Heresia? Parece, mas ... não é!
Apenas mais uma daquele Sr. Pina
Não é, não, depois de mais uma edição do "Politilendo" em que se falou do ocultismo da Igreja! É tão só mais uma evocação de marcas (talvez apenas isso?) que nos modelam, eventualmente de forma irremediável, algumas das nossas capacidades fundamenais como ser humanos! Mas, a traduzir o resultado dos ganhos sociais que o conhecimento progressivo vai provocando (ou racionalizando a dinâmica cultural, para referir esta definição do Mischa Titiev 1), estamos perante uma autêntica revolução na "Revelação" da Fé!
Mais uma vez, a Igreja! E eu que também tenho reminiscências do meu 'céu', apreendido no catecismo da minha infância! Muito participativamente! Acólito e tudo! E depois? Depois foi Lisboa e o Liceu D. João de Castro! E a "musicologia da libertação"! E o MAEESL de 71 e 72! E Amesterdão, Krishna, Buda e o Corão! E depois sou Eu! Então?
"O Além mais "simplex"
A "simplexificação" chegou ao Além. A Igreja acaba de desactivar o limbo, morada das almas das crianças não baptizadas, mortas sem terem tido tempo de cometer pecado mortal nem de se redimirem da culpa de terem nascido. Aos 10 ou 11 anos, eu imaginava o limbo como morada também das almas dos animais (como podia eu admitir que a minha afectuosa gata "Gira" não tivesse alma e o meu professor de Matemática tivesse?) e, tendo-me alguém convencido de que a Igreja só teria concedido alma às mulheres a partir do Concílio de Trento (teriam então Santa Cecília, Santa Ágata ou Santa Genoveva, perguntava-me eu, sido santificadas sem possuírem alma?), que seria também esse o destino das suas "proto-almas", ou lá o que mulheres teriam até essa data no lugar da alma. O limbo dava-me um jeito enorme para arrumar as almas puras que escapavam às severas regras de acesso ao Paraíso que me ensinavam na catequese. Agora a Igreja concluiu que o limbo reflectia, afinal, "uma visão excessivamente restritiva da salvação" e decidiu extingui-lo e transferir administrativamente as almas excedentárias para o Paraíso. Mesmo sem ser teólogo, eu sempre soube, porém, que as almas das crianças e as dos animais, como diz o Corão, "estão reunidas junto do Senhor" (Corão, 6, 38)."
Retirado da "Última" do JN de 2 de Maio
(1) TITIEV, Mischa, Introdução à Antropologia Cultural, Fundação Calouste Gulbenkian, 5ª ed., Lisboa, 1985, pp. 163 e ss.