da vida,para a vida. A vida humana tem de ser considerada teleologicamente, como realidade unitária, como unidade de devir e não como soma ou agregado de parcelas. Entidade que possa decompor-se pela análise e, depois, recompor-se pela síntese, como se as respectivas parcelas fossem átomos fungíveis e passíveis de seriação. Nestes termos, podemos também dizer que os factos sobre os quais versam as ciências humanas e sociais, aquelas que o mesmo Dilthey designava como as ciências do espírito, não tratam de dados, entendidos como os factos naturais, mas antes como algo que só pode apreendido através da chamada Erlebnis ou autognose, a compreensão da estrutura, através de uma referência ao respectivo sentido. Aliás, só é possível compreender objectos portadores de uma certa significação, isto é, objectos que incorporem valores. Neste sentido, se é possível compreender-se uma obra de arte, já não pode compreender-se uma equação da matemática. Compreender, como salientava Dilthey, não é descobrir uma lei geral a partir de uma série incompleta de casos, mas uma estrutura, um sistema ordenador que reúne os casos, como partes de um todo. Daí que, para compreendermos qualquer coisa, tenhamos de usar todas as forças emotivas da alma, porque a natureza explica-se, a cultura compreende-se. É que as coisas do espírito são, simultaneamente, reais e ideais, são objectos que incorporam valores, pelo que, na senda de Wilhelm Dilthey, as temos de compreender, descobrindo conexões de sentido entre cada parcela e o todo da vida humana, perspectivado como uma unidade de devir. "A relatividade de todos os conceitos humanos é a última palavra da visão histórica do mundo" (cfr. trad. cast. de Eugénio Imaz, Introducción a las Ciencias del Espirito, México, Fondo de Cultura Economica, 1944).
Retirado de Respublica, JAM

sábado, 10 de março de 2007

Federalismo Soviético

Em 10 de Julho de 1918 era aprovada a Constituição da República Socialista Federativa dos Sovietes da Rússia, pela qual o Conselho dos Comissários do Povo (Sovnarkom) passa a brotar de um Comité Executivo Pan-Russo, o VTsIK, de 200 membros, eleito pelo Congresso Pan-Russo dos Sovietes constituído por representantes directos da população. Refira-se que, no dia seguinte à entrada em vigor da nova Constituição, era abolido o Comissariado do Povo para os Assuntos das Nacionalidades, o Narkomnats, esse fundamental instrumento de reconstrução real do Império que, seguindo a teoria de Lenine, havia sido gerido de forma laboriosa por Estaline. A Constituição, resultante da proposta de uma comissão nomeada em 1 de Abril e constituída por Sverdlov, presidente do VTsIK, Bukharine, Prokrovski, Stekolov e Estaline, optou por um modelo de organização estadual que não teve em conta algumas das linhas ideológicas semeadas por Lenine em O Estado e a Revolução, sendo um dos principais reveladores da ausência de uma coerente teoria de Estado no marxismo-leninismo. Com efeito, um consequente sovietismo, talvez propusesse, como o chegou a fazer o Comissariado da Justiça, em Janeiro de 1918, uma república não assente na soberania territorial, mas antes nas federações de trabalhadores ou então, à maneira do Marx da Comuna de Paris, um novo tipo de Estado sem fetiches territoriais, uma Comuna dos Trabalhadores de Todas as Rússias, como chegou a ser aventado no V Congresso dos Sovietes. Além disso, a qualificação federativa, aposta a uma república socialista e de sovietes, que apenas aparece no nome, mas nunca no texto da Constituição, revela uma contradição primária, dado que tanto Lenine como Estaline bradaram contra o federalismo, na linha de teses expressas por Marx e Engels. Marx em 1850 considerava que o federalismo era uma reivindicação dos democratas burgueses: os trabalhadores têm de usar a sua influência não só a favor da República alemã una e indivisível, mas a favor de uma decisiva centralização da força dentro dela e nas mãos do Estado. Engels, por seu lado, dizia que o federalismo era sistema de Estados insignificantes, proclamando que o proletariado não pode fazer uso senão da forma da república una e indivisível. Lenine continuou nesta senda e, em 1903, já se dizia contra a federação, em princípio, dado que a mesma enfraquece o laço económico e é uma forma imprópria para um único Estado. O mesmo Lenine, em 1917, voltava a considerar a federação como uma excepção e um entrave ao desenvolvimento. Estaline, por seu lado, logo em Março de 1917, escreveu um artigo com o sugestivo título de Contra o Federalismo onde se pode ler: está agora claro que o federalismo não pode resolver na Rússia a questão nacional, que ele apenas a confunde e complica com ambições quixotescas de fazer andar para trás a roda da história. Contudo, em Abril de 1918, já distinguia entre a federação burguesa, considerada como um estádio transitório da independência para a unificação imperialista, e a federação soviética que se visava a união voluntária e fraterna das massas trabalhadoras de todas as nações e povos da Rússia, nem por isso impedia o futuro unitarismo socialista. Isto é, a opção nominal pela federação, se não significava uma cedência a Proudhon, demonstrava que o marxismo-leninismo também dava alguns passos atrás na firmeza ideológica para ceder ao imaginário das massas, ainda marcadas pelo anarquismo e pelo socialismo utópico. Mais maquiavelicamente, a expressão visava ser um cartão de visita para o novo regime resolver a questão das nacionalidades, dado que as patentes ou latentes secessões contra a Santa Rússia una e indivisível não seriam tão agredidas ideologicamente com este nome de baptismo. De qualquer maneira, sempre se garantia um certo grau de indefinição territorial de um Estado em Movimento...
Retirado de Respublica, JAM

