quinta-feira, 11 de outubro de 2007


Do Novíssimo Testamento *

(ou do estado a que o espectáculo chegou)
texto de

José Rodrigo Coelho

Professor do Ensino Secundário em Portugal

Licenciado em Gestão e Administração Pública, pelo ISCSP – Universidade Técnica de Lisboa

Mestrando em Ciência Política pela mesma Escola

Liberale, ma non tropo


Comecei a dar os primeiros passos nos caminhos da Ciência Política pela pena do Pedagogo que, juntamente com muitos dos seus discípulos da Escola, me ensinaram a ultrapassar as angústias cultivadas pela falta de respostas que a vida vai somando. Sobretudo, se deixarmos de ter paixões ou, pior ainda, se já não damos por elas, e com isso ofuscamos a ‘luz’ que pode estar a reflectir, mesmo nas coisas mais simples que aprendemos, a imagem que sempre procuramos em nós! Então, devo dizê-lo, considero-me um afortunado, não pelo montante dos ganhos, mas pela proficuidade do investimento!

1. Confesso que também começo a ter medo. Desde que, como qualquer um de nós, me sinta parte da factura que alguém contabilizou no nosso passivo colectivo. Alguém! Que pensamos ser quem seja. E que julgamos ter começado a descodificar como age? Fazemos, há já algum tempo, uma ideia dos métodos, visto que eles não são tão novos quanto podemos ser levados a pensar. Onde? Hã, isso faz parte do método, não dizer onde nem quando, porque a morte não se deve anunciar, sobretudo a do inimigo. E talvez seja na surpresa que estará a maior fatalidade! De que se trata? De vingança, do tipo primitivo, daquela que, classicamente, estará sempre ligada às ofensas ao sangue e à honra ou, ainda mais, à divindade que a abençoa!

E porquê? Ah!, para essa questão já podemos formular várias respostas, apesar de com elas não podermos justificar os métodos, por um lado, nem tão pouco diminuir o tal passivo, por outro! Devemos, e o que devemos temos de pagar, mas não paguemos com ‘nota’ falsa, e façamo-lo de forma inequívoca. Para mostrarmos que somos gente de Bem! O acto de contricção faz parte da doutrina social, seja ela particularmente a da Igreja ou, colectivamente, a da nossa socialização! Depois, ... “quem não deve, não teme”! (A cultura dos universais revisitada)!

2. Mas, indo mais directa e linearmente ao assunto, sabem de que estou a falar. De medo! De terrorismo? Esse ismo do terror que se refere aos seus autores, ou ao modo como operam? Na segunda das duas hipóteses estaremos a criar uma injustiça historicamente relativa, e talvez pelas mesmas razões, mas com maior acuidade, devemos situacionar a primeira! Sempre num contexto historicamente comparativo, para não rotularmos uns com adjectivações sempre merecidas por outros!

Por isso, perdoem-me, não quero falar de ninguém! Não devo! Nem me interessa pessoalizar, se é pela clandestinidade do Estado, pelo evolucionismo da permissividade, pelo maquiavelismo da ganância, pelo ódio na vingança, pela loucura do desespero, …! Não me interessam os Bushes, os Aznares, os Blaires, os Soares, os Durões, os Sadames, os Ibnes Ladenes, a CIA e as outras companhias de telefones sob escuta, ... não me interessa estar a falar mais de quem não conheço, de quem apenas sei o que me dizem os ‘frames’ noticiosos!

Apenas me interessa dizer aqui que: a paciência é uma capacidade psicológica inerente à natureza humana, que todos os homens a possuem em mais uma medida desigual, tão igual a tantas outras desigualdades naturais ou artificiais (idealizadas ou não); que o súbdito não se prostra eternamente, mas apenas enquanto se vê representado no soberano; (...)

