sábado, 10 de março de 2007

Federalismo Soviético

Em 10 de Julho de 1918 era aprovada a Constituição da República Socialista Federativa dos Sovietes da Rússia, pela qual o Conselho dos Comissários do Povo (Sovnarkom) passa a brotar de um Comité Executivo Pan-Russo, o VTsIK, de 200 membros, eleito pelo Congresso Pan-Russo dos Sovietes constituído por representantes directos da população. Refira-se que, no dia seguinte à entrada em vigor da nova Constituição, era abolido o Comissariado do Povo para os Assuntos das Nacionalidades, o Narkomnats, esse fundamental instrumento de reconstrução real do Império que, seguindo a teoria de Lenine, havia sido gerido de forma laboriosa por Estaline. A Constituição, resultante da proposta de uma comissão nomeada em 1 de Abril e constituída por Sverdlov, presidente do VTsIK, Bukharine, Prokrovski, Stekolov e Estaline, optou por um modelo de organização estadual que não teve em conta algumas das linhas ideológicas semeadas por Lenine em O Estado e a Revolução, sendo um dos principais reveladores da ausência de uma coerente teoria de Estado no marxismo-leninismo. Com efeito, um consequente sovietismo, talvez propusesse, como o chegou a fazer o Comissariado da Justiça, em Janeiro de 1918, uma república não assente na soberania territorial, mas antes nas federações de trabalhadores ou então, à maneira do Marx da Comuna de Paris, um novo tipo de Estado sem fetiches territoriais, uma Comuna dos Trabalhadores de Todas as Rússias, como chegou a ser aventado no V Congresso dos Sovietes. Além disso, a qualificação federativa, aposta a uma república socialista e de sovietes, que apenas aparece no nome, mas nunca no texto da Constituição, revela uma contradição primária, dado que tanto Lenine como Estaline bradaram contra o federalismo, na linha de teses expressas por Marx e Engels. Marx em 1850 considerava que o federalismo era uma reivindicação dos democratas burgueses: os trabalhadores têm de usar a sua influência não só a favor da República alemã una e indivisível, mas a favor de uma decisiva centralização da força dentro dela e nas mãos do Estado. Engels, por seu lado, dizia que o federalismo era sistema de Estados insignificantes, proclamando que o proletariado não pode fazer uso senão da forma da república una e indivisível. Lenine continuou nesta senda e, em 1903, já se dizia contra a federação, em princípio, dado que a mesma enfraquece o laço económico e é uma forma imprópria para um único Estado. O mesmo Lenine, em 1917, voltava a considerar a federação como uma excepção e um entrave ao desenvolvimento. Estaline, por seu lado, logo em Março de 1917, escreveu um artigo com o sugestivo título de Contra o Federalismo onde se pode ler: está agora claro que o federalismo não pode resolver na Rússia a questão nacional, que ele apenas a confunde e complica com ambições quixotescas de fazer andar para trás a roda da história. Contudo, em Abril de 1918, já distinguia entre a federação burguesa, considerada como um estádio transitório da independência para a unificação imperialista, e a federação soviética que se visava a união voluntária e fraterna das massas trabalhadoras de todas as nações e povos da Rússia, nem por isso impedia o futuro unitarismo socialista. Isto é, a opção nominal pela federação, se não significava uma cedência a Proudhon, demonstrava que o marxismo-leninismo também dava alguns passos atrás na firmeza ideológica para ceder ao imaginário das massas, ainda marcadas pelo anarquismo e pelo socialismo utópico. Mais maquiavelicamente, a expressão visava ser um cartão de visita para o novo regime resolver a questão das nacionalidades, dado que as patentes ou latentes secessões contra a Santa Rússia una e indivisível não seriam tão agredidas ideologicamente com este nome de baptismo. De qualquer maneira, sempre se garantia um certo grau de indefinição territorial de um Estado em Movimento...
Retirado de Respublica, JAM