Federalismo horizontalista

Hannah Arendt não advoga nem a noção de governo mundial nem a de cidadania mundial, como as defenderam certos idealismos liberais. O federalismo que propõe assume-se como horizontalista, implicando uma dupla cidadania: a das pertenças locais, regionais e nacionais e a da pertença à oikoumene, as quais seriam complementares. Um conceito que, no plano das relações externas, implica uma autoridade não supranacional, mas não à regionalização! internacional, dado que uma autoridade supranacional seria ou ineficaz ou monopolizada pela nação que fosse por acaso a mais forte, e assim levaria a um governo mundial, que facilmente se tornaria a mais assustadora tirania concebível, já que não haveria escapatória para a sua força policial global — até que ela por fim se despedaçasse.
Retirado de Respublica, JAM

Federalismo

Sistema onde diversos Estados se unem tendo em vista objectivos comuns, mas mantendo cada qual a sua própria identidade. Em sentido amplo, equivale ao actual princípio da subsidiariedade, de tal maneira que Laski chegou a considerar que todo o poder é federal. Liga-se, muitas vezes, à defesa da autonomia dos pequenos Estados, conforme os desejos de Rousseau em 1762, para quem a força externa de um grande povo pode combinar-se com o governo livre e a boa ordem de um pequeno Estado. J. P. Buchez (1796-1865) mistura as ideias de socialismo cristão com o espírito europeu, fundando em Paris, no ano de 1831, o jornal Européen . Victor Considérant, discípulo de Fourier, em La Dernière Guerre et la Paix Définitive en Europe, de 1850, propõe a instauração de uma federação europeia, através de um Estado unitário e centralizado que respeitaria o direito das nacionalidades. Também o saint-simonista G. d'Eichtal navega nas mesmas águas, publicando, em 1840, uma brochura intitulada De l'Unité Européenne. Contudo, a partir de Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), principalmente com a publicação da obra Du Principe Fédératif, em 1863, eis que, misturando-se o comunalismo, o mutualismo e o federalismo, se gera a nova nebulosa criativa do socialismo, onde o anarquismo anti-estatista aparece compensado pela solidarismo. A partir de então, o federalismo é elevado à categoria de concepção do mundo e da vida, contestando-se, a partir da esquerda, a ideia de um modelo unitário de Estado, sempre defendida pelos jacobinismos, e profetizando-se que o século XX abrirá a era dos federalismos. Sublinhe-se que, antes de Proudhon, o federalismo assumia fundamentalmente uma feição conservadora, ligando-se ao organicismo romântico católico, principalmente aos defensores do Sacro-Império. Assim, foi Joseph Gõrres (1776-1848) que o trouxe à contemporaneidade, propondo-o como algo de diverso do contrato social, como uma espécie de consensus tácito entre os governos e as populações, cabendo ao Estado apenas dar abrigo ao autonomismo das regiões, onde as forças vivas, os costumes, as crenças e as tradições, constituiriam uma alma popular que a casa comum do Estado deveria respeitar.Mas, depois de Proudhon, o federalismo não se tornou necessariamente socialista ou anarquista dado que algumas teses tradicionalistas e católicas continuaram a pugnar por tal ideia, nomeadamente quando renasce o próprio jusnaturalismo católico pelo culto das teses de Francisco de Vitória e Francisco Suarez. O jurista suíço Johann Kaspar Bluntschli (1808-1881), que era professor na Alemanha, defende uma comunidade europeia (europãische Statengemeinschaft) pela instauração de um Estado federal europeu, de estrutura flexível.
Retirado de Respublica, JAM

Federação

Do latim foederatione, aliança ou união. Recebida na língua portuguesa através do francês fédération. Se utilizássemos uma classificação normativista tradicional, diríamos que as confederações assumem-se como meras associações de governos que instituem um órgão central ainda subordinado ao poder dos Estados, o qual é normalmente encarregado da política de segurança e da política externa, sendo marcado processualmente pela regra da unanimidade e pela existência de um direito de veto de cada Estado. O centro não pode mudar a divisão de poderes estabelecida entre o governo central e os governos subsidiários. Seriam exemplos deste conceito a República das Províncias Unidas dos Países Baixos (1579-1795), a Confederação dos Estados Americanos (1777-1787), a Confederação suíça (1291-1848), a Confederação do Reno (1806-1815), a -Confederação alemã (1815-) , a Confederação da Alemanha do Norte. Já nas federações cada um dos Estados é supremo na sua esfera de competência; os dois governos estão submetidos à mesma constituição; o poder político dos Estados federados não deriva de uma delegação do poder central, mantendo cada um deles autonomia constitucional; o poder central assume o monopólio da política externa e da política de defesa).Aplicando estes conceitos, diríamos que a Europa comunitária tem muito de confederal, desde a existência de uma associação de governos (o Conselho Europeu) à regra da unanimidade, e algo de federal: pretende assumir-se como uma associação de povos; adopta um conceito de soberania divisível; estabeleceu o princípio da eleição directa para o Parlamento Europeu; tem um governo comum, a Comissão, um tribunal comum, o Tribunal de Justiça; adopta um conceito de cidadania europeia. Isto é, existe um novo centro político, para o qual se vão transferindo interesses, expectativas e lealdades.Isto é, enquanto a tendência federal é centrípeta, apontando para o crescimento de um novo centro, para uma associação de povos e assentando na ideia de soberania divisível, já o modelo confederativo é centrífugo, considerando o novo centro como dependente dos Estados, dado entender a comunidade como uma associação de governos e a soberania de cada Estado como algo de indivisível.
Retirado de Respublica, JAM