3. Agora, a esse vazio que a crise do Estado chama liberdade, veio substituir-se a paranóia (ou o vazio de estímulos que, realmente, provocam o medo), não por que não haja razões que se lhe juntem, suficientes para temermos pela nossa integridade física, mas pela forma como estamos a ser levados a combatê-la. O Leviatã ergue-se, vociferando, atingido na vitalidade da sua obsolescência! E, qual diagnóstico, recomenda-se que o Mal seja estranho nas origens, adamastoriano nos efeitos, perverso nos fins e incógnito nas razões, artefacto das novas tecnologias (...), ilegítimo na filiação à natureza que o criou! Por isso, o Populum precisa de encontrar os anticorpos para tal combate, sob pena de perecer da mesma enfermidade. Mas eis que o Rotularium, instituição que se dirige às misérias daquele, apela para que o apoio em massa (a principal fonte de energia do sistema) não falte com o plasma necessário ao retorno da normal vitalidade do corpo reunificado, mas não unido.

4. Valha-nos Stº Agostinho [1], que na Utopia [2] voltou a visitar-nos, e que o Concílio Vaticano II [3] brilhantemente redefiniu:

4.1 “Se falais a homens imbuídos de princípios contrários aos vossos, não deveis esperar que eles façam caso das vossas palavras se de repente lhes atirais à cabeça a contradição e o desmentido. Segui o caminho oblíquo, conduzir-vos-á mais seguramente ao fim visado. Aprendei a dizer a verdade habilmente e no momento próprio; e se os vossos esforços não puderem servir para tornar o bem efectivo, que pelo menos sirvam para diminuir a intensidade do mal; (...)

Sabeis o que me aconteceria se procedesse assim? Acontecer-me-ia que, ao querer curar a loucura dos outros, cairia na demência de que eles próprios sofrem. (...) A minha moral mostra o perigo, afasta dele o homem sensato; só fere o insensato que se lança desvairado no abismo.

«Existe cobardia ou infâmia em calar as verdades que condenam a perversidade humana, com o pretexto de que elas serão motivo de irrisão e consideradas novidades absurdas ou impraticáveis quimeras. Dever-se-ia, em tal caso, lançar um véu sobre o Evangelho e dissimular aos cristãos a doutrina de Jesus.

(...) Os pregadores, homens hábeis, seguiram o caminho oblíquo de que há pouco faláveis; vendo que repugnava aos homens pôr em conformidade os seus maus costumes com a doutrina cristã, vergaram o Evangelho com uma régua de chumbo, para o moldar conforme os maus costumes dos homens. A que os conduziu essa hábil manobra? A dar ao vício a estabilidade e a segurança da virtude”. 2

4.2 “Para edificar a paz, é preciso, antes de mais, eliminar as causas das discórdias entre os homens, que são as que alimentam as guerras, sobretudo as injustiças. Muitas delas provêm das excessivas desigualdades e do atraso em lhes dar remédios necessários. Outras, porém, nascem do espírito de dominação e do desprezo das pessoas; e, se buscarmos causas mais profundas, da inveja, desconfiança e soberba humanas, bem como de outras paixões egoístas. Como o homem não pode suportar tantas desordens, delas provém que, mesmo sem haver guerra, o mundo está continuamente envenenado com as contendas e violência entre os homens. E como se verificam os mesmos males nas relações entre as nações, é absolutamente necessário, para os vencer ou prevenir, e para reprimir as violências desenfreadas, que os organismos internacionais cooperem e se coordenem melhor e que se fomentem incansavelmente as organizações que promovem a paz. (...)” 3



* A analogia com o título da obra do mestre que a escreveu (O Novísimo Príncipe) é, talvez, uma ousadia que apenas a verosimilança factual permite contemplar. No entanto, não podemos deixar de passar o alerta para os incautos da História, pois se o princeps se metamorfoseou, o legado tão pouco pode deixar de ser passado, sobretudo àqueles em quem não encontra corpo para encarnar.

[1] A Cidade de Deus, Vol. 1, Livro I, Cap. I, (4.2 dos textos citados) “Acerca dos inimigos do nome de Cristo que, por causa de Cristo, os bárbaros pouparam durante a devastação de Roma”, Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª Ed., 1996, pág. 99.

[2] MORUS, Tomás, A Utopia, Guimarães Editores, 8ª Edição, Lisboa, 1992, pp. 61-62

[3] Constituição Pastoral Gaudium et Spes, 83 – Construção da comunidade dos povos.