Quando a abstenção vence, vence o quê?
Quanto não vale a pena ouvir = ler as pequenas (passo a imodéstia) lições de "Pedrito", daquela "escolita" JN: Eis mais uma deste
Pedro S. Guerreiro
“Lisboa é uma cidade acelerada, Capital com ambições de cosmopolitismo mas ciclópica no seu centralismo; tem mais actividade política e económica que qualquer outra paragem portuguesa; é a mais rica e tributada das regiões; aí circulam 8,1 milhões de turistas por ano, com 12 milhões a aterrar na Portela; há meio milhão de automóveis em trânsito por dia e 235 milhões de passageiros nos autocarros públicos por ano.
Pois nesta cidade grande, à volta da qual gravitam 2,1 milhões de pessoas; onde, dessas, vivem 556 mil; onde votam 532 mil eleitores; onde há doze candidatos a uma Câmara Municipal aprisionada por gravíssimos problemas financeiros; nesta cidade foi ontem eleito um líder. Por cerca de 60 mil pessoas.
É um resultado miserável. Se fosse um referendo, não era vinculativo e nada decidia, por falta de representatividade. Que representatividade tem então o sufrágio deste fim-de-semana? E como é possível que haja quem grite "vitória"?
A vitória foi da abstenção. O que significa que derrotados estamos todos. Só uma cidade sem esperança volta tão nitidamente as costas às urnas.
A elevadíssima abstenção nas eleições de ontem em Lisboa terá várias explicações. Em dia de chuviscos, a praia nem foi uma delas, mas o mês de férias sim. O pouco ambicioso conteúdo e a extensão da campanha será outra razão. E o ambíguo significado que estes resultados eleitorais em Lisboa podem ter na avaliação do Governo não é esclarecedor. Tudo isto poderá ser mais ou menos analisado. E mesmo detectados os "responsáveis", começando pelos próprios candidatos e abrindo um parêntesis para os juízes do Tribunal Constitucional, que adiaram o sufrágio duas semanas para dar tempo para a recolha de assinaturas (quando podiam ter mantido a data de 1 de Julho e prolongado o tempo para a entrega das assinaturas).
Mas nada disto tapa o essencial. Uma abstenção tão elevada não pode se não ser entendida como uma prova de falta de crença nas pessoas e nos projectos a votos. De duas uma: ou os eleitores não se mobilizaram por desmotivação e isso é um sinal amarelo ao sistema; ou, semáforo encarnado, eles mobilizaram-se motivados por uma expressão espontânea e silenciosa de reprovação não ao sistema mas aos políticos que por lá andam.
Esses mesmos políticos franzirão agora graves sobrolhos de preocupação. Mas a coisa passa-lhes rapidamente. Pedir reflexão aos partidos sobre estes resultados é inútil. A tendência vem de longe e, tirando os rescaldos eleitorais, mais ninguém se lembra que, tirando a expressiva votação em Cavaco Silva (que foi eleito com o voto de 2,7 milhões de portugueses), os nossos deputados e muitos presidentes de câmaras foram eleitos por percentagens que escondem números relativamente baixos de votantes. Rui Rio, por exemplo, venceu as eleições à segunda maior cidade do País à frente de uma coligação que teve... 63 mil votos.
António Costa ganhou as eleições mas não ganhou uma cidade. A única vantagem que tem é que as expectativas são baixas - e é mais fácil surpreender quando se espera pouco do que cumprir grandes desígnios. Mas até lá, talvez se deva pensar em expandir os meios de votação à Internet. Mas sobretudo perceber que, como acontece na economia, quando a "procura" não compra um produto é porque a "oferta" não satisfaz as necessidades. O problema é sempre da oferta. Dos partidos. Dos políticos. Dos governantes. Das oposições. E da democracia.”